Remição da pena e prisão domiciliar

03/04/2018 às 14:19
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Um sistema prisional que se preze deve impor ao preso o trabalho obrigatório, remunerado e com as garantias e os benefícios da Previdência Social (artigo 39). Isso porque se está diante de um dever social e condição da dignidade humana, que se impõem ao Estado.

Para isso, aplausos ao instituto da remição da pena, que foi uma feliz proposta inserida no bojo da Lei 7.210/84, e que tem por finalidade expressiva abreviar, pelo trabalho e pelo estudo, parte do tempo de condenação. Nessa linha, mais elogios à Lei 12.433/2011, que entrou em vigor em 29 de junho de 2011, alterando, de forma sensível, o panorama da remição de penas no Brasil, instituto ligado ao princípio constitucional da individualização da pena.

A remição, além de propiciar pelo trabalho e estudo a reintegração social do apenado, é medida salutar de política criminal que milita em favor da adequada administração da questão penitenciária. Isso mesmo diante da trágica e patética constatação no Brasil, que tem um Fundo Penitenciário, engordado por dotações orçamentárias da União, fianças, multas, três por cento do montante arrecadado dos concursos de prognósticos, sorteios e loterias no âmbito do governo federal e, de outro lado, a superpopulação dos presídios, com presos de mais e vagas de menos.

Com a remição permite-se descontar a pena pelo trabalho e pelo estudo e ainda permitir a rotatividade do sistema prisional e a liberação gradual das vagas existentes, num incentivo ao bom comportamento do sentenciado. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos (artigo 128).

Com a redação dada ao artigo 126 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) a remição passou a ser um direito subjetivo do preso cautelar, dos condenados em regime aberto, semiaberto ou fechado, ou ainda dos que estão sujeitos ao benefício do livramento condicional, de descontarem parte da pena por cumprir pelo trabalho ou estudo efetivamente realizado ou não (nos casos de acidente). Assim a contagem do tempo de trabalho é de um dia de pena a cada três dias de trabalho (artigo 126, § 1º, da Lei 7.210/84). O estudo permitirá descontar um dia de pena a cada doze horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em três dias. Tal divisão permitirá impedir que o preso alegue ter estudado doze horas em um único dia, pretendendo fazer o desconto à razão de um dia de estudo por um dia de pena, preservando a lógica de que a remição atende a razão de três por um, seja para o trabalho e seja para o estudo. No parágrafo primeiro do artigo 129 consta o dever do apenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal(condenado em regime fechado ou semiaberto), já que a lei fala em autorização para estudar fora do estabelecimento, de comprovar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.

Discute-se se a remição da pena pode ser aplicada na execução penal durante o período em que o apenado estava em regime de prisão domiciliar

A prisão domiciliar é uma forma alternativa de cumprimento da prisão preventiva; em lugar de manter o preso em cárcere fechado é inserido em recolhimento ocorrido em seu domicílio, durante 24 horas.

Cuida-se de uma faculdade do juiz, atendendo às peculiaridades do caso concreto, desde que respeitado algum dos seguintes requisitos: a) ser o agente maior de 80 anos; b) estar o agente extremamente debilitado por motivo de doença grave; c) ser o agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) ser gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Por ser a prisão domiciliada não pode ser banalizada, estendendo-se a outros presos, diversos do que estão elencados, expressamente nos incisos I a IV do artigo 318 do CPP.

A precariedade do estado de saúde do preso, na situação prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

Ademais, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma. E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados. O ministro Luís Roberto Barroso, no passado, se manifestou a favor da prisão domiciliar monitorada para criminosos não violentos. Defendeu essa posição, na conferência de encerramento da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Curitiba, em 24 de novembro de 2011. Foram as seguintes as suas palavras:

“No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, como também pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilização ampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável”.

Afirmou Paulo Rangel (Direito processual penal, 20ª edição, pág. 880) que "a prisão domiciliar processual não se confunde com a medida cautelar de recolhimento domiciliar em período noturno. Aqui (artigo 317) o individuo está preso processualmente, isto é, existe um mandado de prisão em seu desfavor, mas que será cumprido em sua residência por preencher os requisitos na lei. No recolhimento domiciliar(artigo 319, V), há uma medida também cautelar, mas que limita o ius libertatis do individuo apenas durante o repouso noturno e nos dias de folga, desde que tenha residência e trabalhos fixos.

A prisão é mais grave e é durante as 24 horas do dia.

Disse ainda Paulo Rangel (obra citada) que

"é claro que aqui vigorará o bom-senso e a humanidade do magistrado que não poderá trazer aos autos suas regras de experiência(artigo 355 do CPC, isto é, não pode o magistrado decidir, no processo penal, com base naquilo que ele já vivenciou, naquilo que ele "acha que é o certo por ter vivido algo parecido com sua vida pessoal."

O processo penal, regido que é pelo principio da necessidade (nullum poena sine iudiucium) não pode se valer de provas que não estejam no processo, muito menos de regras outras que não as técnicas.

Imagine-se um idoso, com vários problemas de saúde, com uma saúde extremamente delicada, com diabetes e problemas neurológicos que não podem ser necessariamente tratados no sistema penitenciário: ele deve ser beneficiado com o regime de prisão domiciliar para que lá receba o tratamento.

Por outro lado não se confunde prisão preventiva domiciliar(artigos 317 e 318 do CPP) com recolhimento recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos(artigo 319, V). Neste caso, não há necessidade de se prender o acusado e sim, somente, de retirá-lo durante o período noturno e nos dias de folga nas ruas. Se esta medida, por si só, não for suficiente, será caso de decretar a prisão preventiva, artigo 319 do CPP.

Quem poderá fornecer laudo médico comprovando a situação de "extremamente debilitado por motivo de doença grave"?

O médico oficial do Estado deverá examinar o preso e avaliar a sua situação médica. Mas o juiz tem a livre convicção.

Se alguém permaneceu preso de forma preventiva ou domiciliar(artigo 317 e 318) do CPP este tempo será concedido em detração(artigo 42 do CP).

Há ainda a possibilidade de cumprimento de prisão em regime domiciliar na falta de estabelecimento penal adequado.

No julgamento do HC 414.373, o STJ entendeu que o preso que cumpre pena no regime semiaberto não pode ser mantido no regime fechado por falta de vaga em estabelecimento prisional adequado. Nesses casos, o apenado deve cumprir, excepcionalmente, a pena no regime aberto ou domiciliar, até o surgimento da vaga.

O entendimento, já pacificado no Superior Tribunal de Justiça, foi aplicado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca ao conceder prisão domiciliar a uma mulher que deveria estar cumprimento pena no regime semiaberto, mas era mantida em regime fechado.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. UTILIZAÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEFERIMENTO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. NÃO REMOÇÃO DO PACIENTE PARA ESTABELECIMENTO ADEQUADO, PERMANECENDO NO REGIME FECHADO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO COMPATÍVEL COM O REGIME INTERMEDIÁRIO, DETERMINADO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. PRISÃO EM REGIME ABERTO OU PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO. [...] V. Na forma da jurisprudência do STJ, em caso de falta de vagas, em estabelecimento prisional adequado, deve-se conceder, ao apenado, em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou em prisão domiciliar, até o surgimento de vaga. VI. Resta incontroverso, nos autos, que, em 29/01/2013, o paciente teve deferida, pelo Juízo das Execuções, a progressão para o regime semiaberto. Entretanto, até a presente data, encontra-se ele cumprindo pena em regime fechado. VII. Revela-se, no ponto, flagrante ilegalidade, eis que manifesto o constrangimento imposto ao paciente, mantido em regime prisional mais gravoso do que aquele que lhe foi deferido, em 29/01/2013, em razão da progressão para o regime semiaberto. VIII. Habeas corpus não conhecido. IX. Ordem concedida, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, para determinar que o Juízo das Execuções remova, imediatamente, o paciente para o regime semiaberto. Persistindo a ausência de vaga, no regime semiaberto, que aguarde ele, no regime aberto, o surgimento de vaga adequada ao regime para o qual obteve progressão, em 29/01/2013. Caso não haja vaga, no regime aberto, que aguarde em prisão domiciliar, sob as cautelas do Juízo das Execuções, o surgimento de vaga no regime semiaberto.

(HC 272.506/SP, Rel. Ministra. ASSUSETE MAGALHÃES, Sexta Turma, DJe de 27/9/2013) (e-STJ fls. 107/109).

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Tem-se, nesse sentido, decisão do STF:

“3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como 'colônia agrícola, industrial' (regime semiaberto) ou 'casa de albergado ou estabelecimento adequado' (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado."

(RE 641320, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 11.5.2016, DJe de 8.8.2016, com repercussão geral - tema 423)”

Mas poderá o apenado contar tempo para remição por trabalho realizado em sua residência sob o regime de prisão domiciliar?

Como informou o site do STJ, em seu informativo de 3 de abril de 2018, por unanimidade de votos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de remição de pena com base no trabalho exercido durante o período em que o apenado esteve preso em sua residência.

Após concluir pela inadequação da penitenciária local ao regime semiaberto e pela falta de oferta de trabalho para todos os apenados, o juiz de primeiro grau, mediante a apresentação de proposta de emprego em uma vidraçaria, concedeu o benefício da prisão em domicílio. Assim, o condenado pôde passar um período no regime domiciliar, enquanto estava autorizado ao trabalho externo na vidraçaria.

Os dias trabalhados no período em que o apenado esteve no regime domiciliar foram computados no cálculo de remição da pena, mas, para o Ministério Público, a prisão domiciliar não poderia ser equiparada ao regime semiaberto, uma vez que suas características se amoldariam mais ao regime aberto. Foi pedida, então, a revogação da decisão que permitiu a remição pelo trabalho prestado em regime domiciliar.

Para o colegiado, ainda que em prisão domiciliar, o preso em nenhum momento perdeu a condição de apenado em regime semiaberto e, dessa forma, por estar cumprindo regime prisional que autoriza a remição pelo trabalho, o direito de remição dos dias trabalhados deveria ser reconhecido, a fim de evitar uma interpretação restritiva da norma.

Segundo o acórdão, “em se tratando de remição da pena, é, sim, possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução”.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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