Direito à sustentabilidade das cidades, sob o enfoque do princípio da dignidade da pessoa humana

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3. Sustentabilidade das cidades no contexto do princípio da dignidade da pessoa humana: direito à cidade constitucionalmente assegurada

Pontua LEFEBVRE (1967) que o direito à cidade se relaciona muito mais com o olhar e o cuidado com o qual os cidadãos tratam as cidades do que com a condução que a própria administração orienta o ambiente urbano. Entende-se, portanto, que é necessária uma apropriação do espaço pelos próprios habitantes, para que a partir de suas criatividades específicas possa haver a transformação das cidades e a consequente satisfação dos interesses sociais. O autor exibe os indivíduos, então, como os principais responsáveis pelo desenvolvimento do direito à sustentabilidade das cidades.

Ressalta-se o entendimento pontuado na Carta Mundial pelo Direito à Cidade que: “O Direito à cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos (...). O direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente” (...).

Desta forma, percebe-se que assegurar o direito às cidades sustentáveis consiste em também assegurar o direito à dignidade da pessoa humana dentro do contexto urbano.

A respeito disso, surge a importância dos planos urbanísticos, que se apresentam como uma ferramenta interessante, capaz de auxiliar no desenvolvimento do ambiente urbano. Preconiza, deste modo, o art. 2º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) que: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.

Destarte, o Estatuto da Cidade carrega em seu bojo as principais condutas e orientações de planejamento urbano para as cidades, tornando-se, assim, uma lei que regulamenta o meio ambiente e dispõe de políticas voltadas para o ambiente das cidades. Percebe-se, então, que o Estatuto da Cidade possui força o bastante para manifestar que a cidade sustentável se constitui em um direito e um comando trazido por ele próprio.

Isto se deve ao fato de que a importância conferida ao meio ambiente é indubitável, haja vista que o meio ambiente se configura no espaço onde habitamos e que propicia as condições mínimas para a sobrevivência humana. Logo, denota-se que o espaço no qual estamos inseridos exerce influência direta na vida dos seres humanos, podendo melhorar ou prejudicar o espaço de convivência social a depender das atitudes e decisões apresentadas por cada habitante.

Sabe-se, pois, que um meio ambiente que não apresenta qualidade de vida ou o mínimo existencial, não assegura os direitos insculpidos na Carta Magna de 88, que trata a respeito dos fundamentos que orientam o Estado Democrático de Direito, e, dentre eles, elenca-se a dignidade da pessoa humana como direito fundamental. Desta maneira, inclui-se, portanto, o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado à categoria de direitos fundamentais, pois conversam com a qualidade de vida dos seres humanos e possibilitam que estes vivam de um modo íntegro, digno e justo.

Desta feita, apresenta-se o posicionamento de SILVA (2004, p. 20) acerca do meio ambiente como: “[...] a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Isto denota que o meio ambiente é muito mais do que um mero lugar que se põe à disposição de todos, pois consiste também em um meio que objetiva possibilitar um desenvolvimento ambiental com responsabilidade e equilíbrio, para oferecer aos habitantes um ambiente capaz de promover a dignidade da pessoa humana.

Na esteira dos direitos humanos, SAMPAIO (2010, p. 08) proclama sua compreensão acerca dos direitos humanos: “Assim, “direitos humanos” seriam os direitos válidos para todos os povos ou para o ser humano, independentemente do contexto social em que se achasse imerso, direitos, portanto, que não conhecem fronteiras nacionais, nem comunidades éticas específicas, porque seriam afirmados – declarados ou constituídos a depender da visão dos autores – em diversas cartas e documentos internacionais como preceitos de jus cognes a todas as nações obrigar, tendo por começo exatamente a Declaração Universal de 1948 (dimensão internacional dos direitos humanos)”.

Portanto, percebe-se que estar inserido em uma cidade que promova a sua própria sustentabilidade e a de seus habitantes consiste em corresponder aos preceitos que atendem aos direitos humanos, pois estes devem existir independente de perspectivas sociais nas quais os indivíduos estejam inseridos. Nesta sequência, para que uma cidade atenda ao seu objetivo sustentável, é necessária a observância de práticas comuns a serem desenvolvidas nestas cidades, tais como: medidas que se direcionem para a conservação das riquezas naturais, ações que possam melhorar a mobilidade urbana e diminuir congestionamentos, condutas que visem a redução da emissão de gases do efeito estufa, atuações que promovam a conscientização da sociedade, o uso moderado de água, formas saudáveis de se reutilizar a água, bem como o encorajamento à utilização de meios de transportes que não poluam em grande escala o meio ambiente.

Percebe-se, portanto, a importância conferida ao meio ambiente estável e à dignidade da pessoa humana através dos cuidados com a cidade. Preceitua, então, MILARÉ (2011), que a Constituição Federal foi além e ultrapassou o próprio direito à vida, vez que a partir das normas inseridas no texto constitucional é possível verificar que cada pessoa não tem direito apenas à vida, mas, também, possui o direito a ter uma plausível qualidade de vida. Automaticamente, partindo deste entendimento, pode ser aproveitado o pensamento supracitado à noção das cidades, que consiste em um ambiente no qual persistem todas as atividades ligadas à condição humana. É dentro do ambiente urbano que os indivíduos desenvolvem suas aptidões, atividades sociais, políticas, culturais etc.

A partir disso, ter direito ao meio ambiente ecologicamente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações representa ter um direito que é, também, fundamental. Logo, perpassa por esse meio o contexto das cidades sustentáveis, que se apresenta também como parte integrante do meio ambiente, e, portanto, também merece ser encarado como direito fundamental, haja vista que ela abriga as interações entre a natureza e o ser humano, possibilitando que este realize as suas necessidades básicas como um desdobramento do direito à vida.

Dito isso, cumpre pontuar que, em meio a uma sociedade que é regida pelo modelo econômico capitalista e que propõe o consumismo, o ato de edificar tais medidas, sistematizar toda essa gama de ações e incentivos tornou-se muito louvável, pois o sistema desvia a atenção de todos para questões que não carecem da nossa real preocupação e cada vez mais se perde a oportunidade de adaptar o planeta a uma perspectiva mais estável ecologicamente.

Portanto, acentua-se a indispensabilidade de que sejam reunidos os principais interesses ambientais e sociais para fertilizar a sustentabilidade urbana, a qual, por sua

pressupõe uma comunicação saudável e equilibrada entre os recursos naturais e as necessidades emanadas pelos centros urbanos, a fim de que se alcance uma harmonia estável entre o meio em que se vive e as pessoas que nele vivem.


4. Metodologia

O presente trabalho dedica-se ao tipo de pesquisa qualitativa, haja vista o zelo pela qualidade dos dados coletados, conforme preconiza Minayo (1994, p. 21): “A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

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Inclui-se também a pesquisa bibliográfica, explicada nas palavras de Fonseca (2002) como aquela que possui o fulcro de canalizar informações acerca do problema ou do tema que se deseja o alcance de uma resposta.

Ressalta-se, por sua vez, o tipo de pesquisa explicativa, que, conforme entendimento de Gil (2008), objetiva identificar os fatores que contribuem para a explicação de motivos para determinados resultados.

Por fim, incide a pesquisa exploratória, que, conforme Gil (2008), pretende proporcionar a apropriação de uma maior quantidade de informações sobre um dado assunto, para possibilitar uma visão mais ampla a fim de aproximá-la de determinado fenômeno.


Conclusão

Uma vez que a Constituição Federal ampara fortemente o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, considera-se que o direito às cidades sustentáveis constitui-se como direito fundamental, pois visa preservar o mesmo direito e o mesmo acesso a um meio ambiente justo e digno para as presentes e futuras gerações.

Entende-se que o meio ambiente tem ligação direta com os indivíduos, pois ambos convivem juntos sob as mesmas condições. Neste sentido, fazer jus ao direito a cidade sustentável que deve fazer jus também à efetividade do princípio que promove à dignidade humana. Sabe-se que o Estado encontra-se em crise e apresenta um déficit quanto à efetivação adequada deste direito fundamental em comento, pois existem várias carências emanadas pela população relativas a uma moradia de qualidade e um ambiente que seja cuidado a partir das condições básicas de higiene e salubridade.

Neste ínterim, é notório que cada cidade carrega consigo suas insuficiências e qualidades, exibindo neste segmento a utilidade de conhecê-las para que se possa entender de que forma a sustentabilidade pode ser promovida e quais as perspectivas sustentáveis que podem ser projetadas em suas respectivas realidades para garantir a mesma convivência e um padrão de vida equilibrado verificado nas presentes gerações, mas que também permeie as futuras gerações.

É preciso também que haja uma conscientização no pensamento dos indivíduos, tendo em vista que as cidades sustentáveis necessitam ser planejadas mediante a busca de um meio ambiente equilibrado, não sendo este limitado apenas a um espaço geográfico em si, mas que deve ser pensado de um modo mais geral, para contemplar todas as deficiências e procurar soluções viáveis e sustentáveis para o alcance de uma vida sadia em sociedade.


Referências

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BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, estabelece as diretrizes gerais da política urbana e dá outra providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de jul de 2001.

DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri, SP: Manole, 2004.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.

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FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.

GADOTTI, Moacir. Educar para Sustentabilidade: Uma contribuição à Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Ed, L, 2008.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2008.

LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico: condições e possibilidades da Constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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LEITE, Carlos. AWAD, Juliana di Cesare Marques. Cidades Sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. 2012.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 7ª ed. rev. atual. e reform. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2011.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social. Teoria, Método e Criatividade. 23ª edi. Petrópolis: Vozes, 1994.

SACHS, I. Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento. São Paulo: Vértice, 1981.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004

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Sobre o autor
Alisson Hondinelle Oliveira Amorim

Estagiário do curso de direito, Sargento da Policia militar e pós graduado em História.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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