Resumo: O ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, ou simplesmente ISS, é um dos tributos que representa expressiva arrecadação, por ser um dos mais incidentes em nosso cotidiano, visto que a atividade de prestação de serviços está amplamente difundida na economia atual. Nesse contexto, um problema recorrente de bitributação (quando entes distintos cobram o mesmo tributo sobre um mesmo contribuinte) decorre da dúvida quanto ao local da incidência em determinados serviços, como, por exemplo, a prestação de serviços de engenharia. Questiona-se se o imposto é devido no local da efetiva prestação do serviço ou no município em que está estabelecido o prestador. Essa dúvida surge em razão da especificidade e alta especialização do serviço de engenharia, frequentemente contratado em cidade ou Estado diverso daquele onde se localiza o contratante, gerando controvérsia sobre o município competente para o recolhimento do tributo.
Palavras-chave: ISSQN, prestador de serviços, bitributação, estabelecimento do prestador, serviços de engenharia.
1. Introdução
Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 156, sobre o ISS:
Art. 156, CF. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Assim, é de competência dos municípios a cobrança do ISS, referente aos serviços prestados em seus territórios (BRASIL. Constituição Federal, 1988).
Ocorre que a cobrança desse tributo, não raras vezes, é motivo da chamada “guerra fiscal”, a qual gera insegurança jurídica ao contribuinte, haja vista que Procuradorias Fazendárias Municipais, por vezes, distorcem a autorização constitucional e a Lei Complementar nº 116/2003, para ampliar a arrecadação em hipóteses que não lhes competem.
Nesse contexto, surge a controvérsia acerca do ISS incidente sobre serviços de engenharia: discute-se o local da incidência do imposto, o que implica a determinação do sujeito ativo da obrigação tributária, ou seja, o município competente para receber a receita, em disputa entre:
a) o município do estabelecimento do prestador;
b) o município do domicílio do tomador; ou
c) o município onde efetivamente prestado o serviço.
2. LEI COMPLEMENTAR nº 116/2003
A Lei Complementar nº 116/2003 foi editada justamente para dirimir conflitos de competência na arrecadação do ISSQN, estabelecendo a territorialidade da incidência.
Conforme o artigo 3º da referida norma:
Art. 3º. O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local.
Trata-se de uma regra geral para a determinação do sujeito ativo do ISS: será competente o município do estabelecimento do prestador, e, na falta deste, o município do domicílio do prestador. Portanto, o estabelecimento do prestador do serviço é considerado o local da prestação, sendo irrelevante onde este tenha sido efetivamente executado (SABBAG, 2013).
A supracitada lei teve, assim, o propósito de esclarecer que o local da prestação do serviço é o do estabelecimento do prestador, sobretudo em razão do caráter pessoal e intelectual da atividade, independentemente do lugar em que se realize a execução.
Contudo, o artigo em questão relaciona hipóteses em que a incidência do imposto ocorrerá no município onde o serviço for prestado, e não no local em que esteja sediado o prestador. Tais hipóteses configuram 22 (vinte e duas) exceções que compõem rol taxativo, autorizando o município do local da execução a cobrar e receber a receita do ISSQN.
Entre essas situações excepcionais, destaca-se a prevista no inciso III, que estabelece ser competente o município onde se executarem os serviços de obra, nos casos descritos nos subitens 7.02 e 7.19 da Lista Anexa à referida lei complementar.
Nesse sentido, a LC nº 116/2003, em sua Lista Anexa, relaciona todos os serviços que podem ser tributados pelo ISSQN. Considerando o objeto deste estudo, merecem destaque os serviços descritos nos subitens 7.02 a 7.19, atinentes à engenharia e atividades correlatas.
7 – Serviços relativos a engenharia, arquitetura, geologia, urbanismo, construção civil, manutenção, limpeza, meio ambiente, saneamento e congêneres.
7.01 – Engenharia, agronomia, agrimensura, arquitetura, geologia, urbanismo, paisagismo e congêneres.
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.03 – Elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia.
7.04 – Demolição.
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.06 – Colocação e instalação de tapetes, carpetes, assoalhos, cortinas, revestimentos de parede, vidros, divisórias, placas de gesso e congêneres, com material fornecido pelo tomador do serviço.
7.07 – Recuperação, raspagem, polimento e lustração de pisos e congêneres.
7.08 – Calafetação.
7.09 – Varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer.
7.10 – Limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres.
7.11 – Decoração e jardinagem, inclusive corte e poda de árvores.
7.12 – Controle e tratamento de efluentes de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos.
7.13 – Dedetização, desinfecção, desinsetização, imunização, higienização, desratização, pulverização e congêneres.
7.14 – (VETADO)
7.15 – (VETADO)
7.16 – Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres.
7.17 – Escoramento, contenção de encostas e serviços congêneres.
7.18 – Limpeza e dragagem de rios, portos, canais, baías, lagos, lagoas, represas, açudes e congêneres.
7.19 – Acompanhamento e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo.
7.20 – Aerofotogrametria (inclusive interpretação), cartografia, mapeamento, levantamentos topográficos, batimétricos, geográficos, geodésicos, geológicos, geofísicos e congêneres.
7.21 – Pesquisa, perfuração, cimentação, mergulho, perfilagem, concretação, testemunhagem, pescaria, estimulação e outros serviços relacionados com a exploração e explotação de petróleo, gás natural e de outros recursos minerais.
7.22 – Nucleação e bombardeamento de nuvens e congêneres. (BRASIL, Lei Complementar 116, 2003).
Dessa forma, a correta hermenêutica a ser aplicada ao presente estudo, à luz do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003, que estabelece a regra geral sobre o local de incidência do ISSQN, conduz ao enquadramento do serviço de engenharia como hipótese excepcional. Isso porque o inciso III do referido artigo prevê que, nos casos descritos no inciso III desse artigo, enquadrando-se no subitem 7.03 da Lista Anexa à Lei Complementar, o imposto será devido ao município onde o serviço for prestado, considerado, portanto, o local da obra como o espaço de ocorrência do fato gerador.
Assim, colacionam-se os ensinamentos do doutrinador Eduardo Sabbag sobre o tema:
Quanto ao problema da veracidade ou não do local do estabelecimento prestador – muito em razão da dificuldade de “‘precisar o sujeito ativo’ (Município credor do ISS)” –, sempre se entendeu que, “embora o contribuinte tenha liberdade para instalar sua sede e o estabelecimento prestador de serviços nos locais que sejam de seu exclusivo interesse (princípio da autonomia da vontade que regra os negócios particulares), a atividade somente poderá ficar sujeita à alíquota menos gravosa se efetivamente possuir de modo concreto (e não apenas ‘caixa postal’), um estabelecimento no Município. Um simples local que nada possui (bens, pessoas e instalações) representará mera simulação, cujos efeitos tributários podem ser desconsiderados. (SABBAG, 2013, p. 1020).
Portanto, o serviço de engenharia será tributado no local de sua efetiva prestação, conforme determina o art. 3º, inciso III, da Lei Complementar nº 116/2003, devendo o montante ser recolhido ao município onde o serviço foi executado, e não ao município de estabelecimento do prestador. Trata-se de hipótese excepcional de incidência, prevista em rol taxativo.
3. JURISPRUDÊNCIA HODIERNA
Estando evidente que a incidência do ISS sobre os serviços de engenharia ocorre no local da efetiva prestação, faz-se necessário colacionar a jurisprudência atual dos tribunais superiores, que confirma e consolida tal entendimento legal, conforme se verifica a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇAO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - ISS - LISTA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA - SERVIÇOS DE ENGENHARIA CONSULTIVA GERENCIAMENTO ACOMPANHAMENTO E SUPERVISÃO DE PROJETOS E AUDITORIA - CLASSIFICAÇÃO - ITEM 7.19 - ARTIGO 3º, III - EXCEÇÃO - COMPETÊNCIA DO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - PROJETOS MECÂNICOS, ELÉTRICOS E DE ADEQUAÇÃO DE LÍQUIDOS -ITEM 7.03- CAPUT DO ARTIGO 3º - LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR - ENTENDIMENTO DO STJ - SENTENÇA MANTIDA. A lista anexa à Lei Complementar 116/2003, conforme já deliberado pelo Supremo Tribunal Federal, é taxativa, todavia a própria Corte admite sua interpretação analógica, ante a diversidade de possibilidade de nomenclatura a ser utilizada para o mesmo serviço. O ISS, no que tange aos serviços prestados posteriormente à Lei Complementar 116/2003, e devido, em regra, no local do estabelecimento prestador, entendendo-se a sede, ainda que qualificada com nomenclatura diferente. As exceções previstas estão alocadas nos incisos do referido artigo, onde vem expressamente determinado Município competente para exigir a tributação. Nos termos do inciso III, do artigo 3º da LC, o imposto será devido no local da execução da obra quando incidir no item 7.19, que trata do acompanhamento e supervisão de projetos de engenharia.
(BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2009).
Assim, ainda que se trate de rol taxativo (numerus clausus), o Supremo Tribunal Federal admite a interpretação analógica, em razão da diversidade de nomenclaturas atribuídas aos serviços prestados. Ademais, colhe-se outro julgado ilustrativo:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. ENGENHARIA CONSULTIVA. SERVIÇO QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DE CONSTRUÇÃO CIVIL. ART. 11, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI N. 406/68. MUNICÍPIO COMPETENTE DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO NO RESP 1.060.210/SC, SUBMETIDO AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC. 1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008, firmou a orientação no sentido de que: "(b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo". 2. Ao contrário do que se possa imaginar, as premissas estabelecidas nesse precedente aplicam-se a todos os casos que envolvam conflito de competência sobre a incidência do ISS em razão de o estabelecimento prestador se localizar em municipalidade diversa daquela em que realizado o serviço objeto de tributação. [...]
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2014).
Da mesma forma, é necessário esclarecer que, antes da edição da Lei Complementar nº 116/2003, o serviço de engenharia era considerado distinto do serviço de construção civil, ainda que concomitante a este. Com a entrada em vigor da referida lei, ambos passaram a ser unificados, o que extinguiu tal conflito em nosso ordenamento jurídico, uma vez que os dois serviços foram incluídos no rol do item 7 da Lista Anexa de Serviços.
Por fim, destaca-se mais um julgado pertinente ao tema:
TRIBUTÁRIO - ISS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - CONSTRUÇÃO CIVIL PROJETO, ASSESSORAMENTO NA LICITAÇÃO E GERENCIAMENTO DA OBRA CONTRATADA - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO ONDE SE REALIZOU O SERVIÇO DE CONSTRUÇÃO - CONTRATO ÚNICO SEM DIVISÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS. 1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do ser- viço (art. 3º). 2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou depois da lei complementar, o imposto é devido no local da construção (art. 12, letra b do DL 406/68 e art. 3º, da LC 116/2003). 3. Mesmo estabeleça o contrato diversas etapas da obra de construção, muitas das quais realizadas fora da obra e em município diverso, onde esteja a sede da prestadora, considera-se a obra como uma universalidade, sem divisão das etapas de execução para efeito de recolhimento do ISS. 4. Discussão de honorários advocatícios prejudicada em razão da inversão dos ônus da sucumbência. 5. Recurso Especial conhecido e provido. 6. Recurso especial decidido sob o rito do art. 543-C do CPC. Adoção das providências previstas no § 7º do art. 543-C do CPC e nos arts. 5º, II e 6º da Resolução STJ nº 8/2008.
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009).
Consequentemente, considera-se que a incidência do fato gerador do ISS, relativamente aos serviços de engenharia e congêneres, ocorre no local da efetiva prestação do serviço, e não no município em que o prestador possua estabelecimento.
Conclusão
Portanto, resta esclarecido que o prestador de serviços de engenharia, assim como seus congêneres, quando executarem atividades fora do município em que foi constituída sua sociedade, deverá recolher o ISSQN ao ente municipal em cujo território o serviço foi efetivamente prestado, considerando-se ali ocorrido o fato gerador do tributo.
Ademais, cumpre ressaltar que, em caso de bitributação, poderá ser requerida a devolução do valor pago ao município incompetente para a cobrança, por meio da propositura de ação de repetição de indébito, respeitado o prazo prescricional de cinco anos, cujo termo inicial é a data do pagamento.
Outrossim, se houver dois lançamentos tributários do ISS por municípios distintos, ainda sem recolhimento, o contribuinte poderá ajuizar ação de consignação em pagamento. Nessa hipótese, o valor exigido por ambos os entes ficará depositado em juízo, a critério do contribuinte, até decisão judicial definitiva que defina o município competente para o levantamento da quantia.
Referências Bibliográficas
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (STJ - REsp: 1211219 SP 2010/0162703-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 24/04/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2014). Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25092288/recurso-especial-resp-1211219-sp-2010-0162703-6-stj>. Acesso em: 28 de abr. de 2015.
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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. Ed, Revisada, Ampliada e Atualizada até a Emenda Constitucional n.º 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011.
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