Breves introduções sobre o direito marítimo

12/02/2018 às 20:24
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A proposta é aproximar o leitor da disciplina de direito marítimo, ainda pouco conhecida no meio jurídico pátrio, apesar de suas origens remontarem às primeiras navegações e às delimitações das rotas marítimas.

“No mundo há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que navegam. Só aos homens do mar é que deve ser dada a capacidade de julgar as decisões tomadas no mar, por quem vive do mar.”

Victor Hugo.

A proposta para este texto é aproximar o leitor da interessante disciplina de Direito Marítimo, ainda pouco conhecida no meio jurídico pátrio, apesar de que suas origens remontam às primeiras navegações e as delimitações das rotas marítimas, frutos da prática comercial intensa entre fenícios, gregos e cartaginenses.

Neste cenário, a Ilha de Rhodes se transformou no centro jurídico marítimo da época, responsável por disseminar a legislação produzida por todo o mar Mediterrâneo até aos conhecimentos romanos, dos quais provém a expressão latina “Lex Rodhia de Jactu”. Por esta Lei, compreende-se a primeira definição de avaria grossa, vigorando até hoje na prática marítima, da qual se contempla que para sua ocorrência deve haver uma vontade humana visando à salvaguarda de um interesse comum ao sacrificar outro. No caso, as despesas extraordinárias resultantes deverão ser repartidas proporcionalmente entre os interessados na aventura marítima. O Direito brasileiro adotou tal concepção nos artigos 763 e 764 do atual Código Comercial (1850), proveniente do Código Comercial francês, cujos requisitos são: estado de perigo real e iminente; defesa do interesse comum; prática volitiva; extraordinariedade e obtenção ou tentativa de obter resultado útil.

Um exemplo da atual aplicabilidade da “Lex Rodhia de Jactu” é o recente acidente ocorrido em 25 de abril deste ano, envolvendo o porta-contêineres Maersk Londrina após realizar sua escala no porto Tanjung Pelepas, na Malásia, com destino aos portos brasileiros de Santos, Sepetiba, Paranaguá, Itapoá e Itajaí. O cargueiro sofreu uma explosão, da qual resultou em um incêndio no interior de seu porão, permanecendo à deriva em alto mar durante horas. Grande parte das mercadorias a bordo foi danificada pela grande quantidade de água utilizada para contenção do fogo, a fim de que as chamas não se alastrassem por todo o navio (COMEXBLOG, 2015). Desta feita, indispensável foi renunciar à parte da carga em prol de um interesse comum, fato do qual se caracteriza a avaria grossa. Outros exemplos são as despesas oriundas da varação (encalhe intencional), arribada forçada e do alijamento de carga, sendo este último presente nas lições gregas de Demóstenes.

Superando as contribuições gregas, mister é relatar brevemente a influência do Império romano no Direito Marítimo.

Apesar de já ser de conhecimento dos gregos, foram os patrícios romanos que fomentaram o “foenus nauticum”, contrato de dinheiro a risco, por possuírem somas a serem investidas no comércio marítimo (SAMPAIO DE LACERDA, 1984). Assim, celebravam acordos com os mercadores, incumbidos de apresentar o navio ao empreendedor patrício, e adquiriam mercadorias em outros locais, sendo os lucros resultantes repartidos ao fim da viagem. Entretanto, havendo prejuízos, estes eram repartidos entre os aventureiros marítimos. Hoje, os mercadores, ou navegadores marítimos, são conhecidos por armadores de navios, tais como Hamburg Süd, Maersk, MSC e tantos outros que ganham os mercados e as rotas marítimas internacionais. Para o Código Comercial brasileiro, em Direito Marítimo, esta relação jurídica encontra-se estabelecida em seus artigos 633 a 665, conhecida por “contrato de dinheiro a risco ou câmbio marítimo”, já para o Direito Empresarial Societário, poderá desencadear na sociedade em comandita, bem como sociedade em comandita por ações ou sociedade em conta de participação.

Na época das grandes navegações (BARROS,1988, p. 367 e 368), durante os séculos XIV, XV e XVI, Portugal estabeleceu seu poderio naval, baseado na onipotente marinha mercante lusitana, buscando sua soberania no comércio de especiarias entre a Europa e a Ásia, além do domínio geográfico nos confins do oceano Atlântico, declarando, desta forma, uma corrida em busca do ouro americano em face às naus espanholas. A partir de 1500, na então “Terra de Vera Cruz”, as Ordenações do Reino português, tais quais as Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, regeram todo o aspecto jurídico da época.

Vale lembrar que este período foi marcado por invasões espanholas, francesas e holandesas, assim como a estreita relação comercial entre Portugal e Grã-Bretanha, resultando na assinatura da Carta Régia pelo então príncipe regente, D. João de Bragança, em 28 de janeiro de 1808, na Capitania da Baía de Todos os Santos, documento que determinava a “abertura dos portos às nações amigas”. Posteriormente, em 1810, estava oficializada a intenção de comércio marítimo entre as duas nações com a assinatura dos Tratados de Cooperação e Amizade e de Comércio e Navegação, determinando a redução das tarifas alfandegárias de 24% para 15% aos produtos ingleses, ato que impulsionou o consumo na então extinta colônia portuguesa.

Em contrapartida, a necessidade de maior proteção ao comércio marítimo que, por muitas vezes encontrava obstáculos em decorrência da atuação de piratas, suscitou na criação das Divisões Navais na costa brasileira (1813), surgindo a Capitania do Porto, por meio do Decreto n. 358, de 14 de agosto de 1845. Mediante esta legislação, estava determinado que toda Capitania que possuísse porto teria uma Capitania do Porto, não apenas para a defesa militar da região, mas também para atuar no controle da circulação de bens e fiscalização de embarcações marítimas e fluviais. Com a edição do Decreto n. 24.288, de 24 de maio 1934, houve a regulamentação das Capitanias dos Portos, estrutura vigente nos dias de hoje, atribuindo a competência para fiscalização técnica da construção naval, exercício da polícia naval, inscrição marítima de todas as embarcações, além da execução das ordens do diretor geral Marinha Mercante, entre outros atributos enumerados no corpo normativo mencionado.

Não obstante, é de salientar a criação do Tribunal Marítimo, órgão administrativo e integrante do Poder Executivo, vinculado ao Comando da Marinha, pelo Decreto n. 24.585, de 5 de julho de 1934 e regulamentado pela vigente Lei n. 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, cuja sede está localizada na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Dentre sua alçada, os artigos 13 e 14 da norma regulamentadora elencam a realização de diligências à elucidação de fatos e acidentes da navegação; define as responsabilidades e fixa sanções referentes às causas que proporcionaram o incidente marítimo; suspensão do tráfego de embarcações em determinada área, além da propositura de sugestões referentes a modificações legislativas. Muitas são as decisões proferidas pelo Tribunal Marítimo, talvez a mais conhecida do caso Bateau Mouche, grande exemplo abordado nas aulas de Direito Penal .

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, de 2015, muito articulado tem sido a suspensão por prazo máximo de um ano do processo judicial, quando houver discussão em juízo de questão decorrente de acidentes e fatos da navegação da competência do Tribunal Marítimo, igualmente serem considerados títulos executivos judiciais os acórdãos proferidos pelo Tribunal Marítimo, devendo ser cumpridos perante o juízo cível competente. Este último ponto, contido no artigo. 515, X, CPC/2015, foi vetado pela presidente Dilma Rousseff, em 17 de março de 2015, sob o argumento de que ao atribuir natureza de título executivo judicial ao acórdão do Tribunal Marítimo, o controle de suas decisões poderia ser afastado do Poder Judiciário, viabilizando a compreensão de que o órgão administrativo integrante do Poder Executivo passaria a dispor de natureza judicial (CONJUR,2015).

Por fim, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1572/2011, cuja finalidade é a edição de um novo Código Comercial, dentro do qual patente está o art. 669, I, que revoga o que restou do atual Código Comercial (1850), especificamente, a Parte Segunda – Do Comércio Marítimo. Diante desta proposta iminente de aceitação, a Associação Brasileira de Direito Marítimo – ABDM realiza conferências acerca da possibilidade de atualizar as disposições de Direito Marítimo, colaborando para o surgimento de uma comissão de juristas especialistas, com o desígnio de redigir propostas de emenda à PL n. 1572/2011 (SILVA FILHO, 2014). Tão relevante é este tema na conjuntura jurídica brasileira, que foi pauta discutida no III Congresso Nacional de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB SANTOS (2014, na cidade de Santos/SP), principalmente no que tange às emendas ao corpo normativo n. 55 e 56, por meio das quais é sugerido o prazo prescricional de um ano para a propositura de ações “contra o transportador, por faltas, avarias ou atraso na entrega de cargas; de cobrança de frete, estadias e sobrestadias de embarcações; de cobrança de sobrestadias de contêineres (demurrage); do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele; para o início de regulação de avarias grossa; de cobrança da contribuição fixada na regulação de avaria grossa; e relativas ao contrato de reboque” .

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Substancial é a regulamentação acerca o instituto da prescrição, sobretudo inerente à sobrestadia de contêineres, visto que até a vigência do Código Civil de 2002 tal questão era tratada pelo artigo 449 do Código Comercial, com previsão expressa, de prescrição em um ano. Posterior à revogação do diploma comercial, a interpretação acerca da prescrição da demurrage não é unânime, não havendo posição jurisprudencial nítida. Exemplo é o acórdão de 2010 proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação cível n. 990101414155 (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2010), cujo entendimento amparou-se na adoção do art. 22 da Lei n. 9.611/98 (dispõe sobre o transporte multimodal de cargas), patrocinando o prazo prescricional de um ano para o exercício da ação de cobrança. Ademais, é jurisprudência consolidada no âmbito deste Tribunal de Justiça, sendo imprescindível a menção do acórdão da Apelação cível n. 990103995341, de relatoria do nobre Desembargador Luiz Sabbato (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2010):

“Sobre-estadia ou demurrage – Lapso prescricional para o exercício da ação de cobrança, em face da Lei 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas e dá outras providências. Não há transporte com utilização de “container” que não seja multimodal, prescrevendo a ação de cobrança de sobre-estadia, consequentemente, em 01 (um) ano (art. 22). Apelação provida.”.

Destarte, explícito está de que a proposta à legislação colabora para uma maior segurança jurídica, servindo de respaldo para decisões indiscutivelmente meritórias, tanto para os juízos de primeiro grau quanto aos juízos de segundo grau e Tribunais superiores.


Considerações finais

Ao longo do texto, a proposta de apresentação da disciplina Direito Marítimo foi desenvolvida através de aspectos históricos correlacionados com a presente aplicabilidade dos institutos delimitados em uma data longínqua, quando caravelas compunham esquadras que desbravavam os oceanos em nome de reinos e de suas majestades em busca, primeiramente, de especiarias e escravos, a posteriori, terras férteis.

Atualmente, mais de 95% do comércio internacional é desenvolvido nos mares. Não são mais naus ou caravelas, mas sim, grandes cargueiros, como o super-petroleiro Jahre Viking ou o CSCL Globe, conseguindo comportar 19.000 TEUs (unidades equivalentes a 20 pés), considerado o maior porta contêineres do mundo! Não obstante estarem navegando em pleno século XXI, estes mesmos navios estão sujeitos à ocorrência da avaria grossa, amplamente abordada neste artigo, no caso, o exemplo aludido envolvendo cargas a bordo de um navio com destino ao Brasil. Indaga-se: sendo um importador brasileiro como destinatário das mercadorias avariadas, qual legislação deverá ser aplicada? Qual juízo competente para julgar eventuais demandas propostas reclamando indenizações, tanto em relação ao sinistro em detrimento dos produtos quanto a mora no tocante ao recebimento destes?

Vislumbra-se que Direito Marítimo é uma área jurídica complexa e pouco conhecida no cenário brasileiro presente. Do mesmo modo que, em 1808 o fluxo do comércio marítimo dilatou, sendo necessária a adoção de normas por parte do governo daquela época para acompanhar as necessidades emergidas, vê-se que a “Era Pré-sal” é uma nova oportunidade para o fomento da marinha mercante doméstica, apesar da crise em que a indústria naval se encontra. Preocupante é adentrar nesta “Era” na conjuntura real vivenciada: legislações falhas, insegurança jurídica e poucos detentores desta ciência jurídica tão apaixonante!


Referências:

BARROS, João de. Ásia: Dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente. Lisboa: imprensa nacional-casa da moeda, 1988.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 990101414155/SP , Relator: Des. Roberto Mac Cracken, Data de Julgamento: 14/10/2010, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/11/2010.
__________. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 990103995341/SP , Relator: Des. Luiz Sabbato, Data de Julgamento: 06/10/2010, 17ª Câmara de Direito Privado.

CONJUR, Leia as razões dos sete vetos de Dilma Rousseff ao Novo CPC, 17 de março de 2015. Disponível em: . Acesso em 30 de maio de 2015.

DIAS, Mauro Lourenço. Avaria grossa, o que fazer. COMEXBLOG, publicado em: 25 de maio de 2015. Disponível em: Acesso em: 30 de maio de 2015.

MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo: Teoria Geral. 4ª ed. São Paulo: Manole, 2013. v.1.

SAMPAIO DE LACERDA, José Cândido. Curso de direito privado da navegação: direito marítimo. Rio de Janeiro, Freitas de Bastos, 1984, v.1.

SILVA FILHO, Nelson Cavalcante. O Direito Marítimo no novo Código Comercial As Emendas 55 e 56 ao PL 1572/2011. III Congresso Nacional de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB SANTOS. Disponível em: . Acesso em: 30 de maio de 2015.

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