Princípios e garantias da lei de migração: um paralelo com a Constituição/88

18/04/2018 às 21:01

Resumo:


  • Os princípios estabelecem um padrão e uma meta, não um comportamento especial.

  • Os princípios são as diretrizes fundamentais do ordenamento jurídico, os direitos são os bens disciplinados e as garantias são ferramentas para o exercício desses direitos.

  • A nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) reforça a prevalência dos direitos humanos, estabelecendo princípios e garantias alinhados com a Constituição de 1988.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo em tela objetiva fazer uma análise das principais garantias e princípios trazidos pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 (Lei de Migração), elaborada de acordo com as transformações sociais vividas pelo país num momento histórico.

Os princípios estabelecem um padrão, caracterizam-se por estabelecerem uma meta e não um comportamento especial. (...) “Servem, outrossim, como pauta para a interpretação das leis, a elas se sobrepondo” (COELHO, 1998, p. 106). Os princípios são as diretrizes, as bases que fundamentam o ordenamento jurídico; os direitos são os bens em si mesmo disciplinados no ordenamento jurídico e as garantias são as ferramentas para o exercício desses direitos, que asseguram o gozo desses bens (BULOS, 2012; PAULO; ALEXANDRINO, 2017).

Alexandre de Moraes (2011, p. 21), ao diferenciar direitos e garantias individuais leciona o seguinte:

 

Diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais. A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.

 

A nova lei de Migração (Lei nº 13.445 de 24 de maio de 2017) faz um liame dos seus princípios com a prevalência dos direitos humanos, que é um princípio constitucional trazido pela Carta de 1988, reforçando o respeito aos direitos e garantias do ser humano, tendo como finalidade precípua a proteção institucionalizada da dignidade do indivíduo contra qualquer tipo de abuso ou excesso cometido arbitrariamente pelo poder público. Os direitos e as garantias não são absolutos, em regra, são limitados pela lei (BULOS, 2012; PAULO; ALEXANDRINO, 2017).

 

Há direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País. Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos sociais, como direito ao trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País (MENDES; BRANCO, 2011, p. 196).

 

A seção II, do capítulo I, da A Lei nº 13.445/2017 traz explícito em seu bojo alguns princípios e garantias específicos, em consonância com a Constituição de 1988, que nortearão a política migratória brasileira, dentre eles destacam-se: o princípio da universalidade, da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos; da igualdade de tratamento e oportunidade; a garantia ao migrante, em condição de igualdade com os nacionais da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; os direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos.

Em se tratando do princípio da universalidade, ele caracteriza-se pela sua abrangência, envolvendo todas as pessoas sem distinção de cor, nacionalidade, raça, sexo, crenças, convicções políticas, filosóficas ou religiosas. Já o princípio da interdependência diz respeito a ligação que um princípio possui com os demais, ou seja, apesar de sua autonomia, um princípio precisa do outro para atingir sua finalidade (PAULO; ALEXANDRINO, 2017). O princípio da interdependência mostra que apesar da autonomia das previsões legais há um liame entre os dispositivos para que a finalidade proposta seja atingida, por exemplo, o acesso a serviços públicos de saúde está ligado ao direito à vida (MORAES, 2011).

A nova Lei preocupa-se com o tratamento dispensado aos não brasileiros, com base nos direitos humanos, ela trata do repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação, no seu artigo 3º, inciso II, tal prática está em consonância com a Carta Maior que no inciso VIII, do artigo 4º, traz expressamente o repúdio ao racismo. Muitos não contemplados pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815 de 1980), porque foi elaborada muito antes da Constituição Cidadã e num momento histórico distinto, ou seja, em que a segurança nacional estava em primeiro plano.

O princípio da igualdade é de base constitucional está no caput do artigo 5º, da Constituição/1988, onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Como as pessoas não são iguais, o respeito à diferença e às necessidades de cada um é um dos pilares mais importantes do conceito. Deve haver uma relação direta entre a desigualdade e a diferença observada, para que esta relação tenha pertinência” (BAHIA, 2017, p. 114). Esse tratamento diferenciado, desde que razoáveis, não se configuram como discriminação e não ferem o princípio da isonomia como, por exemplo, a exigência de aptidão física para ser militar (MORAES, 2011).

Em relação ao estrangeiro, o caput do artigo 4º, da Lei nº 13.445/2017 diz que “ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”, isto é, a Lei de Migração apenas enfatiza a norma constitucional o que a Lei Máxima preceitua quanto ao tratamento dispensado em condição de igualdade entre os nacionais e os imigrantes, em relação a proteção e gozo dos direitos fundamentais, dentro do território nacional.

Em se tratando do direito à vida, que em sua totalidade inclui a integridade física e o bem-estar do indivíduo, é necessário frisar que vida é o direito mais importante de todos porque sem ela é impossível usufruir dos demais. Esse direito está interligado a outros como, por exemplo, o acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social (art. 4º, VIII, da Lei 13.445/2017). É o direito de estar e de permanecer vivo, com qualidade de vida (MASSON, 2016; PAULO; ALEXANDRINO, 2071).

 

Portanto, o direito individual fundamental à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à integridade física e psíquica (desdobrando-se no direito à saúde, na vedação à pena de morte, na proibição ao aborto etc.); em sentido mais amplo, significa o direito a condições matérias e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 115).

 

Quanto ao direito à liberdade, em sua ampla acepção, envolve os direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos (art.4º, I); direito à liberdade de circulação (art.4º, II); direito à reunião familiar (art.4º, III); direito de reunião (art.4º, VI); direito de associação (art.4º, VII); dentre outras expressões de liberdade asseguradas no artigo 5º, da Constituição de 1988. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017).

Outro direito abordado é o da igualdade, que é sem dúvida fundamental porque dele decorrem outros como: o repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação (art. 3º, II); não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional (art. 3º, IV); igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares (art. 3º, IX); direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória (art. 3º, X); garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória (art. 3º, XI) etc.

 

O princípio da igualdade determina que seja dado tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente e que sejam tratados de maneira desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades. Ele obriga tanto o legislador quanto o aplicador da lei (igualdade na lei e igualdade perante a lei) PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 117).

 

Assim, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 117) esclarecem que:

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(...) O princípio constitucional de igualdade não veda que a lei estabeleça tratamento diferenciado entre pessoas que guardem distinções de grupo social, de sexo, de profissão, de condição econômica ou de idade, entre outras; o que não se admite é que o parâmetro diferenciador seja arbitrário, desprovido de razoabilidade, ou deixe de atender a alguma relevante razão de interesse público. Em suma, o princípio da igualdade não veda o tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação.

 

Também é garantido o direito à propriedade, já assegurados aos nacionais pelo artigo 5º, XXII a XXXI, da Constituição Federal, já que o Brasil é um Estado capitalista, o direito de usar, gozar e dispor da coisa ou do bem deve ser resguardado a todos os indivíduos aptos legalmente. Ressalte-se que “o direito de propriedade assegurado na Constituição como direito fundamental abrange tanto os bens corpóreos quanto os incorpóreos” (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 134).

Dentre todos os direitos trazidos pela nova lei estão, também, o direito de reunião (art.4º, VI, da Lei nº 13.445/2017) e direito de associação (art.4º, VII, da Lei nº 13.445/2017). Saliente-se que eles são previstos constitucionalmente, no artigo 5º, e têm conexões com o direito de liberdade de expressão. O direito de reunião é um direito individual de se juntar conscientemente com outras pessoas, previamente convocadas, para durante um lapso temporal pré-definido e de forma organizada compartilharem objetivos comuns. Ao mesmo tempo, é uma garantia coletiva de agrupamento para livre manifestação de seus pensamentos, concedido pela Constituição (art. 5º, XVI, da CF), desde que a finalidade seja lícita e pacífica (FERNANDES, 2017; MORAES, 2011).

Já a liberdade de associação atende a diversas necessidades do ser humano e a fins variados. O direito de associação é pleno, para fins lícitos e deve ser exercido de forma livre, não é permitido a associação imposta de qualquer natureza (art. 5º, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI da CF), a lei pode estabelecer certos critérios à criação de associações, mas cada pessoa tem o direito à livre associação. Apesar da titularidade se individual o cumprimento dele só pode ser exercido pela coletividade, ou seja, só há associação com várias pessoas (FERNANDES, 2017; MORAES, 2011).

A lei traz outros direitos, dentre eles, o direito à liberdade de circulação em território nacional (art. 4º, II, Lei nº 13.445/2017), acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social (art. 4º, VIII, Lei nº 13.445/2017); amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 4º, IX, Lei nº 13.445/2017); direito à educação pública (art. 4º, X, Lei nº 13.445/2017) e o direito a abertura de conta bancária (art. 4º, XIV, Lei nº 13.445/2017).

Verifica-se que, a lei em pauta é considerada uma das mais avançadas na área de migração em todo o mundo, por assegurar no seu bojo princípios e diretrizes vanguardistas no campo dos direitos humanos, sendo tida como inovadora no tratamento humanitário dispensado aos imigrantes, na não criminalização da migração, no repúdio ao racismo, à xenofobia e a qualquer forma discriminatória, dentre outras coisas. No entanto, vários desses direitos e garantias já eram asseverados constitucionalmente a todas as pessoas no território nacional, sendo assim, uma reafirmação da Lei Maior nesses quesitos.

 

REFERÊNCIAS

 

BAHIA, Flavia. Descomplicando Direito Constitucional. 3. ed. Recife: Armador, 2017.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2018.

______, Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm>. Acesso em: 20 fev. 2018.

______, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2107. Institui a Lei de Migração. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13445-24-maio-2017-784925-veto-152813-pl.html>. Acesso em: 15 mar. 2018.

BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 522-853 p.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.

MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2017.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

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Sobre a autora
Gianne Gomes Ferreira

Advogada. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UFAM. Mestre em Desenvolvimento Regional da Amazônia pela UFRR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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