~~ABANDONO AFETIVO E O DANO MORAL
Ana Carla Cavenagui
Resumo: O presente Artigo, visa estudar o conceito do abandono moral e as suas consequencias na sociedade , verificar os princípios contitucionais embutidos no poder-dever do pátrio poder , e estabelecer nexo de causalidade entre o Abandono e o Dano Moral.
Palavras Chave: Abandono Afetivo, dano moral, pátrio poder
Sumário: 1-Conceito , 2-Princípios que regem o Abandono Afetivo, 3-Abandono inverso, 4- Dano Moral , 5- Conclusão
1-Conceito
Primeiramente , para delimirtamos o conceito do Abandono Afetivo, devemos entender a atual concepção de família, concepção esta , que vem em decorrente mudança em nossa sociedade.
No Código Civil de 1916, a composição de família era de forma patriarcal, ou seja, direitos e deveres giravam em torno do PAI, no entanto, com a transformação da sociedade , houve muitas mudanças, dentre essas mudanças, podemos citar a independencia da mulher em relação ao voto, ao trabalho, a facilidade em se divorciar, a união estável, união homoafetiva, direitos á relações extraconjulgais . De tal forma que as relaçoes familiares estão em constante mudança como define Baumann ¹:
“mundo de furiosa individualização, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro (...). No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência”.
Deste modo, devido as novas concepções de família, a transitoriedade de sentimentos, entendemos que o abandono afetivo é o direito-dever , de proteção aos filhos; deste modo destacamos também a efetiva proteção que o Estado exerce sobre a família, nossa contituição em seu artigo 226 caput estabelece que "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado". Mais adiante em seus parágrafos 3ºe 4º :
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Esclarece Roberto Senise Lisboa que "O poder familiar, como a expressão está a designar, é a autorização legal para atuar segundo os fins de preservação da unidade familiar e do desenvol- vimento biopsíquico dos seus integrantes."
Vejamos o artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” E o artigo 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988 que estipula que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança , ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Então quando fazemos a junção destes dois artigos, temos o conceito do ABANDONO AFETIVO. Sendo esses artigos geradores de responsabilidade obrigacional dos pais em relação aos filhos , ou seja, a não observãncia , do cuidado , do zelo , da prestação de assistência no que se refere a dignidade da pessoa, causam danos piscicológicos na criança que são irreparáveis .
Segundo Melvin Lewis, um dos mais renomados professores de Psiquiatria Infantil, os pais, como modelos e guias, possuem um papel de contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade sadia, controlando seus impulsos e comportamentos, cuja ausência ou disfunção muitas vezes acarreta abalo na personalidade.
O que nos permite afirmar, que esse abandono afetivo causa na criança e no adolescente, traumas indissolúveis, ao viver na expectativa, do cuidado que nunca vêm , podendo ter sintomas externos como perda de apetite, queda de cabelo, desmaios, e alterações piscicológicas, como depressão, atitudes agressivas ou isolativas.
2- Princípios que regem o Abandono Afetivo
Primeiramente, vamos falar do princípio da diginidade da pessoa humana, ele está intrinseco, no direito de família, e por não possuir uma definição legal , uso-me das palavras de Flávio Tartuce "em suma, a dignidade humana deve ser analisada a partir da realidade do ser humano em seu contexto social"
Podemos tomar como exemplo, para entender o contexto social, um casal que possui tres filhos , sendo dois filhos de ambos os conjugês e um de uma relação passada. Este filho que vem de uma outra relação estuda em escola pública, enquanto os filhos comuns do casal, estudam em escola particular, isto fere o princípio da dignidade da Pessoa Humana, uma vez que há uma diferenciação entre os filhos. Já no caso de todos estudarem em escola pública , o fato do filho de um dos conjuges nao estudar em escola particular não fere o princípio da dignidade da pessoa humana.
Princípio da Solidariedade Familiar , este princípio, fala sobre a ligação interpessoal, dos membros do núcleo familiar, onde estes se complementam, tendo seus direitos e deveres interligados, saliente-se que o princípio em estudo é composto pela afeição e pelo respeito, os quais, nas palavras de Roberto Senise Lisboa: “são vetores que indicam o dever de cooperação mútua entre os membros da família e entre os parentes, para fins de assistência imaterial (afeto) e material (alimentos, educação, lazer)” (2002, p. 46).
Princípio da afetividade, enfim, este é o princípio que serve como norte, nas delimitações das relações familiares. Alguns doutrinadores, usam a expressão de "macro importancia", pois os laços afetivos , são de extrema importancia para formação do cidadão, e também para preservar a dignidade da pessoa.
Necessário diferenciar amor, do princípio da afetividade, uma vez que , os pais não são obrigados necessariamente a ter sentimentos pelo filho, porém o dever de cuidar , zelar, está expresso , e é isto que define o princípio da afetividade, o dever dos pais para com os filhos, e vice-versa, gerando então a afetividade valor jurídico.
Usaremos aqui , o exemplo da filiação socio afetiva, não existe definição em lei, portanto , o que se tem é um seguimento da jurisprudência, onde prevalece, os vínculos de afeto em detrimento do vincúlo biológico, já dizia a expressão popular "PAI É QUEM CRIA", neste viés Maria Berenice Dias:
"No momento em que a família passou a ser identificada pela presença de um elo de afeto, os vínculos de parentalidade vêm sendo definidos pela identidade socioafetiva e não pela consanguinidade. Perdeu significado da verdade biológica, até porque os modernos meios de reprodução assistida estão a exigir novos referenciais para o estabelecimento dos laços de parentesco. A “adoção à brasileira” deixou de ser crime, sendo considerada como uma opção livre do pai registral, a impedir a anulação do assento de nascimento "
E por fim, o Princípio do maior interesse da Criança e do Adolescente, como já foi dito anteriormente, o Código Civil de 1916, proporcionava a proteção do "PAI", porém com a constituição de 88, e o novo código Civil de 2002, o centro da relação familiar deixou de ser o "PAI" e passou a ser "OS FILHOS".
Para que haja a efetiva proteção aos direitos do menor , e para que ele possa obter o melhor desenvolvimento possível, é necessário dar a ele todas as oportunidades de crescimento , e que o Judiciário proteja de maneira sólida seus interesses , em detrimento dos responsáveis legais. Por isso nem sempre a criança ficará com aquela pessoa que possua o maior nivel economico, e sim com aquele que mantém o vínculo afetivo. Prevalecendo assim o interesse da Criança e do Adolescente.
Podemos tomar como exemplo, os artigos 1.583 e 1.584, que definem a guarda compartilhada, tendo esta preferência sobre a guarda unilateral, onde é de maior interesse para a criança a convivência com a pai e com a mãe, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia.
Neste sentido afirma Roberto Senise Lisboa "Todos os institutos protetivos dos interesses do menor, como o poder familiar, a guarda e a tutela, fundamentam-se no princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente".
3-ABANDONO AFETIVO INVERSO
A Lei 10.741/2003, intitulada por Estatuto do Idoso em seu art. 3º, aduz que:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Vejamos a seguinte decisão na qual é nitido a priorização do bem estar do idoso :
Mandado de Segurança - Princípio da efetividade máxima das normas
constitucionais - Pedido de redução de carga horária, com redução de
salário, formulado por filho de pessoa idosa objetivando assistir-lhe
diante da doença e solidão que o afligem - Cuidados especiais que
exigem dedicação do filho zeloso, única pessoa responsável pelo
genitor - Dever de ajuda e amparo impostos à família, à sociedade, ao
Estado e aos filhos maiores - Doutrina - Ordem concedida.
I. De cediço conhecimento que se deve procurar conferir a maior
efetividade às normas constitucionais, buscando-se alcançar o maior
proveito, sendo também certo que as mesmas (normas constitucionais)
têm efeito imediato e comandam todo o ordenamento jurídico.
II. Ao estabelecer que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever
de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes
o direito à vida." (art. 230 CF/88), e que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art.229, 2ª parte CF/88), a Carta Maior prioriza a atenção ao idoso em razão desta sua condição especial que o torna merecedor de proteção e atenção especial por parte daquelas entidades (família, sociedade e o Estado).
III. A efetividade da prestação jurisdicional implica em resultados
práticos tangíveis e não meras divagações acadêmicas, porquanto, de
há muito já afirmava Chiovenda, que o Judiciário deve dar a quem
tem direito, aquilo e justamente aquilo a que faz jus, posto não poder o processo gerar danos ao autor que tem razão.
IV. Doutrina. "os idosos não foram esquecidos pelo constituinte. Ao
contrário, vários dispositivos mencionam a velhice como objeto de
direitos específicos, como do direito previdenciário (art. 201, I), do
direito assistencial (art. 203, I), mas há dois dispositivos que merecem
referência especial, porque o objeto de consideração é a pessoa em sua terceira idade. Assim é que no art. 230 estatui que a família, a
sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida, de
preferência mediante programas executados no recesso do lar,
garantindo-se, ainda, o benefício de um salário mínimo mensal ao
idoso que comprove não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por família, conforme dispuser a lei
(art. 203, V), e, aos maiores de sessenta e cinco anos, independentes
de condição social, é garantida a gratuidade dos transportes urbanos."
(sic In Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 18ª
edição, José Afonso da Silva, 2000, págs. 824/825).
V- In casu, a denegação da segurança em casos como o dos autos
implica em negativa de vigência às normas constitucionais incrustadas
nos artigos 229 e 230 da lei fundamental, de observância cogente e
obrigatória por parte de todos (família, sociedade e Estado), na medida em que a necessidade do idoso [...] em ter a companhia, o amparo, proteção e ajuda de seu único filho, o impetrante, diante da
enfermidade de seu velho pai, constitui concretização daquelas
normas constitucionais em favor de quem foram (normas
constitucionais) instituídas e pensadas pelo legislador constituinte.
VI. Sentença reformada para conceder-se a segurança nos termos da
inicial. (TJDF, AC 2005.0110076865, 5ª Turma Cível, Relator
Desembargador João Egmont, 26.4.2007).
O dever de cuidar dos pais também encontra amparo legal no art. 229, da nossa Carta Magna: “Os pais tem dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Não existe na nossa legislação, decisão indenizatória referente ao abandono afetivo do idoso, porém podemos por analogia , utilizar-se dos mesmos preceitos ao que concerne o abandono da criança e do adolescente.
4-DANO MORAL
A reparação do dano moral no Direito brasileiro foi elevada à garantia de direito fundamental com a Carta Política de 1988, encerrando de uma vez por todas a divergência doutrinária e jurisprudencial até então predominante no Brasil negando a indenização pelo agravo moral.
Como estampa Yussef Said Cahali: “A Constituição de 1988 cortou qualquer dúvida que pudesse remanescer a respeito da reparabilidade do dano moral, estatuindo em seu artigo 5º, no item V, ser ‘assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral ou à imagem’, e, no item X, estabelece serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação”.
Arnaldo Marmitt cita diversas passagens no Estatuto da Criança e do Adolescente em cujos artigos está consignada a proteção imaterial do menor, como no caso dos artigos 3º e 5º, ao mencionarem que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, como instrumentos de desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, em condições de liberdade e dignidade (ECA, art. 3º), não podendo qualquer criança ou adolescente ser objeto de alguma forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punida qualquer dessas atividades ilícitas atentatórias aos direitos fundamentais (ECA, art. 5º). O Estatuto é expresso ao proteger, no artigo 17, o respeito à integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, nela abarcada a preservação de sua imagem, a coibir seu uso abusivo e protegendo o menor da curiosidade alheia.
Corrobora, neste sentido a posição do STJ, vejamos a ementa do recurso especial nº 1159242/SP:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR
DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar
no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se
observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude
civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge
um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de
criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração
da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear
compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de
pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um
núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero
cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à
afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes
ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de
matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via
do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos
morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou
exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.
Conclusão
Como ja foi explicado anteriormente , o abandono afetivo causa diversos danos piscológicos e até físicos , causando na pessoa que sofre o abandono problemas contínuos ao longo de sua vida.
Portanto nada mais justo que haja uma reparação pecuniária em detrimento de quem sofre o abandono. Corroborando com esse entendimento, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que:
" não é possível obrigar ninguém a amar. No entanto, a esta desatenção e a este desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas a sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas, afetivamente".
Conclui-se que a recusa dos pais em exercer os seus deveres inerentes ao pátrio poder , configura um abuso de direito, ou seja, um ato ilícito que concede o direito de indenização por violação de direitos garantidos na Constituição, como a dignidade da pessoa humana.
Referências Bibliograficas:
BAUMANN, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004
LEVIS, Malvin, Aspectos Clínicos do Desenvolvimento na Infancia e na Adolescência 3ª edição. Artes Médicas, 1993
TARTUCE, Flávio, Manual de Direito Civil. 6ª edição, 2016.
LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil, volume 2 , 2002.
DIAS, Maria, Afeto, ética e família e o novo Código Civil - Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM com apoio da OAB/MG, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 11-20.
LISBOA, Roberto Senise . Manual de direito civil, v. 5 : direito de família e sucessões, 8ª edição.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 1998
MARMITT, Arnaldo. Dano moral, Rio de Janeiro: Aide. p. 64.
PEREIRA, Rodrigo PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível no site http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392.