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O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho

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07/04/2005 às 00:00
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9. VISÃO GERAL DE DIREITO COMPARADO

No Reino Unido, entrou em vigor em 23.10.2000 "The Telecomunication (Lawful Business Practice) (Interception Communications) Regulations 2000", que permite o monitoramento de correio eletrônicos dos empregados desde que os mesmos sejam comunicados sobre tal fato, não sendo necessária a obtenção do consentimento de qualquer empregado.

No Reino Unido, uma lei aprovada no final do ano passado, a RIP, sigla em inglês de Regulação de Poderes de Investigação, permite a empresas interceptar qualquer tipo de comunicação entre seus empregados, sem o conhecimento do remetente ou do destinatário, para fiscalizar, entre outras coisas, se as políticas da companhia estão sendo cumpridas.

Os patrões têm o poder de arquivar e ler qualquer mensagem eletrônica enviada e recebida por seus subordinados em computadores da empresa. A ‘‘espionagem’’ foi legalizada pelo governo e independe de autorização do trabalhador. E mais: o direito à bisbilhotice é assegurado também no caso de conversas telefônicas. Os objetivos são desestimular os correio eletrônicos inúteis ou pornográficos e evitar que o assalariado desperdice seu tempo de trabalho e o dinheiro real da empresa em bobagens virtuais.

Esta determinação tem a finalidade de facilitar o procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas restariam inócuas, na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.

Nos Estados Unidos é freqüente que o empregado, no ato de sua admissão, assine um termo pelo qual se declara ciente que a empresa tem o poder de, sem aviso prévio, monitorar suas ligações telefônicas e mensagens enviadas, ou recebidas pelo correio eletrônico.

Os norte-americanos, através do Electronic Communications Privacy Act, reformulada em 1986, situam as comunicações havidas por meio eletrônico inclusive aquelas realizadas por intermédio de computador como pertencentes a esfera da privacidade do indivíduo.

Esse entendimento, inclusive, encontra respaldo em precedente norte americano. A doutrina especializada aponta que no caso Katz vs. USA questão sobre a possibilidade de monitoramento de ligação telefônica foi abordada e nela a Corte decidiu que a Constituição protege pessoas e não lugares. Entretanto, ressalva que, quando a pessoa se encontra em público não há que se cogitar da proteção Constitucional e que, portanto, a privacidade deve ser preservada onde há uma razoável expectativa de aquele ambiente seja privado.

Empregado não pode usar Internet sem ordem da empresa - Decisão da demissão por uso indevido da Internet, no local de trabalho, na Espanha. O empregado que envia mensagens pela Internet, sem autorização da empresa em que trabalha, pode ser demitido sem direito à indenização e salários pendentes.

O entendimento é da Sala Social do Tribunal Superior de Justiça Catalunya, na Espanha, ao julgar o caso de um empregado que enviou 140 mensagens a 298 destinatários de natureza obscena, humorística e sexual a terceiros e a outros colegas de trabalho.

A Justiça afirmou que o empregado não cumpriu sua real prestação de serviços, já que a empresa somente permite a utilização deste sistema de comunicação por motivos de trabalho.

Na França, em 02 de outubro de 2001, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o empregador não pode interceptar os correio eletrônicos dos empregados ou ler correio eletrônicos pessoais, inclusive nos casos em que o empregador tenha proibido o uso do computador para fins pessoais. O Tribunal baseou-se no direito de privacidade previsto na Constituição Francesa e num caso de 1995, quando a empresa Nikon demitiu um empregado, alegando justa causa, por ele ter usado computador e tempo de trabalho para fins pessoais.


10. CONCLUSÃO

A tendência é a substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria dos casos é possível a aplicação das leis já existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados.

A crítica efetuada em privado, ainda que ofensiva, não pode gerar retaliações contra o empregado. E, como já foi ressaltado num acórdão do TRT da 3ª Região: "a inserção do empregado no seu ambiente de trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie."

Óbvio que as regras devem ser discutidas e adaptadas as realidades de cada empresa mas, em linhas gerais, recursos, locais e ferramentas de trabalho devem ser usados exclusivamente para esta finalidade.

É salutar que, dependendo das características da rede da empresa e dos seus empregados, haver uma certa tolerância quanto a navegação e uso da Internet, até mesmo porque a rede é dinâmica e a descentralização das informações leva o usuário a navegar bastante até achar o que precisa.

Porém, não é nenhuma ameaça ao empregado ou sua privacidade impedi-lo de usar meios da empresa em benefício próprio ou em prejuízo da empresa e da sua hierarquia, se tal for devidamente explícito a ele desde logo.

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O ponto relevante, entretanto, seria estabelecer se, naquele ambiente de trabalho e dentro daquela circunstância, a pessoa teria o direito à privacidade, ou se encontraria num ambiente íntimo.

O Dr. Carlos Roberto Fornes Mateucci afirma que o empregado tem os seguintes direitos: estar só, não ser incomodado e manter suas questões pessoais fora do conhecimento de terceiros. Contudo, para tanto, mister estabelecer em que situações e ambientes o direito à privacidade é assegurado e quando são tratados assuntos de seu específico interesse.

Há que se ter cuidado de não privilegiar a esfera patrimonial-financeira da empresa em detrimento da intimidade do empregado. Deve se delimitar quais são, dentro da empresa e sociedade em geral, os ambientes privados.

As iniciativas isoladas de determinados países, provavelmente, produziram efeitos isolados, ou, até mesmo, nulos. Faz-se necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.

Não devemos permitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de algumas características, implicações ou abrangências da privacidade dos empregados na empresa, uma vez que as mesmas são cada vez mais freqüentes e essenciais para o intercâmbio de informação.

Não há premissas legais sobre o assunto no direito atual que viabilizem uma correta aplicação do direito, pois o mais correto seria uma reestruturação do direito a intimidade adequando-o as novas tecnologias da informação para que não permitam decisões radicais que pendam apenas em benéfico de uma das partes.

Acredito que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos, devendo no entanto, o empregador, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da atividade que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiável que proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a pressão e o mal-estar dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder empresarial.

Finalmente, entendo que o empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus empregados, desde que seja analisado caso a caso e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador, mas não vetando esse controle em todos os casos.


BIBLIOGRAFIA

PAIVA, Mário Antônio Lobato de Paiva. E-mail no ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 069/02.

SOUZA, Mauro Cesar Martins. E-mail na relação de emprego: poder diretivo do empregador (segurança) & privacidade do empregado. São Paulo: LTr, 64-07/863.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A correspondência eletrônica do empregado e o poder diretivo do empregador. São Paulo: Revista de Direito Constitucional, págs 97 e segts.

MATTEUCCI, Carlos Roberto Fornes. Privacidade Funcional: sigilo de e-mail no ambiente de trabalho é relativo. Artigo da internet.

Anônimo. Web no serviço. Empregado não deve usar e-mail para assunto particular. São Paulo: Revista Consultorr Jurídico, 13 de novembro de 2001.

MARTINS, Henrique de Faria. E-mail de funcionários pode ser violado. Artigo disponibilizado na página do CBEJI.

Material da palestra do Dr. Renato Opice Blum.

Diversos artigos da internet


Notas

1 Revista " Management". 2000.

2 Society of Financial Service. 2001.

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Sobre a autora
Adriana Carrera Calvo

coordenadora pedagógica e professora do Instituto de Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes (IELF, Curso Preparatório para Carreiras Públicas), mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/SP, advogada trabalhista com experiência em escritórios de advocacia de São Paulo (Trench Rossi & Watanabe, Mattos Filho, Felsberg e Stuber Advogados)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALVO, Adriana Carrera. O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 638, 7 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6451. Acesso em: 24 abr. 2024.

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