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Efetividade da tutela do consumidor na relação contratual bancária

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3 ELEMENTOS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Conforme expresso pelo legislador constituinte passou a ser dever do estado a defesa do consumidor. Mas quem é consumidor? Essa questão é essencial, não apenas para o presente estudo mas para todas as áreas que impliquem na aplicação da lei 8078/90, que só se fará possível na presença daquele que é seu destinatário.

O Código de Defesa do Consumidor demonstra certa ousadia do legislador, e uma peculiaridade em relação às criações legislativas de um modo geral, trazendo em seu corpo uma série de definições, como consumidor, fornecedor, produtos e serviços, contrariando a praxe, que outorga a entrega desta tarefa à doutrina e à jurisprudência, para evitar que tal preciosismo não acabe acarretando na delimitação do sentido dos termos.

Não obstante o destinatário específico da tutela estatal vir conceituado, na lei 8078/90, é tema de acalorados debates doutrinários.

Contudo, parece indiscutível que consumidor, independente da definição adotada, está inserido em um contexto específico, qual seja, como parte de uma relação, que além de jurídica se configura como sendo de consumo.

A seguir procura-se delinear os aspectos principais desta relação jurídica específica, bem como dos elementos que a compõem.

3.1 definição de relação de consumo

Dúvidas não restam quanto ao fato de que a proteção do consumidor só adquiriu relevo com a promulgação da Carta de 1988, passando o assunto a ter, então, feições de garantia constitucional e princípio norteador de atividade econômica.

Com o início da vigência do CDC ficam esclarecidos e consolidados os direitos dos consumidores com a criação do microssistema das relações de consumo e com a inserção de novas normas jurídicas para a tutela do público alvo - os consumidores.

Pode-se dizer que todas as questões referentes a relações de consumo receberam com o CDC tratamento inovador. Neste sentido arremata Nélson Nery Júnior ao afirmar que:

O CDC veio para regulamentar à relação de consumo, criando mecanismos para que se torne equilibrada, evitando a prevalência de um em detrimento do outro sujeito da relação de consumo. [18]

Acrescenta o mesmo autor que a utilização e prática do CDC pretende modificar a mentalidade vigente no país da chamada "Lei de Gerson", segundo a qual é preciso tirar vantagem indevida de tudo e de todos.

Internacionalmente a defesa do consumidor, assim como a proteção dirigida ao meio ambiente e à criança e ao adolescente, assumiu posição de destaque, sendo considerada uma das matérias mais atuais dos nossos tempos.

Dar plena eficácia às normas contidas no CDC é permitir que sejam reguladas as relações de consumo, razão pela qual impende seja aclarado o seu conceito que deve levar em conta a presença necessária de seus sujeitos, e de seu objeto, amoldados aos ditames do CDC.

O que significa que pode ser considerada relação de consumo, a relação jurídica estabelecida entre consumidor e fornecedor, tendo por objeto a prestação de um serviço ou o fornecimento de um produto, de acordo com as definições trazidas pela Lei 8078/90.

Indiscutível a importância de se proceder à verificação da existência ou não da relação de consumo no caso concreto, pois desse reconhecimento é que surge a possibilidade ou não de aplicação das normas elencadas pelo CDC.

Caso não seja detectada a existência de uma relação de consumo, poderá se tratar de relação jurídica de natureza cível, comercial, etc, regulada por outros diplomas legais que não o Código de Defesa do Consumidor.

Se o caso concreto trouxer à análise uma relação entre iguais, a verdade é que não se aplicará o Código de Defesa do Consumidor. Até a edição do Código Civil de 2002 pode-se considerar que a abrangência do CDC era um pouco mais ampla, pois muitos procuravam se abrigar sob suas asas através da extensão do conceito de consumidor, em face dos inúmeros benefícios trazidos por esta lei especial. Contudo a modernização da lei geral, mais adequada aos princípios do atual Estado Social de Direito, aumenta ainda a mais a especificidade concreta daquela lei especial.

3.2 definições de consumidor

Se, a primeira vista, levando em conta a característica peculiar do legislador ao elaborar a Lei 8078/90, introduzindo em seu texto uma série de conceitos, dentre os quais consumidor, possa parecer fácil a tarefa de ditar claramente os limites desta definição, ou especificar a quem se destina este código, que não é do consumo, mas de proteção ao consumidor, na prática, a tarefa se mostra árdua.

Merece destaque a definição trazida por José Geraldo Brito Filomeno, citando Fábio Konder Comparato, verbis: "Consumidores são aqueles que não dispõem de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes. Sendo então, consumidor, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários". [19]

Ao buscar na lei uma definição percebe-se que esta não se apresenta de forma una, pois o legislador optou por apresentar quatro acepções ou conceitos de consumidor no texto da lei 8078/90.

A primeira delas está prevista na regra disposta em seu artigo 2º, caput,que considera consumidor toda pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatária final.

É o chamado consumidor em sentido estrito (strictu sensu) ou consumidor padrão ou standard [20], aquele que participando da relação de consumo, ao adquirir ou utilizar-se de bem ou serviço o faz na condição de destinatário final.

Uma primeira consideração que se mostra necessária, é quanto ao sentido destes termos, adquirir e utilizar. Ainda que tenha dado azo a certa discussão, em que se afirmou que o primeiro referia-se exclusivamente a produtos e o segundo aos serviços, parece que a intenção do legislador era a de ampliar o campo de incidência de sua norma, não apenas àquele que adquire diretamente, comprando o produto, por exemplo, mas ainda, àquele que participando de forma indireta, usufrui do bem ou do serviço, independente de quem o adquiriu.

Outro elemento, constante do conceito padrão de consumidor, que merece considerações, é a expressão destinatário final.

Para bem compreender o sentido que quis lhe atribuir o legislador, é necessário tomar em conta que as diversas legislações seguem, ao conceituar consumidor, interpretações ora de cunho objetivo, ora subjetivo.

O legislador brasileiro adotou, neste dispositivo [21], a concepção objetiva de consumidor utilizando o termo destinatário final como um limitador, uma restrição, ou seja, peculiaridade essencial,sem a qual o indivíduo perde a tutela do CDC.

Este foi o entendimento de Cláudia Lima Marques ressaltando a importância da definição do que seja destinatário final, tendo em vista tratar-se da única característica restritiva do CDC:

O legislador brasileiro parece ter, em princípio, preferido uma definição mais objetiva de consumidor. O art. 2º do Código afirma expressamente que consumidor é "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Na definição legal, a única característica restritiva seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final. Certamente, ser destinatário final é retirar o bem de mercado (ato objetivo), mas e se o sujeito adquire o bem para utiliza-lo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo), com fim de lucro, também deve ser considerado "destinatário final"? A definição do art. 2º do CDC não responde à pergunta, é necessário interpretar a expressão "destinatário final". [22]

É portanto, a atividade do agente que vai caracterizá-lo como consumidor, ou seja, a atividade de comprar ou utilizar um produto ou serviço, retirando-o do mercado, inserindo-se no final de um ciclo de produção e tendo em vista a atividade produtivalato sensu.

Para alguns autores, entre eles Newton de Lucca, esta foi à forma encontrada pelo legislador, reduzindo o conceito, de excluir da tutela da lei do consumidor a figura do intermediário:

Por outro lado, a redução conceitual, da noção de consumidor, determinada pela expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º, caput, era necessária, pois não se pretende a proteção do chamado "consumo intermediário" em que o utilizador é uma empresa ou um profissional. [23]

Destinação final, seria, a priori, a destinação privada, o uso pessoal ou familiar dada ao objeto da relação, e não a destinação de meio de produção. Não significando, contudo, que esta destinação privada esteja adstrita ao uso não lucrativo, pois o cliente que deposita valor pecuniário em sua conta em um banco [24], estabelece relação consumerista entre as partes, assim como o uso pessoal não impede a utilização profissional, pois alguns bens ao serem colocados no mercado, de forma indiscriminada e ao alcance de todos, possuem a característica de bens de consumo, como por exemplo as canetas, encontradas nas livrarias, supermercados, etc, que tanto podem ser adquiridas pelo estudante, como por um escritor, que dela fará uso em sua profissião, mas não deixando de ser destinatário final.

Com relação às pessoas jurídicas, expressamente mencionadas no caput do artigo 2º, e portanto integrantes do conceito estrito de consumidor, parece que perde um pouco o sentido o inconformismo em aceitá-las como consumidoras. Ademais, o referido artigo, ao mencionar pessoa física ou jurídica, não fez nenhuma referência ao seu grau de desenvolvimento ou ao seu poderio econômico, pois o que se quer tutelar é a condição de vulnerabilidade, específica na relação.

Tanto a pessoa física, quanto a jurídica serão, sob esta ótica, consideradas consumidoras desde que, destinatárias finais e vulneráveis em relação à outra parte. O que as diferencia, sob este aspecto, é o fato de que em relação à pessoa física esta vulnerabilidade é presumida.

Assim lecionou José Geraldo Brito Filomeno:

Prevalecendo, contudo, no Código recém editado, a inclusão da pessoa jurídica também como consumidora de bens e serviços, embora com a ressalva que, nessa hipótese, age exatamente como o consumidor comum, ou seja, fazendo-se ela, pessoa jurídica, destinatária final dos referidos bens e serviços. [25]

Passando a análise do parágrafo único do artigo 2º, têm-se a segunda acepção oferecida pelo CDC, ao equiparar a coletividade de pessoas que tenha intervindo nas relações de consumo, identificáveis ou não, à figura do consumidor padrão. O legislador complementou portanto, que consumidor não será considerado apenas individualmente, mas sob a égide da proteção do CDC está incluída toda coletividade de pessoas, mesmo que indetermináveis, desde que tenham intervindo nas relações de consumo. O que em termos processuais, para a defesa desses direitos coletivos, quer difusos ou individuais homogêneos, vai se afigurar como uma das grandes inovações do CDC.

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O artigo 17 da lei consumerista apresenta o 3º conceito de consumidor, que equipara ao consumidor standard, qualquer pessoa, determinável ou não, que mesmo ser ter participado da relação, venha a ser vítima de acidente de consumo.

E, finalmente a 4ª acepção de consumidor, expressa na lei é a trazida pelo artigo 29, que equipara toda pessoa, determinável ou não, ao consumidor, desde que exposta às práticas prevista pelo Código em seus Capítulos V e VI, e que parece abranger uma coletividade imensa.

Arnaldo Rizzato Nunes fez interessante consideração sobre os conceitos de consumidor presentes no CDC, entendendo tratar-se de uma só definição que evolui em termos de abstração e abrangência:

Temos dito que a definição de consumidor do CDC começa no individual mais concreto (art.2 º, caput) e termina no geral, mais abstrato (art. 29). Isto porque, logicamente falando, o caput, do art. 2º, aponta para aquele consumidor real que adquire concretamente um produto ou um serviço e o art.29 indica o consumidor tipo-ideal, um ente abstrato, uma espécie de conceito difuso, na medida em que a norma fala da potencialidade, do consumidor que presumivelmente exista, ainda que não possa ser determinado. Entre um e outro, estão as normas de equiparação. [26]

3.2.1 teorias maximalista e finalista

A definição de quem é consumidor nos termos da lei 8.078/90 constitui-se em um dos temas mais abordados pela doutrina especializada. E tal fato não ocorre sem razão, pois esta lei especial tem um objetivo específico, constitucional, que é justamente proteger o consumidor.

Conferir uma maior ou menor amplitude a este conceito traz conseqüências de grande importância, daí porque, opta-se por dedicar a este tópico, subcapítulo específico, retratando duas correntes importantes que se preocuparam em definir a extensão do termo "destinatário final", presente no artigo 2º que conceitua consumidor padrão.

Inicialmente, há a corrente finalista ou teleológica, que considerando o caráter restritivo da expressão destinatário final, entende que consumidor é o não profissional, aquele que utiliza ou adquire, bem ou serviço, para uso próprio, privado.

Consideram insuficiente, para que se configure na definição de consumidor, o mero destinatário fático, em que o adquirente ao retirar o bem do mercado, o faz com a finalidade de utiliza-lo como instrumento ou meio de produção de outros bens, ou ainda, agindo como mero intermediário.

A base de sustentação da teoria finalista reside no caráter especial da Lei 8078/90, pois ao adotar esta interpretação restritiva do que seja destinatário final, exclui-se da esfera de sua incidência o contratante que participa da relação com um fornecedor, exercendo atividade profissional, produzindo lucro. E, desta forma, o campo de atuação do CDC tem sensível diminuição, o que segundo os finalistas, acarreta uma maior eficácia, um nível de proteção mais alto ao verdadeiro consumidor strictu sensu, que é a parte vulnerável da relação.

Entendem que seria um desprestígio o alastramento deste universo de aplicação do CDC, a implicar tão somente em um aumento de tutela a profissionais que excepcionalmente, poderiam ser equiparados aos consumidores através de uma interpretação teleológica e deste modo, de forma justa, usufruir das benesses legais excedentes ao direito comum.

Pede-se vênia para mais uma transcrição, no caso, a da lição sobre o assunto da lavra de José Geraldo Brito Filomeno:

Dizer-se que se aplica o Código sem qualquer restrição, às pessoas jurídicas, ainda que fornecedoras de bens e serviços, seria negar a própria epistemologia do microssistema jurídico de que ele se reveste. E, nesse sentido, parece-nos essencial verificar o seguinte: a)se o "consumidor-fornecedor", na hipótese concreta, adquiriu bem de capital ou não; b) se contratou serviço para satisfazer a uma necessidade ou que lhe é imposta por lei ou é da natureza de seu negócio, principalmente, por órgãos públicos, sem qualquer ligação com os insumos de produção. [27]

O que os finalistas querem deixar claro, é que o destinatário intermediário, aquele que compra o bem com objetivo de revenda, por exemplo, está excluído do âmbito de proteção do CDC. "Adquirir para transformar ou para revender não é, evidentemente, ato de consumo, no sentido que lhe empresta o direito do consumidor. A aquisição que visa a um fim profissional não é ato de consumo na acepção jurídica. Ato profissional opõe-se a ato de consumo". [28]

Entretanto, os finalistas não poderiam ignorar o fato de que o art. 2º, em seu caput, expressamente inclui na definição de consumidor strictu sensu, a pessoa jurídica.

A ressalva que fazem, é a de que para que a pessoa jurídica seja consumidora, deverá, necessariamente, ser destinatária final do bem ou serviço, e não utilizá-lo como meio de produção, agindo como a pessoa física não profissional.

Nesta linha de pensamento, a pessoa jurídica poderá ser reputada como consumidora, também, sempre que não visar lucro, como as associações e entidade beneficentes.

Márcio Mello Casado apresenta um exemplo claro da pessoa jurídica, destinatária final, e portanto, consumidora, dentro dos limites impostos pelo art. 2º:

Nesta linha de pensamento, se o crédito servir para suprir uma utilidade pessoal do consumidor, como destinatário final (seja ele pessoa física ou jurídica), é evidente que há relação de consumo. A utilidade pessoal do crédito bancário pode ser o pagamento de contas de uma pessoa física, ou a compra de maquinário para uma empresa. [29]

Em oposição aos finalistas, os maximalistas enxergam no CDC um diploma mais amplo, dirigido não à pessoa do consumidor, mas ao mercado de consumo de um modo geral, sendo um código regente das relações de consumo, que não poderia, portanto, se limitar à proteção do consumidor não profissional, devendo o art. 2º ser interpretado, da forma mais ampla possível, analisado este dispositivo de forma objetiva, e compreendendo "destinatário final", como referente ao destinatário fático, ou seja, correspondendo àquele que retira o bem do mercado, não importando uma análise subjetiva, ou teleológica, de qual a finalidade ou destinação que o objeto da relação receberá.

Antônio Carlos Efing apresenta suas razões para aderir à tese maximalista:

Diante desta conceituação, não resta dúvida de que nos filiamos à corrente maximalista, isto porque somos da opinião que o CDC veio para introduzir nova linha de conduta entre os partícipes da relação jurídica de consumo. Assim, não importa ter vislumbrado a relação de hipossuficiência do consumidor, como querem alguns autores, mas sim uma completa moralização das relações de consumo da sociedade brasileira, onde somente permanecerão nos diversos segmentos da cadeia de consumo aqueles (pessoas físicas ou jurídicas) que assumirem esta posição com todos os seus ônus e encargos, dentre os quais o atingimento da perfeição no fornecimento de produtos e serviços, em total consideração ao consumidor (adquirente ou utente deste produto ou serviço). [30]

A análise jurisprudencial demonstra que não obstante, em um primeiro momento, terem os tribunais pátrios acompanhado a linha maximalista, a tendência atual se apresenta em conformidade com a doutrina dominante, finalista, tendo os magistrados aparentemente, percebido qual a real intenção do legislador, criando o CDC como norma especial.

A ânsia inicial em ampliar a abrangência do CDC, retirando-lhe este caráter de especialidade, tem muito de sua razão nas grandes inovações trazidas pela lei 8078/90, contrastando com o caráter notadamente ultrapassado de muitos outros diplomas, como o Código Civil de 1916 e o Código Comercial, baseados em conceitos que o novo Estado Social, há muito tempo vem fazendo cair por terra.

O advento do Novo Código Civil brasileiro, mais moderno e, por sua contemporaneidade, utilizador de linguagem e valores mais próximos dos adotados pela lei consumerista, traz em seu bojo também a noção fundamental de se ter sempre em conta a função social do contrato. Além disso, por introduzir na lei geral, que trata da relação entre iguais, à importância de princípios já consagrados na lei especial, como o da boa – fé, e assim como por tornar o direito privado mais geral, unificando as relações civis e comerciais, tratando de levar esta ótica atual para o âmbito do direito empresarial, acabou arrefecendo, sensivelmente, os argumentos maximalistas, ou pelo menos, acalmando os interesses das grandes empresas, que viam nesta teoria uma forma de se prevalecer dos direitos garantidos na lei especial, ainda que não fossem seus destinatários, por não encontrar nas normas gerais, semelhante proteção.

Com a devida vênia, apresenta-se lição de Cláudia Lima Marques que sedimenta a visão dos finalistas:

Em resumo, concluindo, concordamos com a interpretação finalista das normas do CDC. A regra do art. 2º deve ser interpretada de acordo com a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo artigo 4º do CDC. Só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC. Mas além dos consumidores strictu sensu, conhece o CDC os consumidores – equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço. [31]

Portanto, consumidor, nos termos do artigo 2º, é aquele que adquire para uso privado bem ou serviço de fornecedor, pondo fim à cadeia de produção, mantendo o CDC, seu caráter de especialidade, protetor dos desiguais, restando as relações existentes entre iguais, tuteladas pelas normas gerais.

Não obstante, não se pode perder de vista, sem prejuízo algum do exposto, o profissional, que atua, em relação à outra parte, em evidente condição de vulnerabilidade, ao contratar, por exemplo, agente econômico. É preciso, in concreto, alargar-se a visão restrita do art. 2º, caput, conjugando-o de forma harmônica com o princípio disposto no art. 4º, I, do CDC, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor, mesmo pessoa jurídica, diante do mercado de consumo.

Lembrando que vulnerabilidade não se confunde com hipossuficência, eis que esta se refere a uma condição de precariedade de condições culturais e materiais, requisito exigido mais no âmbito do direito processual, enquanto a vulnerabilidade se relaciona com o direito material. [32]

Esta ressalta, tendo em vista que se mostra induvidoso que o CDC contemplou, expressamente, a pessoa jurídica no artigo 2º, devendo ser possibilitado ao contratante, mesmo profissional, valer-se da tutela especial ainda que não possua, como a pessoa física, a presunção de vulnerabilidade, mas sendo-lhe facultado comprová-la.

3.3 definição de fornecedor

Da mesma forma que se preocupou em definir o que fosse consumidor, buscou o legislador fixar os limites de quem fosse fornecedor, utilizando-se da mesma fórmula heterodoxa, pois, conforme retratado, não é usual no direito positivo tal tentativa de estabelecer conceituações pelo risco da deficiência, excesso ou inadequação das previsões.

No artigo 3º da Lei 8.078/90 [33] tenta-se, com a maior abrangência possível, estabelecer o conceito de "fornecedor", ou seja, do indivíduo ou conjunto de pessoas que pode ocupar o pólo oposto ao do consumidor em uma relação jurídica de consumo.

Assim como o consumidor, também o fornecedor pode ser pessoa jurídica, pública, privada, nacional e estrangeira. A esse respeito pode-se acrescer que embora uma leitura superficial do comando do artigo 3º ao se referir a toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, pudesse levar ao entendimento que o legislador quis dizer toda empresa pública ou privada, esta não é a interpretação mais adequada com os objetivos do CDC.

A expressão "empresa pública" traria demasiada limitação ao conceito, por tratar apenas de uma das espécies do gênero pessoa jurídica de direito privado, mesmo que tenha a totalidade de seu capital de propriedade da União. O legislador se refere neste dispositivo ao próprio Poder Público, não só por suas empresas, mas por si próprio, tanto é assim que foi explícito, ao consagrar como direito dos consumidores, através do inciso X do artigo 6º, à adequada e eficaz prestação dos serviços públicos. [34]

Lembrando que essa abrangente conceituação de fornecedor não excluirá por óbvio, as sociedades de economia mista, pertencentes ao gênero de pessoa jurídica de direito privado, com a característica de ter a maioria de suas ações com direito a voto em poder do Estado.

Através da conceituação trazida pelo CDC é possível incluir, ainda, entre os fornecedores os entes despersonalizados, que formam uma figura sui generis, diferenciando-se de outras formas de grupos organizados com objetivo comum, basicamente em virtude da ausência formal de elemento essencial para que se possam considerar pessoa jurídica, aaffectio societatis, ou seja, a intenção expressa de manter vínculo associativo.

Entre eles a família, a massa falida, a herança jacente e vacante, o espólio, e o condomínio, poderão ser considerados fornecedores, desde que exerçam as atividades relacionadas no caput do artigo 3º, o que acarretará entre outras coisas em sua responsabilização por eventuais vícios ou defeitos de serviços ou produtos fornecidos.

O que se percebe, é novamente a abrangência que o legislador buscou alcançar através do CDC, preocupando-se em tutelar tantas situações quantas se demonstrassem possíveis, onde se encontrasse a figura, até então, desprotegida consumidor.

Em resumo, pode-se dizer que fornecedor é todo ente que provisione o mercado consumidor de produtos ou serviços.

3.4 definição de produto e serviço

Definir o que sejam produtos e serviços significa estabelecer limites e qualificações ao último elemento das relações de consumo, tendo em vista já se ter tratado de conceituar fornecedor e consumidor, restando analisar qual o objeto destas relações, que se faz elo entre os dois primeiros.

Consta do parágrafo primeiro do artigo 3º, do CDC, que "produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial".

Note-se que bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais são as duas grandes classificações de bens no Direito Civil.

Desta forma, segundo o Código de Defesa do Consumidor qualquer bem pode ser "produto", estando ambos os termos aptos a serem usados concorrentemente, desde que enquanto objeto de relação de consumo.

Em que pese produto converter-se em qualquer bem, é preciosa a remissão de José Geraldo Britto Filomeno ao enunciado feito por Sílvio Rodrigues, do que sejam bens: "São coisas que, sendo úteis ao homem, provocam sua cupidez e, por conseguinte, são objeto de apropriação privada". [35]

O parágrafo 2º do mesmo dispositivo, define serviço como toda atividade remunerada fornecida no mercado de consumo, incluindo as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluindo aquelas que derivam de relações de caráter trabalhistas.

Esta prestação de serviço oriunda das relações de trabalho, não poderá ser considerada como relação de consumo, em razão da própria legislação trabalhista e, para efeitos do CDC, não pode ser entendido como fornecedor o prestador (empregado), nem como consumidor o contratante (empregador).

Quanto aos serviços públicos foram enquadrados no conceito geral por se tratar de atividade remunerada oferecida no mercado de consumo, e convém ressaltar um dos princípios da chamada "Política Nacional das Relações de Consumo" (artigo 4º da Lei 8.078/90), é a "racionalização e melhoria dos serviços públicos", princípio que se quedaria totalmente inerte se não se entendesse possível o controle da qualidade e eficiência do serviço público através do próprio CDC.

Como visto, o espectro de abrangência é vastíssimo, e a enumeração de algumas atividades específicas, que independente desta referência particular, estariam dentro deste conceito geral de serviço, revela a preocupação de não se dar azo a divergente exegese, que pudesse vir a excluir do conceito geral, atividades de grande movimentação de consumo, como as praticadas pelos bancos, sejam públicos ou privados.

No entanto, mesmo com todo cuidado do legislador, sabe-se que a diversidade de exegese deu-se com ênfase na questão da atividade bancária, sendo esse um dos objetivos do presente trabalho.

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Sobre a autora
Rafaella Munhoz da Rocha Lacerda

acadêmica do curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Rafaella Munhoz Rocha. Efetividade da tutela do consumidor na relação contratual bancária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 615, 15 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6443. Acesso em: 18 abr. 2024.

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