Brasil, País das desiguldades

03/03/2018 às 23:31
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Cabe ao conjunto da sociedade criar meios para o desenvolvimento social e estabelecimento de um conjunto de regras que possam minimizar a desigualdade social.

O conceito de desigualdade social é um guarda-chuva que compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado, etc., até desigualdade de escolaridade, de renda, de gênero, etc. De modo geral, a desigualdade econômica – a mais conhecida – é chamada imprecisamente de desigualdade social, dada pela distribuição desigual de renda.

            O Brasil tem a maior concentração de renda do mundo. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos.

         O abismo entre os maiores bilionários do planeta e a fatia mais pobre da população continua aumentando, segundo relatório da ONG Oxfam Brasil, que tem o propósito de combater a desigualdade e a pobreza. De acordo com o levantamento, 82% de toda a riqueza mundial gerada entre setembro de 2016 e setembro de 2017 ficou nas mãos do 1% mais rico da população, enquanto a metade mais pobre do globo, que equivale a 3,7 bilhões de pessoas, não foi beneficiada com nenhum tipo de aumento.

            Os pesquisadores que trabalham sob a grife de Piketty, que se tornou mundialmente famoso com a publicação em inglês de O Capital no Século XXI, em 2014, destacam ainda a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambienta. Mas chamam atenção para a perda de poder de influência dos governos dos países mais ricos do mundo.

            A questão, porém, não se restringe a contabilizar quanto ganham os mais ricos, os mais pobres e a grande massa intermediária, mas o que é de fato fundamental é entender as causas, os fatores que levam o país às piores posições de quaisquer comparativos internacionais de desigualdade.

            A experiência internacional mostra que é preciso fazer um investimento massivo e consistente na educação de uma criança logo em seus cinco, seis primeiros anos de vida. Negligenciar esse período de formação educacional é condená-la a ter menos oportunidades de crescimento profissional e, consequentemente, de renda e qualidade de vida. Está aí uma das chaves para entender por que Brasil e Coreia do Sul eram tão similares no fim dos anos 1970, em termos de renda per capita, e hoje um coreano médio ganha três vezes mais que um brasileiro.

            As regras de aposentadorias e pensões no Brasil são um estímulo à desigualdade, ainda que o INSS seja visto como um instrumento de redistribuição de renda. Uma grande massa de beneficiários, mais de dois terços, recebe o pagamento mínimo, equivalente a um salário mínimo, enquanto poucos privilegiados ainda contam com o benefício máximo do INSS – cerca de 5,5 salários mínimos – e mais outras benesses decorrentes das aposentadorias especiais. É isso que tornou o sistema previdenciário irracional e insustentável. A solução será diminuir os privilégios e enfrentar o corporativismo para diminuir as desigualdades. A previdência necessita de uma reforma para combater os privilégios e a inadimplência dos grandes devedores.

         No que diz respeito à distribuição de renda no país, a Síntese dos Indicadores Sociais 2017 comprovou, mais uma vez, que o Brasil continua um país de alta desigualdade de renda, inclusive, quando comparado a outras nações da América Latina, região onde a desigualdade é mais acentuada.

         Segundo o estudo, em 2017 as taxas de desocupação da população preta ou parda foram superiores às da população branca em todos os níveis de instrução. Na categoria ensino fundamental completo ou médio incompleto, por exemplo, a taxa de desocupação dos trabalhadores pretos ou pardos era de 18,1%, bem superior que o percentual dos brancos: 12,1%.

         “A distribuição dos rendimentos médios por atividade mostra a heterogeneidade estrutural da economia brasileira. Embora tenha apresentado o segundo maior crescimento em termos reais nos cinco anos disponíveis (10,9%), os serviços domésticos registraram os rendimentos médios mais baixos em toda a série. Já a Administração Pública acusou o maior crescimento (14,1%) e os rendimentos médios mais elevados”, diz o IBGE.

         É que no sistema tributário brasileiro, quanto mais se ganha, menos se paga em impostos proporcionalmente, o que tende a perpetuar os altos índices de desigualdade do país, “Sempre que se fala em reforma tributária, surge a discussão sobre quem vai pagar a conta. Acontece que 99% dos brasileiros é que pagam o pato, e precisamos dividir essa conta com o 1% restante, que paga proporcionalmente muito menos”, avalia Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, ONG britânica que produziu o relatório “A Distância que Nos Une - Um Retrato das Desigualdades Brasileiras”.

         O documento destrincha vários aspectos das iniquidades do país, seja entre ricos e pobres, mulheres e homens ou negros e brancos. Aponta, por exemplo, que, se mantidas as tendências dos últimos 20 anos, mulheres só terão seus salários equiparados aos dos homens em 2047. E negros terão isonomia salarial em relação aos brancos apenas em 2089.

         O relatório mostra ainda que os 5% que estão no topo da pirâmide econômica do Brasil concentram a mesma renda dos 95% restantes. E que um trabalhador que receba um salário mínimo mensal levará 19 anos para ganhar o mesmo que aqueles que integram o 0,1% mais rico do país recebem em apenas um mês.

         Segundo o relatório da Oxfam, o combate a essas desigualdades passa necessariamente pela revisão da forma como o Estado arrecada e distribui recursos. “O problema não são os ricos, mas o sistema tributário, que faz com que quem tem mais tenha cada vez mais”, afirma Maia. “Algum nível de desigualdade é inevitável, mas precisamos reduzir os extremos. Nossa tributação hoje não é excessiva, mas é injusta.”

         Ainda segundo dados compilados pela ONG, quem tem rendimento de 80 salários mínimos tem isenção de cerca de 66% em impostos enquanto para quem recebe de 3 a 20 salários mínimos essa isenção é de cerca de 17%. E na faixa mais baixa, entre 1 e 3 salários mínimos, ela é de apenas 9%.

         De acordo com estudo do Banco Mundial divulgado em outubro 2017, o país tinha 8,9 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza para essa linha de corte de US$ 1,90 em 2015. Comparado ao dado do IBGE, isso indicaria um forte aumento da pobreza extrema de um ano para o outro. Mas, como são pesquisas diferentes, a comparação entre os dois números pode ser bastante imprecisa.

         O IBGE também calculou a pobreza de 2016 com base em outras linhas de corte como o Programa Brasil sem Miséria de R$ 85 para pobreza extrema e R$ 170 para pobreza, o Benefício de Prestação Continuada de um quarto do salário mínimo, de R$ 440 em 2016 e do próprio Banco Mundial, de US$ 5,5 diários para pobreza moderada, aplicável ao Brasil.

         O Brasil tinha 52,2 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza em 2016, o que representa um quarto (25,4%) da população naquele ano. A estimativa consta na "Síntese de Indicadores Sociais 2017", do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir da nova métrica de pobreza do Banco Mundial, que delimita em US$ 5,5 por dia per capita (R$ 387,07 por mês) a pobreza para países de renda média alta.

         Quase a metade da parcela pobre da população vivia no Nordeste. A região tinha 24,7 milhões de pessoas que viviam com menos de US$ 5,50 por dia, 43,5% da população residente na região. No Norte, por sua vez, 43,1% da população era pobre pelo critério do Banco Mundial 7,5 milhões de pessoas. A proporção era mais do que o dobro da vista no Sudeste do país, onde 15,9% dos residentes carregavam essa condição (13,7 milhões de pessoas). Os Estados com piores indicadores foram Maranhão (52,4%), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%). Em São Paulo havia 5,46 milhões de residentes abaixo da linha da pobreza, ou 12,2% da população. Em Santa Catarina, o percentual era de 9,4%. No Estado do Rio, de 18,3%. Em todos os casos, a pobreza tem maior incidência nos domicílios do interior dos Estados do que nas capitais.

         O IBGE também calculou a pobreza de 2016 com base em outras linhas de corte, como o Programa Brasil sem Miséria de R$ 85 para pobreza extrema e R$ 170 para pobreza e do Benefício de Prestação Continuada de um quarto do salário mínimo, de R$ 440 em 2016. Também calculou a partir de outros cortes do próprio Banco Mundial, como de US$ 5,5 diários para pobreza moderada, aplicável ao Brasil.

         Os movimentos do mercado de trabalho durante a crise afetaram com mais intensidade a parcela jovem da população. Dos 11,6 milhões de pessoas desempregadas em 2016, com 16 anos ou mais de idade, 54,9% tinham de 16 a 29 anos, de acordo com a "Síntese de Indicadores Sociais 2017.

         A taxa de desemprego dessa faixa etária era de 21,1% naquele ano, mais do que o dobro do indicador relativo a pessoas de 30 a 49 anos de idade (5,5%). Além de menos empregados, os jovens estão ocupados em postos de menor qualidade. A proporção de pessoas de 16 a 29 anos em trabalhos formais caiu de 60,3% para 58,4%, de 2014 para 2016, respectivamente, segundo o IBGE.

         A informalidade do emprego entre jovens era mais latente nas regiões Nordeste e Norte. No Maranhão, somente 30,1% dos jovens estavam ocupados em trabalhos formais, nível mais baixo de todo o país.

         Os dados do estudo indicam que, quanto menos escolaridade, mais cedo o jovem ingressa no mercado de trabalho. A pesquisa revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado de trabalho com até 14 anos.

         Para os analistas, “a idade em que o trabalhador começou a trabalhar é um fator que está fortemente relacionado às características de sua inserção no mercado de trabalho, pois influencia tanto na sua trajetória educacional – já que a entrada precoce no mercado pode inibir a sua formação escolar – quanto na obtenção de rendimentos mais elevados”.

         Ao mesmo tempo em que revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado com até 14 anos, o levantamento indica também que este percentual cresce para o grupo de trabalhadores que tinha somente até o ensino fundamental incompleto, chegando a atingir 62,1% do total, enquanto que, para os que têm nível superior completo, o percentual despenca para 19,6%.

         Ainda sobre o trabalho precoce, o IBGE constata que, em 2016, a maior parte dos trabalhadores brasileiros (60,4%) começou a trabalhar com 15 anos ou mais de idade. Entre os trabalhadores com 60 anos ou mais houve elevada concentração entre aqueles que começaram a trabalhar com até 14 anos de idade (59%).

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         A análise por grupos de idade mostra a existência de uma transição em relação à idade que começou a trabalhar, com os trabalhadores mais velhos se inserindo mais cedo no mercado de trabalho, o que pode ser notado porque 17,5% dos trabalhadores com 60 anos ou mais de idade começaram a trabalhar com até nove anos de idade, proporção que foi de 2,9% entre os jovens de 16 a 29 anos.

         O IBGE destaca que os trabalhadores de cor preta ou parda também se inserem mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os brancos, “característica que ajuda a explicar sua maior participação em trabalhos informais”.

         Já entre as mulheres foi maior a participação das que começaram a trabalhar com 15 anos ou mais de idade (67,5%) quando comparadas com a dos homens (55%). Para os técnicos do instituto, esta inserção mais tardia das mulheres no mercado de trabalho pode estar relacionada “tanto ao fato de elas terem maior escolaridade que os homens, quanto à maternidade e os encargos com os cuidados e afazeres domésticos”.

         O percentual de jovens que não trabalham nem estudam aumentou 3,1 pontos percentuais entre 2014 e 2016, passando de 22,7% para 25,8%. Dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 indicam que, no período, cresceu o percentual de jovens que só estudavam, mas diminuiu o de jovens que estudavam e estavam ocupados e o de jovens que só estavam ocupados.

         O fenômeno ocorreu em todas as regiões do Brasil. No Norte, o percentual de jovens nessa situação passou de 25,3% para 28,0%. No Nordeste, de 27,7% para 32,2%. No Sudeste, de 20,8% para 24,0%. No Sul, de 17,0% para 18,7% e no Centro-Oeste, de 19,8% para 22,2%.

         Ele atingiu, sobretudo, os jovens com menor nível de instrução, os pretos ou pardos e as mulheres e com maior incidência entre jovens cujo nível de instrução mais elevado alcançado era o fundamental incompleto ou equivalente, que respondia por 38,3% do total.

         Quando se avalia os níveis de pobreza no país por estados e capitais, ganham destaque - sob o ponto de vista negativo - as Regiões Norte e Nordeste com os maiores valores sendo observados no Maranhão (52,4% da população), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%).

         Em todos os casos, a pobreza tem maior incidência nos domicílios do interior do país do que nas capitais, o que está alinhado com a realidade global, onde 80% da pobreza se concentram em áreas rurais.

         Ainda utilizando os parâmetros estabelecidos pelo Banco Mundial, chega-se à constatação de que, no mundo, 50% dos pobres têm até 18 anos, com a pobreza monetária atingindo mais fortemente crianças e jovens - 17,8 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, ou 42 em cada 100 crianças.

         Também há alta incidência em homens e mulheres pretas ou pardas, respectivamente, 33,3% e 34,3%, contra cerca de 15% para homens e mulheres brancas. Outro recorte relevante é dos arranjos domiciliares, no qual a pobreza - medida pela linha dos US$ 5,5 por dia - mostra forte presença entre mulheres sem cônjuge, com filhos até 14 anos (55,6%). O quadro é ainda mais expressivo nesse tipo de arranjo formado por mulheres pretas ou pardas (64%), o que indica, segundo o IBGE, o acúmulo de desvantagens para este grupo que merece atenção das políticas públicas.

         Como consequência da desigualdade social, temos os grandes problemas que nos afetam diretamente, podendo ser vistos a toda hora e todo momento:

         Aumento das favelas nas grandes cidades, com proliferação nas cidades do interior;

         Crescimento de fome e de miséria em todos os centros urbanos;

         Aumento da mortalidade infantil, do desemprego e da criminalidade;

         Crescimento de classes sociais de menor poder aquisitivo;

         Atraso no desenvolvimento econômico da nação;

         Dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde, transporte público, saneamento básico e educação.

         Em nosso país, a desigualdade social é uma das características mais importantes, já que somos um dos piores países do mundo neste tipo de diferença entre as classes sociais. Embora tenhamos tido a oportunidade de, há alguns anos, sermos considerado a oitava potência econômica do mundo, também estávamos carregando a tocha de oitavo país com maior índice de desigualdade econômica.

         Como sociedade, o Brasil deve entender que, sem um efetivo Estado democrático, não teremos condições de combater ou reduzir a desigualdade social entre nós. Cabe ao conjunto da sociedade criar meios para o desenvolvimento social e estabelecimento de um conjunto de regras que possam minimizar a desigualdade social. É preciso reduzir a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Em consequência, sem uma reforma tributária igualitária e investimento massivo em educação, o Brasil não se tornará uma economia competitiva.

         A taxação de grandes fortunas ou das maiores heranças. Uma minoria da população, que sempre ganhou muito, mesmo em contextos de crise econômica, está submetida à menor carga tributária direta (aquela que incide sobre patrimônio, os juros e os lucros). "Os gastos financeiros — e não os gastos sociais — representam o maior gargalo das contas públicas." A conta de juros do governo brasileiro é desproporcional, pois o Brasil lidera o ranking das maiores taxas de juros do mundo, observando-se que a taxa básica de juros é fixada pelo próprio governo, por intermédio do Copom do Banco Central do Brasil. Nosso sistema continua a onerar os trabalhadores e os pobres. Mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens e serviços, com baixa tributação sobre renda e patrimônio.

         O que se constata atualmente é um desmonte do Estado Social, programas sociais sendo reduzidos ou extintos, em especial na área da educação e da ciência e tecnologia. Congelamento dos investimentos públicos por 20 anos, privatizações e desmonte dos bancos públicos, terceirização irrestrita, reforma trabalhista e tentativa de reforma da previdência.

          

Referências bibliográficas

 

https://www.oxfam.org.br/publicacoes/desigualdade-em-movimento

 

https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Relatorio_A_distancia_que_nos_une.pdf

 

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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