Sistema carcerário brasileiro: problemas e soluções

30/04/2018 às 15:05
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Unidades prisionais pequenas, estímulo do contato dos detentos com suas famílias e com a comunidade, trabalho, capacitação profissional e assistência jurídica eficiente. Essas são algumas das características de prisões consideradas modelo.

Na Idade Média, a igreja católica utilizava as prisões para o cumprimento da pena eclesiástica, os religiosos eram isolados para refletirem sobre os pensamentos pecaminosos. Atualmente, esses lugares têm a finalidade de recuperar um indivíduo para viver em sociedade, no entanto, a justiça brasileira enfrenta dificuldades para executar esse papel, diante do número elevado de presos e da influência do crime organizado. Logo, o atraso nos julgamentos dos detentos e a falta de segurança nos presídios agravam o problema da segurança pública.

         O Estado falha em garantir a integridade dos presos em muitas unidades prisionais para se proteger, os detentos se organizam em facções criminosas. Porém, esses grupos evoluem criando redes de advogados, formas de financiamento, obtenção de armas e assim elevam o crime para um nível mais nocivo, que afeta toda a sociedade. A sociedade brasileira contemporânea enfrenta como um de seus maiores desafios sociais e econômicos, a precariedade do sistema carcerário brasileiro, situação que apresenta causas, sobretudo ligadas à falta de estrutura, bem como à ineficiência da ressocialização. Assim, é fundamental que o Poder Público e a sociedade civil atentem para às causas e consequências.

         A princípio, o número de detentos nas prisões brasileiras cresce a cada ano de forma significativa, com a falta de estrutura, esse crescente número gera superlotações nos presídios, situação preocupante, pois há investimentos, mas os mesmos não são suficientes, devido a ineficiência do Estado na organização desses lugares. Um exemplo claro disso, são as rebeliões, que já acontecem há décadas, e a ausência de estrutura, é um agravante dessa problemática.

         Além disso, é nítida a responsabilidade do Estado, frente ao problema, vez que a ressocialização não funciona em sua plenitude, fortalecendo o crime, pois com o alto número de detentos, a cadeia tornou-se um ponto de venda e distribuição de drogas. A principal consequência dessa realidade, é o aumento da criminalidade, o que é alarmante, devido aos altos índices já existentes no país.

         Em termos internacionais, o Brasil é o terceiro país no mundo com maior número de pessoas presas. Tem menos presos que os Estados Unidos (2.145.100 presos) e a China (1.649.804 presos). O quarto país com maior número de presos é a Rússia (646.085 presos). O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios. Hoje o sistema prisional tem um déficit de cerca de 250 mil vagas. A saída de uma quantidade significativa de presos provisórios poderia diminuir a superlotação nos presídios, um fator que favorece conflitos. A Justiça já realizou mutirões nos últimos anos para promover audiências de custódia e tentar liberar pessoas, mas a iniciativa tem sido inconstante.

         É necessário reformar o sistema de Justiça para combater a lentidão da Justiça e permitir que os presos tenham acesso a formas adequadas de defesa, como a defensoria pública – nem todos os Estados contam com essa estrutura, que é ainda mais rara em presídios. Segundo um levantamento da Anadep (Associação Nacional de Defensores Públicos), faltam defensores públicos em 72% das comarcas do país.

         Outro fator para diminuir a superlotação seria aumentar a aplicação de penas alternativas ao encarceramento. Hoje elas são apenas previstas para penas de até quatro anos e raramente são aplicadas para casos envolvendo tráfico de drogas. O aumento da aplicação teria o efeito de evitar que muitos criminosos de baixa periculosidade entrassem em contato com facções criminosas nos presídios.

         A aplicação de penas alternativas poderia substituir penas de prisão de até oito anos por medidas alternativas, seria possível reduzir a população carcerária brasileira em 53%. Uma parte dos juízes ainda remonta entende que a prisão é como se fosse uma obrigação, quando, na verdade, deveria ser a última alternativa.

            A Lei de Drogas de 2006 (11.343) é uma das principais responsáveis pelo inchaço dos presídios no país. Desde que começou a ser aplicada, o número de pessoas presas por tráfico de drogas cresceu 348%. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça em 2014, 64% das mulheres e 25% dos homens presos no Brasil respondem a crimes relacionados às drogas. Antes da lei, os índices eram, respectivamente, de 24,7% e 10,3%.

         Especialistas afirmam que, do jeito que está, a lei endurece as penas para pequenos traficantes (muitas vezes dependentes químicos que comercializam drogas) que nem sempre representam perigo para a sociedade. Para reduzir essas distorções, os especialistas pedem ajustes na lei.

         Especialistas apontam que políticas eficientes de acesso ao trabalho e educação nos presídios são uma forma eficaz de combater a reincidência no crime. Mas faltam investimentos nessa área. No Brasil, a percentagem de presos que atendem atividades educacionais é de apenas 11%. E só 25% dos presos brasileiros realizam algum tipo de trabalho interno ou externo.

         Um dos modelos elogiados é o da Apac (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados), que funciona em três dezenas de unidades prisionais de Minas Gerais e no Espírito Santo e abriga aproximadamente 2,5 mil detentos. Na Apac, os presos ficam em contato constante com suas famílias e comunidade e aprendem novas profissões. O modelo tem uma forte ligação com a religião cristã – fato criticado por alguns especialistas. Suas características principais são proporcionar aos presos contato constante com suas famílias e comunidade, ensinar a eles novas profissões - como a carpintaria e o artesanato – e não usar agentes penitenciários armados na segurança. Uma das principais vantagens do sistema é a baixa taxa de reincidência dos detentos no crime – entre 8% e 15%, segundo o CNJ. Nos presídios comuns ela pode chegar a 70%, de acordo com a entidade.

         Mas para que o modelo dê certo, os presos (dos regimes fechado e semiaberto) que participam dele são cuidadosamente selecionados. Detentos com histórico de violência e desobediência, além de líderes de facções criminosas, geralmente não têm acesso a essas unidades. Mesmo assim, segundo Santos, o índice de fugas ainda seria maior que o do sistema penitenciário comum. O modelo da Apac é interessante e funciona muito bem para os presos menos perigosos e eles são a grande maioria (da população carcerária do país).

         Apesar de encararem a construção de novos presídios como uma solução enganosa, especialistas afirmam que as atuais unidades precisam passar por reformas e ter seu gigantismo reduzido para que um controle mais efetivo seja exercido. As Nações Unidas recomendam que um presídio deve ter no máximo 500 vagas. Mas muitos presídios do Brasil extrapolam esse número. O Complexo do Curado, No Recife, por exemplo, abriga mais de 7 mil presos. A primeira forma de mudar a realidade carcerária seria então fazer o Estado cumprir seu papel de garantir a segurança dos detentos. Mas é mais difícil fazer isso em unidades prisionais enormes e superlotadas. Unidades prisionais pequenas e próximas da comunidade com a qual o detento tem laços: essa é a melhor forma para colaborar com a sua recuperação.

         Para especialistas, a atual configuração dos presídios brasileiros escancara a ausência do Estado no interior das unidades. Como o Estado falha em prover os presos com proteção e produtos básicos, as facções acabam assumindo esse papel. A União Europeia, por exemplo, impõe uma série de princípios para as prisões dos seus estados-membros. Os presos têm seu próprio espaço e chuveiro. Têm privacidade. As condições são muito similares às que se têm na vida exterior. Isso é importante para ressocializar e combater a subcultura criminosa nas cadeias.

         A separação dos presos provisórios dos condenados, e, entre os condenados, a separação por periculosidade ou gravidade do crime cometido está prevista na lei de execuções penais. Na prática, não é o que acontece por causa do sucateamento dos presídios e a superlotação. Segundo especialistas, tais medidas evitariam que réus primários convivessem com criminosos veteranos, diminuindo a entrada de novos membros nas "escolas internas do crime".

         Há pouco mais de dez anos as unidades prisionais do Estado do Espírito Santo viviam uma situação de caos, com um cenário de superlotação, escassez de agentes penitenciários e falta de um modelo de gestão. Os detentos chegaram a ser colocados em penitenciárias provisórias, nas quais as celas eram feitas de contêineres – o que gerava um calor insuportável e tornava o ambiente insalubre.

         A situação caótica virou alvo de críticas de juristas e ativistas, que chegaram a denunciar os abusos a organismos internacionais de defesa de direitos humanos. O governo local então decidiu investir mais de R$ 450 milhões em um processo de criação das atuais 26 unidades prisionais capixabas.

         A construção delas foi feita por empresas estrangeiras e seguiu um modelo arquitetônico padronizado criado nos Estados Unidos. Cada unidade abriga no máximo 600 detentos (Pedrinhas, por exemplo, tem cerca de 2,2 mil presos). Eles ficam divididos em três galerias de celas e não se comunicam. Os edifícios têm ainda salas específicas onde os detentos participam de oficinas profissionalizantes ou recebem atendimento odontológico e psicológico. O modelo diminuiu a quantidade de fugas e tumultos e dificultaria ainda a organização das facções criminosas. O esforço do Estado é visto pelo CNJ como um exemplo positivo.

         Estados como Alagoas, Goiás e Mato Grosso do Sul, entre outros, estão apostando em unidades prisionais de excelência que investem na ressocialização dos presos. O alagoano Centro Ressocializador da Capital é uma dessas prisões. Segundo o tenente-coronel Carlos Luna, superintendente geral de administração penitenciária de Alagoas, a experiência se baseia em um modelo espanhol e parte do princípio de que um tratamento respeitoso é essencial para a ressocialização dos detentos.

         Contudo, uma seleção rigorosa faz com que apenas presos com bom comportamento, que nunca tenham participado de motins e que aceitem participar da experiência sejam selecionados. Eles só são transferidos do sistema carcerário comum para a unidade depois de passar por uma avaliação psicológica onde devem mostrar "vontade de mudar de vida".

         Diferentemente da maioria das prisões no Brasil, sobram vagas na unidade, que foi construída para abrigar 155 detentos, mas tem atualmente pouco mais de 130. Os detentos não podem usar entorpecentes e todos eles trabalham na manutenção da unidade e em empresas conveniadas. Até presos que cumprem pena no regime fechado são autorizados a sair desacompanhados para trabalhar.

         Ao acabarem de cumprir suas penas, os detentos são encaminhados para convênios do governo com empresas, para a colocação no mercado de trabalho. Conseguiu baixar o grau de reincidência para 5%, porém, a realidade da unidade é muito diferente do restante do sistema prisional do Estado. É complicado aplicar esse modelo em unidades grandes.

         Segundo o CNJ, uma unidade prisional que aplica aspectos positivos no regime semiaberto é o Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, no Mato Grosso do Sul. Sua principal característica é a ênfase no trabalho, uma vez que a unidade possui nove oficinas de trabalho remunerado – em áreas como tapeçaria, produção de contêineres e portões e cozinha industrial.

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         Muitos dos presos exercem essas atividades fora do presídio e são as próprias empresas que se responsabilizam pelo seu transporte e medidas de segurança. Em paralelo, os detentos participam de tratamento para se livrar do vício em entorpecentes.

         A educação prisional favorece a reintegração do indivíduo na sociedade. É preciso desenvolver programas educacionais no sistema penitenciário que visem alfabetizar e construir a cidadania dos presos. A conscientização deve ser uma das práxis para a transformação do mundo dos presos, pois através da ação-reflexão é que formaremos novos cidadãos. Cabe ao poder público e a sociedade em geral se preocuparem e se comprometerem com a educação.

         A relevância da educação prisional como instrumento de ressocialização e de desenvolvimento de habilidades e de educação para a empregabilidade é notória no sentido de auxiliar os reclusos a reconstruir um futuro melhor durante e após o cumprimento da sentença. Os objetivos de encarceramento ultrapassam as questões de ‘punição, isolamento e detenção. A educação auxilia e permite a obtenção dos objetivos centrais de reabilitação que incidem em resgate social e educação libertadora numa dimensão de autonomia, sustentabilidade e minimização de discriminação social.

         Qualquer solução para o sistema prisional, seja no curto ou longo prazo, depende de investimento e de recursos federais. A ação mais urgente é retomar o comando das unidades prisionais. Se o Estado quiser frear a violência nas unidades prisionais e evitar que a barbárie tome as ruas, como aconteceu no Rio Grande do Norte, terá de retomar a ordem dentro das penitenciárias.

         As instalações em péssimas condições, a superlotação, as situações de tortura e maus-tratos são um combustível para a violência. A solução passa pela diminuição de presos provisórios. A forma indiscriminada de aprisionar e de combater a violência com violência. o modelo é parte do problema, se aprisiona muito e mal. O aprisionamento maciço está relacionado com a guerra às drogas. O pobre, negro e favelado que está na cadeia. O menino branco que mora em áreas privilegiadas vai ser sempre considerado usuário. A maioria das pessoas presas por tráfico foi pega em flagrante, estava sozinha, com pequena quantidade, desarmada e não havia cometido nenhum ato violento. O sistema foca no (traficante) do varejo, que logo será substituído por outro, e não vai atrás do grande responsável. Essas pessoas são jogadas dentro do sistema de horrores, onde estão vulneráveis ao recrutamento para o crime.

         A violência poderia ser amenizada se a Lei de Execuções Penais fosse cumprida. Quando o Estado está ausente, há um vácuo de poder. É evidente que esses grupos se fortalecem, ocupam esses espaços e passam a recrutar filiados. A lei diz que o preso com ensino incompleto tem de estudar (apenas 11% estuda) e que o preso condenado é obrigado a trabalhar e aprender um ofício (25% dos presos brasileiros realizam algum tipo de trabalho interno ou externo), pensando na possibilidade de se reintegrar à sociedade.

         Unidades prisionais pequenas, estímulo do contato dos detentos com suas famílias e com a comunidade, trabalho, capacitação profissional e assistência jurídica eficiente. Essas são algumas das características de prisões consideradas modelo que já funcionam pelo país. Elas estão sendo tratadas pelas autoridades como possíveis soluções para os problemas do sistema prisional brasileiro.

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, 2º ed. São Paulo: Saraiva. 2001.

CRESPO. Eduardo Demetrio. De nuevo sobre el pensamiento abolicionista. Disponível em: <http://www.defensesociale.org/revista2003/07.pdf.> Acesso em: 30/04/2018.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 33. Ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

FREIRE, P. (1983). Educação e mudança. 7., Rio de Janeiro: Paz e Terra.

______A importância do ato de ler. (1983). 3., São Paulo: Cortez.

______A importância do ato de ler, (1994). Em três artigos que se contemplam. 14.

São Paulo; Cortez.

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http://www.cnj.jus.br/

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen

http://www.ilanud.org.br/comunicacao/noticias/relator-da-onu-divulga-informe-sobre-educacao-nas-prisoes/

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal

http://www.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJDA8C1EA2ITEMID0A92E04549BC444E

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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