O Código de Processo Civil em vigor no Brasil é diploma legal moderno e erigido sobre os mais sólidos pilares da dogmática do Direito Processual Civil.
Contudo, o CPC brasileiro é diploma exclusivamente individualista. Sua preocupação foi apenas a de encaminhar soluções para as lides individuais, trata dos direitos individuais das pessoas físicas e jurídicas.
Prova maior disto é o art. 6º, que regula a legitimidade extraordinária ou substituição processual: só se pode agir em juízo em nome próprio para a defesa de direito próprio. Deve haver coincidência entre a legitimação de direito material e a legitimação de direito processual.
Somente quando houver expressa autorização legal é que alguém pode em nome próprio, defender direito de outrem (CPC 6º a contrario sensu). É a substituição processual.
No entanto, há problemas que decorrem de relações jurídicas de massa, que reclamam soluções diferentes daquelas previstas pelo CPC para os conflitos intersubjetivos.
Esta é a razão pela qual sobrevieram algumas normas legais no Brasil destinadas a encaminhar soluções para as lides coletivas.
Foi na CLT que se viu, pela primeira vez, a preocupação com a defesa dos direitos metaindividuais. A ação de dissídio coletivo (arts. 856 e ss.) é forma de defesa, na Justiça do Trabalho, de direitos difusos e coletivos.
Apesar do pioneirismo da CLT, foi a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) o primeiro diploma a regular, de forma sistemática, a defesa dos direitos supra individuais em juízo.
Três anos após a promulgação da LACP, foi aprovada a Constituição Federal de 88, que prevê, em vários dispositivos, normas que se denominam de processo civil coletivo, vale dizer, regras para a defesa dos direitos metaindividuais (difusos e coletivos) em juízo.
Como legislação complementar ao texto constitucional, surgiu o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). O CDC foi o grande avanço, deu o passo decisivo para a defesa dos direitos metaindividuais e individuais homogêneos. O art. 81 consolidou o processo civil coletivo no Brasil.
Quando se faz referência ao processo civil coletivo, deve-se ter em consideração as normas constitucionais sobre o tema (v.g., art. 5º, XXI, XXXII, LXX e LXXIII), a LACP, o CDC (arts. 81 a 104), e por derradeiro, a aplicação subsidiária do CPC.
Esse é o quadro normativo do processo civil coletivo no direito positivo brasileiro vigente.
Aplicação do Código de defesa do Consumidor às ações da competência da Justiça do trabalho
O CDC, em seu art. 81, parágrafo único, estipula que a defesa coletiva será feita quando se tratarem de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Nesse mesmo dispositivo legal há as definições de direito difuso, coletivo e individual homogêneo, este último introduzido no sistema, como novidade, pelo CDC, pois só se conheciam até então os difusos e coletivos.
Pode parecer estranho que lei destinada à proteção do consumidor, que tem norma expressa excluindo de sua incidência as relações laborais (CDC, art. 3º, § 2º in fine), possa ser aplicável às ações de competência da Justiça do Trabalho.
Porém, sua aplicação é plenamente viável graças ao art. 21, LACP, norma incluída pelo CDC (art. 117), estabelece aplicarem-se "à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor". A parte processual do CDC, portanto, tem uma ultra-eficácia dada pela LACP art. 21.
Ação coletiva na Justiça do Trabalho
A ação civil pública, expressão que, diante do direito positivo vigente, é sinônima de ação coletiva, pode ser ajuizada na Justiça do Trabalho, com base no sistema constitucional e legal brasileiro.
O sistema da CLT mostra-se hoje, insuficiente para atender à demanda dos direitos transindividuais de natureza trabalhista, razão pela qual cada vez mais estão sendo ajuizadas ações coletivas, de variada ordem, na Justiça do Trabalho.
É natural que existam resistências à aplicação e incidência desse novo sistema, que modificou sobremodo o direito processual brasileiro. Pode-se dizer que o processo civil brasileiro era um antes da LACP e tornou-se outro depois do advento dessa nova legislação, que forma o complexo denominado sistema normativo do processo civil coletivo (CF, LACP, CDC, CPC).
Há que se dar a máxima efetividade ao processo civil coletivo, pois este é meio de concretização e de realização do direito material metaindividual.
Legitimidade ativa para a defesa doa direitos metaindividuais em juízo
Podem ajuizar essas ações coletivas na Justiça do Trabalho: o Ministério Público, os sindicatos, as associações civis, os órgãos governamentais (União, Estados, Municípios, suas autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas).
Essa legitimidade ativa é conferida, no plano constitucional, pela CF, art. 8º III e art. 129, III e §1º; no plano da lei ordinária, pela LACP art. 5º e CDC, art. 82.
Sindicatos
A CF, em seu art. 8º, III, confere aos sindicatos a legitimidade para defender, em juízo e fora dele, os "direitos e interesse coletivos ou individuais da categoria".
A doutrina que atualmente vem se firmando como majoritária entende que a dicotomia legitimação ordinária e extraordinária,existente no sistema do CPC, só tem sentido em se tratando de lide individual. Só nela é que faz sentido alguém substituir outrem processualmente. O substituto processual age em nome próprio, na defesa de direito alheio de alguém perfeitamente individualizável. A substituição só pode ocorrer quanto a pessoa certa.
No sistema do processo civil coletivo, a solução para o fenômeno da legitimação ativa é bem diferente. Há uma solução para os direitos difusos e coletivos e outra para os direitos individuais homogêneos.
No direito positivo brasileiro só se admite a substituição processual em decorrência de lei (CPC, art. 6º), vedada a substituição voluntária, por convenção das partes.
Quando a lei legitima alguém ou alguma entidade a defender por meio de ação coletiva, em nome próprio, direito alheio de pessoa determinada, pode-se falar que esse legitimado é substituto processual do titular do direito material defendido em juízo. É o caso dos direitos e interesses individuais homogêneos (CDC, 81, par. único, III).
Na hipótese de a legitimação legal para agir ser para a defesa de direitos de pessoas indeterminadas, direitos esses difusos ou coletivos, não ocorre a substituição processual como se a concebe no processo civil individual. A natureza dessa autorização legal é de legitimação autônoma para a condução do processo. É autônoma porque totalmente independente do direito material discutido em juízo: como os direitos difusos e coletivos não têm titulares determinados, a lei escolhe alguém ou algumas entidades para que os defendam em juízo.
Importante ressaltar que este é o entendimento que vem se firmando na doutrina como majoritário, dentre os defensores desta tese destaca-se Nelson Nery Junior.
Não obstante, há vozes em sentido contrário, as quais não admitem esta diferenciação, para estes doutrinadores, dentre os quais pode-se citar Hugo Mazzini, a legitimação seria sempre a extraordinária, independentemente do caso.
Cancelamento do Enunciado 310 do TST
O Tribunal Superior do Trabalho cancelou recentemente o Enunciado 310, que consagrava a tese no sentido de que "O artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, não assegura a substituição processual pelo sindicato".
O Enunciado feria frontalmente o artigo retro mencionado, pois embora não mencione expressamente o instituto da substituição processual, autoriza o sindicato a agir como tal, quando lhe confere legitimidade para defender em juízo os direitos individuais da categoria.
Portanto, em bom e oportuno tempo o cancelamento do Enunciado 310 do TST.
Bibliografia:
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, Vademecum universitário de direito 2004. 7. ed. atual. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2004.
NERY JUNIOR, NELSON. In: MILARÉ, E. (Coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Enunciados do TST comentados. 7ª ed. ver. e atual. São Paulo: LTr, 2004.
SUSSEKIND, Arnaldo [et al] Instituições de direito do trabalho. vol II. São Paulo, LTr, 2003.