A doutrina aponta que, no campo dos fatos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros são caraterizados por serem ações resultantes de vontade, constituindo a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo.
Observou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 14ª edição, pág. 326) que não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas os que traduzem conformidade com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos de que o direito toma conhecimento; tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a consequência que a ordem legal lhes impõe (deveres e penalidades).
A chamada noção de ato jurídico abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independente de serem ou não queridas como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.
A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido de obtenção de um resultado, a doutrina tradicional chama de ato jurídico e a moderna denomina de negócio jurídico.
Por certo são distintos o negócio jurídico e o ato jurídico.
Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; no ato jurídico stricto sensu ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente.
Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos, em sentido estrito são manifestações de vontade obedientes à lei, porém geradores de efeitos que nascem da própria lei.
No ensinamento de Fábio de Mattia(Ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico, in Enciclopédia Saraiva de direito, volume IX, pág. 39), o ato jurídico em sentido estrito é o que gera consequências jurídicas previstas em lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada. De mesma forma que “o ato jurídico stricto sensu seria aquele que surge como mero pressuposto de efeito jurídico, preordenado pela lei, sem função e natureza de auto- regulamento.”
Quanto ao negócio jurídico stricto sensu, na lição de Orlando Gomes(Introdução ao Direito Civil, 1971, páginas 241 a 245), tem-se a seguinte classificação:a) Atos materiais: ocupação derrelição, fixação e transferência de domicílio, descoberta do tesouro, comistão, confusão, adjunção, especificação, pagamento indevido etc;b) Participação: intimação, interpelação, notificação, oposição, aviso, confissão, denúncia, convite, recusa etc.
A doutrina do ato jurídico que para os alemães corresponde à dos negócios jurídicos não é romana, embora tenha sido construída por abstração sobre elementos extraídos do direito romano pelos jusnaturalistas, em meados do século XVIII, e por civilistas que, após, lhe deram maior desenvolvimento, concluindo que a categoria mais importante para o direito é dos atos lícitos, dentre eles o negócio jurídico. Para Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro, 24ª edição, pág. 421), a figura do ato jurídico em sentido estrito permaneceu por muito tempo na penumbra, dado o fato de que os juristas concentrarem sua atenção nos negócios jurídicos. Assim delineou-se o ato jurídico stricto sensu quando a doutrina percebeu, ao elaborar a teoria dos negócios jurídicos, a presença de atos que não se incluam naqueles.
Os romanos empregavam a palavra negotium para designar o ato produtor de efeitos jurídicos, mas, segundo refere Scialoja(Negozi giuridici, Corso de diritto romano, 1950, pag.. 28), também assim designavam os que os autores modernos chamavam de causa, ou que denominam de processo. Scialoja advertia que a doutrina do ato jurídico(ou negócio jurídico segundo a sua designação) não é romana, mas construída por abstração sobre elementos extraídos do direito romano, de início por obra dos jusnaturalistas em meados do século XVIII, e mais tarde aos civilistas.
Segundo Vicente Rao(Ato jurídico, 4ª edição, pág. 40), devemos aos pandectistas germânicos e aos autores que se lhes seguiram uma poderosa contribuição à doutrina do que nós chamamos de ato jurídico, eles denominam; mas dessa doutrina ainda se não pode dizer que haja adquirido contornos definitivos, como explicou Carnelutti(Teoria generale del diritto, 1951, pág. 221).Mesmo entre os autores alemães a noção do negócio jurídico concebido como entidade autônoma, suscitou sérias dúvidas, do que se lê de Hippel(Das Problem der rechtsgeschäfitichen privatautonomie, 1936), citado por Vicente Ráo), e os tratadistas ao desenvolvê-la, não revelam uma segura uniformidade de princípios, pois, em rigor, segundo se observou, apenas os aproxima a definição genérica do negócio jurídico como declaração de vontade, de natureza privada, que visa a alcançar um fim reconhecido e protegido pelo direito objetivo.
Soriano Neto(A construção científica alemã sobre os atos jurídicos em sentido estrito e a natureza jurídica do reconhecimento da filiação ilegítima, 1957) ilustrou a matéria lembrando, incialmente, que embora a ciência do direito comum, na Alemanha, tenha tido a intuição da diferença entre os conceitos de negócios jurídicos e de atos jurídicos em sentido estrito(através das obras de Savigny, Bekker, Gierke etc), contudo, somente as contribuições de Elzabacher, Biermann, Enneccerus e de Magnigk e Klein imprimiram um sentido renovador e mais profundo ao estudo e solução deste problema tão complexo, mediante o recurso analógico, a vista da ausência de normas legais acerca do requisito e do instituto.
Disse Soriano Neto que, segundo Manigk, é negócio jurídico o ato que serve à autonomia privada do sujeito e em cujos pressupostos de fato é essencial a vontade dirigida ao efeito jurídico(vontade de resultado), noção esta sobre a qual se constroem as duas espécies de negócios, que são as declarações de vontade e os negócios de vontade. Manigk(em sua obra Willenserklaerung unde Willensgeschaeft, § 153) acrescentou: “podemos, pois, definir mais exatamente; o negócio jurídico é o ato jurídico que serve à autonomia privada do sujeito, completada por uma conduta externa e dirigida ao efeito jurídico”, ou, mais resumidamente: “negócio jurídico é o ato jurídico a que é essencial a vontade de resultado completada por uma conduta externa”; atos jurídicos em sentido estrito, segundo Manigk(Handwoerterbuch der rechtswissenschaft, 1927), seriam os atos jurídicos cujos efeitos, com fundamento em sua situação de fato caracterizada e regulada legalmente, se produzem ex lege, sem consideração de uma correspondente vontade de resultado do agente.
A matéria ainda foi analisada por Carnelutti(Lezioni e sistema).
É certo que a doutrina francesa não adotou tal dicotomia, cuidando de fato jurídico e de ato jurídico, seguido que foi pelo Código Civil de 1916, de modo que no direito brasileiro não se utilizava, no passado, a expressão negócio jurídico, de iure constituto. Mas, é na disciplina dos negócios jurídicos que o atual Código Civil, de 2002, substituindo a expressão genérica ato jurídico, do passado, por negócio jurídico, expressão específica, apresentou grandes alterações normativas.
Há a esteira de distinção entre ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico.
Deve-se esta análise à doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico. Os fundamentos e os efeitos do negócio jurídico assentam na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. A definição do papel da vontade na definição do negócio jurídico é primordial para a sua definição.
A doutrina tem feito distinção entre o negócio jurídico e o ato jurídico. Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; no ato jurídico lato sensu ocorre ainda uma manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo declarante; os atos jurídicos, em sentido estrito, são manifestações de vontade obedientes à lei, porém geradores de efeitos que nascem da própria lei.
Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume I, 3ª edição, tradução Ary dos Santos, pág. 217) via que a definição mais simples e admitida de negócio jurídico é: “uma declaração de vontade do indivíduo tendente a um fim protegido pelo ordenamento jurídico”. Com essa definição, ao passo que a categoria fica amplíssima, abraçando atos das diversas naturezas(como o contrato e o testamento, a aceitação de uma herança e a renuncia a um direito, o reconhecimento de um filho natural e pagamento de um débito, a constituição de uma tutela e a promessa de contrato); a sua esfera fica nitidamente diferenciada da categoria de atos ilícitos que não constituem uma declaração de vontade. Será uma declaração de vontade do individuo, tendente a um fim protegido pelo ordenamento jurídico. Como disse Salvador Pugliatti(Introducción, § 35), é um ato livre de vontade, tendente a um fim prático tutelado pelo ordenamento jurídico, e que produz, em razão deste, determinados efeitos jurídicos. Para Santoro-Passarelli (Atto giuridico, in Enciclopedia del diritto, volume IV), o negócio jurídico é ato de autonomia privada, com o qual o particular regula por si os próprios interesses. É um ato regulamentar de interesses privados. O negócio jurídico típico seria o contrato, uma norma jurídica negocialmente criada.
Não aceita Maria Helena Diniz(obra citada, pág. 422) a teoria voluntarista que o concebe como a declaração de vontade dirigida a provocar efeitos jurídicos tutelados pela ordem jurídica, porque a voluntariedade do ato existe tanto no negócio jurídico stricto sensu como no negócio jurídico. A teoria objetiva coloca a essência do negocio jurídico na auto-regulamentação dos interesses particulares, reconhecia pelo ordenamento jurídico que , assim, dá força criativa ao negócio.
Sendo assim, o negócio jurídico repousa na ideia de um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade e reconhecido como base do efeito jurídico perseguido. Seu fundamento é a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica. Seu habitat é a ordem jurídica. Seu efeito é a criação de direitos e obrigações. Isso porque é a norma jurídica que confere à vontade esse efeito, seja quando o agente procede unilateralmente, seja quando a declaração volitiva marcha na conformidade de oura congênere, concorrendo a dupla emissão da vontade, como ensinou Maria Helena Diniz(obra citada, pág. 422).
Nesse entendimento de Maria Helena Diniz(obra citada), onde nenhuma operação de autonomia privada exerce influência, ter-se-á o ato jurídico em sentido estrito, cujo efeito, com fundamento numa situação fática, caracterizada e regulada legalmente, se produz ex lege, sem consideração da vontade do agente. A intimação de licença de expulsão, consistente na declaração dirigida pelo locador ao locatário para deixar o imóvel; é um ato que pode, substancialmente, assumir a natureza de ato jurídico stricto sensu ou de negócio, segundo a decadência ou não do movimento dispositivo. Será ato jurídico em sentido estrito quando se tratar de licença por locação terminada, feita após o término do contrato, se, em virtude deste ou por efeito de atos precedentes, é excluída a locação ou renovação tácita. Será negócio jurídico na hipótese de expulsão por locação terminada antes de expirado o contrato.
Assim o ato jurídico em sentido estrito não é o exercício de autonomia privada, logo o interesse objetivado não pode ser regulado pelo particular e a sua satisfação se concretiza no modo determinado pela lei. No negócio jurídico, o fim procurado pelas partes baseia-se no reconhecimento da autonomia privada a que o ordenamento confere efeitos jurídicos. Porém, em atenção à convivência social, esse princípio da autonomia da vontade subordina-se às imposições de ordem pública.
O contrário ocorre no ato jurídico stricto sensu. A eficácia que lhe é reconhecida pela ordem jurídica está em função de finalidade geral, de caráter político-legislativo. O objetivo colimado pelo agente permanece sem percepção autônoma.
Na lição de Fábio Maria de Mattia(obra citada), o negócio jurídico leva realmente em consideração o escopo procurado pela parte ou partes interessadas e a esse fim a ordem jurídica adapta os efeitos. No ato jurídico stricto sensu prevalece apenas a função que o ordenamento estabelece para o próprio ato e o objetivo colimado pelo agente ao cumpri-lo. É a lição de Cariota-Ferrara(Volontà, manifestazione, negozio giuridico, Annuario di diritto comparato e di studi legislativi, volume 15, fase I, 1940). Na mesma linha tem-se o que disse Vicente Ráo(Ato jurídico). O negócio jurídico considera o escopo colimado pelos interessados; o ato jurídico stricto sensu só se atém a função que a ordem jurídica estabelece para o próprio ato.
No dizer de Enneccerus(Tratado, volume I, § 136) o negócio jurídico é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, com base para a produção de efeitos jurídicos queridos. Assim é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada, deve provocar determinados efeitos jurídicos.
Os autores anotam que o momento central e prevalecente é a vontade.
Essa vontade, assim declarada, deve ter em vista um fim e não só um fim lícito, mas ainda um fim que o direito tenha em consideração e proteja devidamente.
O que se lê do quadro doutrinário na matéria é uma viva discordância entre os juristas. Enquanto uns exigem uma vontade tendente a conseguir aqueles efeitos jurídicos que lhe são atribuídos pelo ordenamento, ou pelo menos tendente genericamente a produzir uma relação jurídica(mesmo sem que se tenha a consciência de cada um dos efeitos concretos); outros acham bastante que a vontade tenha em mira um efeito jurídico. Para Ruggiero(obra citada, pág. 218) a verdade está na segunda e não na primeira concepção; que pressupõe em todos o conhecimento pleno e preciso de qualquer instituto jurídico, e a consciência das consequências que qualquer declaração é capaz de produzir, isto quando, quase sempre, sucede o contrário, visto as mais das vezes se ignorar o efeito jurídico e até o meio técnico de o obter, e, no entanto, a vontade devidamente manifestada obter o resultado prático que constitui a substância do efeito jurídico. Em síntese: o negócio jurídico é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; no ato jurídico lato senso ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. É a lição de vários doutrinadores: Bernhard Windscheid, Serpa Lopes, Soriano Neto, Vicente Rao, Sílvio Rodrigues, dente outros.
Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade que são destinados à produção de efeitos jurídicos queridos pelo declarante; os atos jurídicos em sentido estrito são manifestações de vontade obedientes à lei, porém, geradores de efeitos que nascem da própria lei. Todos compreendidos na categoria ampla de negócios lícitos.
A doutrina assim classifica os negócios jurídicos:
a) Quanto às vantagens : Gratuitos, onerosos, bifrontes e neutros;
b) Quanto à formalidade: Solenes e não-solenes;
c) Quanto ao conteúdo: Patrimoniais e extrapatrimoniais;
d) Quanto à manifestação de vontade: Unilaterais, bilaterais e plurilaterais;
e) Quanto ao tempo em que produzem seus efeitos: Inter vivos e causa mortis;
f) Quanto aos efeitos: Constitutivos e declarativos;
g) Quanto à existência: Principais e acessórios;
h) Quanto ao exercício de direito: De disposição e de simples administração.
A doutrina germânica, com Biermann, citado por Vicente Ráo(obra citada, pág. 43), assim fazia a classificação de atos não-negociais:
a) As declarações de vontade que constituem negócios jurídicos mediante os quais o agente quer e visa a determinados resultados, ordenando a lei que estes resultados se produzam exatamente por serem queridos pelo agente ;
b) Exteriorizações da vontade que não constituem negócios jurídicos, mas também produzem resultados ou efeitos jurídicos, não por força da vontade do agente, mas por força da lei;
c) As exteriorizações de ideias ou representações, cuja vontade, de que resultam, não se dirige à consecução de um resultado jurídico, mas se destina à exteriorizar a ideia, a representação mental do agente sobre determinado fato.
No negócio jurídico há uma convergência da atuação de vontade e do ordenamento. Uma vontade orientada no sentido de uma finalidade jurídica, em respeito à qual atribui efeito ao negócio e em razão e que se diz que aquele efeito decorre diretamente da vontade. A vontade desfecha o negócio no rumo dos efeitos queridos, mas tem que suportar o agente as consequências ligadas pelo ordenamento jurídicos e a disciplina do próprio ato.