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A prática da defesa prévia na nova Lei de Tóxicos

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14/04/2005 às 00:00
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JUSTA CAUSA

            Outra questão que começa a ser suscitada com freqüência na Defesa Prévia é a possível ausência de justa causa, tendo em vista o disposto no ar. 39, II da Nova Lei de Tóxicos. A expressão "justa causa" desde que foi inserida no art. 648, I do CPP (o qual considera ilegal a coação, sanável por habeas corpus, quando não houver justa causa), vem gerando algumas dificuldades de interpretação. É preciso muita acuidade no exame do caso concreto para que não se resvale no mérito da causa ao concluir pela ausência de justa causa.

            Quanto à justa causa para a prisão, em certos casos, a sua verificação não é das mais difíceis. Pontes de Miranda(26) exemplificava da seguinte forma:

            "Se não houve acusação por fato que constitua crime, ou contravenção, ou, se houve, a pena não é coercitiva de liberdade física, justa causa não há para a coação. Sempre que o crime ou a contravenção é daqueles em que,, acontecendo e havendo processo, o réu se livra solto, independente de fiança, a coação é ilegal, pela falta de justa causa. Também não há justa causa, se houve indulto, ou anistia."

            O problema se torna mais complexo, quando se trata de definir a justa causa para a propositura da ação penal. Afrânio Silva Jardim, citado por Paulo Rangel(27) define a justa causa como "um lastro probatório mínimo que ter a ação penal relacionando-se com indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade". Mirabete(28), por seu turno, afirma para o reconhecimento da justa causa, a ilegalidade deve ser evidente, demonstrando-se de plano a atipicidade da conduta, bem como a "ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação".

            É pacífico o entendimento doutrinário e pretoriano no sentido de considerar que, pela via estreita do writ, não se conhece de matéria que desafia revolvimento do contexto probatório. O mesmo ocorre nesta fase do processo de tóxicos em que o juiz, só reconhecerá a ausência de justa causa se for evidente a total ausência de "um lastro probatório mínimo" a incriminar o acusado.

            São comuns as alegações neste sentido caírem no vazio. Nas raras vezes em que se preocupam em fundamentar o despacho de recebimento da denúncia, os juízes enveredam pelo caminho mais cômodo, limitando-se a dizer que tais alegações se confundem com o mérito da causa e que serão devidamente apreciadas por ocasião da sentença.


O DILEMA: ANTECIPAR OU NÃO AS ALEGAÇÕES DE MÉRITO?

            Outra característica do procedimento de tóxicos é a audiência una, visando o interrogatório, a produção de provas testemunhais e debates orais entre as partes, sendo estes últimos uma herança da lei anterior (art. 23, § 2º da Lei 6.368/76). Por ser prevista a forma oral para a apresentação das alegações finais, sempre se deu importância à Defesa Prévia no processo dos crimes de tóxicos, vez que seria, em tese a única oportunidade de manifestação escrita e precisa da defesa. Como ensina José Luiz Filó(29):

            "A Defesa Prévia deverá ser elaborada da forma mais completa possível, fazendo-se uma breve análise de todo o feito, devendo-se desenvolver todas as teses de defesa.

            Deve-se hostilizar nesta fase:

            a)A Busca e Apreensão.

            b)O Laudo Provisório.

            c)A prisão em flagrante.

            d)Os depoimentos testemunhais desfavoráveis.

            O laudo provisório deve ser contrariado, alegando-se (se for o caso):

            a)Dúvida com relação à identidade da substância apreendida.

            b)A perda do efeito toxicológico da droga.

            c)Divergência entre a quantidade mencionada no autos de apreensão e aquela declarada no laudo provisório.

            d)Que a droga apreendida encontra-se misturada a outras substâncias, tornando difícil precisar a sua quantidade e a eficácia do seu princípio ativo.

            ...É nesta fase que deve-se requerer a submissão do Réu a exame de dependência (se for o caso), sob pena de preclusão."

            O fato é que, desde a antiga lei prevalecia o entendimento de que, apesar de prever alegações finais orais, o diploma não vedava a apresentação de memoriais escritos. O que se verifica na prática é o fato de juízes assoberbados, com agenda carregada, remeterem os debates finais para a forma escrita, ordinarizando o procedimento, mesmo porquê, a maioria prefere não sentenciar em audiência.

            Tal prática conduz ao esvaziamento do momento processual da Defesa Prévia, o qual, na prática tem servido, mesmo na Nova Lei de Tóxicos, como momento apropriado tão somente para o arrolamento de testemunhas e para o requerimento de exame de dependência, com apresentação dos quesitos. Quanto ao mérito, adota-se a negativa geral e se reserva para as alegações finais uma argumentação mais detalhada e fundamentada acerca da conduta imputada ao acusado e a prova produzida pelas partes.


CONCLUSÃO

            O tema abordado neste estudo, o qual não teve a pretensão de esgotá-lo, é apenas um dos muitos que provocam questionamento na Nova Lei de Tóxicos. O que dizer, por exemplo, do disposto no § 2º do art. 22: Tem direito público-subjetivo ao sobrestamento do processo o indiciado que delatar a existência de organização criminosa, ou tal acordo depende da discricionariedade do MP? Mesmo com a revogação da parte criminal, a conduta do art. 16 da Lei 6.368/76 não estaria descriminalizada em razão do vigente art. 11 da Nova Lei de Tóxicos, que prioriza o tratamento dos dependentes, sendo este o verdadeiro "espírito" da nova lei?

            São questões de altíssima indagação e que provocam perplexidade na maioria dos operadores do direito criminal. Sobre elas se debruçam os doutos no assunto e ficamos no aguardo de uma construção pretoriana do novo direito com relação à questão das drogas, o que não é o recomendável numa ordem democrática onde a lei deveria ser a fonte primeira da segurança jurídica.

            Nós, pobres defensores, que nos exaurimos nas batalhas travadas diariamente nos foros criminais, ficamos mais uma vez reféns do entendimento personalíssimo dos juízes, o que faz de nossa atividade uma verdadeira roleta russa. E isto tudo, ou talvez por isso, apesar do corrilho de normas jurídicas que nos toma de assalto quase que diariamente, confundindo a todos, os invés de promover o esclarecimento e o bem estar de todos nós, súditos da incipiente democracia brasileira.


NOTAS:

            1 - MAYNEZ, Garcia, apud MACHADO, Edgar da Mata. Teoria Geral do Direito. UFMG, Belo Horizonte: 1995, pág. 255

            2 - Op. cit., págs. 256 e 257

            3 - HABIB, Sérgio. A NOVA LEI DE TÓXICOS - A Despenalização do Uso de Drogas. Revisa Consulex, nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            4 - MARCÃO, Renato Flávio. TÓXICOS - Leis n. 6.368/1976 e 10.409/76 anotadas e interpretadas. Saraiva, São Paulo: 2004, pág. 405.

            5 - JESUS, Damásio Evangelista. Nova Lei Antitóxicos (Lei n. 10.409/02 - mais confusão legislativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2002. www.damasio.com.br

            6 - GOMES, Luiz Flávio. NOVA LEI DE TÓXICOS (Lei n. 10.409/02): nulidade do processo por inobservância da defesa preliminar. Revista Jurídica Consulex nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            7 - Idem

            8 - FILHO, Vicente Greco. TÓXICOS: DESCRIMINALIZAÇÃO. Revista Jurídica Consulex nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            9 - LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo - Primeiros Estudos. Síntese. 4ª edição. Porto Alegre: 2001, pág. 119.

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            10 - Idem

            11 - Idem

            12 - Op. cit., pág. 556

            13 - RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8ª edição. Lumens Juris. Rio de Janeiro: 2004págs. 466/467

            14 - NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. 3ª edição. São Paulo: 2004, pág. 639

            15 - FONSECA, Gilson. Noções Práticas de Processo Penal. Aide. 1ª edção. Rio de Janeiro: 1993, pág. 86.

            16 - NUCCI, Guilherme de Souza, idem.

            17 - Op. cit., pág. 259

            18 - CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Lumen Juris. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: 2003, pág. 225

            19 - Op. cit., pág. 227

            20 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense. 14ª edição. Rio de Janeiro: 1995, pág. 59

            21 - Op. cit., pág. 258

            22 - Op. cit., pág. 124

            23 - Op. cit., pág. 56

            24 - Op. cit. pág. 262

            25 - Op. cit. pág. 555

            26 - MIRANDA, Pontes de. História e Prática do Habeas Corpus. Tomo II. 1ª edição atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Campinas. Bookseller: 1999, pág. 170.

            27 - Op. cit. pág. 264

            28 - MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de Processo Penal - Interpretado. 8ª edição. Atlas. São Paulo: 2000, pág. 1426.

            29 - FILÓ, José Luiz. A Defesa nos Crimes de Tóxicos. Fleming Editora. SãoPaulo: 2001, pág. 196


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Lumen Juris. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: 2003

            FILHO, Vicente Greco. TÓXICOS: DESCRIMINALIZAÇÃO. Revista Jurídica Consulex nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            FILÓ, José Luiz. A Defesa nos Crimes de Tóxicos. Fleming Editora. SãoPaulo: 2001

            FONSECA, Gilson. Noções Práticas de Processo Penal. Aide. 1ª edição. Rio de Janeiro: 1993

            GOMES, Luiz Flávio. NOVA LEI DE TÓXICOS (Lei n. 10.409/02): nulidade do processo por inobservância da defesa preliminar. Revista Jurídica Consulex nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            HABIB, Sérgio. A NOVA LEI DE TÓXICOS - A Despenalização do Uso de Drogas. Revisa Consulex, nº 139. Brasília: Setembro de 2002.

            JESUS, Damásio Evangelista. Nova Lei Antitóxicos (Lei n. 10.409/02 - mais confusão legislativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2002. www.damasio.com.br

            LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo - Primeiros Estudos. Síntese. 4ª edição. Porto Alegre: 2001

            MACHADO, Edgar da Mata. Teoria Geral do Direito. UFMG, Belo

            Horizonte: 1995, pág. 255

            MARCÃO, Renato Flávio. TÓXICOS - Leis n. 6.368/1976 e 10.409/76 anotadas e interpretadas. Saraiva, São Paulo: 2004

            MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de Processo Penal - Interpretado. 8ª edição. Atlas. São Paulo: 2000

            MIRANDA, Pontes de. História e Prática do Habeas Corpus. Tomo II. 1ª edição atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Campinas. Bookseller: 1999

            NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. 3ª edição. São Paulo: 2004

            RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8ª edição. Lumens Juris. Rio de Janeiro: 2004

            THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense. 14ª edição. Rio de Janeiro: 1995

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Sobre o autor
Dário José Soares Júnior

advogado em Caratinga (MG), mestrando em Direito Processual pela PUC/Minas e pós-graduado em Direito Processual pelo IEC-PUC/Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES JÚNIOR, Dário José. A prática da defesa prévia na nova Lei de Tóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 645, 14 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6536. Acesso em: 28 mar. 2024.

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