Os princípios estabelecem um padrão, caracterizam-se por estabelecerem uma meta e não um comportamento especial. (...) “Servem, outrossim, como pauta para a interpretação das leis, a elas se sobrepondo” (COELHO, 1998, p. 106). Os princípios são as diretrizes, as bases que fundamentam o ordenamento jurídico; os direitos são os bens em si mesmo disciplinados no ordenamento jurídico e as garantias são as ferramentas para o exercício desses direitos, que asseguram o gozo desses bens (BULOS, 2012; PAULO; ALEXANDRINO, 2017).
Alexandre de Moraes (2011, p. 21), ao diferenciar direitos e garantias individuais leciona o seguinte:
Diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais. A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.
A nova lei de Migração (Lei nº 13.445 de 24 de maio de 2017) faz um liame dos seus princípios com a prevalência dos direitos humanos, que é um princípio constitucional trazido pela Carta de 1988, reforçando o respeito aos direitos e garantias do ser humano, tendo como finalidade precípua a proteção institucionalizada da dignidade do indivíduo contra qualquer tipo de abuso ou excesso cometido arbitrariamente pelo poder público. Os direitos e as garantias não são absolutos, em regra, são limitados pela lei (BULOS, 2012; PAULO; ALEXANDRINO, 2017).
Há direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País. Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos sociais, como direito ao trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País (MENDES; BRANCO, 2011, p. 196).
A seção II, do capítulo I, da A Lei nº 13.445/2017 traz explícito em seu bojo alguns princípios e garantias específicos, em consonância com a Constituição de 1988, que nortearão a política migratória brasileira, dentre eles destacam-se: o princípio da universalidade, da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos; da igualdade de tratamento e oportunidade; a garantia ao migrante, em condição de igualdade com os nacionais da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; os direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos.
Em se tratando do princípio da universalidade, ele caracteriza-se pela sua abrangência, envolvendo todas as pessoas sem distinção de cor, nacionalidade, raça, sexo, crenças, convicções políticas, filosóficas ou religiosas. Já o princípio da interdependência diz respeito a ligação que um princípio possui com os demais, ou seja, apesar de sua autonomia, um princípio precisa do outro para atingir sua finalidade (PAULO; ALEXANDRINO, 2017). O princípio da interdependência mostra que apesar da autonomia das previsões legais há um liame entre os dispositivos para que a finalidade proposta seja atingida, por exemplo, o acesso a serviços públicos de saúde está ligado ao direito à vida (MORAES, 2011).
A nova Lei preocupa-se com o tratamento dispensado aos não brasileiros, com base nos direitos humanos, ela trata do repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação, no seu artigo 3º, inciso II, tal prática está em consonância com a Carta Maior que no inciso VIII, do artigo 4º, traz expressamente o repúdio ao racismo. Muitos não contemplados pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815 de 1980), porque foi elaborada muito antes da Constituição Cidadã e num momento histórico distinto, ou seja, em que a segurança nacional estava em primeiro plano.
O princípio da igualdade é de base constitucional está no caput do artigo 5º, da Constituição/1988, onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. “ Como as pessoas não são iguais, o respeito à diferença e às necessidades de cada um é um dos pilares mais importantes do conceito. Deve haver uma relação direta entre a desigualdade e a diferença observada, para que esta relação tenha pertinência” (BAHIA, 2017, p. 114). Esse tratamento diferenciado, desde que razoáveis, não se configuram como discriminação e não ferem o princípio da isonomia como, por exemplo, a exigência de aptidão física para ser militar (MORAES, 2011).
Em relação ao estrangeiro, o caput do artigo 4º, da Lei nº 13.445/2017 diz que “ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”, isto é, a Lei de Migração apenas enfatiza a norma constitucional o que a Lei Máxima preceitua quanto ao tratamento dispensado em condição de igualdade entre os nacionais e os imigrantes, em relação a proteção e gozo dos direitos fundamentais, dentro do território nacional.
Em se tratando do direito à vida, que em sua totalidade inclui a integridade física e o bem-estar do indivíduo, é necessário frisar que vida é o direito mais importante de todos porque sem ela é impossível usufruir dos demais. Esse direito está interligado a outros como, por exemplo, o acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social (art. 4º, VIII, da Lei 13.445/2017). É o direito de estar e de permanecer vivo, com qualidade de vida (MASSON, 2016; PAULO; ALEXANDRINO, 2071).
Portanto, o direito individual fundamental à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à integridade física e psíquica (desdobrando-se no direito à saúde, na vedação à pena de morte, na proibição ao aborto etc.); em sentido mais amplo, significa o direito a condições matérias e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 115).
Quanto ao direito à liberdade, em sua ampla acepção, envolve os direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos (art.4º, I); direito à liberdade de circulação (art.4º, II); direito à reunião familiar (art.4º, III); direito de reunião (art.4º, VI); direito de associação (art.4º, VII); dentre outras expressões de liberdade asseguradas no artigo 5º, da Constituição de 1988. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017).
Outro direito abordado é o da igualdade, que é sem dúvida fundamental porque dele decorrem outros como: o repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação (art. 3º, II); não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional (art. 3º, IV); igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares (art. 3º, IX); direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória (art. 3º, X); garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória (art. 3º, XI) etc.
O princípio da igualdade determina que seja dado tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente e que sejam tratados de maneira desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades. Ele obriga tanto o legislador quanto o aplicador da lei (igualdade na lei e igualdade perante a lei) PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 117).
Assim, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 117) esclarecem que:
(...) O princípio constitucional de igualdade não veda que a lei estabeleça tratamento diferenciado entre pessoas que guardem distinções de grupo social, de sexo, de profissão, de condição econômica ou de idade, entre outras; o que não se admite é que o parâmetro diferenciador seja arbitrário, desprovido de razoabilidade, ou deixe de atender a alguma relevante razão de interesse público. Em suma, o princípio da igualdade não veda o tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação.
Também é garantido o direito à propriedade, já assegurados aos nacionais pelo artigo 5º, XXII a XXXI, da Constituição Federal, já que o Brasil é um Estado capitalista, o direito de usar, gozar e dispor da coisa ou do bem deve ser resguardado a todos os indivíduos aptos legalmente. Ressalte-se que “o direito de propriedade assegurado na Constituição como direito fundamental abrange tanto os bens corpóreos quanto os incorpóreos” (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 134).
Dentre todos os direitos trazidos pela nova lei estão, também, o direito de reunião (art.4º, VI, da Lei nº 13.445/2017) e direito de associação (art.4º, VII, da Lei nº 13.445/2017). Saliente-se que eles são previstos constitucionalmente, no artigo 5º, e têm conexões com o direito de liberdade de expressão. O direito de reunião é um direito individual de se juntar conscientemente com outras pessoas, previamente convocadas, para durante um lapso temporal pré-definido e de forma organizada compartilharem objetivos comuns. Ao mesmo tempo, é uma garantia coletiva de agrupamento para livre manifestação de seus pensamentos, concedido pela Constituição (art. 5º, XVI, da CF), desde que a finalidade seja lícita e pacífica (FERNANDES, 2017; MORAES, 2011).
Já a liberdade de associação atende a diversas necessidades do ser humano e a fins variados. O direito de associação é pleno, para fins lícitos e deve ser exercido de forma livre, não é permitido a associação imposta de qualquer natureza (art. 5º, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI da CF), a lei pode estabelecer certos critérios à criação de associações, mas cada pessoa tem o direito à livre associação. Apesar da titularidade se individual o cumprimento dele só pode ser exercido pela coletividade, ou seja, só há associação com várias pessoas (FERNANDES, 2017; MORAES, 2011).
A lei traz outros direitos, dentre eles, o direito à liberdade de circulação em território nacional (art. 4º, II, Lei nº 13.445/2017), acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social (art. 4º, VIII, Lei nº 13.445/2017); amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 4º, IX, Lei nº 13.445/2017); direito à educação pública (art. 4º, X, Lei nº 13.445/2017) e o direito a abertura de conta bancária (art. 4º, XIV, Lei nº 13.445/2017).
Verifica-se que, a lei em pauta é considerada uma das mais avançadas na área de migração em todo o mundo, por assegurar no seu bojo princípios e diretrizes vanguardistas no campo dos direitos humanos, sendo tida como inovadora no tratamento humanitário dispensado aos imigrantes, na não criminalização da migração, no repúdio ao racismo, à xenofobia e a qualquer forma discriminatória, dentre outras coisas. No entanto, vários desses direitos e garantias já eram asseverados constitucionalmente a todas as pessoas no território nacional, sendo assim, uma reafirmação da Lei Maior nesses quesitos.
REFERÊNCIAS
BAHIA, Flavia. Descomplicando Direito Constitucional. 3. ed. Recife: Armador, 2017.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2018.
______, Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm>. Acesso em: 20 fev. 2018.
______, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2107. Institui a Lei de Migração. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13445-24-maio-2017-784925-veto-152813-pl.html>. Acesso em: 15 mar. 2018.
BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 522-853 p.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.
MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2017.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.