3. OS REFLEXOS DO CUIDADO NA VIDA DAS CRIANÇAS/ ADOLESCENTES
O cuidado e o acompanhamento dos pais na vida de um filho, ao contrário do que muitos possam pensar, não é dispensável, são essenciais para uma boa formação do indivíduo como homem e cidadão. Entende-se o cuidado como expressão da humanidade, uma vez que decorre do afeto. “A capacidade de cuidar está enraizada na natureza humana” (WALDOW, 2006, p. 27).
A princípio, a questão do cuidado tem suas raízes fincadas na área da saúde, sendo uma atividade inerente às funções atribuídas à enfermagem. O cuidar também pode ser visto como um tema interdisciplinar, visto que transcorre das ciências da saúde para englobar as instituições familiares, tornando-se um quesito indispensável para sua estruturação e manutenção.
Ao enquadrar-se o cuidado na esfera do Direito, em específico ao que se estende a área familiar, percebe-se que ele sempre transitou sobre os fundamentos de responsabilização conceituados no Direito, de forma que passou a servir como um pilar para a teoria da Responsabilidade Civil. Portanto, o intitulado dever de cuidado objetivo, que traz em seu arcabouço a diligência e a cautela, que são entendidas como imprescindíveis para que o agir de um indivíduo não provoque dano a outrem, vêm ganhando espaço no Direito da Família, no que tange a obrigação de cuidar. Nesse sentido, mesmo que o agir não seja intencional (dolo), o descumprimento do dever de cuidar define a conduta como culposa, seja por evidência de negligência (praticar o ato sem precaução), imprudência (agir perigosamente) ou por imperícia. Isso é, sem aptidão específica.
A partir disso, entende-se que o cuidar é responsabilidade intrínseca aos genitores, pois desde o nascimento e o crescimento da criança/adolescente, competem a eles certos preceitos necessários para que seus filhos se desenvolvam. Todavia, esses preceitos permeiam por toda a vida, distinguindo-os de acordo com o tempo e conforme a idade avança. Entretanto, no primeiro momento, é marcado apenas com a atenção e a disposição dos pais em acompanhar os filhos durante o descobrimento do mundo e, logo mais, as responsabilidades aumentam, devendo os genitores assegurar-lhes quanto à educação, princípios morais e outros. Mas, o que menos se sabe é que, a ausência do pai ou da mãe, da atenção e a falta de dedicação dos pais enquanto os filhos ainda são totalmente dependentes, são fatores cruciais para que essas crianças/adolescentes venham a tornarem-se frustradas e despreparadas para viverem em sociedade, já que, possivelmente, foram minimizadas as oportunidades de ensinamentos e exemplos mínimos de seus responsáveis. Assim, os primeiros cuidados fazem toda a diferença na personalidade desses indivíduos. O jornalista americano, Paul Tough, relata:
O que mais importa no desenvolvimento de uma criança não é a quantidade de informação introduzida em seu cérebro nos primeiros anos de vida. E, sim, ajudá-la a desenvolver um conjunto de características, como persistência, autocontrole, curiosidade, escrúpulos, determinação e autoconfiança, que vão fazer diferença tanto no seu desempenho escolar como por toda a vida. (TOUGH, 2014, online).
À vista disso, fica marcada a imprescindibilidade do acompanhamento dos genitores durante todas as fases do menor, dando ensejo a constituir a sua autonomia, sendo este elemento basilar para se enxergar como sujeito ativo dentro da sociedade a qual pertence, o que proporcionará desenvolver-se em sua integralidade e tornar-se um indivíduo preparado para conviver “harmonicamente” em coletividade.
Portanto, para que o filho se desenvolva em sua plenitude, não é suficiente apenas a garantia dos direitos a educação, alimentos, lazer, ou seja, bem materiais, faz-se imprescindível a companhia dos genitores para brincar, ensinar preceitos éticos, morais e culturais, para olhá-la, para cuidá-la, para ajudá-la a tomar decisões diante de problemas nunca enfrentados, cuidados esses proporcionarão a ele facilidade para lidar com qualquer questão ao longo de sua vida. “Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor e infinitamente adoráveis.” (BOFF, 2006, p. 19). Observa-se, assim, o quão é indispensável para o crescimento da prole o amparo, tanto quanto compartilhar de seus momentos, como estar presente, mostrando-a qual a sua importância e lugar dentro da família.
O provimento das necessidades materiais apesar de fundamentais, por si só não é suficiente, tendo que assegurar os valores construídos a partir do cuidado, para o bom desenvolvimento dos filhos.
O papel dos pais, derradeiramente, não se limita ao aspecto patrimonial da relação paterno-filial. A assistência emocional também é uma obrigação legal dos genitores, sob o aspecto existencial, de acordo com a norma, de acordo com a norma constitucional do art. 229, interpretada extensivamente. Esta norma legal engloba, além do sustento, a assistência imaterial concernente ao afeto, ao cuidado e ao amor. A assistência imaterial traduz-se no apoio, no cuidado, na participação na vida do filho e no respeito por seus direitos da personalidade como o direito de conviver no âmbito da família. (MACIEL, 2013, p. 134-207).
O ser humano assim como outras espécies, nascem totalmente desprotegidos, sem a formação de suas habilidades e competências para sobreviver sozinho, e por isso, precisa da proteção e cuidados da família para alcançar sua vida adulta. Neste sentido Freud (1910, p. 59-124) explicita que, “não me cabe conceber nenhuma necessidade tão importante durante a infância de uma pessoa que a necessidade de sentir-se protegido por um pai. Deste modo, a oferta do cuidado e proteção é base requisito para seu desenvolvimento com pessoa e sobrevivência.
Reconsidera Boeckel e Sarriera (2006): “A família é um laboratório de vivências relacionais ao processo de identidade de qualquer filho, que terá sua personalidade moldada através da cultura de sua família”. Dessa forma, sem a presença marcante e atenção dos genitores, a formação de um filho sadio e preparado para os percalços da vida fica fatalmente prejudicada, haja vista durante seu desenvolvimento ser dependentes deles, o que muito provavelmente acarretará danos a formação de sua personalidade.
Tendo como fundamento artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Valter Ishida estabelece sobre a responsabilidade dos genitores:
Este artigo possui fundamental importância para a Justiça da Infância e da Juventude. A grande maioria dos casos em que chegam à vara menorista versa sobre conduta incompatível dos genitores biológicos. Isto em decorrência de descumprimento dos deveres supra elencados, básicos na criação de crianças e adolescentes. (ISHIDA, 2013, online).
De acordo com a exposição de Valter, hodiernamente há uma falha na compreensão dos pais ao papel ímpar do cuidado na vida dos filhos, uma vez que por vezes têm dificuldades em conciliar trabalho e família, acabam por descuidar de seus filhos, e muitos chegam ao ponto de considerarem simples ter filhos pela existência de creches e escolas. Sem levar em consideração que virá um ser desprotegido que precisará de total cuidados. Nesta esteira, a psicóloga Tatiana Hemesath, do Serviço de Psicologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), trata acerca da predominância da terceirização dos filhos:
Padrões de comportamento diferenciado estão sendo identificado nas crianças que se desenvolvem na sociedade atual, decorrentes tanto de uma maior ausência dos pais nas rotinas, quanto da terceirização desses cuidados. E esses cuidados não dizem respeito apenas à alimentação, higiene, estímulo físico, mas também à inserção de afeto e de limites na educação da criança. (HEMESATH, 2014, online).
Entende-se por terceirização citada pela psicóloga Tatiana, quando os pais se eximem da responsabilidade de cuidar/zelar dos filhos, e passam a delegar tão somente essas funções para outras instituições, por exemplo, a de ensino, a incumbência pelo acompanhamento e cuidados de seus filhos. Vale salientar que, o dever conferido pela lei aos pais, não pode ser transferido e nem negligenciado, tendo em conta ser sua obrigação.
Cabe ressaltar que o cuidado é a base inicial e sedimentar dos pais para com seus filhos, de modo que o contato da família é fator imperioso para a estruturação da psique do menor, com vista ao equilíbrio e suporte para sua convivência com seus pares.
O cuidado, aqui concebido, deve ser entendido em seu sentido mais amplo. Significa garantir às crianças e adolescentes condições de desenvolvimento físico e emocional adequado, que lhe permita, inclusive, o sentimento de fazer parte de uma família, em cujo seio possa vivenciar o afeto, a confiança, a cumplicidade, proporcionando-lhes condições de estabilidade emocional. (HAPNER, et al, 2008, p. 138).
Destarte, evidencia-se quão imprescindível é o afeto/cuidado no desenvolvimento pleno da criança/adolescente, a julgar pelo fortalecimento de sua autoestima, identificação forte com os pais, redução de ansiedade, desenvolvimento cognitivo adequado e bons laços sociais.
Em consideração a isso, os genitores devem ter a consciência de que os filhos são sujeitos em formação, precisando deles para se desenvolverem de maneira adequada e tornarem-se adultos aptos a coexistirem em coletividade, com isso evitar, problemas sociais ora provenientes da falta de responsabilidade paternal, como incidência de infrações, ausência de disciplina e dificuldades em trabalhar em equipe, o que prejudica sua profissão, bem como a internalização normas e preceitos anteriores a sua existência.
4. DANOS PSICOLÓGICOS SOFRIDOS PELA CRIANÇA/ADOLESCENTE
Como observado, o cuidado na vida das crianças/adolescentes é primordial para sua construção como indivíduo e, quando esse direito lhes é negado, podem produzir prejuízos por vezes irreparáveis. Tal abuso de direito conceitua-se abandono afetivo, que é “[...] quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente (BASTOS; LUZ; 2008, p. 70). Essa espécie de abandono é muito comum quando ocorre a dissolução do matrimônio ou uniões estáveis, momento no qual o filho passa conviver somente com um dos pais, de forma que a relação afetiva entre eles por vezes torna-se debilitada, ou até extinta, o que provoca problemas psicológicos ao menor. Nessa perspectiva, Giselda Hironaka afirma que:
A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção – função psicopedagógica – que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade [...]. (HIRONAKA, 2005, online).
Em vista disso, é sabido a importância dos genitores na criação de seus filhos, os quais demandam cuidado, proteção e zelo. São eles as primeiras pessoas com quem os filhos têm contato e, por esse motivo, são inicialmente propagadores de exemplos a serem seguidos. A prole observa atentamente as condutas de seus pais e, futuramente, tendem a apresentar as mesmas os mesmos comportamentos aprendidos, afinal os filhos adquirem inconscientemente as características mais relevantes de seus pais. A educação dada aos filhos também será fator determinante na formação de seu caráter, fazendo-se necessário que os pais ensinem aos seus filhos aquilo que é certo e errado, o que deve e o que não se deve fazer.
Estudos apontam que os filhos que convivem periodicamente com seus pais e sentem-se importantes na vida deles possuem a autoestima mais elevada do que a daqueles que não apresentam reciprocidade nas relações paterno-filiais. Assim, é proveitoso que os pais testemunhem cada fase da vida de seus filhos, desde ajudar na lição de casa até o hábito de almoçarem juntos, pois são esses fatores básicos que fazem com que o filho sinta-se envolto por uma figura de alto grau afetivo, contribuindo significativamente para a sua formação adulta.
Vale ressaltar que, a dor do abandono pode levar o menor a ter conflitos internos e, com isso, expor atitudes preocupantes, como encolhimento, baixa autoestima, baixo rendimento escolar, solidão, humilhação entre outros indícios que proporcionarão bloqueios negativos à vida social da criança/adolescente, de modo que se tornará difícil a relação de proximidade para com ela e demandarão longos cuidados médicos.
O abandono e a negligência familiares e a falta de afeto e diálogo também são problemas comuns que afligem os jovens, não sendo de espantar que mais de 90% dos adolescentes infratores internados provenham de famílias bastante desestruturadas, marcadas por agressões físicas e emocionais, problemas psiquiátricos e pela ausência das figuras paterna ou materna [...]. (VELASQUEZ, 2010, online).
A psicanalista Lenita Pacheco Lemoz Duarte, após estudar sobre os problemas psicológicos desenvolvidos pela criança/adolescente devido ao abandono, concluiu, de forma geral, que:
[...] Tais crianças, como resposta às situações que vivenciam, expressam sofrimentos das mais diversas formas, tanto no corpo, como convulsões e doenças psicossomáticas, assim como distúrbios de aprendizagem, de relacionamento, além de fobias e mecanismos obsessivo compulsivo, entre vários outros. (DUARTE, 2007, p. 243).
Em vista disso, para um bom desenvolvimento do infante, é necessário que viva em um ambiente equilibrado, harmonioso e compreensivo em que possa efetuar suas atividades físicas ou psíquicas, a fim de progredir e realizar-se. Estende-se, assim, a importância de uma família no crescimento de um indivíduo, já que cabe a ela servir como amparo, não apenas material, mas também emocional e afetivo, sendo a base de toda a sua formação intelectual e pessoal, em cada experiência e atitude, partilhando preceitos morais como fundamento instrucional.
A Constituição Federativa do Brasil de 1988, junto ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, preocupa-se assegurando direitos e deveres aos interligados a tais situações. O artigo 53 do ECA declara que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...].” (BRASIL, 2015, p. 1.032-1.033). Ademais, o seu artigo 4° expõe a importância da família e do Estado para a evolução da criança e efetivação de seus direitos:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2015, p. 1.025).
O ECA preceitua, ainda, em seu artigo 19 “O direito de toda e qualquer pessoa ser educada no seio de sua família. ” (BRASIL, 2015, p. 1.027), da mesma forma que a Constituição Federal sobrepõe o dever aos pais de “[...] assistir, criar e educar os filhos menores [...]”, em seu artigo 229. (BRASIL, 2015, p. 73). Sendo assim, é manifesta a relevância de um vínculo aprazível no meio familiar. Esses artigos visam resguardar as crianças/adolescentes das possíveis complicações advindas dos problemas em sua família, e com isso evitar prejuízos ao seu desenvolvimento enquanto indivíduo saudável. Observa-se em muitos casos as famílias se apartam, deixando, muitas vezes, os filhos alienados de uma das partes, aumentando o sofrimento deles com a falta da presença de um dos pais, propiciando sequelas até mesmo irreversíveis. Em uma separação, o filho se instala no seio de um dos genitores, enquanto que o outro, embora com as mesmas obrigações de pai ou mãe, acaba se alienando e em alguns casos até abandonando-o, esquivando-se e omitindo as necessidades, não só materiais, como também afetivas, ora em foco.
Segundo os autores do artigo "O Efeito Devastador da Alienação Parental e suas Sequelas Psicológicas sobre o Infante e Genitor Alienado", Larissa A. Tavares Vieira e Ricardo Alexandre Aneas Botta (2013), uma criança em desenvolvimento pode desencadear problemas psíquicos e até transtornos psicológicos, tais como:
Vida polarizada e sem nuances; depressão crônica; doenças psicossomáticas; ansiedade ou nervosismo sem razão aparente; transtornos de identidade ou de imagem; dificuldade de adaptação em ambiente psicossocial normal; insegurança; baixa autoestima; sentimento de rejeição, isolamento e mal estar; falta de organização mental; comportamento hostil ou agressivo; transtornos de conduta; inclinação para o uso abusivo de álcool e drogas e para o suicídio; dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais [...]. (VIEIRA; BOTTA; 2013, online).
Sendo assim, é notável a responsabilidade que os pais devem ter para com os filhos, pois os danos causados são lamentáveis e prejudiciais para o progresso do sujeito. Além do que, o dever de cuidar posto aos pais é equivalente, mesmo que a guarda seja definida como unilateral, como enunciado no parágrafo 5° da lei 13.058 de 2014 que alterou alguns artigos do Código Civil Brasileiro:
A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (BRASIL, 2002, online).
Deste jeito, fica evidente a responsabilidade dos pais cuidarem cuidar dos infantes, independentemente do tipo de guarda que detém, tendo em vista que o dever de cuidar permanece. Quando exercida de forma eficaz, a lei regulará e estreitará os danos que agravam a situação do indivíduo, como forma de enviar certas consequências, que atingem até mesmo a sociedade, como a dificuldade em coexistir no seio da sociedade.