Ética judicial e corrupção

01/05/2018 às 11:47

Resumo:


  • O capitalismo dominou o mundo pós-Queda do Muro de Berlim, levando a uma sociedade de consumo e individualista.

  • A ética judicial é fundamental para o juiz, que deve agir de forma ética e íntegra, mantendo a independência e imparcialidade.

  • Os desvios éticos na magistratura, como corrupção e tráfico de influência, devem ser punidos para preservar a integridade do sistema judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os juízes representam, para a sociedade, modelos de cidadãos que devem encarnar o referencial maior da justiça pela qual anseiam todos os homens. Por isso deles se espera e se exige um comportamento segundo os mais nobres padrões éticos...

Ética judicial e corrupção

Sumário

1. Introdução 2. Etimologia da palavra ética 3. Haverá ética do juiz? 4. Deveres do juiz 5. Desvios éticos 6. Conclusão 7.Referências 8. Bibliografia

Introdução:

Em 1989, a Queda do Muro de Berlim trouxe mudanças profundas no panorama geopolítico mundial. De um mundo bipolar, onde os blocos capitalista e socialista faziam a história da humanidade, assente nas linhas ideológicas prosseguidas, passou, então, o mundo para uma fase onde se afirmou a hegemonia do capitalismo e a queda do socialismo.

A Queda do Muro de Berlim foi apresentada como a vitória do povo sobre a tirania; das liberdades sobre a opressão.

O sistema capitalista passou, então, a dominar o mundo inteiro, com pouquíssimas excepções. Apesar de haver países socialistas, a economia desses países se vê forçada a ter que seguir os modelos capitalistas, como é o caso da China, um país com política comunista, mas que tem uma economia praticamente capitalista. Tanto que hoje é uma das maiores potências económicas emergentes do mundo.

O capitalismo, de resto, afirma-se pela ideologia como um sistema social e económico de mercado em que atingir o lucro é o principal objectivo. No domínio das empresas, o sistema é positivo porquanto a economia de mercado, seu principal estandarte, favorece a livre concorrência, o que provoca um desenvolvimento e investimento maior e mais rápido.

Se o capitalismo é bom na variante das empresas, apontam-se muitos problemas na variante social para o tipo de sociedade que a adopta. A sociedade não distribui os recursos de igual para todos. A consequência imediata é a estratificação social. Como fruto do sistema, há uma minoria da população, que é burguesa, que ganha tudo. A grande maioria fica sem nada.

Outro facto que importa mencionar, é que o sistema capitalista fez surgir a sociedade do consumo. Ou seja, fez com que a sociedade adoptasse o acto de consumir incontrolavelmente, fazendo da população alienada pela tentação de consumir. Alguém diz eu tenho um telemóvel. O meu é da última geração. O teu não é. Isto já dá um status social. O mesmo com as viaturas, casas de praia e outros bens de consumo.

Passamos a viver numa sociedade em que o ter vale mais que o ser.

Outra consequência do sistema capitalista é o individualismo. A estrutura social é medida pelo capital. Hoje é tudo visto e aceito na perspectiva individual. Pronomes possessivos “meu” e “minha” substituem “nosso” e “nossa”.

Hoje é assim. No passado era diferente. Os nossos avós conversavam. Davam-se sal. Ajudavam-se. Cumprimentavam-se. Hoje paga-se. Se preciso de sal tenho que pagar. Se o vizinho me cumprimenta até fico perturbado. Por que está a cumprimentar-me?

Mais do que nunca a questão da sustentabilidade na exploração dos recursos disponíveis entrou no léxico quotidiano. A sustentabilidade desta geração é regida pelo desejo. Todos os dias pessoas são bombardeadas pela ideia do desejo.

Pode se perguntar, por que falar do capitalismo em temas tão caros para o magistrados como a questão da ética e integridade do juiz?

A razão é simples. É que o juiz é produto do meio sócio-economico e cultural onde actua. Pensar a ética no direito, na magistratura é o mesmo problema em qualquer outra área social. Não existe uma única área. Existe a ética.

2. Etimologia da palavra ética

A palavra “ética” vem do grego ethos, que significa “modo de ser”, “carácter”.

Diferentemente dos outros animais que são conduzidos pelo instinto, obedecendo a regras que são anteriores e superiores a eles, o homem é dotado de autonomia, agindo por reflexão, por decisão, por juízo.

Esse conjunto de princípios e valores é usado para responder as três grandes perguntas da vida humana: Quero? Devo? Posso?

Há coisas que a pessoa quer, mas não deve. Há coisas que ela deve, mas não pode. Há coisas que pode, mas não quer.

Quando é que a pessoa tem paz de espírito? Quando tem um pouco de felicidade? Quando aquilo que ela quer é o que deve e o que pode. Todas as vezes que aquilo que ela quer não é aquilo que ela deve; todas as vezes que aquilo que ela deve não é o que ela pode; todas as vezes que aquilo que ela pode não é o que ela quer, entao, ela vive um conflito, que muitas vezes é um dilema.

A ética procura alcançar o que é bom para o indivíduo e para a sociedade. Ela não surge espontaneamente. É fruto de um esforço do espírito humano para estabelecer princípios que iluminam a conduta das pessoas, grupos, comunidades, países, segundo um critério de Bem e de Justiça. O Bem e a Justiça são uma busca constante.

Não se deve, porém, confundir ética com costume. Enquanto a ética exprime o ideal filosófico do bem e da justiça a ser prosseguido pelo ser humano no sentido de aperfeiçoamento pessoal e, a partir daí, colectivo, o costume nada mais é que o conjunto de práticas existentes no meio social que se reproduzem e repetem com carácter de obrigatoriedade. O costume é positivo se concordante com os ditames da lei, mas, também pode ser contra a lei.

Há muita confusão acerca das distinções entre o que é ética e o que é moral, sendo que na linguagem comum e mesmo culta, ética e moral são tratados como sinónimos, razão pela qual se diz: "aqui há um problema ético" ou "um problema moral". Porém, ética e moral não são sinónimos. A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo, princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem carácter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos que podem ser, eventualmente, questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue costumes) mas não necessariamente ética (obedece a princípios).

Mas também não se deve confundir ética com reputação. A ética, como referido, é o carácter do individuo, a sua integridade. O que o indivíduo é, sem condicionantes externas. A reputação, por seu turno, é o indivíduo como é olhado pela sociedade.

A reputação tem a ver com a idoneidade e aparência de idoneidade, tanto profissional quanto pessoal. No caso do juiz, o que importa mais não é o que um juiz faz ou não faz, mas o que os outros pensam que o juiz fez ou pode fazer. Por exemplo, um juiz que tem longas conversas privadas com um litigante em um caso pendente aparentará estar dando àquela parte uma vantagem, mesmo que de facto a conversa seja completamente sem relação ao caso. Já que o público espera um alto padrão de conduta por parte do juiz, ele deve, quando em dúvida sobre comparecer a um evento ou receber um presente, ainda que pequeno, fazer a seguinte pergunta: ‘Como isso poderá parecer aos olhos do público?’

A falta de ética ou carácter provoca a crise de valores na sociedade.

Um dia alguém perguntou como se pode constituir uma sociedade justa. Não existe sociedade justa. O que há são pessoas justas. Porque o conceito de justiça ou injustiça só pode ser aferido para uma pessoa que tem liberdade e autoconsciência, a pessoa humana concreta. A sociedade em si não é justa ou injusta. Ela pode ser tomada maioritariamente por pessoas éticas e, de modo geral responder mais satisfatoriamente os desígnios sociais.

Uma das variantes da ética é precisamente a ética das profissões.

Todas as profissões têm a sua ética. Desde o motorista de táxi que sentado ouve uma conversa entre os ocupados. A ética dita a que faça segredo sobre o que ouviu. O ginecologista que vê uma mulher nua em doença de foro embaraçoso e se obriga a não comentar com terceiras pessoas. O padre que ouve a confissão e ante aspectos incómodos vindos da sua ovelha guarda para si e Deus o teor revelado. O advogado que na defesa do seu cliente não vai atraiçoá-lo porque a outra parte hipoteticamente quer lhe oferecer mais dinheiro para abandonar essa causa.

Muitos autores definem a ética profissional como sendo um conjunto de normas de conduta que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão[2]. É a acção reguladora da ética agindo no desempenho das profissões, que faz com que o profissional respeite o seu semelhante no exercício da sua profissão.

A ética profissional estuda e regula o relacionamento do profissional com os seus clientes, visando a dignidade humana e a construção do bem-estar no contexto sócio-cultural onde exerce sua profissão, de modo que quando falamos de ética profissionalestamos a nos referir ao carácter normativo e até jurídico que regulamenta determinada profissão, a partir de estatutos e códigos específicos. As leis de cada profissão são elaboradas com o objectivo de proteger os profissionais, a categoria como um todo e as pessoas que dependem daquele profissional.

3. Haverá ética do juiz?

É hoje uma verdade inquestionável que a fase da escolha de uma profissão deve ser permeada pela reflexão sobre quais as acções necessárias realizar quando do exercício da prática profissional.

A escolha de uma profissão é optativa, mas ao escolhê-la, o conjunto de deveres profissionais passa a ser obrigatório. Geralmente, quando a pessoa é jovem, escolhe a sua carreira sem conhecer o conjunto de deveres que está prestes a assumir tornando-se parte daquela categoria que escolheu.

Ao completar a formação no nível superior, sobretudo em Direito, a pessoa faz um juramento, que significa sua adesão e comprometimento com o grau académico alcançado. No mesmo sentido, ao ingressar na magistratura, a pessoa faz um juramento em compromisso de honrar de servir fielmente na categoria profissional onde formalmente ingressa. Isto caracteriza o aspecto moral da chamada Ética Profissional.

No que toca a magistratura, ensina Baptista Herkenhoff[3] que a ética do magistrado é mais que uma ética profissional, a magistratura é mais que uma profissão. A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.

No mesmo sentido situa-se Nancy Andrighi[4] para quem ao ser investido nas funções jurisdicionais o juiz agrega ao seu ser a responsabilidade da imagem da instituição que representa, de sorte que a imagem do homem-juiz, no ser, no estar e no participar, sempre estará de forma indissolúvel e permanente associada a do Poder Judiciário. O juiz é um espelho social onde o jurisdicionado se observa e encontra justificação para agir de tal e qual forma, isto porque, no seu modo de ver crítico é permitido concluir que “se o juiz assim age, mais do que nunca eu, que sou um simples cidadão, posso fazê-lo”.

Os juízes representam, para a sociedade, modelos de cidadãos que devem encarnar o referencial maior da justiça pela qual anseiam todos os homens, razão pela qual deles se espera e se exige um comportamento segundo os padrões éticos que enriquecem o espírito humano.

Está, de todo, cristalizado na nossa cultura a ideia do juiz como um super-homem, intangível, dotado de poderes quase sobrenaturais, posicionado acima do bem e do mal. Isso porque ele exerce uma profissão superior, que de certo modo encerra atributos do próprio Deus. A propósito, disse Carnelutti: "No mais alto da escala está o juiz. Não existe um ofício mais elevado que o seu, nem uma dignidade mais imponente. Os juízes são como os que pertencem a uma ordem religiosa. Cada um deles tem que ser um exemplo de virtude, se não quer que os crentes percam a fé".

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É preciso, porém, relativizar a ideia grandiosa que se tem do juiz, porquanto, de certa forma, não traduz a realidade do ser humano falível, limitado, frágil e que se expõe às mesmas vicissitudes de que padecem seus concidadãos. Diz que a simples investidura no cargo não o transforma, e a beca, por si só, não é capaz de torná-lo imaculado.

4. Deveres do juiz

Os principais deveres e preceitos éticos da magistratura são encontrados na Constituição da República, no Estatuto dos Magistrados Judiciais e nos códigos de processo. Também relevam outros instrumentos jurídicos que cuidam da probidade do servidor público.

Compulsando a Constituição da República está expresso o princípio de que “No exercício das suas funções, os juizes são independentes e apenas devem obediência à lei”[5].

Este é o princípio orientador da actuação do juiz; a submissão aos ditames da lei e da sua consciência.

A mesma Constituição dá dignidade fundamental à exclusividade na prestação jurisdicional, conquanto “Os Magistrados Judiciais, em exercício, não podem desempenhar quaisquer outras funções públicas ou privadas, excepto a actividade de docente ou de investigação jurídica ou outra de divulgação e publicação científica, literária, artística e técnica, mediante prévia autorização do Conselho Superior da Magistratura Judicial[6].

É, porém, no Estatuto dos Magistrados Judiciais[7], onde estão fixados os deveres do juiz, subsumíveis em princípios deontológicos. Entre eles, encontramos os deveres relativos ao ingresso na carreira da magistratura, os critérios de promoção e progressão na carreira, a dedicação exclusiva à profissão, a imparcialidade e igualdade de atenção no exame das causas, a abstenção política, a fundamentação das decisões, a proibição de evocação da sua qualidade para benefícios privados e a proibição de recebimento de contribuições pecuniárias de pessoas físicas ou jurídicas, em razão da função.

É, de resto, esta última, que tem particular interesse para a presente apresentação.

Pode se extrair dela que o juiz observa os valores da boa administração da justiça e honestidade no desempenho da sua função, não podendo solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, directa ou indirectamente, quaisquer presentes, empréstimos, facilidades ou quaisquer ofertas que possam por em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo e a autoridade ou credibilidade dos tribunais. O juiz não deve, de modo nenhum, condicionar o sentido de uma decisão judicial a uma benesse, seja pecuniária, material ou espiritual.

5. Desvios éticos

Os juízes, assim como os demais seres humanos, estão sujeitos a paixões humanas. A diferença consiste no facto de que, pela sua posição e relevante função no Estado e na Sociedade, os magistrados esforçam-se por manter sua conduta dentro de um padrão ético, cujas regras vêm positivadas no Estatuto dos Magistrados Judiciais, leis de organização judiciária e nos códigos de processo.

A verdadec é que, de quando em vez, deparamo-nos com algum magistrado, tanto em tribunal de 1ª instância, como em tribunal superior, que foge ao padrão ético esperado.

António Lima[8] chega a afimar que:

Os motivos que levam o magistrado ao desvio ético podem ser: 1) de ordem econômica, nem sempre em proveito próprio ou de seus familiares, mas, por simpatia às classes abastadas (banqueiros, usineiros, fazendeiros, industriais, empresários do ensino e do setor de transportes); 2) de ordem social, para demonstrar prestígio, marcar presença na mídia e inflar o próprio ego; 3) de ordem política, quando atua dentro do Judiciário, como a longa manus do Poder Executivo de um partido com quem tenha afinidade ideológica. No meio forense são conhecidos os fazendários, apelido que se dá aos juízes que sempre decidem e votam a favor da Fazenda Pública, ainda que a razão esteja com a parte contrária. Há, também, os juízes adeptos do direito alternativo, caminho que pode levar ao arbítrio e à colisão com o princípio da segurança jurídica, que em nome dos “novos tempos” mas, sem poder legisferante para tanto e fazendo tabula rasa da separação dos poderes, derrogam a lei, como, por exemplo, a que protege a família, deixando de aplicá-la.

A possibilidade de ganho pecuniário, material ou imaterial constitui muitas vezes a moeda de troca que os agentes, sob a capa de juiz, usam em troca de uma decisão judicial.

Qualquer enriquecimento obtido neste jaez é ilícito e por isso susceptível de apreensão e reversão a favor do Estado, para além de dar lugar a procedimento disciplinar contra o juiz encontrado em falta.

Uma forma relacionada de comportamento corrupto frequentemente mencionada é o tráfico de influência. Esta conduta é iniciada com mais frequência por pessoas influentes, tanto do sector privado quanto público, bem como pessoas comuns que contam com laços políticos ou familiares ou redes de colegas de estudo, bem como entre membros do poder judiciário. Durante processos judiciais, juízes, advogados e escrivães podem ser abordados para influenciar o resultado do caso, postergá-lo ou acelerá-lo, retirar acusações ou influenciar o veredito final do juiz. Uma vez que uma decisão tiver sido proferida, os advogados poderão ser subornados para não recorrer.

            Os juízes individuais poderão aceitar ou exigir subornos de figuras políticas, advogados, uma das partes – principalmente quando os interesses económicos de uma empresa estiverem em questão – ou outros agentes externos de forma a adulterar um caso ou conceder acesso a serviços jurídicos de outra forma não concedido.

Os advogados podem desempenhar um papel activo na corrupção. Por exemplo, os advogados podem exigir que seus clientes paguem honorários adicionais para que eles, por sua vez, possam subornar um ou mais profissionais jurídicos para influenciá-los indevidamente a favorecer o interesse de seu cliente. Advogados também poderão eles mesmos aceitar subornos para manipular casos ou cobrar “honorários” adicionais para agilizar ou postergar casos ou para direcionar clientes a juízes conhecidos por receber subornos para proferir decisões favoráveis.  Em outras situações, o papel dos advogados é mais passivo ou cúmplice, por exemplo, quando são coagidos a certo tipo de comportamento ao serem confrontados com ameaças à sua reputação.

Os funcionários judiciais ou de regime geral actuam em papeis fundamentais ao garantir um processo judicial tranquilo, ao mesmo tempo em que também mantém um perfil discreto. Eles também podem desempenhar um papel fundamental ao se envolverem em irregularidades no processo judicial. Poderão surgir vários riscos característicos de funcionários de tribunais: escrivães e assistentes jurídicos normalmente têm acesso directo e em grande parte não controlado a documentos relevantes, como evidências, relatórios, decisões judiciais e assim por diante. Os funcionários dos tribunais normalmente são mal pagos ou pelo menos recebem significativamente menos que juízes ou advogados, o que aumenta potencialmente os incentivos ao comportamento antiético. As oportunidades de corrupção dos funcionários de tribunais podem estar relacionadas a processos judiciais e a administração de processos. Por exemplo, muitos têm a oportunidade de adulterar o processo judicial ao aceitar suborno para perder ou alterar arquivos deliberadamente,  influenciar a administração de processos ou permitir a acesso a decisões judiciais antes que sejam oficialmente disponíveis para comunicação.  Eles também poderão solicitar subornos para manipular actas, bem como para forjar números ou favorecer empresas de seguro específicas com relação à prestação de caução. Alguns estudos de processos publicados sugerem que funcionários de tribunais ainda podem actuar como intermediários de juízes e/ou advogados e solicitar ou fingir solicitar subornos em seu nome. Visando benefícios individuais, eles poderão ser tentados a cobrar honorários não autorizados por serviços de tribunais ou inflar taxas administrativas existentes e poderão extorquir dinheiro para trabalhos que devem fazer de qualquer forma.

No caso dos juizes, percebe-se que os desvios éticos cometidos devem ser apurados e punidos pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, em cumprimento da sua missão institucional de controlar administrativamente o poder judicial e aperfeiçoar o serviço público na prestação da Justiça. 

As penas disciplinares variam de advertência, multa, despromoção, demissão até a expulsão. A pena de expulsão é aplicada, entre outros, em casos corrupção do juiz, implicando a impossibilidade de ser provido em quaisquer funções ou cargos no Estado.

6. Conclusão

A ética e a moral vigentes hoje são capitalistas, de sorte que a sociedade de consumo em que vivemos coloca na matéria a realização plena das necessidades humanas.

A escolha por uma profissão inclui a reflexão prévia acerca dos compromissos éticos que deverão ser honrados em face da categoria profissional eleita. Aquele que busca apenas ter um bom emprego, estabilidade e alto salário, não deve optar pela magistratura – carreira de elevada importância para o Estado Democrático de Direito. O juiz deve estar na magistratura por vocação, pois, a sociedade sempre exigirá dele uma conduta exemplarmente ética, pautada no referencial maior da justiça que todos anseiam. Por essa razão, o “homem-juiz” deve ter princípios sólidos e integridade preservada, além da consciência de que carregará consigo a responsabilidade de ter a sua imagem de forma indissolúvel e permanente associada à instituição que representa.

A ambição, que faz a humanidade crescer, lícita é ao magistrado, porém, da ganância - mecanismo de apodrecimento ético – deve ele se afastar, bem como não deve ser seduzido pela ética capitalista vigente, esta que prega que bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo possível.

A corrupção no sistema judicial tem um impacto expressivo sobre os cidadãos e pode comprometer seriamente a legitimidade e estabilidade de instituições democráticas. Cabe ao juiz obstar cair em tentação, mas também ao Estado evitar colocá-lo numa situação de vulnerabilidade. É necessário proteger os profissionais jurídicos − e outros – da influência indevida de qualquer natureza no cumprimento de suas funções, ao mesmo tempo em que se promovem mecanismos de monitoramento e transparência adequados para garantir que a conduta jurídica adira aos mais altos padrões de imparcialidade e justiça.

A integridade jurídica é de suma importância, porquanto um processo judicial justo e imparcial pode ser considerado uma pré-condição para que uma governançao responsável e medidas de proteção de combate à corrupção tenham efeito.

No nível da sociedade, a integridade do sistema judicial de um país também tem uma função preventiva e catalisadora: profissionais jurídicos imparciais que garantem que o devido processo legal seja respeitado para deixar claro que irregularidades são punidas, combatem, assim, não só a corrupção dentro do sistema judicial, mas também em todos os níveis da sociedade.

Não devemos nos preocupar com os juizes corruptos porque estes são a minoria. Preocupemo-nos, antes, com os juizes probos, cujos exemplos deverão se estender para toda a classe de profissionais jurídicos e judiciários, influenciando-os.

O apelo que deixo aos juizes presentes nesta belíssima Sala do Hortel Azalai é que façam como diz Ghandi: “Que sejam a mudança que querem ver no mundo”.

7. Referências

[1] O presente texto expressa a apresentação feita no Seminário Internacional sobre Corrupção e Fragilidade das Instituições Políticas e Judiciais, realizado na Cidade de Bissau, Guiné Bissau, de 15 a 16 de Junho de 2016. Quaisquer críticas ou sugestões de melhoria são muito bem aceites, podendo ser endereçadas ao email: [email protected]

[2] Neste sentido, José Soares Filho, Deontologia da Magistratura. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/24992-24994-1-PB.html. Consultado em 30 de Maio de 2017 e Cristiane Yuka, Ética Profissional. Disponível em: http://professorbacchelli.spaceblog.com.br/r10583/Etica-Geral-e-Profissional/. Consultado em 30 de Maio de 2017.

[3] HERKENHOFF, João Baptista. Ética dos magistrados: A sociedade exige uma conduta exemplar. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-mar-06/sociedade-exige-magistrados-conduta-exemplarmente-etica>. Consultado em 29 de Maio de 2017.

[4] In http://www.researchgate.net/publication/28766115_A_tica_na_Magistratura, Consultado em 29 de Maio de 2017.

[5] Artigo 217, n.º 1 da CRM.

[6] Artigo 219

[7] Em Moçambique, o EMJ foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 11 de Março

[8] LIMA, Antônio Sebastião de, Ética e jurisprudência. Disponível em: <http://members.tripod.com/Minha_Tribuna/art30.htm>. Consultado em 30 de Maio de 2017

8. Bibliografia

ANDRIGHI, Nancy, A ética na magistratura. Disponível em: http://www.researchgate.net/publication/28766115_A_tica_na_Magistratura, consultado em 29 de Maio de 2017.

CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL, Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, Editora UnB  Brasília, 2008

HERKENHOFF, João Baptista. Ética dos magistrados: A sociedade exige uma conduta exemplar. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-mar-06/sociedade-exige-magistrados-conduta-exemplarmente-etica>. Consultado em- 29 de Maio de 2017.

INICIATIVA DE INTEGRIDADE JURÍDICA DA INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION, Sistemas judiciais e Corrupção, Basel Institute of Governance, s/l, 2016.

 LIMA, Antônio Sebastião de, Ética e jurisprudência. Disponível em: <http://members.tripod.com/Minha_Tribuna/art30.htm>. Consultado em 30 de Maio de 2017.

SOARES FILHO,.José, Deontologia da Magistratura. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/24992-24994-1-PB.htm. Consultado em 30 de Maio de 2017.

YUKA, Cristiane, Ética Profissional. Disponível em http://professorbacchelli.spaceblog.com.br/r10583/Etica-Geral-e-Profissional/. Consultado em 30 de Maio de 2017

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Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

Juiz de Direito e docente universitário. Presidente do Tribunal de Polìcia da Cidade de Maputo. Presidente da União Internacional dos Juízes da CPLP. Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Pós Doutorando em Direitos Humanos, Saúde e Justiça pela Universidade de Coimbra. Doutorado em Direito Privado pela Universidade Católica de Moçambique e Universidade Nova de Lisboa. Mestrado em Direito pela Universidade Católica de Moçambique. Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane. Prelector e autor de livros e artigos jurídicos publicados em revistas de especialidade. Autor, entre outros, de:- Comentário da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Coord. Pinto de Albuquerque), Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos - Constituição de Moçambique Anotada (no prelo)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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