Brasil, o país do futuro. Com essa ideia Stefan Zweig [1]escreveu em agosto de 1941, um livro que se pode dizer “bibliográfico” de um país que em si, já teria consumado as características para ser uma nação do futuro. Uma nação que para ele, como cita Alberto Dines[2], em seu documentário “Brasil, um país do futuro”, feito em comemoração aos 70 anos do livro que leva o mesmo nome do documentário, seria “uma alternativa ao mundo devastado pelo rancor racial, um encontro entre povos, uma conciliação, sendo esta a sua essência para um país do futuro”. Assim, Zweig teria a pretensão de demonstrar essa ideia aos brasileiros que muitas vezes, desde antes, do passado, e até agora, o nosso presente, se esquecem ou simplesmente não acreditam no Brasil.
Mas o que faz um país ser um país do futuro? Essa pergunta poderia ser respondida por qualquer indivíduo, que diria que é um lugar onde há uma saúde de qualidade, onde há segurança para todos, onde a família possa viver com qualidade de vida e uma educação de qualidade para seus filhos; um lugar em que os impostos são devidamente investidos ou que os políticos não são corruptos.
Assim, o que se tira dessas perspectivas? Vê-se que são várias as possibilidades para se chegar a “um país do futuro”. Todavia, merece respeito observar que todas essas possibilidades para serem realmente alcançadas, são antes de tudo debatidas com envolvimento de um elemento essencial que é dado como a cura para todos os males contrários a essas perspectivas, que é a educação.
A educação também pode ser vista como um movimento para a Igualdade, que surgiu como base dos direitos da segunda geração/dimensão[3]. Igualdade no sentido de que, todos têm direito à educação, e a educação se dá na igualdade. Ou seja, todos os indivíduos buscam o comum, e esse comum que advém com a educação para todos, tem por fim diversos sentidos, como fomentar o respeito de um indivíduo pelo outro.
Desta forma, a educação é dada de imensa diversidade quando há um debate sobre qual é o seu real sentido. Mas a busca aqui é a educação para a cidadania, criando-se um caminho para uma intervenção do mundo público. Tem-se então, como finalidade a necessidade de se saber o meio em que se encontra (sociedade), seus instrumentos para defesa de direitos, como por exemplo, a Constituição Federal, a educação, as instituições democráticas, havendo relação entre todos esses elementos. Buscando-se ter um conhecimento do nosso jeito de viver. Quanto mais próximos se estiver do mundo público, como por exemplo, nas cidades, com seus movimentos, com seus acontecimentos, mais se saberá como funciona a realidade, e quais as ferramentas se tem de uso para sua mudança. Pois, quando se tem estes conhecimentos de mudança, se tem o cidadão.
No Brasil é senso comum que muitas das vezes a culpa por crises políticas, econômicas e sociais é somente da classe política. Sim, há na classe política uma imensa crise, visto que o seu objeto principal, que é a defesa do interesse do povo, se perdeu. Mas a culpa não é somente deles. Há uma crise de representação da sociedade como sociedade. O indivíduo não se porta como cidadão, pois não o é. Nisso, se cria um limbo de representação, tanto dos governantes como dos governados, ambos não exercendo a participação que lhes cabe.
A mudança de crises de todas as abrangências em qualquer país deve ser iniciada pelos cidadãos que têm conhecimento de sua realidade. Os políticos podem ser alterados pelos cidadãos sendo essa a base de uma democracia. E o cidadão consciente é decisivo para seu país ser bem-sucedido. E qual é a solução para isso? É uma educação que mostre para o indivíduo o que é ser cidadão.
Mas como dito anteriormente, não basta só à teoria para essa transformação, sendo essencial um instrumento para a vivência da democracia, do civismo na prática, que é o engajamento cívico.
Posto isso, e verificando o atual momento da história brasileira, veem-se mudanças na vivência da sociedade. Mudanças de vivência que dizem respeito ao reconhecimento do apodrecimento, a degradação pelo qual as instituições e a sociedade brasileira vêm passando e sustentando. E como a própria sociedade é feita de mudanças, são feitas solicitações urgentes que envolvem um anseio para uma sociedade onde haja um respeito mútuo entre os governantes e a sociedade que os elege, pelo fato de terem que olhar para além de si e encontrar o mesmo fim que sempre lhes coube, que é a harmonia social.
Como relatado anteriormente, a sociedade brasileira, não está totalmente afastada da política e sim do caráter democrático que ela se deva basear. Ou seja, a educação brasileira é sim, construída com aspectos democráticos, pois vivemos num Estado democrático de direito. Porém se tem uma imensa necessidade de um liame entre a democracia e a política no Brasil. Os debates acalorados descritos acima, se baseiam em posições de retrocessão, onde ideias ultrapassadas atacam elementos que constroem a vida do cidadão, como por exemplo, a arte. Sendo esses ataques fundados em medos infundados e postos por esses indivíduos, que são envolvidos na política, pelo sentimento de ódio e desespero ou no lucro que irão usufruir ao conseguir impor esses sentimentos. Essas ideias de retrocessão são expostas nos dias atuais por meio de veículos de comunicação, como aponta no artigo da jornalista Eliane Brum, no jornal “El país”, cujo título é “Como fabricar monstros para garantir o poder em 2018”, do qual se extrai uma parte:
Como parte do empresariado nacional se articula com os ataques à arte enquanto apoia o retrocesso em nome do lucro?
No texto, intitulado “O comunista está nu”, o empresário ressuscita a ameaça do comunismo, discurso tão presente nos dias que antecederam o golpe civil-militar de 1964, que mergulhou o Brasil numa ditadura que durou 21 anos. O empresário escreveu este texto, vale lembrar, num Brasil tão à direita que até a esquerda foi deslocada para o centro. Diz este expoente da indústria nacional: “O movimento comunista vem construindo um caminho que, embora sinuoso, leva ao mesmo destino: a ditadura do proletariado exaltada pelo marxismo. (...) Nas últimas semanas assistimos a mais um capítulo dessa revolução tão dissimulada e subliminar quanto insidiosa. Duas exposições de arte estiveram no centro das atenções da mídia ao promoverem o contato de crianças com quadros eróticos e a exibição de um corpo nu, tudo inadequado para a faixa etária. (...) São todos tópicos da mesma cartilha, que visa à hegemonia cultural como meio de chegar ao comunismo. Ante tal estratégia, Lênin e companhia parecem um tanto ingênuos. À imensa maioria dos brasileiros que não compactua com as ditaduras de qualquer cor, resta zelar pelos valores de nossa sociedade”.
A indigência intelectual de uma parcela significativa da elite econômica brasileira só não é maior do que o seu oportunismo. É também parte da explicação da face mais atrasada do Brasil. É ainda um constrangimento, talvez uma falha cognitiva. Mas certo tipo de empresário está aí, pontificando em arena nobre. (BRUM, 2017).
Esse excerto extraído nos remete a ideia do regime ditatorial, que impôs um golpe militar no Brasil, contra a democracia. O golpe se fundou em ideários, descritos no começo deste artigo pelo “civismo patriótico”, como por exemplo, à pátria, à nação. Esses ideários foram à base da formação da base educacional brasileira na época. E pelo artigo visto acima, percebe-se que a formação de pensamentos está retroagindo para o mesmo momento.
Mostra-se então, que há sim uma participação política, mas é ligada a ideias totalitárias, contrárias ao Estado democrático de direito do qual o Brasil vem sendo construído. E a partir disso, Raquel Lazzari Leite Barbosa, em seu livro, Formação de Educadores: desafios e perspectivas, aponta o caminho desse tipo de posição tomada por determinados indivíduos, como descreve:
Existem casos de regimes políticos que levaram ao extremo a educação para a cidadania, em termos de mobilização cívica, mas não em termos de cidadania democrática. Regimes totalitários levaram ao extremo a formação do cidadão ligado à pátria, à nação, ao seu passado histórico, ao projeto do futuro. Aliás, regimes totalitários são aqueles que não têm nada a ver com educação em direitos humanos, com educação democrática. Em meados dos séculos XX regimes totalitários formaram cidadãos participantes, conscientes de uma missão cívica, porém cidadãos fascistas, nazistas, ou seja, cidadãos de um determinado regime que não era democrático. Portanto, nossa ideia de cidadania insere-se exclusivamente no quadro da democracia. (BARBOSA, 2003, p. 316).
Em Estados totalitários a educação não é fundada em uma educação democrática, ou seja, para uma formação ativa, como também, um Estado totalitário se estreita em pontos de vista somente de seu interesse. Esse estreitamento se encaixa na ideia apresentada por Dallari em seu livro Elementos de teoria geral do Estado. Dallari descreve o Estado totalitário como aquele que “preconiza o seu crescimento desmesurado, a tal ponto que se acaba anulando o indivíduo”. (DALLARI, 1995). E ainda relata umas das espécies de um Estado totalitário, como a “Utilitárias” que são aqueles que:
Indicam como bem supremo o máximo desenvolvimento material, mesmo que isso se obtenha com o sacrifício da liberdade e de outros valores fundamentais da pessoa humana. A ideia de Estado do bem-estar é uma das expressões dessa linha de pensamento, sustentando que a consecução de uma situação material bem favorável dará aos homens plena satisfação, desaparecendo todas as necessidades. (DALLARI, 1995, p. 89).
Assim, regimes fundados nesses movimentos somente visam alienar a população, com posições que as afastam do real sentido de ser conviver em sociedade. Pois são pensamentos que visam impor uma educação coercitiva, tornando prejudicial à liberdade política e a democracia.
A educação como instrumento inicial para formação do indivíduo, para que ele pratique o engajamento cívico e se torne cidadão, não tem por fim massificar ou alienar o indivíduo. Essa ideia de formação do indivíduo, mostrando a ele a realidade que o cerca, ou seja, a sua sociedade, por meio de explicações, teorias de como funcionam suas instituições e vivenciando na prática, visa mostrar ao indivíduo que ele pode agir de maneira ativa. Isto é, sem comportamentos massificados ou consumeristas, como o da nossa atual sociedade, fazendo com que ele se esqueça da sua real existência.
O indivíduo que não é cidadão é aquele que não participa da coisa pública. É aquele que não faz parte do espaço público. E por isso, ele está fora da real realidade da sociedade. E como ele poderia participar da coisa pública? A partir de uma educação que lhe dê uma liberdade, que o faça reconhecer a sua existência perante o que envolve. Uma educação que lhe torne ativo, para além de qualidades materiais que alienam a capacidade de formação da sociedade como um bem comum.
O engajamento cívico como instrumento de participação do cidadão na sociedade pode ser impulsionado por uma ausência de cooperação do bem-comum. Situações assim decorrem de um esgotamento ou de uma descrença na sociedade de forças que são pilares para sua locomoção, como por exemplo, crises nas instituições públicas, sejam faltas de verbas para investimentos ou escândalos de corrupção envolvendo seus agentes; a falta de segurança pública nas cidades; a precariedade do sistema de saúde, entre outras situações que geram a incredulidade da sociedade.
A ausência de cooperação dá espaço para a um egoísmo do indivíduo que ganha essa dimensão pelo apego as situações drásticas descritas acima. Esse apego não visa ligar o indivíduo à sociedade, mas somente a ideais específicos, ou seja, a interesses limitados a determinados grupos. Ideias que são exaltadas por meio de discursos de viés populistas, que incitam sentimentos não conscientes, mas que se baseiam no medo de serem atingidos.
Com esse envolvimento da educação para a construção do indivíduo em cidadão para que ele pratique o engajamento cívico, toda a sociedade se transforma, e interesses egoístas poderão ser posto de lado para atender a interesses da coletividade. Pessoas, classes, políticos, sejam quem for, a partir dessa concepção, mudaram a sua, pois verão que sua parte não é individual, mas é parte de um coletivo, de um todo. E assim, cabe a todos a transformação para que se alcance a sociedade almejada, que é aquela em que cabe educação, saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a dignidade da pessoa humana, e assim se tendo não um Brasil do futuro, mas um Brasil presente para todos os cidadãos.
Pessoas, classes, políticos, sejam quem for, a partir dessa concepção, mudaram a sua, pois verão que sua parte não é individual, mas é parte de um coletivo, de um todo. E assim, cabe a todos a transformação para que se alcance a sociedade almejada, que é aquela em que cabe educação, saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a dignidade da pessoa humana, e assim se tendo não um Brasil do futuro, mas um Brasil presente para todos os cidadãos.
[1] Stefan Zweig foi um escrito austríaco de origem judaica, que imigrou para o Brasil em 1941 para a cidade de Petrópolis-RJ, onde veio a escrever o livro Brasil, um país do futuro.
[2] Alberto Dines é um jornalista, biógrafo e escritor brasileiro.
[3] Direitos fundamentais aos seres descritos são postos em dimensões ou gerações. No caso citado aqui, faz-se referência os direitos de segunda dimensão que são aqueles ligados a ideia de igualdade material; assim, são os direitos descritos como positivos pelos quais tem como objetivo alcançar a igualdade. Nesse aspecto, vê-se que esses direitos de segunda geração/dimensão, também chamados de direitos sociais, são verdadeiros direitos subjetivos que impõem ao Estado um fazer.