Do Princípio Constitucional do Contraditório: Vertentes Material e Formal (à Luz da Evolução Jurisprudencial e Legislativa do Regramento Processual Civil)

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23/03/2018 às 18:30
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4. Das Alterações Legislativas Relativas ao Tema

Destarte, seguindo a evolução jurisprudencial que em grande medida refugiu a correta técnica interpretativa sistemática para reconhecer a necessária prática impositiva reclamada pelo clamor dos jurisdicionados por uma justiça mais célere, ainda que menos técnica, o Projeto de Lei nº 8.046/2010 simplesmente refundiu, em certos aspectos, os diferentes institutos da Tutela de Conhecimento Antecipada (art. 273 do CPC) e da Tutela de Garantia Cautelar (art. 804 do CPC), renomeando-as sob o nomen iuris genérico de “Tutela de Urgência” (art. 276 do mencionado projeto de lei), mitigando, em grande medida, a até então significativa diferenciação entre os princípios do contraditório material e do contraditório formal.


5. Conclusões

Como visto, a concepção moderna do princípio constitucional do contraditório entende que “não se pode mais, na atualidade, acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as partes, sem que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento” (NUNES, p. 81).

Conforme analisamos, há duas vertentes em que se desdobra o princípio constitucional do contraditório: o contraditório material (alusivo ao Direito material controvertido (e, conseqüentemente, ao aspecto jurisdicional próprio, de caráter meritório) e o contraditório formal (relativo a aspectos exclusivamente processuais).

O contraditório material (verdadeiro) é sempre observado "a priori", ou seja, qualquer decisão (antecipada ou não) de natureza meritória somente pode ser efetivada com a oitiva prévia das partes contentoras.

Já o contraditório formal (ficcional e impróprio), embora também deva ser observado, em regra, "a priori", pode ser efetivado, excepcionalmente, "a posteriori" ou, em outras palavras, a decisão processual (não meritória) pode ser, à guisa de exceção, tomada sem a oitiva de uma das partes (ou até eventualmente de ambas (decisões ex officio)) e, somente após sua plena efetivação, permitir vistas à outra parte (ou ambas as partes).

Por fim, registre-se que, na hipótese de eventual concessão da tutela antecipada, - pelo menos em sua concepção originária -, há sempre o obstáculo maior caracterizado pela efetiva presença do contraditório material a impedir, de forma sinérgica, o deferimento da antecipação sem a oitiva prévia da parte contrária, não obstante haver hipóteses excepcionalíssimas em que pode ser concedida inaudita altera pars com fulcro na característica de sua necessária reversibilidade, como bem salienta parcela da doutrina e da jurisprudência, concluindo-se, entretanto, que a evolução jurisprudencial e as alterações legislativas em andamento inegavelmente se orientam no sentido da crescente mitigação das diferenças entre as vertentes do contraditório material e formal.


Referências Bibliográficas

HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 12. ed., 2000

CAVALCANTI, B. N. B. A Garantia constitucional do contraditório . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2008.

ASSIS, Arnaldo Camanho de. Antecipação de Tutela e Citação do Réu, Brasília, 1997

LA CHINA, Sergio. L’esecuzione Forzata e le Disposizione Generali del Codice di Procedura Civile, Milano, 1970

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992

NUNES, Dierle et al. Curso de direito processual civil: fundamentação e aplicação. Belo Horizonte: Fórum, 2011

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Revista Forense, vol. 310, 1990

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Inovações no CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1996


Notas

[1] "Contestação, impugnação, contradição; contraditória" (HOUAISS)

[2] O princípio do contraditório se confunde, em grande parte, com o princípio da ampla defesa: “é mesmo a sua própria exteriorização formando os dois um dos alicerces do devido processo legal, que, por sua vez, exige a estrutura dialética como o meio necessário para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente” (THEODORO JÚNIOR, 1990, p. 22).

[3] Não caracteriza exagero reafirmar, mais uma vez, que a tutela cautelar alude ostensiva e exclusivamente a uma forma de jurisdição impropriamente considerada (uma jurisdição essencialmente extensiva) que, em nenhuma hipótese, permite a caracterização efetiva de uma lide de caráter meritório. Por via de consequência, a sentença de cunho cautelar não pode e, de fato, não objetiva, em nenhum caso, a obtenção de um resultado concreto que venha, de alguma maneira, a antecipar os efeitos próprios da sentença da ação principal, salvo em situações excepcionalíssimas, em que a proteção cautelar concedida - sempre por vias transversas - esvazia indiretamente (sem propender ostensivamente a esta finalidade) o conteúdo meritório da lide cognitiva.

Fora desses limites estreitos, o emprego da tutela cautelar é apenas e tão-somente uma forma jurídica distorcida, uma falácia desvirtuada de seus preceitos e objetivos fundamentais.De igual monta, também é importante observar - em tom de advertência sublime - que na tutela cautelar, na qual inexiste efetiva jurisdição e lide meritória (a lide impropriamente considerada é apenas “de dano”), há sempre um aspecto insuperável de referibilidade processual (e não propriamente material, comum nas tutelas cognitivas) a um direito efetivo que se deseja, a seu tempo, ver referendado no processo principal (alusivo, em última análise, a uma autêntica jurisdição, de índole cognitiva, com caracterização de lide meritória).

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É, pois, exatamente esta característica de cautelaridade referencial - que se opõe à denominada satisfatividade relativa ou absolutamente exauriente pretendida no processo de conhecimento - que deve ser perseguida e encontrada necessariamente na tutela assecuratória, para permitir e viabilizar sua plena identificação.

Sobre os autores
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Luciano Aragão

Mestre em Direito das Relações Econômicas. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado, Sócio da Aragão Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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