Os noticiários nos bombardeiam, todo momento, com as estatísticas da crescente criminalidade que foge ao controle dos governantes e da polícia. O resultado é um sentimento de pânico geral misturado com a certeza da impunidade criminal, especialmente se os crimes são cometidos por adolescentes. A redução da maioridade penal sempre ressurge como uma solução possivelmente redutora das taxas de criminalidade e da sensação de insegurança da população.
Intuitivamente sabemos que a maioria das pessoas é favorável à redução da maioridade penal ou que se imprima maior severidade às medidas socioeducativas, porque o método atual parece não ser eficiente para punir ou evitar a reincidência do adolescente numa conduta criminosa.
Neste debate de um lado da corda estão os chamados “pessoal dos direitos humanos” que compreendem a criminalidade juvenil num sentido lato, como produto de processos históricos da desvalorização e abandono de determinados grupos sociais. Os déficits sociais seriam dirimidos através de políticas públicas que dissolvam as causas do problema e não apenas ataque suas consequências. Na outra ponta da corda encontramos o grupo de maior força que analisa a questão pontualmente fazendo um recorte jurídico e processual, alijando a discussão do parecer de outras áreas de conhecimento como sociologia e psicologia.
Indubitavelmente a causa da violência social e o motivo pelo qual algumas pessoas cometem crimes são multifatoriais permitindo diversas abordagens. Diante da problemática, a PEC 171/1993, aquela que propôs a redução da maioridade penal ganhou força com o que argumento de que,
“na legislação penal brasileira, o menor de dezoito anos não está sujeito a qualquer sanção de ordem punitiva, mas tão somente às medidas denominadas socioeducativas, que, em síntese, são: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.” (PEC 171/1993).
Inicialmente é necessário esclarecer que do ponto de vista sociológico ou jurídico o conceito de crime e de ato infracional são os mesmos: ambos entendidos como conduta criminógena de transposição, transgressão e desrespeito às leis e normas sociais, ferindo o interesse coletivo e colocando em risco bens jurídicos. Ato infracional é toda e qualquer ação realizada por um adolescente, pessoa entre doze anos completos e dezoito anos incompletos, que pode ser “enquadrada” numa conduta típica, ilícita e culpável. A distinção jurídica de crime e ato infracional diz respeito ao sistema processual e “punitivo” a qual será submetido o adolescente infrator, portanto a diferenciação é quanto ao meio e a forma de responsabilização e não da valoração moral do ato em si.
Apesar do clamor popular a redução da maioridade penal ainda não aconteceu. O aumento do tempo de internação para crimes hediondos ou equiparados desponta como alternativa. No imaginário popular os crimes graves e hediondos são aqueles praticados contra a vida como homicídio, estupro, “assalto à mão armada” e “roubo seguido de morte”. Isto também não é toda a verdade. Exemplo, o homicídio simples não é crime hediondo e será assim classificado quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio ainda que cometido por um só agente ou quando se tratar de homicídio qualificado.
Se o que entendemos por punição é tão somente a privação da liberdade o direito de ir e vir do adolescente infrator também está comprometido pela imposição de medidas socioeducativas como liberdade assistida, semiliberdade e internação. Por exemplo, um adolescente de treze anos poderá receber uma medida de internação e outro de dezessete apenas uma liberdade assistida a depender do ato que praticaram. Nota-se que aquele que possui doze anos completos responde igualmente ao de dezoito anos incompletos.
Com a máxima vênia, podemos concluir que a idade de “responsabilização criminal” está fixada em doze anos e não em dezoito anos. A maior ou menor severidade na aplicação de uma medida socioeducativa pelo juiz estará relacionada à gravidade do ato e não com a idade do adolescente. O indivíduo é penalmente inimputável até doze anos incompletos visto que a criança não comete crime nem ato infracional.
Na lógica do Estatuto da Criança e do Adolescente está implícita a adesão pelas teorias acerca da construção do conhecimento e das etapas de desenvolvimento cognitivo da pessoa. Precisamos nos perguntar se as medidas socioeducativas infratores estão proporcionado aos jovens infratores oportunidade de localizarem o ato infracional em sua trajetória e reconhecerem sua responsabilidade. É uma questão que precisa ser enfrentada.
Inda que sob o argumento de que apenas uma porcentagem pequena de adolescentes cometam atos infracionais, assim considerada em toda a população de adolescentes, dentre os que cometem a taxa de reincidência é alta. O que fomenta a reincidência? Os centros de internação estão despreparados para oferecer alternativas às escolhas destes jovens? Trata-se de uma escolha inafastável do indivíduo pelo crime, atrelado ao seu coletivo de vida?
É possível explicar a prática de um ato infracional em alguns casos como sendo uma resposta do sujeito ativo frente a uma situação vivida, compreendida e internalizada através de experiências, expectativas e frustrações. Mas não podemos destituir completamente este sujeito da sua humanidade e liberdade reduzindo-o a uma mera abstração coletiva que tende a esconder as subjetividades, resumindo tudo à predestinação social. Isto é verdade, mas não é toda a verdade. A possibilidade de fazer uma “nova escolha” pressupõe no mínimo a capacidade de escolher.
A pena aplicada no processo penal possui uma função punitiva para o autor e em certo sentido também de reparação para a vítima, ainda que de modo abstrato. A medida socioeducativa ao romper a lógica meramente punitiva parece confrontar os dois sistemas: a penalização do adulto e (des)responsabilização do adolescente, o eficiente e o ineficiente.
As medidas socioeducativas não podem representar uma absoluta negação da pena e da responsabilização, ao contrário devem exercer uma função na lógica do direito penal juvenil como mediação entre o adolescente, o ato infracional e a vida em sociedade que se espera realizar no futuro.
É preciso empregar todos os esforços para que o sistema socioeducativo atinja seus objetivos ainda que em médio prazo, afinal o produto do sistema são pessoas, indivíduos, sujeitos morais. A condição que se propôs o sistema socioeducativo de ser meio de transformação é a peculiaridade que o diferencia substancialmente do sistema penitenciário, é sua razão de ser.
Referências Bibliográficas:
Código Penal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - acesso em 23, mar, 2018.
Código Processo Penal - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm, acesso em 23, mar, 2018.
Estatuto da Criança e do Adolescente. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L8069.htm, acesso em 23, mar, 2018.