UM CASO GRAVE A INVESTIGAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

19/02/2018 às 10:36
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O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

UM CASO GRAVE A INVESTIGAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 

Rogério Tadeu Romano 

Consoante o jornal O Globo, em sua edição de 19 de fevereiro de 2018, a tensão no governo em torno do inquérito sobre o suposto envolvimento do presidente Michel Temer e dirigentes da Rodrimar com corrupção relacionada ao decreto dos portos tem um motivo específico: o delegado Cleyber Malta Lopes, que está à frente das investigações. Com 15 anos de carreira, quatro deles na divisão de Contrainteligência — o terreno mais espinhoso da Polícia Federal, que investiga os próprios policiais —, Lopes deu sucessivos sinais de que não se dobra a pressões, nem se comove com a influência de autoridades por ele investigadas.

Numa entrevista recente à agência Reuters, o diretor da PF, Fernando Segovia, levantou a hipótese de punição de Lopes pelas 50 perguntas que ele fizera a Temer no curso do inquérito da Rodrimar.

Segovia disse que, se o presidente fizesse reclamação formal, o delegado estaria sujeito a uma eventual punição. Falou também que não havia indícios de corrupção e que certamente o inquérito seria arquivado em breve. A ideia de que Segovia estaria jogando o peso da direção-geral contra um delegado provocou forte reação de líderes da polícia e de delegados do próprio Ginq. Lopes, que estava no exterior, retornou ao Brasil na segunda, mas não se abalou com os comentários do diretor.

Com o respaldo do chefe imediato, Josélio Azevedo, e de parceiros, Cleyber Lopes disse a um colega que continuaria tocando as investigações sobre Temer com naturalidade, sem se importar com eventuais reações de quem quer que seja. Na conversa, ele teria deixado claro também que poderia até ser preso quem se intrometesse de alguma forma em inquérito criminal.

Na primeira república, sabia-se que a polícia para a proteção das elites poderosas política e financeiramente. Hoje, a polícia deve trabalhar para a sociedade e para o fiel cumprimento da lei. 

A conduta do Diretor da Polícia da Federal é nociva para o caso: inclui visível ato de improbidade, à luz do 11 da Lei 8.429/90, pois afronta o princípio da impessoalidade, o princípio da moralidade pública. 

Ademais, deve-se investigar se ele não está fazendo prevaricação e advocacia administrativa. 

A informação é grave e deve ser objeto de investigação por parte do Ministério Público Federal.

Prevaricar é a infidelidade ao dever de oficio. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida.

Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3(três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva(retardando ou omitindo o oficio). Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário a disposição expressa de lei.

O fato pode ser objeto, por certo, além de responsabilidade no âmbito penal, de condenação no campo civil da improbidade, à luz dos artigos 11(violação de lei ou de princípio) e 12, III, da Lei n. 8.429/92.

O elemento subjetivo é o dolo genérico ou especifico. O primeiro consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Se ha interesse pecuniário o crime é de corrupção passiva.

Na forma comissiva pode ocorrer tentativa.

O crime é de menor potencial ofensivo.


Destaco aqui que a jurisprudência no sentido de que não se pode reconhecer o crime de prevaricação na conduta de quem omite os próprios deveres por indolência ou simples desleixo, se inexistente a intenção de satisfazer interesse ou sentimento pessoal(JUTACRIM 71/320) e ainda outro entendimento no sentido de que ninguém tem a obrigação, mesmo o policial, de comunicar à autoridade competente fato típico a que tenha dado causa, porque nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o silêncio e até mesmo a negativa de autoria(RT 526/395).

Fala-se em advocacia administrativa. 

O núcleo do tipo previsto no artigo 321 do Código Penal é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

A conduta envolve advogar, facilitar, tutelar, proteger. É o caso de patrocinar interesse privado junto a qualquer setor da Administração Pública, e não somente aquela repartição onde esteja lotado, valendo-se de sua qualidade de servidor público.

Há um interesse privado em confronto com a Administração Pública.

O patrocínio não exige, em contrapartida, a obtenção de qualquer ganho ou vantagem econômica. Pode significar um simples favor, o que é, por si só, um fato típico.

Poderá fazer-se o patrocínio de forma direta, quando o agente realizar ele mesmo a defesa dos interesses ou ainda indireta, quando ele se valer de   ¨testa de ferro¨ .

Costuma-se dizer que o patrocínio poderá ser formal ou explicito, mediante petição, requerimentos e arrazoados. Poderá ser dissimulado e implícito quando o agente público  acompanhar o andamento de processos, procurando acelerá-los, formulando pedidos a colegas, tomando conhecimento de despachos. Assim, aceita-se a hipótese de coautoria. Isso porque não é lícito o ato desse terceiro.

Pode ocorrer a tentativa quando já praticados atos inequívocos de patrocínio ou advocacia.

O crime consuma-se com a prática de qualquer ato através do qual se manifeste o patrocínio que a lei incrimina, sendo irrelevante o resultado. O crime consuma-se com o simples fato de solicitar. É crime formal.

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Uma providência que poderia ser tomada, em sede cautelar, seria, com base no artigo 319 do CPP. 

Dentre as diversas medidas cautelares, expostas no artigo 319 do Código de Processo Penal, fala-se na suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais(artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal).

O que se quer é a suspensão, pois tem que existir uma relação de conexidade entre a função exercida pelo agente e a infração cometida. Isso porque o fato do agente público cometer um crime não pode autorizar a suspensão de suas atividades funcionais , se o crime não tem nada a haver com o exercício da função pública.

Como bem disse Guilherme de Souza Nucci(Prisão e liberdade, pág. 85) a medida pode ser ideal para crimes contra a administração pública, como, por exemplo, corrupção, concussão, prevaricação, bem como para delitos econômicos e financeiros, evitando-se a preventiva, que tenha por fundo a garantia da ordem econômica. Assim a suspensão do exercício da atividade econômica pode ser suficiente para aguardar o desenvolvimento do processo.

Tal medida não tem nada de novo. Basta ler o artigo 56, § 1º, da Lei de Drogas.
 De toda sorte, o juiz deve agir com razoabilidade e prudência, evitando o afastamento superior a tempo necessário para o perfazimento de atos processuais, no intuito de não causar maiores transtornos ao acusado e a própria eficácia do processo.

Ressalto que o afastamento, como medida cautelar alternativa,  dentro da democracia, é algo que deve acontecer dentro de parâmetros jurídicos, onde a Constituição é o norte a seguir, sendo imprescindível a atuação do Ministério Público, na defesa da própria ordem democrática e da legalidade, onde a urgência é elemento primordial.

Sabe-se que a conveniência da instrução criminal é restrita. Liga-se, basicamente, à atuação do réu em face da captação de provas. Se a sua atitude for imparcial, inerte e contemplativa, permitindo toda a sua de acontecimentos, não haverá inconveniência para que permaneça no cargo. Todavia, se resolva agir, impedindo a escorreita atuação estatal na colheita e no regular trâmite do processo, sua permanência no cargo revela-se inconveniente.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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