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Embargos de divergência em agravo interno:

(in)aplicabilidade da Súmula nº 599 do STF

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11/03/2005 às 00:00
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4 DA SÚMULA 599/STF

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS. DO MOMENTO DE SUA CRIAÇÃO.

Com o encampamento dos embargos de divergência no ordenamento jurídico pátrio, muitas questões começaram a surgir acerca da aplicabilidade – e suas conseqüências – desta modalidade recursal, até mesmo porque o texto de lei era tênue e pouco esclarecedor.

Coube, assim, à doutrina e, principalmente, à jurisprudência, a tarefa de definir os contornos – e os pontos de toque com os demais remédios processuais - dos embargos de divergência.

Paralelamente, existia – como ainda existe, todavia em moldes totalmente diferentes - nos regimentos internos dos tribunais uma espécie de "pedido de revisão" referente aos atos burocráticos do processo, no qual a parte interessada requeria ao órgão colegiado que re-analisasse a questão processual a fim de que determinado vício ocorrido no julgamento monocrático pudesse ser sanado, todavia sem que pudesse ser feita, naquele momento, uma análise meritória sobre o cerne da questão travada nos autos.

Até mesmo pelo fato de esta "reclamação" constar apenas dos regimentos dos tribunais e, sobretudo, por visar a uma decisão interlocutória, permitindo, inclusive, o juízo de retratação, a doutrina convencionou chamá-la de "agravo regimental".

Como este "recurso" não possuía uma competência tão relevante – na medida em que, como dito, tinha apenas como norte o deslinde de questões meramente processuais e eminentemente burocráticas [57] -, sua incidência era quase que desprezível, apresentando, assim, no contexto recursal, pouca importância.

Nessa toada, embora o agravo "regimental" também acabasse por provocar uma decisão colegiada, este não tinha o condão de originar um pronunciamento plural que afetasse, sensivelmente, o processo.

Dessa forma, em 15.12.1976, o Supremo Tribunal Federal acabou por editar a súmula n.º 599, uma vez que de uma decisão proferida em sede de agravo "regimental" nunca seria possível a obtenção de uma decisão de mérito.

Noutro giro: como os embargos de divergência têm por fundamento a uniformização a interpretação do direito em tese na jurisprudência interna dos tribunais e, sendo o agravo "regimental" imprestável para o enfrentamento de questões jurídicas, inviável mostrar-se-ia a admissão desta mera "reclamação" para fins de cotejo com decisões meritórias eventualmente discrepantes.

4.2 CONTEÚDO. OBJETIVO

A referida súmula n.º 599 editada pelo Supremo Tribunal Federal tem o seguinte teor:

"São incabíveis embargos de divergência de decisão da turma, em agravo regimental".

Por este raciocínio, portanto, uma decisão prolatada em julgamento de agravo "regimental" (rectius, interno), ainda que de forma colegiada, é imprestável para ensejar a interposição de embargos de divergência.

Quanto ao objetivo, cumpre afirmar que, como o agravo interno não tem - ou melhor, não tinha - o condão de suscitar questão meritória, a súmula 599/STF tinha sua razão de ser na celeridade e economia processual, na medida em que impedia, já em um juízo prévio, que os embargos de divergência tivessem seguimento, uma vez que invariavelmente seriam estes infrutíferos para a uniformização de jurisprudência, pois versavam apenas sobre questões meramente burocráticas.

Assim, até mesmo para que os tribunais superiores não se vissem abarrotados com recursos manifestamente infundados – ou inócuos, como os embargos de divergência em agravo "regimental" –, de extrema relevância se mostrava a súmula 599/STF.


5. DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E JURISPRUDENCIAL.

5.1 A LEI 9756/98 E A AMPLIAÇÃO DOS PODERES DO RELATOR

Desde 1998, com a promulgação da Constituição Federal e a instituição do Superior Tribunal de Justiça, muitas celeumas têm aparecido no ordenamento jurídico, sobretudo no âmbito recursal.

Isso porque, como já se afirmou (item "3.1"), houve um deslocamento da competência do STF para o STJ no que tange às causas de natureza infra-constitucional e várias filigranas precisaram de adaptações.

Com esse propósito, o legislador processual civil trouxe à baila atos normativos como as leis 8038/90, 8950/94, 9139/95 e, especialmente, a lei n.º 9756, de 1998.

A lei 9756/98, oriunda de um anteprojeto desenvolvido por comissões do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho, teve por escopo, basicamente, minorar os problemas decorrentes do extremo acúmulo de recursos que logram chegar às cortes superiores e ao Pretório Excelso [58].

Para tanto, vislumbrou-se mitigar o julgamento colegiado, característico dos recursos, em prol da celeridade processual, em que pesem as críticas tecidas pela doutrina em virtude desta opção. [59]

Sobre o espírito da lei, oportunos se fazem os comentários tecidos por DINAMARCO (in WAMBIER e NERY JR., 1999, p.126) [60] e WAMBIER (in WAMBIER, e NERY JR., 1999, p. 599) [61], respectivamente:

As alterações ocorridas em vários dispositivos do Código de Processo Civil revelam com nitidez a intenção de reduzir a carga de trabalho dos órgãos superiores da jurisdição, seja mediante a imposição de mais óbices à admissibilidade dos recursos, seja através do acréscimo de poderes do relator, seja limitando a instauração através do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Ela (...) procura aliviar os órgãos colegiados dos tribunais ao ampliar a competência do relator para decidir – negando conhecimento, improvendo ou mesmo provendo recursos antes distribuídos à competência de turmas, câmaras, plenários etc. – e ao mandar que em certos casos os órgãos fracionários se abstenham de remeter ao plenário ou órgão especial dos tribunais a competência suscitada em recursos ou processos de sua competência originária(...).

A síntese crítica dessa lei resolve-se (a) nos aplausos que merece em razão de haver simplificado o procedimento dos recursos e do conflito de competência dos tribunais e (b) na reprovação ao espírito limitador da admissibilidade e conhecimento dos recursos. (destaques acrescentados).

(...) A intenção do legislador foi clara: a de facilitar o julgamento de recursos, mediante a estratégia de atribuir ao relator do recurso maiores poderes e de instituir inibições à sua interposição. (destaques acrescentados).

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Também MOREIRA (1999, p. 324) [62] traz perspicaz comentário acerca do diploma legal em comento:

(...) pareceu-nos que recapitular a evolução recente do direito brasileiro seria útil para pôr em evidência uma constante, que a lei 9756/98 reafirma e prestigia: a tendência progressiva a transferir para o relator atribuições judicantes tradicionalmente reservadas ao órgão colegiado.(...) O julgamento monocrático, antes característico, entre nós, do primeiro grau de jurisdição, vai-se impondo também nos superiores, em detrimento da colegialidade. (destaques acrescentados).

Assim, como visto, a lei 9756/98 aumentou sobremaneira os poderes do relator e instituiu, de modo sui generis [63], a possibilidade de ele, celibatariamente, examinar os recursos sem a necessidade de convocação de seus pares quando se tratar de demandas descabidas ou repetitivas.

Nesse sentido, preceitua SILVA (2004, p. 43):

Definitivamente incluído como uma das soluções para conduzir o processo civil brasileiro a novos rumos, caberá ao relator e seus poderes ampliados, desempenhar o papel de aliviar a carga de processos que se acumula nos tribunais. A idéia proposta permite-lhe, em análise unipessoal, examinar com brevidade os recursos, sem submetê-los ao colegiado e, conseqüentemente, deslocando-os daquele rito tradicional e perverso de idas e vindas (relator, revisor, secretaria, publicações), o que acarreta ampla dilação de tempo.

Com a lei 9756/98, então, não mais se faz imprescindível o julgamento plural recursal, tendo em vista que expressamente se admite a possibilidade de o relator, monocraticamente, cumprir tal tarefa.

Dessa forma, afastou o legislador o conhecido e vetusto formalismo que pendia sobre os tribunais para privilegiar a celeridade e a economia processuais, os quais "norteiam o direito processual moderno". [64]

A doutrina vem, de certa forma, festejando estes novos rumos do processo nacional, conforme se depreende das palavras de CARNEIRO (2001, p. 227):

(...) todas estas normas ampliativas dos poderes do relator não pretendem apenas servir como solução parcial (e que nos tribunais superiores se está revelando de imensa utilidade!) ao gravíssimo problema do imenso acúmulo de recursos, como decorrem de uma renovada visão do processo (aliás, em âmbito mundial como sublinha o mestre Mauro Cappelletti, com valorização do tríplice prejudicado justiça-efetividade-tempestividade), em que os objetivos de eficiência e de celeridade se buscam harmonizar a serviço de uma melhor administração da Justiça, afastando os excessos de conceptualismo.

(...)

A ampliação dos poderes do relator parte inclusive de uma constatação prática: na maioria das vezes, o voto do relator revela-se como o condutor do colegiado, em solução de consenso; assim, de todo razoável confiar desde logo o julgamento do recurso apenas ao relator, quando as circunstâncias da causa a este manifestamente permitam uma ‘certeza serena’ sobre qual a justa composição da lide, ou quando se dispuser a julgar consoante a jurisprudência firme de seus pares ou de tribunal superior. Quando menos no Superior Tribunal de Justiça, a inovação está cumprindo seu alto propósito. (destaques acrescentados).

Também a jurisprudência vem abraçando, indiscriminadamente, essas novas concepções:

É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente, e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do tribunal ou for evidente a sua incompetência (RISTJ, art. 21, §1º, lei 8038/90, art. 38), desde que, mediante recurso – agravo regimental [rectius, interno] – possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado (STF – Pleno – RTJ 139/53 [65].. (destaques acrescentados).

Como ressaltado, inúmeras foram as mudanças trazidas pela lei 9756/98 ao ordenamento jurídico, mudanças estas que afetaram – ou pelo menos deveriam afetar – sobremaneira o modo como a jurisprudência vislumbra as questões atinentes ao âmbito recursal.

5.2 O "CAMINHO" PARA A OBTENÇÃO DE DECISÃO COLEGIADA – REQUISITO BÁSICO PARA OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

Com as novas diretrizes do CPC, a maioria dos recursos passa, necessariamente, pelo juízo monocrático do relator, o qual, dependendo da condição em que se encontrar (manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante dos tribunais superiores) pode ser julgado desde já, sem a necessidade de convocação do colegiado.

Dessa forma, para que se obtenha uma decisão plural que possa, primeiramente, fazer cair por terra aquele pronunciamento singular, mister se faz a interposição do já mencionado agravo interno.

De ressaltar que, então, apenas o agravo interno, com as modificações do Código de Processo Civil, sobretudo as trazidas a lume pela lei 9756/98, tem o condão de provocar um posicionamento colegiado no tribunal no que pertine àquele recurso.

Talvez por este motivo é que alguns estudiosos vêm tratando o agravo interno como uma "extensão" do recurso anteriormente interposto, na medida em que sua função é, basicamente, fazer com que se faça presente uma decisão plural apta a reformar o decisum então atacado [66].

Assim sendo, como visto, imprescindível se faz, para a obtenção de uma decisão colegiada, que anteriormente a parte interessada tenha interposto agravo interno, pois, caso contrário, será considerada válida – e efetiva – a decisão monocrática proferida pelo relator.

E, sem uma decisão colegiada, conforme acima afirmado (nota de rodapé de n.º 42) inviável se mostra a interposição de embargos de divergência.

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Sobre o autor
Márcio Carvalho Faria

Advogado em Juiz de Fora/MG e Professor de Direito Processual Civil e de Direito do Consumidor.Mestrando em Direito Processual pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Especialista em Direito Público pela Newton Paiva/MG;Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Márcio Carvalho. Embargos de divergência em agravo interno:: (in)aplicabilidade da Súmula nº 599 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 611, 11 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6419. Acesso em: 24 abr. 2024.

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