Ministério público: o defensor do regime democrático precisa ser democratizado

Democracia Plena no Ministério Público

25/04/2018 às 22:59
Leia nesta página:

O defensor do regime democrático precisa ser democratizado

Ministério público: o defensor do regime democrático precisa ser democratizado

  1. UMA INSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA OU UMA INSTITUIÇÃO HERMÉTICA?

Apresentei ao colégio de procuradores do Ministério Público de Pernambuco o projeto “Democracia Plena”.

O projeto faz uma interpretação conforme a Constituição Federal com escopo de adequar a leitura de determinados dispositivos normativos para deixá-los em harmonia com a norma ápice de nosso ordenamento jurídico.

  1. NON DEBET CUI PLUS LICET, QUOD MINUS EST NO LICERE” E AS INTERPRETAÇÕES ANÔMALAS E INCONSTITUCIONAIS.

A Lei Orgânica no Ministério Público permite qualquer integrante da carreira, com mais de trinta e cinco anos de idade e dez anos de exercício efetivo, ser Procurador Geral de Justiça.

Mas, em total afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade e/ou razoabilidade, a LOMP convive com as seguintes excrecências:

  1. PERMISSÃO: Qualquer integrante da carreira, seja promotor(a) ou procurador(a), pode ser Procurador Geral de Justiça. VEDAÇÃO: mas, não pode ser subprocurador.

2- PERMISSÃO: Um(a) promotor(a) pode ser presidente do Conselho Superior do Ministério Público; VEDAÇÃO: mas, não pode ser conselheiro.

3-PERMISSÃO: Um(a) promotor(a) pode ser conselheiro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público); VEDAÇÃO: mas, não pode ser de um conselho estadual (CSMP);

4.PERMISSÃO: Um(a) promotor(a) pode ser Corregedor do Nacional do Ministério Público; VEDAÇÃO: mas, não pode ser Corregedor do Ministério Público estadual;

5.PERMISSÃO: Um(a) promotor(a) pode ouvidor Nacional do Ministério Público; VEDAÇÃO: mas, não pode ser ouvidor do  Ministério Público estadual;

Pela proposta apresentada, todos integrantes do Ministério Público de Pernambuco, poderão exercer qualquer cargo, sem distinções, sem concepções coorporativas e com oportunidades iguais, pois como afirmava Fernando Sabino:

“Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.

Não tente entender, pois é incompreensível porque a lei orgânica do Ministério Público de Pernambuco não subsiste a análise da mais elementar regra de hermética:

Non debet cui plus licet, quod minus est no licere”. (A quem é licito o mais não deixa de ser lícito o menos).

Ensina Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª edição. Forense:1981.p. 245):

“In eo quod plus est semper inest et minus: ‘Quem pode o mais, pode o menos’ (Literalmente: ‘Àquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos’. ‘No âmbito do mais sempre se compreende também o menos’).”(g.n)

3.A EMERGENTE NECESSIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO CONFORME

A interpretação conforme à Constituição consiste em um princípio de exegese constitucional e, ao mesmo tempo, em uma técnica de controle de normas. Essa técnica teve origem na jurisprudência da Corte Constitucional alemã e vem sendo utilizado em nosso país desde a Constituição anterior, como forma de neutralizar violações constitucionais.

De acordo com esse princípio, diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas, deve-se preferir a exegese que mais se coadune com a Constituição, ou seja, que não contrarie o texto da Carta Magna.

Desse modo, em vez de simplesmente declarar a norma inconstitucional e extirpá-la do ordenamento jurídico, o Tribunal escolhe via alternativa de interpretação de forma que conduza a um juízo de constitucionalidade.

Nesse tom, de acordo com os ensinamentos do ministro Alexandre de Moraes:

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico [1]

Em complemento, o Ministro Gilmar Mendes assevera que:

Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição. Essa variante de decisão não prepara maiores embaraços no âmbito do controle incidental de normas, uma vez que aqui o Tribunal profere decisão sobre um caso concreto que vincula apenas as partes envolvidas.

A interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no âmbito do controle abstrato de normas. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição. [2]  

4. CNMP: O GRANDE MARCO DIVIDOR DA INTERPRETAÇÃO CONFORME

O grande marco da interpretação conforme foi a criação do Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP, a partir da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que acresceu o art.130-A à Carta Magna de 1988, portanto, passados quase 13 (treze) anos de vigência desse dispositivo, é imperiosa a necessidade de adequação da lei orgânica dos Ministérios Públicos estaduais, a exemplo da LC nº 12/94-LOMPPE, ao novo desenho constitucional.  Isto porque, conforme estabelece o texto constitucional, qualquer membro dos Ministérios Públicos estaduais, nos termos do inc.III, do art.130-A, da CF/88, pode compor o CNMP, órgão colegiado máximo da estrutura administrativa do Ministério Público Brasileiro. ASSIM, NÃO HÁ MAIS A MÍNIMA RAZÃO PARA SE MANTER QUALQUER RESTRIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DE PROMOTORES NO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Nesse ponto, é imprescindível trazer à baila alguns breves comentários sobre a não recepção da norma insculpida no art. 16 da LONMP[3], sobretudo em razão do advento da Emenda Constitucional nº 45/04.

A não recepção de uma norma infraconstitucional ocorre quando, posteriormente à sua existência, o seu parâmetro de validade residente em norma constitucional é alterado. Tal alteração pode ocorrer sob duas formas: 1º) quebra da ordem jurídico-constitucional com surgimento de nova Carta Magna; ou 2º) alteração do parâmetro constitucional de validade por meio de emenda constitucional.

CONFORME DITO LINHAS ACIMA, O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04 OPEROU REVOLUÇÃO NA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS DE TODO O PAÍS, POIS, ATRAVÉS DELA, RESTOU CRIADO O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ÓRGÃO DE ADMINISTRAÇÃO MÁXIMO DESSA FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA.

No dispositivo constitucional que disciplinou esse órgão, qual seja, o art. 130-A, §3º, foi expressamente previsto que o conselho escolherá seu “CORREGEDOR NACIONAL, DENTRE OS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE O INTEGRAM”[4].

COM ESSA REDAÇÃO, A INTELIGÊNCIA POR TRÁS DA MENCIONADA NORMA NOS LEVA À CONCLUSÃO DE QUE NÃO MAIS SUBSISTE QUALQUER RELEVÂNCIA NA DISTINÇÃO DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PARTICIPAÇÃO NOS ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E CORREIÇÃO DA INSTITUIÇÃO. ORA, SE NEM MESMO A CARTA MAGNA RESSALTOU A NECESSIDADE DE SEPARAÇÃO DOS MEMBROS EM CASTAS, QUAL O MOTIVO PARA SUBSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL CONSTANTE DO ART. 16 DA LEI Nº 8.625/93?                                             

Por essa razão, entendendo que a Emenda Constitucional nº 45/04 trouxe novos parâmetros estruturantes para a organização administrativa do Ministério Público, QUALQUER DISPOSIÇÃO INFRACONSTITUCIONAL EM SENTIDO CONTRÁRIO DEVE SER CONSIDERADA NÃO RECEPCIONADA, CASO ANTERIOR À EMENDA, OU TIDA POR INCONSTITUCIONAL, EM SENDO POSTERIOR A ELA.

Nesse tom, para manutenção da coerência lógica do sistema normativo brasileiro, IMPÕE-SE A CONCLUSÃO PELA NÃO RECEPÇÃO DO ARTIGO 16 DA LONMP EM VIRTUDE DA SUPERVENIÊNCIA DE NORMA CONSTITUCIONAL COM ELE INCOMPATÍVEL.

Importante enfatizar que qualquer membro (promotor ou procurador de justiça), conforme permissivo do § 3º do art.130-A, da CF/88, pode ser corregedor nacional do ministério público brasileiro. No último biênio (2015-2017) e já para o próximo (2017-2019), FORAM ESCOLHIDOS PELOS INTEGRANTES DO CNMP DOIS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA O CARGO DE CORREGEDOR NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

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Pelo exposto, podemos concluir que a interpretação conforme visa, na esteira do princípio da força normativa da Constituição, oferecer alternativa para o convício harmônico entre normas infraconstitucionais e seu parâmetro de validade, qual seja, a Constituição Federal, NESTE SENTIDO, TODA E QUALQUER NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE RESTRINJA A PARTICIPAÇÃO DE MEMBROS ATIVOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL, AFRONTA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

5.DEMOCRACIA: UMA NECESSIDADE TEÓRICA OU PRÁTICA?

Parte da proposta é também defendida pela associação do Ministério Público e foi uma das minhas propostas de gestão e tese de vários colegas em diversos congressos estaduais e nacionais, mas pela primeira vez na história do nosso Ministério Público, haverá uma atitude concreta com fito de torná-la realidade.

6. O CABO DE GUERRA: UMA REAÇÃO ESPERADA

A primeira reação da “esquisita ideia”, qual seja, democratizar o defensor da democracia, foi de repulsa total por alguns dos “pensadores do nosso Ministério Público”, algo que encaramos com inteira normalidade.

Schopenhauer dizia que toda verdade passa por três estágios:

PRIMEIRO: A ideia por ser inédita será ridicularizada (momento atual);

SEGUNDO: A ideia sofrerá forte oposição;

TERCEIRA: A ideia será aceita como evidente verdade.

Cientes destes impreteríveis estágios, vamos para o debate, com a certeza de que:

“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. (Winston Churchil).

7.UM PASSO QUE PODE REPRESENTAR A QUEBRA DE UM SISTEMA HERMÉTICO, ININTELIGÍVEL, FORMATADO NOS GRILHOES DA IDADE MÉDIA

Ao apresentar o projeto, lembrei-me de Neil Armstrong  ao pisar na lua:

“Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade".

Hoje foi verdadeiramente um dia histórico, um pequeno passo, mas um salto gigantesco para construção de um Ministério Público verdadeiramente democrático foi estabelecido. Aguardamos com ansiedade a sempre abalizada opinião dos integrantes do colégio de procuradores do Estado de Pernambuco.

Francisco Dirceu Barros (Procurador Geral do Estado de Pernambuco)


[1]     MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas. 2017. p. 548.

[2]     MENDES, BRANCO; Gilmar Ferreira, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva. 2015. p. 1312.

[3]     Art. 16. O Corregedor-Geral do Ministério Público será eleito pelo Colégio de Procuradores, dentre os Procuradores de Justiça, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento.

[4]     Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

        (...)

        § 3º O Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes:

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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