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Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário

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18/04/2005 às 00:00
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10 Determinação da credibilidade da prova

            O juiz, antes de valorar as provas, deve estar certo de que a prova é idônea para formar o seu convencimento. Prova idônea, nesse sentido, é a que passou pelo teste de credibilidade. Para o juiz decidir sobre a credibilidade de uma prova, deve enfrentar certos critérios, precisamente determinadas regras de experiência. São as regras de experiência que devem guiar a aferição da credibilidade da prova.

            Quando essa aferição for explícita, seja em razão de contradita da testemunha, seja em virtude de alguma circunstância a ter exigido, o juiz deve precisar a solidez da regra de experiência utilizada, justificando a sua aplicação no caso concreto.No caso em que tal aferição não tiver sido explicitada – e não houver violação ao dever de motivação -, ainda assim será possível dizer que a prova, diante de sua evidente inidoneidade, não poderia ter sido valorada para formar a convicção judicial.

            Em qualquer uma dessas hipóteses, não há como negar a possibilidade de se discutir eventual violação do direito à prova em razão de incorreta aferição da sua credibilidade. Não ocorrerá, nessas situações, reexame de prova, mas sim a verificação de se a prova poderia ter sido valorada.

            Analisar se uma prova poderia provar não é o mesmo que examinar a convicção que a decisão recorrida formou a partir das provas valoradas. Em tais circunstâncias, o recurso ficará limitado à análise de uma regra de experiência, ou seja, de uma regra de juízo, pois a análise da credibilidade da prova não poderá ser feita quando, para se determinar a sua própria credibilidade, houver a necessidade de reexame de provas, como pode ocorrer diante da contradita.


11 Regras de experiência e presunções judiciais

            Por outro lado, não é possível esquecer o papel das regras de experiência na formação das presunções. As presunções são formadas a partir dos indícios, ou melhor, das provas indiciárias, mas sempre com base em regras de experiência – comuns ou técnicas.

            Nos recursos especial e extraordinário certamente não é possível reexaminar a prova indiciária e a convicção respeitante ao fato indiciário – também dito indício. Contudo, para chegar à presunção, o juiz raciocina ancorado em regras de experiência. É possível que o juiz aplique regra de experiência comum já totalmente desacreditada por outra regra de experiência comum ou que confronte com regra de experiência técnica, ou ainda que considere regra de experiência técnica sabidamente não mais aceita pela comunidade científica. Nessas situações, quando o uso da regra de experiência, por parte do juiz, não exigiu a produção de prova, nada pode impedir o questionamento da sua utilização. Note-se que, nessa hipótese, a regra de experiência não foi pensada com base em prova nenhuma, mas apenas permitiu ao juiz raciocinar, a partir de uma prova indiciária e de um indício, para fixar a presunção. Aí não há qualquer discussão sobre a prova indiciária, mas apenas impugnação da idoneidade da regra de experiência e, por mera conseqüência, da presunção. Mas, a discussão da presunção em tal perspectiva obviamente não requer o reexame de prova. Perceba-se que não há nem mesmo reexame da presunção enquanto elemento de formação da convicção, mas somente indagação a respeito da regra de experiência que conduziu o raciocínio judicial até a presunção.

            Nessa linha, o recurso especial – ou extraordinário – pode discutir se a adoção de uma regra de experiência violou a lei ou a Constituição Federal. (13)


12 Começo de prova escrita

            De acordo com o art. 402 do CPC, "qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando: i) – houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova; ii). ..". A alusão a "começo" de prova traz implicitamente a idéia de que a sua apresentação não é capaz de liberar o autor do ônus da prova. Isso, aliás, também decorre claramente da circunstância de que a sua utilização é elemento que confere ao autor a oportunidade do uso da prova testemunhal, e isso quando emanou da parte contrária. Nesse sentido, tal prova somente pode ser entendida como aquela que, apesar de não suficiente para o cumprimento do ônus da prova, autoriza que a tentativa de convencimento judicial também seja feita por intermédio da prova testemunhal. Não é sem razão, portanto, que o Código Civil italiano, ao tratar desse conceito, alude a uma prova "che faccia apparire verosimile il fatto allegato" (art. 2.724, 1).

            Pois bem. Caso a decisão recorrida enfrente a questão do conceito de prova por escrito, admitindo-a ou não, o recurso especial pode ser admitido para a sua discussão. Note-se, porém, que o mesmo não ocorre quando não se discutiu o conceito de prova por escrito, mas essa foi valorada juntamente com a prova testemunhal. (14)


13 Fatos que apenas podem ser demonstrados mediante as provas documental e pericial

            Segundo o art. 400, II, do CPC, o juiz deve indeferir a inquirição de testemunhas sobre fatos que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. No primeiro grupo (documento) estão incluídas as hipóteses dos artigos 366 (15) e 401 (16) do CPC. No segundo estão os fatos que exigem prova pericial. No caso em que um fato não pode ser demonstrado por meio de documento ou de testemunha, mas somente mediante análise técnica, a prova pericial não pode ser dispensada.

            Porém, o que importa, como é intuitivo, é sublinhar que a decisão que analisou se um fato apenas poderia ser objeto de prova documental ou pericial pode ser objeto de recurso especial. Nesse caso, evidentemente, não há necessidade de reexame de prova ou de re-elaboração da convicção, mas apenas a verificação de se a decisão, ao exigir prova documental ou pericial, não violou o CPC.


14 Valor da prova pericial

            Diz o art. 436 do CPC que "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos". Lembre-se, contudo, que quando a prova pericial não for suficiente para esclarecer o fato, o juiz deve pedir esclarecimentos (art. 435) e, se for necessário, determinar o que se chama de "segunda perícia" para corrigir a primeira (art. 437 e ss).

            Como a prova pericial é uma prova técnica e, assim, mais "objetiva" do que a testemunhal, o seu poder de convencimento também é mais forte. Portanto, a liberdade de o juiz formar a sua convicção com base em outras provas, quando produzida a prova pericial, está condicionada à explicação da razão pela qual a perícia não foi suficiente para esclarecer os fatos ou os motivos pelos quais os esclarecimentos solicitados ao perito, assim como a "segunda perícia", não puderam suprir as suas imperfeições.

            Embora a necessidade de motivação seja algo que deva acompanhar toda e qualquer decisão, a sua ausência, na situação em que o resultado da perícia é desconsiderado, implica em negação dos direitos à motivação e à prova e em violação ao art. 336 - que, ao dizer que o juiz não está adstrito à prova pericial, implicitamente afirma que a decisão pode deixar o resultado dessa prova de lado somente em hipóteses excepcionais.


15 A questão da coerência lógica da decisão

            O chamado critério da coerência lógica possui muita importância para o controle da motivação da decisão. Para esse critério importam os elementos lógicos da decisão, especialmente os relacionados à não-contradição e à coerência inferencial. (17)

            Não é possível que uma decisão aceite um mesmo fato como verdadeiro e falso, confira determinada qualidade - de verdadeiro ou de falso - a fatos que são contrários ou contraditórios, ou empregue regras de inferência incompatíveis. Quando um mesmo fato é considerado em um momento verdadeiro e em outro falso, ou quando fatos inconciliáveis são admitidos como verdadeiros ou falsos, a decisão certamente padece de vício de ausência de lógica. O mesmo ocorre quando a decisão emprega, em um mesmo contexto, regras de experiência excludentes.

            Nessas situações, o controle da decisão pode ser feito não apenas em grau de apelação, pois a aceitação da ausência de coerência lógica não exige re-elaboração da convicção ou simples reexame da prova, mas apenas a análise dos elementos narrativos componentes da decisão.


16. A congruência da decisão

            A coerência lógica é interna à decisão, defluindo da adequação da motivação, ao passo que, muitas vezes, a decisão deixa de se relacionar de modo pertinente com a prova, seja por não considerar um fato provado, seja por admitir um fato não provado. Nesse caso há o que se chama de ausência de congruência entre a decisão e os fatos provados. (18)

            Em tais hipóteses, também não há pretensão de formação de nova convicção sobre as provas. Existe apenas afirmação de que a decisão deixou de tomar em conta uma prova – ou um fato provado - ou considerou um fato não provado. Tanto a decisão que ignora uma prova (19) - ou um fato provado -, quanto a que admite um fato que não foi provado, são completamente estranhas ao material probatório e, por conseqüência, violadoras do Código de Processo Civil e da Constituição Federal. (20)


17 Erro na compreensão da prova em abstrato

            A prova equivocadamente compreendida ou conceituada em abstrato não se confunde com a prova que, por ter sido mal valorada, conduziu a uma convicção distorcida. Quando se diz que houve erro na compreensão da prova em abstrato não se afirma que a sua valoração foi mal feita e, assim, não se deseja uma re-elaboração da convicção judicial.

            Note-se que a valoração da prova implica na relação entre a prova – abstratamente considerada de forma perfeita – e o fato, ao passo que a compreensão da prova em abstrato supõe o conhecimento do conteúdo e do significado da prova enquanto instrumento para a demonstração de um fato.

            Havendo erro na compreensão do conteúdo e do significado da prova, dizendo a decisão, por exemplo, que o documento afirma algo que não está dito nas próprias palavras nele contidas, há admissão de uma prova inexistente nos autos.


18 Prova ilícita

            Soa óbvio que a afirmação de prova ilícita não requer o reexame da prova, pois está longe de propor apenas a formação de uma nova convicção. Pretende-se, nesse caso, a análise de se a prova constitui instrumento lícito para servir à demonstração dos fatos.

            Diante do art. 5o, LVI, da Constituição Federal, que diz que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos", as decisões que enfrentam a questão da licitude das provas podem ser levadas ao STF por meio de recurso extraordinário.

            Tanto a decisão que admitiu a prova sem conceituá-la como ilícita, quanto a que admitiu a prova ilícita mediante a aplicação da regra da proporcionalidade, como ainda a que não admitiu a prova por considerá-la ilícita, podem ser objeto de recurso extraordinário ao STF.

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19 Decisão acerca de fatos que não dependem de prova

            O art. 334 do CPC diz que "não dependem de prova os fatos: i) notórios; ii) afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; iii) admitidos, no processo, como incontroversos; e iv) em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade". O autor está dispensado de provar esses fatos e, por conseqüência, o juiz não necessita formar convicção sobre eles enquanto fatos individuais, devendo os considerar provados quando da valoração do conjunto probatório, isto é, das demais provas e argumentos de convicção.

            A notoriedade é uma qualidade do fato que é conhecido no momento e no lugar em que a decisão é proferida. Quando for necessário produzir prova sobre a notoriedade – nunca sobre o fato em si, pois o art. 334, I, afirma que o fato, admitido como notório, não precisa ser provado -, obviamente não há como pensar em rediscutir a convicção a respeito da notoriedade. Porém, mesmo que a definição de notoriedade não tenha exigido prova, mas seja fundada na convicção do juiz – devidamente motivada -, tal questão não pode ser levada ao STJ, pois implicaria em renovação da formação da convicção sobre a notoriedade do fato.

            Isso significa que o recurso especial apenas pode discutir a notoriedade no caso em que a decisão considerou um fato olhando para outro, isto é, considerou um fato no lugar do outro para concluir a respeito da notoriedade. Perceba-se que, nesse caso, embora possa não ter sido necessária a produção de prova sobre a notoriedade, não houve simples compreensão de uma prova em abstrato ou mera qualificação jurídica de um fato reputado existente, mas sim a definição da natureza ou dos contornos do próprio fato afirmado como notório. A notoriedade, em outras palavras, é uma qualidade que diz sobre a natureza de um fato, e não sobre a sua expressão jurídica, como quando se discute a respeito de uma manifestação de vontade.

            É sabido que a confissão gera a dispensa de prova e a presunção de veracidade - quase que absoluta - sobre o fato confessado. A dispensa de prova não elimina a possibilidade da convicção se formar em sentido contrário ao da confissão. Não há racionalidade em aceitar um fato - ainda que confessado - que é logicamente inexplicável por intermédio das regras de experiência ou que colide frontalmente com outros fatos também aceitos como verdadeiros.

            De qualquer forma, a questão dos efeitos da confissão pode ser posta no recurso especial. O STF já decidiu, há muito tempo, que tal questão não tem o veto da Súmula 279, pois não exige o reexame de prova. (21) Porém, a situação não é tão simples, uma vez que requer a distinção entre a decisão que negou efeito à confissão, que a ela deu efeito pleno, desconsiderando os outros argumentos de prova, e a decisão que valorou a confissão como um dos elementos integrantes da formação da convicção.

            Todas essas decisões podem ser objeto de recurso especial, embora devam ser devidamente compreendidas. A decisão que nega efeito à confissão, assim como a que lhe confere eficácia plena, trata do efeito da prova em abstrato, e não da prova como elemento gerador da convicção. Porém, em relação à decisão que atribuiu efeito à confissão, valorando-a juntamente com os demais elementos probatórios, é preciso mais cuidado. Se o vencido afirmou que a confissão tem eficácia plena, e assim não pode ser enfraquecida pelos demais argumentos de prova, o recurso especial pode ser admitido para que se decida a respeito do valor abstrato da confissão. Entretanto, se nunca se cogitou da eficácia plena da confissão, não cabe pretender re-elaborar a convicção que se formou a partir dela, sob pena de o STJ incidir em reexame de prova.

            De acordo com o art. 302 do CPC, o réu deve "manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial", presumindo-se verdadeiros "os fatos não impugnados", salvo: i) se não for admissível, a seu respeito, a confissão; ii) se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato; iii) se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

            Diante disso, se a decisão, para presumir – ou não - um fato como verdadeiro, trata da admissibilidade da confissão em relação a ele ou da necessidade de a petição inicial estar acompanhada de instrumento público, o recurso especial pode enfrentar uma questão ou outra, alegando violação dos artigos 302, I ou II e 334, III.

            Por outro lado, o art. 302, III, evidencia que, para que um fato possa ser considerado não-contestado, não é suficiente apenas a não–contestação, sendo preciso verificar se outras alegações, contidas na contestação ou mesmo na reconvenção, não significam, mesmo que implicitamente, a sua negação. Se o réu deixa de contestar um fato de forma específica, o efeito da não contestação – ou seja, a admissão do fato como verdadeiro – somente se produzirá se as demais alegações da defesa não forem tomadas como negação do fato que não foi contestado de maneira individualizada. (22)

            Por isso, para que um fato não-contestado possa ser presumido verdadeiro, é necessário analisar a defesa globalmente, verificando se é possível concluir, a partir do conjunto das alegações do réu, que o fato que não foi contestado de forma especifica foi aceito como verdadeiro.

            Isso quer dizer que, para que o juiz possa admitir um fato que não foi contestado, deve justificar que a defesa, em seu aspecto global, supriu a não-contestação específica. Se isso não foi feito, e a não-contestação foi alegada, a decisão que considerou o fato não-contestado não só deixou de ser fundamentada, como violou os artigos 302, III e 334, III, do CPC.

            Em último lugar, diz o art. 334, no seu inciso IV, que os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade não dependem de prova. Nesse caso, a prova ou a análise fática não têm qualquer importância, pois o juiz é vinculado pelas conclusões hipotéticas da lei. Diante dessa modalidade de presunção – dita absoluta – a prova é inútil, pouco importando a sua intenção, ainda que voltada a demonstrar que a presunção parte de um silogismo falso. (23) Nessa situação, toda prova ou contraprova é destituída de relevância, uma vez que o suporte fático do silogismo, embora tenha sido importante para a sua fixação como hipótese normativa, não possui qualquer significado no caso concreto.

            Deixe-se claro que, caracterizado o fato do qual decorre a presunção absoluta, não há como se pretender fazer prova que diga respeito à idoneidade da relação entre esse fato e a presunção. É que tal relação, como dito, é fixada por lei com caráter absoluto. De modo que a decisão que, a partir de um fato incontroverso, discute sobre a existência de uma presunção absoluta, trata obviamente de questão de direito, estando longe de poder encontrar obstáculo na impossibilidade de reexame de prova.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 649, 18 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6517. Acesso em: 23 abr. 2024.

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