Estado democrático: ações afirmativas e politicas públicas inclusivas

16/02/2018 às 18:22
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A diversidade não pode ser considerada como desvio, algo que precisa ser corrigido e nem como algo a ser tolerado. Um ambiente escolar inclusivo é aquele que proporciona uma educação voltada para todos.

Breves considerações

A ideia de igualdade está vinculada com a democracia. Não se pode falar em democracia sem que se aborde a questão da igualdade. Trata-se de princípio que norteia a discussão de como se compreender o Estado democrático de Direito.

 Preliminarmente, é necessário frisar a importância de se debater e defender a igualdade atualmente. A doutrina neoliberal conquistou sua hegemonia ao longo dos últimos vinte e dois anos, mais precisamente, nas décadas de oitenta e noventa. Apesar de não ser mais considerada como a única solução, continua obtendo conquistas significativas nas áreas política e econômica. Por esta razão, devemos ressaltar qualquer iniciativa de defesa da igualdade como princípio indispensável para a estruturação da democracia.

Nossa Constituição Federal de 1988, proclama, em seu artigo 5º, que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...). Já no preâmbulo, a igualdade é mencionada como um dos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Podemos dizer que, tanto quanto a liberdade, a igualdade é um princípio, um direito e uma garantia que pretende se firmar como cosmopolita.

O princípio da igualdade por ela consagrado, permite à lei tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, não devendo cometer o erro de conceber a isonomia como um fator que impeça o estabelecimento de situações jurídicas distintas entre as pessoas. O princípio postula que as desigualdades de fato decorram das diferenças das aptidões pessoais, dando tratamento diferenciado as pessoas diferenciadas.

Dignas de menção, neste momento, as palavras de Ronald Dworkin, professor de filosofia jurídica na Universidade de Oxford e professor de Direito na Universidade de Nova York, ao comentar a discriminação compensatória:

"pode ser que os programas de admissão preferencial não criem, de fato, uma sociedade mais igualitária, pois é possível que não tenham os efeitos imaginados por seus advogados. [...] Não devemos, porém, corromper esse debate imaginando que tais programas são injustos mesmo quando funcionam. Precisamos ter o cuidado de não usar a Cláusula de Igual Proteção para fraudar a igualdade (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a SérioTradução e Notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.369.)


2-      Ações Afirmativas

Karl Marx, historiador alemão (1818 – 1883), dos teóricos do socialismo científico, afirmou durante sua vida “a sociedade capitalista é antes de tudo uma sociedade de classes” e a “história do homem é a própria luta de classes”.

Para tentar superar as mazelas sociais e promover a inclusão e a justiça, a partir dos anos 1990, o Brasil tem sido alvo em potencial dos programas de ações afirmativas que visam reconhecer e corrigir situações de direitos negados socialmente ao longo da história.

Joaquim Barbosa Gomes, um dos maiores estudiosos brasileiros no que diz respeito às ações afirmativas, assim se manifesta sobre o seu surgimento:

"A introdução das políticas de ação afirmativa representou, em essência, a mudança de postura do Estado, que em nome de uma suposta neutralidade, aplicava suas políticas governamentais indistintamente, ignorando a importância de fatores como sexo, raça e cor". (GOMES, 2001:38-39)

Ação Afirmativa é um conjunto de políticas que compreendem que, na prática, as pessoas não são tratadas igualmente e, consequentemente, não possuem as mesmas oportunidades, o que impede o acesso destas a locais de produção de conhecimento e de negociação de poder. Este processo discriminatório atinge de forma negativa pessoas que são marcadas por estereótipos que as consolidam socialmente como inferiores, incapazes, degeneradas etc., alocando-as em situações de sub-cidadania e precariedade civil. Dito de outra forma, o racismo, o machismo, a xenofobia, a homofobia, entre outras ideologias discriminatórias, vincularam e vinculam determinadas pessoas à características coletivas e pejorativas que as impedem de receber prestígio, respeito e valoração social como um indivíduo qualquer, por meio de discriminações, que, na maioria das vezes, são executadas indiretamente, ou seja,“por baixo dos panos”, nos bastidores, sem testemunhas e alarde.

Conforme afirmam Silva e Bonin (2006, p. 84), a diversidade sociocultural precisa ser abordada interdisciplinarmente como questão antropológica, filosófica, sociológica e política – porque ela traz consigo a questão de como nos representamos e como representamos os outros, e traz também a tensão entre os saberes historicamente constituídos sobre estes povos e suas próprias narrativas e resistências. Nos últimos anos, “diversidade cultural” tornou-se uma ideia comum e em torno dela se formalizam leis, diretrizes, princípios. A diversidade, como conceito, está presente na LDB, no Plano Nacional de Educação, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nos projetos político-pedagógicos de muitas escolas e Universidades.

“Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.” (Ministério da Justiça, 1996, GTI População Negra).

Uma exigência, nesta proposta de diálogo de saberes, é problematizarmos nossas certezas, nossas verdades, nossa forma hegemônica – mas não única – de conceber e construir a vida. Estes povos, que denominamos diferentes, não podem continuar a ser vistos como primitivos, incompletos.

Em outras palavras, a diversidade não pode ser considerada como desvio, algo que precisa ser corrigido e nem como algo a ser tolerado.

De uma forma geral e breve as ações afirmativas pretendem: concretizar a igualdade de oportunidades; transformar cultural, psicológica e pedagogicamente; implantar o pluralismo e a diversidade de representatividade dos grupos “minoritários”; eliminar barreiras artificiais e invisíveis que emperram os avanços dos negros, das mulheres e de outras “minorias”; criar as personalidades emblemáticas, exemplos vivos da mobilidade social ascendentes para as gerações mais jovens; aumentar a qualificação; promover melhoria de acesso ao mercado de trabalho; apoiar empresas e outros atores sociais que promovam a diversidade; garantir visibilidade e participação nos distintos meios de comunicação. Ou seja, há uma relação de afinidade muito grande entre os objetivos a serem alcançados pelas ações afirmativas e o pluralismo democrático vigente como a mais preponderante forma de exercício dos governos.


3-      Políticas Públicas de Inclusão Social

Neste ensejo a inclusão social é um conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pela diferença de classe social, origem geográfica, educação, idade, existência de deficiência ou preconceitos raciais. Inclusão Social é oferecer aos mais necessitados oportunidades de acesso a bens e serviços, dentro de um sistema que beneficie a todos e não apenas aos mais aptos.

Uma escola pode ser considerada inclusiva, quando não faz distinção entre pessoas, não seleciona ou diferencia com base em julgamentos de valores como “perfeitos e não perfeitos”, “normais e anormais”, “iguais ou desiguais”.

Um ambiente escolar inclusivo é aquele que proporciona uma educação voltada para todos, de forma que qualquer aluno que dela faça parte, ter um ambiente livre de preconceitos que estimule suas potencialidades e a formação de uma consciência crítica.

Todo e qualquer processo, para ser democrático, demanda igualdade substancial. O princípio da igualdade deve ser dinâmico no sentido de promover a igualização das condições entre as partes de acordo com as respectivas necessidades.

“...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Santos, 2003:56).

Desta forma é proposto o paradigma da inclusão social. Este consiste em tornar toda a sociedade um lugar viável para a convivência entre pessoas de todos os tipos e inteligências na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades.

Por este motivo, os inclusivistas (adeptos e defensores do processo de inclusão social) trabalham para mudar a sociedade, a estrutura dos seus sistemas sociais comuns e atitudes em todos os aspectos, tais como educação, trabalho, saúde, lazer.Sobretudo, a inclusão social é uma questão de políticas públicas, pois cada política pública foi formulada e basicamente executada por decretos e leis, assim como em declarações e recomendações de âmbito internacional (como o Tratado de Madrid).Por estas razões, surge a necessidade de uma atualização das diversas políticas sociais. Ora se sobrepondo em alguns pontos ora apresentando lacunas históricas, muitas das atuais linhas de ação estão em conflito ideológico com as novas situações, parecendo uma colcha de retalhos.

É necessário mudar o prisma pelo qual são observados os direitos já ordenados e os que precisam ser acrescentados, substituindo totalmente o paradigma que até então é utilizado, até mesmo inconscientemente, em debates e deliberações.

O processo de inclusão vem sendo aplicado em cada sistema social. Assim, existe a inclusão na educação, no lazer, no transporte etc. Quando isto acontece, podemos falar em educação inclusiva, no lazer inclusivo, no transporte inclusivo e assim por diante. Uma outra forma de referência consiste em dizermos, por exemplo, educação para todos, lazer para todos, transporte para todos.

Quanto mais sistemas comuns da sociedade adotarem a inclusão mais cedo se completará a construção de uma verdadeira sociedade para todos – a sociedade inclusiva.


3-Conclusão 

 Infelizmente estamos em uma sociedade em que, apesar de ser democrática, segue, sim, a ditadura. A ditadura da beleza, da magreza, da moda, do estereótipo, da cor, da raça, do credo, dos perfeitos, não perfeitos etc. Com isso, as pessoas que não são exatamente como esses padrões exigem, são descriminadas da sociedade.

As ações afirmativas são um tema extremamente relevante como objeto de estudo no que diz respeito à democracia. Sua importância primordial reside no fato de que pode representar um verdadeiro avanço na luta contra a exclusão social, inserindo o indivíduo no sistema democrático, promovendo sua autonomia.

Em que pese existir ainda uma deficiência, no que se refere ao Brasil, acerca do seu real conteúdo, as ações positivas são o reconhecimento, por parte do Estado, da existência de diferenças culturais, sociais, econômicas, físicas etc., que necessitam da atuação deste, no sentido de buscar mitigar a situação excludente.

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Não se pretende, com as ações positivas, tornar os indivíduos iguais buscando uma identidade entre eles, mas, sim, de se reconhecer a sociedade como plural, assumindo suas diferenças e buscando enfrentá-las de modo a garantir a diversidade cultural.

Uma das máximas a serem alcançadas com as políticas afirmativas é a de induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica aptas a subtrair do imaginário coletivo a ideia de supremacia e subordinação de uma raça em relação a outra, ou de uma pessoa em relação a outra.

Com isso, cumpre ao Estado prover políticas focalizadas e afirmativas quando as diferenças significarem inferiorização, e também prover políticas universalistas quando a diferença não caracterizar, capacitar ou autonomizar o suficiente grupos ou pessoas - as duas formas podem e devem se combinar, e não se excluir.

É de fundamental importância que se compreenda que os programas de ações afirmativas não como mecanismo fim, e, sim, como políticas públicas ou privadas que servem de meios direcionados na redução das desigualdades sociais. Bem como as políticas inclusivas, compreender que é preciso deixar de lado essas “ditaduras”, e abrir o coração para o seu lado humano e aceitar as diferenças.


BIBLIOGRAFIA

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SACHS, I. Desenvolvimento, direitos humanos e cidadania. In: PINHEIRO, P. S.; GUIMARÃES, S. P. (orgs.). Direitos humanos no século XXI. Brasília: Ipri, Fundação Alexandre de Gusmão, 1998. 

SILVA, Rosa Helena Dias da; BONIN, Iara Tatiana. O plural da filosofia da educação:

__________ “Da redistribuição ao reonhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialista”. In: SOUZA, J. (org). Democracia Hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: UnB, 2003.

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Sobre a autora
Nara Mendes

Advogada, graduada em Direito pela INITRI-MG; graduanda em Pedagogia - UNIUBE; MBA em Comunicação Empresarial e Marketing, especialista em Direito Ambiental; especialista em Direito Tributario, especialista em Metodologia Filosofia e Sociologia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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