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NORMAS, PRINCÍPIOS E REGRAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

14/02/2018 às 20:51
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Inicialmente o presente estudo fará uma abordagem bastante ampla acerca dos fundamentos constitucionais que regem o ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: as normas, as regras e os princípios.

 1.1 Normas jurídicas

 

As normas jurídicas podem ser definidas como um conjunto de normas que integram o ordenamento jurídico brasileiro, cuja função é regulamentar a conduta das pessoas, ou seja, é a imposição normativa incorporada em uma fórmula jurídica. Podem ter uma conotação de preceito e sanção, cujo objetivo principal é resguardar a ordem e a paz social, porém não devem ser entendidas como instrumento ou ideia relacionada à segurança, á justiça, etc. Dessa maneira, norma constitucional é toda aquela que possui valor jurídico supremo, hierarquicamente superior, ou seja, é toda norma que contenha cunho constitucional.

A norma geral se aplica nas diversas relações jurídicas, sendo especificamente destinadas a todos os cidadãos sem nenhuma distinção. Sua destinação pode ter um alcance de grande amplitude. Já em relação a norma abstrata definem-se aquelas que induz uma análise mais específica de um indivíduo.

A norma se apresenta num formato imperativo num sentido de conter um comando que imponha um determinado tipo de conduta a ser observado, ou seja, sua imperatividade significa uma obrigação de vontade.

Também pode se apresentar de forma coercitiva, uma vez que utiliza a força física para o seu cumprimento. É a prerrogativa do Estado em fazer valer a sua função que é administrar e gerir o bem comum.

 

 1.2. Princípios e regras e o garantismo penal

 

Para corroborar com tudo que ora fora dito até então, vale dizer que a função dos princípios, das regras e suas diferencias vão além das conotações do Garantismo Penal, porém sem esgotar o estudo da pretensão.

 

 1.2.1. PRINCÍPIOS E REGRAS

 

A norma jurídica se comporta como gênero, mas sempre se vê acompanhada de suas espécies que são os princípios e regras que trazem consigo algumas características, no entanto, possuem certa distinção no que tange a qualidade.

No campo do direito ou em qualquer outro seguimento, os princípios e tido como fundamento, instrumento norteador que dá sentido a tudo.

Nessa perspectiva, miremo-nos nas sábias palavras de Silveira Bueno (2000, p. 624), que define princípio em diversas acepções como “momento em que alguma coisa tem origem; origem; começo, começo; teoria, conceito; estreia; razão, base; preceito”.

Dessa forma, os princípios se colocam como normas essenciais no que tange as estruturas basilares de um sistema que constitui um necessário fundamento de modo a proporcionar uma interpretação e sistemática aplicação do direito positivo.

Os princípios se apresentam como normas universais do sistema medida que são usadas como um parâmetro capaz de assegurar uma natureza interpretativa, na qual podem ser bastante úteis quando se colocam como instrumentos que atuam como preenchedores, onde se manifestam as lacunas jurídicas.

Neste diapasão, o grande jurista e professor Miguel Reale esclarece com enorme brilhantismo que

 

(...) o legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema das leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado se quer pelo legislador no momento da feitura da lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais do direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação. (REALE, 2002, p. 304).

 

 

Sua criação determina uma estruturação de todo um complexo de convicções, ideias, pensamentos ou normas fundadas por uma conjuntura principal, na qual todas as outras noções ou normas derivam, ou se subordinam.

Ainda, na perspectiva das sábias palavras do ilustre jurista supramencionado (REALE. 2002, p. 305), ao dizer que: “são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua integração e compreensão quer para a elaboração de novas normas”.

Destarte, é bem possível salientar que as regras escritas conduzem no seu bojo um princípio fundamental que ainda, apesar disso, a maioria não chegou a ser positivada, com isso, sua aplicação não se dá de maneira imediata.

Por ser uma referencia fundamental, os princípios imprimem um sentido lógico e harmônico a todo esse conjunto sistemático permitindo assim uma compreensão de toda sua organização, uma vez que os princípios estão entranhados no sistema até seus últimos fundamentos.

Dada sua importância alguns princípios foram positivados pelo legislador deixando de ser apenas um standarl, para incorporar de forma definitiva o ordenamento. Outros foram infundidos no texto da lei, como por exemplo. Os princípios da isonomia e o da irretroatividade da lei com simples objetivo de proteger os direitos até então adquiridos.

Os princípios são construídos por meio de enunciados, possuindo assim, um conteúdo finalístico, cuja aplicação sobrepesa valores, pois acarretam um elevado grau de abstração, de modo que podem ser aplicados nas mais diversas situações. Já do ponto de vista a solucionar as antinomias, ressalta-se que os princípios se valem pelas técnicas da ponderação, uma vez que quando se confrontam entre dois ou mais princípios, somente um deles é aplicado, sendo que o outro mantem-se adormecido sem, contudo, haver a anulação de um em detrimento do outro.

Sempre será importante ressaltar que os princípios numa acepção lógica não são apenas meros preceitos da ordem moral ou social, mas possui uma natureza capaz de inserir-se na experiência jurídica, integrando de forma definitiva o Direito.

De outro modo, as regras se definem como normas que estabelecem imperativamente uma obrigação que, impõe, permite ou proíbem, ou seja, possui natureza impositiva, pois se perfaz numa expressão de um dever ser, que determina uma conduta.

As regras também possuem no seu íntimo algumas características próprias, sendo que a primeira delas, conforme bem explica Ruy Samuel Espíndola, ao transcrever a obra de Ronald Dworkin (1999, p. 64), ao estabelecer que

 

(...) as regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicáveis. Trata-se se um tudo ou nada. Desde que os pressupostos de fato aos quais a regra se refira (...) se verifiquem, em uma situação concreta, e sendo ela válida, em qualquer caso há de ser aplicada.(DWORKIN, 1999, p. 64).

           

Outra importante característica em relação às regras é a denominação de que elas são construídas de maneira a descrever uma conduta que se enquadra à forma e, por consequente, é aplicada integralmente por meio de métodos de subsunção.

Pode-se afirmar, portanto, que as regras e os princípios habitam-se em todo ordenamento jurídico, de modo a garantir segurança jurídica e viabilizar os valores existentes.

Para o especialista em direito internacional, Alberto do Amaral Júnior (1993, p. 27), os “princípios são comandos genéricos que estabelecem um planejamento para o legislador como para o intérprete”. A luz da sábia explicação o que se nota é o princípio comportando uma quantidade indeterminada de aplicações e quanto a regra é elaborada para um determinado número de conjunturas.

Partindo dessa premissa que fora descrita no texto acima, o grande e conceituado autor de elevada repercussão, Luiz Flávio Gomes aduz que

 

o Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dwokin). Quando duas regras colidem, fala-se em “conflito”, ao caso concreto uma só será aplicável, pois uma afasta a aplicação da outra. O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc... Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico, ou parte dele. Seu aspectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles podem haver “colisão”, não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como “mandados de otimização” que  (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos, às vezes concomitantemente dois ou mais deles. (GOMES, 2005, s.p.).

  

Para finalizar o estudo em foco, faz-se necessário dizer que apesar de tudo, jamais será aceitável qualquer explicação que versa a respeito de uma distinção completa entre os princípios e as regras, pois não é plausível que um sistema sobreviva apenas deles.

 1.3 Garantismo penal

 

No ordenamento jurídico brasileiro, o Garantismo fincou suas raízes no final do século XVIII, sendo fortemente influenciado pelo movimento do Iluminismo que irradiava sobre maneira diversas inspirações nos mais variados segmento, porém nas ideias jurídicas parece ter fornecido um faixo ainda mais abundante, pois as fontes das novas ideias permearam e permeiam fluentemente o momento atual.

Uma vez que, o Garantismo surgiu como um movimento, cuja característica foi de alocar a ciência e a racionalidade no epicentro do pensamento filosófico, com o ideal de transformar a sociedade que até então vivia sobre a forte tradição medieval, na qual existia uma grande predominância do poder por parte do Estado e da Igreja sobre as pessoas comuns.

Sábias são as palavras do progenitor do Garantismo, Lugi Ferrajoli ao proferir que

 

os princípios sobre os quais se funda seu modelo garantista clássico – a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, a presunção de inocência – são, em grande parte, como se sabe, fruto da tradição jurídica do iluminismo e do liberalismo. (FERRAJOLI, 2002, p. 29).

 

Três maneiras diversas, porém interligadas entre si, podem ser compreendidas a cerca do Garantismo: “como um modelo normativo de Direito, como uma teoria crítica do Direito, e como uma filosofia política” (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

No modelo normativo de Direito, o Garantismo se monstra através de um agrupamento de deveres inserido ao poder estatal para a efetivação e conservação dos direitos dos cidadãos, destinada a consagrar de forma efetiva à aplicação das normas constitucionais nas práticas jurídicas do Estado.

Conforme leciona Ferrajoli

 

precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do Estado de Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É, consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente. (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

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Já na segunda acepção um sentido voltado para uma tese de juridicidade e efetividade do Direito, baseada na desinteligência que existe entre normatividade e validade. Ferrajoli discorre com profunda sabedoria a cerca do significado atribuído ao Garantismo apontando que

 

em um segundo significado, “garantismo” designa uma teoria jurídica da “validade” e da efetividade “como categorias distintas não só entre si, mas, também pela existência” ou “vigor” das normas. Nesse sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém separado o “ser” e o “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tremendamente garantistas) e práticas de certos limites filosóficos e fora destes patológica- que subsiste entre validade (e não efetividade) dos primeiros e efetividades (e invalidade) das segundas. (FERRAJOLI, 2002, p. 694).

  

E finalmente em seu terceiro sentido, o Garantismo pode ser compreendido como uma filosofia jurídica que coloca uma obrigação de justificativa ética-política ao Estado que, de certa forma, implica no reconhecimento e proteção dos direitos que constituem a finalidade externa do Direito do Estado.

 

1.4. A transformação do estado liberal para o estado democrático de direito

 

Ao longo do tempo diversas transformações ocorreram em relação ao Direito constitucional e a Teoria da Constituição. Surgindo partir de então, uma nova concepção que, derivada dessas mudanças passou a vigorar no contexto jurídico e, por consequente, promoveu uma aproximação do Homem (ser) com Estado (governo), na conservação e propagação dos valores jurídicos.

Como bem enfatiza o ilustre Professor, Doutor Luiz Roberto Barroso ao dizer que

 

a Constituição é um instrumento do processo civilizatório. Ela tem por finalidade conservar as conquistas incorporadas ao patrimônio da humanidade e avançar na direção de valores e bens jurídicos socialmente desejáveis e ainda não alcançados.(BARROSO, 2009, p. 45).

  

Contudo, para chegar a esse estado de transformação foram realizados intensos debates teóricos e filosóficos e, tendo como fonte de inspiração, um novo modelo de pensamento do iluminismo que influenciou sobre maneira essas mudanças. Grandes paradigmas da idade média foram quebrados, na qual, os senhores feudais eram absolutos e fluentes nas sociedades da época.

Ainda nessa linha de entendimento o Ministro Luiz Roberto Barroso assevera que

 

o Estado moderno surge no início do século XVI, ao final da idade Média, sobre as ruínas do feudalismo. Nasce absolutista, por circunstância e necessidade, com seus monarcas ungidos por direito divino. O poder secular liberta-se progressivamente do poder religioso, mas sem lhe desprezar o potencial de legitimação. (BARROSO, 2009, p. 9).

  

Os ideais defendidos pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade, foram de um modo avassalador. Os componentes essenciais que implicaram essa mudança, de onde surgia a ideia de Estado vinculado ao poder Divino que exercia no período feudal e entra em seu lugar, o Contratualismo. Como muito bem observa Cinthia Robert ao afirmar que

 

com a Revolução Francesa, chegou ao seu auge a chamada Crise do Antigo Regime (...). A Revolução, iniciada na França em 1789, representou um golpe mortal no Absolutismo, no poder da Igreja e da Nobreza, notas caracterizadas do Antigo Regime. (ROBERT, 2006, p. 25).

  

A partir de então um modelo liberal e disciplinador foi concebido em diversos países da Europa e demais continentes, como exemplo, as Américas. A concepção de Constituição e superioridade hierárquica foram tomando forma de modo a consagrar o instituto da segurança jurídica.

Nesse pensamento o Professor Maurizio Fioravanti, dispõe que

 

Las revoluciones del fin del siglo XVIII, primero la americana y después la francesa, prepresentan em este sentido um momento decisive em la historia del constitucionalismo, porque sitúan em premer plano um nuevo concepto y uma nueva práctica que están destinados a poner em discusión la oposición entre la tradición constitucionalista y lá soberania popular. Se trata, em poucas palabras, del poder constituyente que los colonos americanos ajercieron primero em 1776, com la finalidade de declarar su independência de madre pátria inglesa y, después, em los años siguientes, com la finalidade de poner em vigor las constituciones de los disntitos Estados y la Constitución federal de 1787. Poder constituyente que los mismos revolucionários franceses ejercitaron a partir de 1789, com la finalidade destruir las instituciones del régimen y de generar una nueva forma política. (FIORAVANTI, 1999, p. 103).

 

Nota-se que, “embrionários direitos do homem, colocados a uma compreensão liberal que se alargou a posteriori no instante da inclusão de direitos sociais em diversas Constituições” (ROBERT, 2006, p. 25).

Essa experiência Jusnaturalista vem enquadrar-se à uma perspectiva de que o Estado passa a ter um sistema de mensurabilidade por todas as emanações de poder, significando um sentido em que, o Estado para manifestar qualquer ato, de administração ou de poder, presume a existência de normas já estabelecidas.

Seguindo a linha ascendente da Revolução Francesa, rapidamente se depara com os preceitos que proclamou a ideologia de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, proporcionando a insurgência de um rol de direitos mais precisamente conhecidos como geração, ou dimensão de direitos.

Para o Professor e Doutrinador Paulo Bonavides (2011, p. 563), “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo”.

Dessa forma, a primeira geração de direitos trata exclusivamente daqueles ligados a um valor liberdade, ressalvando direitos políticos e civis. Esses direitos impõe uma atuação negativa do Estado, pois, vale ressaltar que são direitos individuais de caráter negativo por intuir uma abstração do Estado ou qualquer sentido que o valha.

Para melhor ilustrar essa que é chamada de primeira dimensão, nos guiemos nos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 46/47):

 

os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são produto peculiar do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de resistência ou de oposição. (SARLET, 2012, p. 46 e 47).

 

Tal exposição vem de encontro no sentido de assumir um partilhar destaque nessa geração, o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Seguindo essa concepção, sem dúvidas nenhuma, pode-se afirmar que os direitos de primeira geração “são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e os direitos positivados” (BONAVIDES, 2011).

Todavia, possuem caráter negativo por impor de maneira direta, uma recusa do Estado, que é o seu principal destinatário.

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