O processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC

20/02/2018 às 09:31
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A desnecessidade de autuação em apartado do incidente processual.

Apesar de já contarmos com dois anos de vigência da Lei n. 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, ainda vemos decisões e entendimentos equivocados sobre o modelo do processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se a instauração do mesmo em autos apartados, como anteriormente utilizado na vigência do CPC/73.

      

Vejamos, portanto, o que disciplinam os artigos 133 e seguintes do novel Código de Processo Civil:

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. (Grifei)

Vislumbra-se não constar na atual legislação qualquer disposição acerca da necessidade de processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em autos apartados da ação principal.

Muito ao contrário, o novo normativo processual deixou claro o requerimento de referido incidente mediante petição própria, porém, nos mesmos autos (vide art. 134, §1º), posto que, se o contrário fosse, havendo o protocolo de uma ação incidental para a desconsideração da personalidade jurídica, qual seria o motivo da comunicação do distribuidor para anotações?!

Acontece que, antes do novo CPC, grande parte da doutrina considerava indispensável a propositura de ação própria para que as responsabilidades da pessoa jurídica fossem atribuídas aos sócios. Porém, mesmo antes da vigência da nova legislação, o STJ já considerava a possibilidade de determinação, de forma incidental, na execução singular ou coletiva, da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial, posto que, preenchidos os requisitos legais, não se exige a propositura de ação autônoma (STJ. REsp nº 1.326.201/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.05.2013, Informativo 524).

Assim, seguindo o entendimento jurisprudencial, o novo CPC criou um capítulo específico para tratar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, antes carente de regulamentação legal; pacificando a desnecessidade de propositura de ação judicial própria. Referido posicionamento consagra os princípios da celeridade e da economia processual, tendo sido convalidado por jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, bem como do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, senão vejamos:

PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE EXECUÇÃO DE VERBA HONORÁRIA DE SUCUMBÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. “(…). FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS EM EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CITAÇÃO. (…). 6. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. Precedentes. (…).” (STJ - REsp 1412997/SP - Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - T4 - QUARTA TURMA - DJe 26/10/2015) (Grifei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CITAÇÃO DOS SÓCIOS. DESNECESSIDADE. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1.032 DO CC. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada posteriormente, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. 2. Possível a descaracterização da pessoa jurídica da empresa ré quando verificado que a personalidade da devedora, de alguma forma, serve de obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, ao teor do artigo 28, § 5°, do CDC. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. Decisão mantida. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 135377-58.2016.8.09.0000, Rel. DES. ITAMAR DE LIMA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 12/07/2016, DJe 2078 de 29/07/2016) (Grifei).

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Com efeito, a exigência de propositura de uma ação autônoma acarretaria maior morosidade ao feito, retardando ainda mais a satisfação dos direitos do credor; o que não se observa na desconsideração declarada através de um mero incidente, consoante a norma insculpida no Código de Processo Civil vigente.

A doutrina majoritária coaduna do mesmo entendimento, e neste sentido, Daniel Amorim leciona que “a desconsideração tem natureza constitutiva, considerando-se que por meio dela tem-se a criação de uma nova situação jurídica. Sempre houve intenso debate doutrinário a respeito da possibilidade da criação de uma nova situação jurídica de forma incidental no processo/fase de execução, ou se caberia ao interessado a propositura de uma ação incidental com esse propósito.

(...) É compreensível que o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça esteja fundado nos princípios da celeridade e da economia processual, até porque exigir um processo de conhecimento para se chegar à desconsideração da personalidade jurídica atrasaria de forma significativa a satisfação do direito, além de ser claramente um caminho mais complexo que um mero incidente processual na própria execução ou falência. E tais motivos certamente influenciaram o legislador a consagrar a natureza do incidente processual ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica.”[1]

Desta maneira, como o próprio instituo sugere, a desconsideração da personalidade jurídica deverá ser processada como incidente nos próprios autos, nos termos dos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil.


[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único/ 8ª ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

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Sobre a autora
Tayanne Martins de Oliveira

Advogada em Luís Eduardo Magalhães, Bahia. Possui graduação em Direito pela Universidade de Rio Verde (2010). Pós graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera. Ocupou o cargo de Advogada Geral da Prefeitura Municipal de Bom Jesus por mais de 5 anos, atuando principalmente na área administrativa, tributária, e cível não especializada. Possui também atuação na advocacia privada, com experiência na área cível e trabalhista. Experiência predominante na área cível em geral, não especializada. E atualmente, com foco principal nas áreas de Direito Tributário e do Agronegócio. Experiência e estudos na área da saúde pública e judicialização da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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