Resumo: O presente ensaio tem como escopo o estudo da prescrição intercorrente, matéria esta com relevância e dimensão no ordenamento jurídico, pois relaciona-se diretamente com o direito material dos litigantes. Assim, a prescrição em sua esfera particular é a garantia mínima de um lapso temporal para a perquirição de direitos, período este que não sendo exercido o direito, tem-se a perda da pretensão da ação, devido à excessiva demora ou inércia do beneficiário de direito. Neste contexto, surge o instituto da prescrição intercorrente que da mesma forma estabelece um tempo limite de inércia às partes no curso do processo, com suporte em princípios gerais de direito, mantendo-se deste modo à segurança jurídica. No Direito do Trabalho a lei 13.467/2017 denominada “Reforma Trabalhista” passou a vigorar em 11 de novembro de 2017, deste modo acrescenta o artigo 11-A na CLT, dispositivo este, que disciplina a prescrição intercorrente no processo do Trabalho, surgindo assim, ampla divergência entre a Súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, enunciado este muito debatido e contrário ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que editou a Súmula nº 327, prevendo a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho.
Palavras-Chave: Prescrição intercorrente, Princípio Constitucional da duração razoável do processo, direito processual do trabalho, segurança jurídica.
Sumário:Introdução. 1. Historicidade da Prescrição. 2. Prescrição e a decadência. 3. Prescrição intercorrente. 3.1. Direitos Fundamentais e a Duração Razoável do Processo. 3.2. A Prescrição Intercorrente nos Tribunais Superiores. 3.3. Aplicação a partir da Lei 13.467/2017 . 3.3.1. Prescrição Intercorrente no Processo do Trabalho a partir do artigo 11-A da CLT. 4. Considerações Finais. Referencias Bibliográficas
Introdução
No presente trabalho explorar-se-á o instituto da prescrição intercorrente, tendo como debate fundamental a aplicação deste instituto no Processo do Trabalho e os seus reflexos na jurisprudência dos tribunais.
Para tanto, iniciar-se-á esta tarefa com a análise histórica da Prescrição, desde sua origem no Direito Romano até os diais atuais, em praticamente todos os ordenamentos jurídicos. Após, tratar-se-á da distinção do instituto prescricional e da decadência, diferenciando sua relação e efeitos no mundo jurídico.
Com efeito, examinar-se-á a prescrição intercorrente, sua origem no ordenamento brasileiro e a conexão deste instituto com os princípios e direitos fundamentais adotados pelo sistema Constitucional Pátrio, bem como a posição adotada pelos Tribunais Superiores, em particular analisar-se-á a Súmula 114 do TST e a Súmula 327 do STF, observado suas posições antagônicas e os efeitos destas no poder Judiciário, em especial na Justiça do Trabalho.
Por fim, tratar-se-á da análise da Lei 13.467/2017, a qual insere na Consolidação das Leis do Trabalho o artigo 11-A, que prevê a aplicação da prescrição intercorrente no direito trabalhista, conforme pressupostos específicos incluídos na norma examinada em questão. Encerrando este estudo com as posições doutrinárias a respeito do tema principal.
1. Historicidade da Prescrição
Inicialmente, para analisar a origem da Prescrição, torna-se essencial o regresso ao Direito Romano, onde se trata de forma preliminar o termo praescriptio[1] expressão esta empregada para a aquisição ou extinção do direito à posse, através da ação reivindicatória no âmbito da usucapião da propriedade. Neste aspecto, contrapõem-se de um lado a inércia do titular para ajuizar a ação reivindicatória, em face do direito a aquisição do novo possuidor que exerce por longo tempo a posse, sem oposição[2].
Neste contexto, a prescrição, em sua forma original foi tratada como meio de aquisição e extinção de direitos, tendo como pilar basilar o Direito Romano, em especial a usucapião, instituto este que define ambos os conceitos das espécies prescricionais até então existentes, as quais são: a modalidade extintiva, eficaz para extinção de direito e a aquisitiva que efetiva o nascimento de direitos[3].
De similar modo, no início do século XIX, o Código Civil Francês regulamentou a prescrição, separando os institutos entre prescrição aquisitiva e extintiva[4]. Importante ressaltar que o Código Civil Francês surge no curso do império Napoleônico, movimento este que resulta de forma direta e indireta na positivação de diversos institutos jurídicos nos diplomas legais dos países do ocidente, entre estes a própria prescrição[5].
No ordenamento Brasileiro, a Prescrição apresenta-se de forma incipiente nas Ordenações Portuguesas, particularmente nas ordenações Filipinas, as quais previam o instituto prescricional no Livro III, Titulo L, com a descrição “Excepções Peremptórias”, sendo descrita como o ato que colocava fim a negócios jurídicos diversos como a sentença, transação, prescrição entre outros atos da época, traçando-se assim o marco inicial da prescrição no ordenamento Brasileiro[6].
Com efeito, o Código Civil de 1.916 positiva a prescrição em seu artigo 177, dispositivo este que segundo Pontes de Miranda “é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação” [7].
Atualmente, o Código Civil Brasileiro de 2002, disciplina o instituto da prescrição no artigo 205, como regra geral, determinando assim o período prescricional dos direitos cíveis, também incidindo nas situações em que inexista o prazo prescricional, aplicando na falta de prazo legal para a prescrição do direito o lapso temporal de 10 anos[8]. No mesmo sentido, o artigo 206 do diploma Civil prevê os direitos que possuem seu prazo prescricional regulamentados de forma explicita, como nas hipóteses de ofensa à honra, títulos como cheque, entre outros prazos taxados no referido dispositivo[9].
Ainda, no ordenamento brasileiro outros Diplomas Processuais versam sobre a prescrição, a título exemplificativo observa-se o Codigo de Processo Civil que trata da matéria nos seguintes dispositivos: Art. 332, parágrafo 1º; Art. 487, inciso II; e Art. 921, parágrafos 1º e 4º. De modo semelhante à Lei de Execuções Fiscais trata da prescrição em seu artigo 40[10].
Por fim, trata-se de questão fundamental analisar os institutos prescricionais como um fato jurídico de relevância nas relações jurídicas sociais, neste sentido leciona Pablo Stolze Gagliano:
O tempo é um fato jurídico natural de enorme importância nas relações jurídicas travadas na sociedade, uma vez que tem grandes repercussões no nascimento, exercício e extinção de direitos.
Por fim, o tempo também poderá fulminar de morte certos direitos ou as pretensões decorrentes de sua violação, que é o caso justamente dos institutos, respectivamente, da decadência e da prescrição. [11]
Neste sentido, é relevante o estudo da prescrição, pois trata do tempo como um fator de grande influência nas relações sociais, o que é claramente observado na Prescrição e Decadência.
2. Prescrição e a Decadência
Inevitável e necessário o exame e a distinção entre os institutos da Prescrição e Decadência, antes de analisar a prescrição intercorrente, estes a propósito não podem confundir-se, pois ambos produzem efeitos diversos nas relações jurídicas. Assim, a Prescrição trata-se da perda do direito de ação, devido à inércia do titular de determinado direito, que não o exerce no período previsto, afastando-se assim a exigibilidade do direito, ao menos na seara judicial, conforme leciona Vólia Bomfim Cassar:
Assim, a prescrição retira a exigibilidade de um direito. O direito em si sobrevive e pode ser exercido extrajudicialmente, mas não mais cobrado, exigido. A obrigação passa a ser natural e seu cumprimento espontâneo não autoriza a repetição de indébito, isto é, a devolução. [12]
Neste entendimento, a prescrição atinge diretamente a eficácia do direito, que surge ao preencher os requisitos previstos para seu exercício. A respeito tem-se duas categorias de direitos: direito objetivo e subjetivo, este último, nasce do efetivo preenchimento dos requisitos legais, onde inicia sua exigência, esta exigência perde seu efeito com a ocorrência da Prescrição. De outro lado, o direito objetivo é o próprio direito positivado, este previsto em determinada legislação que impõem seus requisitos para usufruí-lo efetivamente[13].
De outro lado, a Decadência é a extinção do próprio direito em si, ou seja, a perda do direito potestativo pelo não exercício de seu titular, a respeito Vólia Bomfim Cassar conceitua a Decadência da seguinte forma:
Etimologicamente, decadência deriva do latim caducus-a-um e significa aquilo que cai, que está destinado a perecer, morrer. O sufixo “encia”, variação do vocábulo latim entia, indica ação ou estado: ação de cair ou estado daquilo que decaiu. Decadência é a perda de direitos potestativos e invioláveis pelo decurso de prazo previsto em lei ou no contrato para o seu exercício. [14]
Neste contexto, a Decadência extingue o próprio direito, ao passo que na Prescrição o direito continua a existir, o que sucede é a supressão dos efeitos executivos através de procedimento judicial.
Ressalta-se importante observar as distinções entre a prescrição e a decadência, conforme relação a seguir:
a) Decadência extingue o direito, enquanto a Prescrição extingue a pretensão ao direito material[15].
b) A Decadência corresponde a uma faculdade do agente para produção de efeitos jurídicos, de outro lado, a Prescrição, envolve direitos subjetivos do agente, em conseqüência de obrigações de outra parte[16].
c) A Decadência ocorre simultaneamente com nascimento do direito e a sua pretensão extinguindo-se da mesma forma, ao passo que a Prescrição, nasce após a violação do direito, extinguindo-se apenas a sua exigência[17].
d) A Decadência não tem prazo interruptivo ou suspensivo, enquanto que a Prescrição trás a faculdade de interrupções e suspensões conforme disposição legal[18].
e) O prazo Decadência advém de Lei, contratos ou declarações unilaterais, ao passo que o prazo Prescricional é previsível somente em lei[19].
f) A Decadência não pode ser renunciada, conforme art. 209 do Diploma Civil, à medida que a Prescrição pode ser renunciada após sua consumação (art. 191 do Código Civil Brasileiro) [20].
Diga-se, assim, que ambos os institutos jurídicos, Prescrição e Decadência, não se identificam, sendo esta situação vislumbrada claramente, a titulo exemplificativo do prazo Decadencial, tem-se no Processo do Trabalho o Inquérito Judicial para apuração de falta grave, Mandado de Segurança e a Ação Rescisória[21], assim a Decadência interfere em potencial reduzido no ordenamento jurídico.
Entretanto, a Prescrição é vigorosamente observada no Direito Brasileiro, iniciando na própria Constituição Federal, que em matéria Trabalhista, prevê o instituto no inciso XXIX, do artigo 7º, difundindo-se no artigo 11º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), onde conforme corrente majoritária figura-se com prazo prescricional bienal, ou seja, 02 anos contados a partir da extinção do contrato de trabalho e a prescrição quinquenal, 05 anos retroativos ao ajuizamento da Reclamatória Trabalhista[22].
Com efeito, a prescrição tem natureza jurídica de caráter público, pois não pode sofrer alterações em seu prazo por ato unilateral ou pela mera vontade das partes, prevalecendo assim, o interesse público, em sacrifício do interesse individual[23].
No tocante as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, a interrupção é aplicada no Direito do Trabalho em relação à incapacidade absoluta, que vem prevista de forma específica no artigo 440 da CLT, conforme leciona Mauricio Godinho Delgado:
A lei trabalhista tem preceito especifico sobre a relação incapacidade e prescrição, ao dispor que não corre prescrição contra os menores de 18 anos (art. 440, CLT; art. 10, Lei n. 5.889/73). Ou seja: a menoridade trabalhista e fator impeditivo da prescrição, independentemente de ser o menor absoluta ou relativamente incapaz — o que torna irrelevante, sob o ponto de vista da prescrição, essa diferenciação do Codigo Civil Brasileiro. [24]
Deste modo, diferente da previsão no Diploma Civil, que regula os menores relativamente ou absolutamente incapazes, no Direito do Trabalho trata-se apenas da Prescrição absoluta, para o menor de 18 anos.
Em seguida a prescrição também é interrompida pelo protesto judicial, ou seja, pelo ajuizamento da ação[25], submetendo-se de igual forma as hipóteses do artigo 202 do Código Civil de 2002, como ajuizamento em juízo incompetente. Necessário observar a existência da Súmula 268 do TST, que prevê a interrupção apenas aos pedidos da inicial, conforme transcrição in verbis:
PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA ARQUIVADA (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos. [26]
De outro lado, as causas suspensivas da Prescrição, aquelas que paralisam a contagem da prescrição, paralisação esta que se inicia de imediato após o transcurso da causa suspensiva, vem previstas nas seguintes hipóteses:
a) Na prestação de serviço Militar em período de Guerra, frisando-se que apenas em tempo de Guerra[27].
b) Ausência do titular da ação, estando este fora do país, a serviço dos entes públicos[28].
c) Período entre a Comissão de Conciliação Prévia (art. 625-G da CLT)[29].
Por fim, as únicas identidades entre os institutos da Prescrição e Decadência são verificadas quanto aos elementos de sua aplicabilidade, que se fundamentam na inércia do sujeito titular do direito ao exercício no lapso temporal específico de cada instituto[30], conforme leciona Alice Monteiro de Barros “Desses conceitos inferem-se elementos comuns aos dois institutos jurídicos: inércia e tempo” [31].