Resumo: O presente trabalho tem como principal intuito analisar a possibilidade de o trabalho artístico poder ser realizado por crianças e adolescente que tem idade inferior a permitida pela legislação vigente no Brasil. O menor uma vez inserido no mercado de trabalho tem que aprender a lidar com a mesma pressão e responsabilidade delegado a um adulto. Sendo assim, em decorrência da busca pelo sucesso e glamour que uma vida artística pode oferecer, acabam ficando expostos a possíveis danos psicológicos irreversíveis e permanentes. Discutir-se-á através de doutrinas, artigos científicos e análise jurisprudencial a importância da eficácia do Ministério Público na proteção do trabalho da criança e adolescente. Observaremos também alguns casos concretos, verificando entendimentos e soluções sugeridos ou tomados diante de menores que foram afetados pela inexistência de normas especificas.
Palavras-chave: Criança; Adolescente; Direito da Criança; Trabalho Infantil; Trabalho Infantil Artístico.
Sumário: Introdução 1. Contexto histórico do estatuto da criança e do adolescente. 2. Trabalho infantil. 2.1. Trabalho artístico infantil. 2.2. Consequências do trabalho. 3. Atuação do ministério público. 4. Considerações finais. 5. Referências.
Introdução
O trabalho infantil é realizado por pessoas que estejam abaixo da idade permitida para iniciar práticas trabalhistas. Cada país tem sua idade mínima fixada como regra. O Brasil tem normatizado a proibição de trabalho para menores de 14 anos.
O trabalho infantil é constantemente tratado pela mídia. Essa abordagem vem com o intuito de mostrar que, principalmente, crianças de zonas rurais e áreas pobres e periféricas de grandes cidades exercem o trabalho desde cedo na agricultura, indústrias, atividades domesticas, algumas vezes até mesmo atividades ilícitas, como o trafico de drogas, que é o caso mais frequente para meninos, além de exploração sexual para meninas.
Muito se é tratado sobre o tema em campanhas nacionais e até internacionais que tem como importante objetivo cessar esse tipo de prática.
Todavia, não há grandes questionamentos em relação ás práticas trabalhistas no meio artístico, seja em virtude da fascinação que é nutrida pelos adultos e crianças pela carreira glamourosa com sucesso e fama ou até mesmo pelo crescimento financeiro.
A mesma sociedade que se escandaliza com meninas que ajudam em atividades doméstica, se simpatiza, apoia e aprova o trabalho artístico exercido por crianças e adolescentes, que cada vez mais sacrificam a rotina de uma vida comum, como a frequência regular na escola e atividades extracurriculares e sofrem pressões impostas pelo meio e assumirem responsabilidades de um adulto mesmo sendo tão novas.
1. Contexto histórico do estatuto da criança e do adolescente
Instaurado pela Lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, popularmente conhecido como ECA, veio para regulamentar os direitos e deveres das crianças e adolescentes brasileiros. Foi preciso a criação de um Estatuto com regras, direitos e deveres exclusivamente dedicado à criança e ao adolescente para que os mesmo parassem de ser, culturalmente, conhecidos como adultos em miniaturas e passassem a ser enxergados, sem distinção de raça, cor ou classe social, como seres humanos em desenvolvimento.
O ECA chegou oferecendo uma inovação ao ordenamento jurídico da época ao trazer um conjunto de leis próprias, baseando-se em grande parte na Convenção Internacional sobre os Direitos Humanos da Criança, realizada em 1989.
Sobre a Convenção Rosemberg (2010) analisou da seguinte forma:
A Convenção de 1989, em relação às declarações internacionais anteriores, inovou não só por sua extensão, mas porque reconhece à criança (até os 18 anos) todos os direitos e todas as liberdades inscritas na Declaração dos Direitos Humanos. Ou seja, pela primeira vez, outorgaram-se a crianças e adolescentes direitos de liberdade, até então reservados aos adultos. Porém, a Convenção de 1989 reconhece, também, a especificidade da criança, adotando concepção próxima à do preâmbulo da Declaração dos Direitos da Criança de 1959: “a criança, em razão de sua falta de maturidade física e intelectual, precisa de uma proteção especial e de cuidados especiais, especialmente de proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”. (ROSEMBERG, 2010, p. 699)
Com a criação da Lei houve manifesto expresso para assegurar ao menor brasileiro o direito á vida e á liberdade. Tendo como base art. 227. da Constituição Federal de 1988, houve também a preocupação para que fosse garantida à criança e ao adolescente, através da família, sociedade e do Estado, o acesso á educação, saúde, alimentação, lazer, etc.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dentro da Lei n 8.069/90, que veio estabelecer o ECA, é possível identificar em seus pilares alguns princípios básicos instituídos em seus artigos, tais como Princípio da Proteção Integral, Princípio da Prioridade Absoluta, Princípio do Melhor Interesse, entre tantos outros.
Em seu art. 1º, é possível destacar o Princípio da Proteção Integral que tem o intuito de assegurar a criança e o adolescente seus direitos fundamentais e o dever de ser protegido pela família, sociedade e Estado. Este princípio também se encontra elencado no art. 227. da Constituição Federal.
Já Princípio da Prioridade Absoluta, possível de se identificar no art. 4º, garante ao menor o direito de ser tratado com total prioridade pela sociedade e Poder Público quando se tratando, por exemplo, de ações governamentais ou em caso de catástrofes naturais.
O Principio do Melhor Interesse veio para garantir que sempre que for preciso tomar uma decisão referente ao menor será levado em conta e analisado o melhor para atender o seu interesse. Sendo assim, podemos exemplificar esse principio fazendo uso de uma provável disputa judicial de guarda de um menor onde será analisado o contexto geral das partes e não apenas pontos específicos, como fator econômico isolado, mas sim qual deles apresenta condições legais, capacidade afetiva, lar harmônico, etc.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio como uma verdadeira renovação perante a forma com que as crianças e os adolescentes eram enxergados e tratados no Brasil. Antes da sua promulgação eles não eram respeitados, resguardados e até mesmo vistos pela sociedade, culturalmente falando e até mesmo juridicamente.
Anteriormente ao ECA, os menores brasileiros eram “resguardados” pelo Código do Menor, que tinha como base uma dura política de repressão aos menores abandonados e adolescentes de “segunda classe”. Era bem explicito a discriminação contida no antigo Código, a marginalização e delinquência eram sempre ligadas á pobreza. Não existia a preocupação em compreender todo o contexto histórico, social e econômico do menor para só então começarem a atendê-los da melhor maneira possível.
Uma mudança significativa trazida pelo Estatuto, sem dúvidas, foi os direitos universais assegurados, a preocupação em sempre assegurar o melhor para o bem estar e as medidas de proteção para a criança e do adolescente.
Para que fossem seguramente resguardados o Estatuto da Criança e do adolescente regulamenta no Capitulo I e II, do Titulo II, sobre as Medidas de Proteção. O titulo supracitado vem para regulamentar à situação de crianças e adolescentes que se encontram em situações de risco ou irregular.
Para Barros (2010) “a verificação da existência dessa situação é importante por duas razões: (i) aplicação de medidas especificas de proteção e (ii) fixação da competência do Juízo da Infância e Juventude.” Essa parte do Estatuto é para assegurar a criança ou o adolescente sempre que forem ameaçados ou violados.
Trata-se de hipótese em que os direitos da criança ou adolescente estão ameaçados ou foram violados. Em outras palavras, quando se verificar que algum direito da criança ou do adolescente está ameaçado ou foi violado, tem-se a situação de riscou ou irregular que permite a aplicação de medidas de proteção. O objetivo das medidas de proteção, naturalmente, é sanar a violação do direito ou impedir que tal ocorra. (BARROS, 2010, p. 154)
O art. 98, do Capitulo I, é passível de aplicação sempre que em relação à criança e o adolescente ocorrer violação de seus direitos por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou por falta, omissão ou abuso de seus pais e responsáveis.
Sobre o artigo 98, já mencionado, que é usado para começar a tratar das medidas de proteção das crianças e adolescentes Sêda (2010, p.415) diz que “E aqui se encontra a pedra angular do novo Direito, ao definir com precisão em que condições são exigíveis as medidas de proteção á criança e ao adolescente”.
E destaca também que o princípio da exigibilidade pode ser usado sempre quando houver o descumprimento da norma, ferindo as três condições interposta pelo artigo mencionado.
O princípio da exigibilidade, nesse caso, diz-nos que o desvio da norma, sempre que ocorram as três condições por ela referidas, autoriza á cidadania (através do direito constitucional de petição), ao Conselho Tutelar, através da requisição, ao Ministério Público, através da representação em juízo, e á autoridade judiciária, em decisão fundamentada buscar os fins sociais a que o Estatuto se destina, consoante seu art. 6. º. SÊDA (2010, p. 415).
Já Engel (2010, p. 415,416) entende que “O primeiro dado a ressaltar ao comentar o art. 98. do Estatuto é o reforço que se dá, também neste capitulo, á premissa que é dever da sociedade em geral e do Poder Público em especial, além da família, assegurar a criança e o adolescente seus direitos básicos”.
Ou seja, o artigo já mencionado veio para reforçar que os garantidores do cumprimento dos direitos da criança e do adolescente não se restringe apenas aos seus genitores e sim a sociedade em geral e o Estado, que tem como obrigação zelar e garantir que seja sempre colocado em prática o cumprimento dos direitos básico dos resguardados para que eles possam viver da melhor maneira possível.
2. Trabalho infantil
Um dos conceitos adotado no Brasil para o termo “Trabalho Infantil” vem tipificado no Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador:
O termo “trabalho infantil” refere-se, neste Plano, às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional. Para efeitos de proteção ao adolescente trabalhador será considerado todo trabalho desempenhado por pessoa com idade entre 16 e 18 anos e, na condição de aprendiz, de 14 a 18 anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. ( 2011-2015, p.6)
Nesse sentindo, Cavalcante (2011, p. 27) tem como entendimento que “O Trabalho Infantil é aquele realizado por crianças e adolescentes que estão abaixo da idade mínima para a entrada no mercado de trabalho, segundo a legislação em vigor no país”. Sendo assim, pode ser considerado Trabalho Infantil qualquer prática de atividade desempenhada por criança ou adolescente que não tenha por intuito um fim educativo.
Embora hoje em dia exista a consciência dos resultados negativos que o trabalho infantil acarreta a criança e ao adolescente, nem sempre foi assim. No passado essa prática era praticamente generalizada.
Durante a Idade Média o trabalho infantil era vinculado como um complemento a mão de obra para sustento familiar. No período feudal, as crianças passaram a trabalhar nos feudos, para os senhores, em troca de aprendizado em outras funções, comida ou até mesmo abrigo.
O ápice do trabalho infantil ocorreu durante a Revolução Industrial, onde as grandes fábricas da Europa exploravam as crianças e adolescentes por se tratar de mão de obra mais barata se comparado com a mão de obra masculina. Durante esse período, crianças geralmente a partir dos 4 anos de idade eram sujeitadas a regimes exploratórios onde eram submetidas a trabalhar 14 horas por dia, em locais e condições de risco, em troca de alimentação ou moradia precária. O abuso infantil também se tornou comum durante essa época histórica, qualquer tipo de erro ou brincadeira, por mais banal que fosse, era motivo para punições do tipo mais severo possível.
Ao analisar esse breve contexto histórico é possível constatar que o trabalho infantil estava intimamente ligado a fatores socioeconômicos precários. Em alguns momentos da história, o rendimento das crianças e adolescente estavam ligados a sobrevivência, tendo em vista a época em que eram duramente castigados e muitos chegavam a vir a óbito.
Um dos primeiros passos para mudar essa situação e evitar que mais infâncias fossem perdidas ocorreu por volta do ano de 1802, quando Inglaterra implantou a primeira lei para controlar o trabalho infantil nas indústrias. Algum tempo depois vários países da Europa passaram a adotar e limitar o trabalho infantil. Umas das principais medidas adotadas foram a redução de carga horária, proibição do trabalho noturno e os castigos físicos.
Sobre o trabalho infantil, além do amparo Constitucional no art. 7º, XXXIII que versa sobre a idade mínima para ingresso do menor no mercado de trabalho e algumas proibições, existem também algumas normas internacionais editadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) baseadas em convenções da ONU, dentre elas uma merece destaque especial, já que foi legitimada no Brasil, pelo Decreto Presidencial 4.134 /2002, e compõe o nosso ordenamento jurídico. A Convenção n. 138, da OIT, que trata sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego, e a Recomendação n. 146.
A regulamentação do trabalho do menor no Brasil tem como primeiro fundamento e limite a idade permitida para o seu trabalho, seguindo as diretrizes traçadas pela convenção 138 da OIT e pela recomendação n. 146, da mesma OIT cujo ideal é o de que a “idade mínima fixada deveria ser igual para todos os setores da atividade econômica”. Partindo destes paramentos, a Constituição Federal de 1988 definiu a idade mínima para o trabalho do menor enquanto empregado em 16 anos e na condição especial de aprendiz em 14 anos (artigo 7 º, XXXIII). SILVA (2015, p. 446)
Conforme mencionado acima, o trabalho do menor passou a ser possível, no entanto, a Constituição Federal de 1988 fixou uma idade mínima para o seu início no mercado de trabalho e traçou diretrizes para seu melhor desenvolvimento, fazendo com que haja produtividade e crescimento profissional, bem como a proteção para o seu desenvolvimento físico.
Em 1999, a OIT promoveu a Convenção 182, que falava sobre as piores formas de trabalho infantil, e também acabou sendo legitimada no Brasil através do Decreto n° 3.597, em 12 de setembro de 2000. A convenção abordava sobre as formas de proibições e ações que possam eliminar as piores formas de trabalho infantil, nela é possível encontrar disposições que trata sobre a idade mínima para ingressar ao mercado de trabalho e os cuidados que devem ser observados ao contratar o menor, a importância da educação fundamental e gratuita para crianças etc.
A proteção do menor trabalhador não se esgota na Constituição, a Consolidação das Leis Trabalhistas também veio para assegurar o direito dos menores e versar sobre a matéria supracitada. O art. 403. prevê a possibilidade do menor na modalidade de aprendiz, com remuneração, dos 14 á 24 anos incompletos, além de estarem cursando o ensino médio.
O trabalho do menor aprendiz é outra modalidade do trabalho do menor que se dá sob a forma do contrato de aprendizagem, de onde se retira sua denominação. O artigo 428 da CLT, com as alterações trazidas pela Lei 11.180-2005, assim define o contrato de aprendizagem: “Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico”. A idade máxima de 24 anos não se aplica a aprendizes portadores de deficiência (artigo 428, § 5 °, CLT). SILVA (2015, p. 449)
No art. 62. do ECA, é definido e delimitado as condições do menor aprendiz.
O que vem a ser aprendizagem, para os fins de delimitação do trabalho do menor aprendiz? Segundo definição do ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente) (art. 62), aprendizagem é a formação técnico-profissional ministrada ao adolescente ou jovem segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor, implementada por meio de um contrato de aprendizagem. (2015, p. 449)
Insta mencionar que há limitações a esta modalidade de trabalho, tais como a proibição do trabalho noturno, o trabalho em locais considerados perigosos ou insalubres, ambos também expressamente proibidos no art. 7º XXX,III da Constituição, locais que venham prejudicar á moral do menor empregado, entre algumas outras especificações.
O trabalho do menor empregado possui como limites a proibição do trabalho noturno (artigo 404), entendido como aquele que se da entre 22h00min de um dia ás 05h00min do outro dia. Também é proibido seu trabalho em locais e serviços perigosos ou insalubres ou prejudiciais à sua moralidade (artigo 405, CLT) e em ruas, praças e locais públicos, sem autorização do juiz da Infância e Juventude (artigo 405, § 2 °, CLT) e que exija o emprego de força muscular superior a 20 quilos para trabalhos contínuos e 25 quilos para trabalhos ocasionais (art.405, § 5 °, CLT). (SILVA, 2015, p. 448)
A CLT também prevê garantias para o menor aprendiz com intuito de resguardar o seu desenvolvimento regular, bem como seu aproveitamento escolar, sendo que no exercício do trabalho este terá um ambiente adequado para estudar e cumprir com as atividades e férias do trabalho que sejam compatíveis com as escolares.
2.1. Trabalho artístico infantil
Um fenômeno que passou a ser conhecido como TIA – Trabalho Infantil Artístico ou Infanto-juvenil Artístico, leva em consideração qualquer fim econômico com participação infantil, essa participação pode ser através de trabalho como ator, cantor, apresentador, músico, dançarino, modelo fotográfico ou de passarela. Cavalcante (2011 p. 46) define que “é trabalho infantil artístico quando o desempenho da criança ou adolescente será explorado comercialmente por terceiros”.
É necessário ressaltar que essa exploração comercial da imagem do menor feita por um terceiro não leva em consideração se houve uma compensação econômica que alcança a criança e o adolescente, mesmo quando o trabalho se dê por troca de roupa (comum em desfiles ou ensaios fotográficos) ou por oportunidades em exibição e/ou divulgação da imagem do menor, o foco econômico muitas vezes não é do artista mirim, mas sim em quem utiliza do trabalho ou da imagem para contrair lucros.
Todavia é necessário distinguir atividades com participação de crianças com fins pedagógicos ou recreativos e que não envolvem fator econômico.
Embora possa ser classificadas como espetáculos ou representações artísticas, as atividades artísticas realizadas sem fins econômicos não caracterizam o trabalho infantil. Assim, quando a finalidade imediata é pedagógica e não comercial, não se pode falar em trabalho artístico. CAVALCANTE (2011, p. 46).
Ao analisar art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, tem se o entendimento de que seja expressamente delimitada a proibição de qualquer trabalho a menor de 16 anos, exceto função de aprendiz para maiores de 14 anos. Porém, é possível uma flexibilização quanto essa proibição para autorizar o trabalho artístico infantil para menor, utilizando algumas brechas e baseando-se, por exemplo, no art. 406. da CLT ou no Decreto Presidencial 4.134/2002, que ratifica a Convenção n.138 da OIT.
É admitido no art. 8º da Convenção a possibilidade do trabalho artístico para menores em situações excepcionais, individuais e especificas. Para o consentimento dessa autorização é necessário a limitação com o número de horas da duração do emprego ou trabalho e estabelecer também as condições em que é permitido o trabalho.
Mesmo não citando diretamente o trabalho artístico para crianças e adolescentes, no art. 149,II do ECA, também existe uma brecha para que autoridade judiciária competente conceda alvarás com permissão para que crianças e adolescentes participem de espetáculos públicos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 149, II, exige autorização judicial para a participação da criança ou adolescente em espetáculos ou desfiles. A lei determina que o juiz só emita o alvará após verificar, caso a caso, se estão respeitados os direitos fundamentais daquela criança ou adolescente, considerando a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. CAVALCANTE( 2011,p.59).
É necessário o juiz decidir em cada caso concreto, com aplicação do Direito Objetivo a autorização do alvará e não decidir de maneira coletiva e nem elaborar normas para se aplicar de modo geral.
O Ministério Público do Trabalho desenvolveu um detalhado estudo sobre o assunto onde foram aprovadas algumas orientações a serem seguidas a cerca da autorização do trabalho do menor no meio artístico. O MPT também apontou algumas condições que devem ser observadas antes do consentimento do alvará contendo a autorização da participação da criança ou adolescente.
As condições foram firmadas por juízes, promotores e procuradores que participaram do I Encontro Nacional Sobre Trabalho Infantil promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMPT), em 22 de outubro de 2012.
Foram levados em consideração os princípios da proteção integral e a prioridade absoluta para assim elaborar condições especiais a cerca do consentimento do alvará judicial autorizando um menor de 16 anos á exercer algum trabalho artístico.
Insta mencionar as condições que foram feitas para serem alcançados o alvará judicial com permissão para o trabalho artístico ao menor de 16 anos.
• Imprescindibilidade de contratação, de modo que aquela específica obra artística não possa, objetivamente, ser representada por maior de 16 anos;
• Observância do princípio do interesse superior da criança e do adolescente, de modo que o trabalho artístico propicie, de fato, o desenvolvimento de suas potencialidades artísticas;
• Prévia autorização de seus representantes legais e concessão de alvará judicial, para cada novo trabalho realizado;
• Impossibilidade de trabalho em caso de prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico;
• Matrícula, frequência e bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau desempenho;
• Compatibilidade entre o horário escolar e atividade de trabalho, resguardados os direitos de repouso, lazer e alimentação, dentre outros;
• Assistência médica, odontológica e psicológica;
• Proibição de labor a menores de 18 anos em locais e serviços perigosos, noturnos, insalubres, penosos, prejudiciais à moralidade e em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a frequência à escola;
• Depósito, em caderneta de poupança, de percentual mínimo incidente sobre a remuneração devida;
• Jornada e carga horária semanal máximas de trabalho, com intervalos de descanso e alimentação, compatíveis com o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente;
• Acompanhamento do responsável legal do artista, ou quem o represente, durante a prestação do serviço;
• Garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando presentes, na relação de trabalho, os requisitos dos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (2012).
Após o estudo realizado pelo MPT, o deputado federal Jean Wyllys, do Rio de Janeiro apresentou um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados, PL 4968 – 2013.
Altera o art. 60. da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, revoga o parágrafo único do art. 402, os §§ 2º e 4º do art. 405. e o art. 406. da Consolidação das Leis do Trabalho e dá outras disposições protetivas dos direitos da Criança e do Adolescente.
A alteração ao art. 60, ECA, seria a inclusão de parágrafos com especificações as exceções da proibição do trabalho a menores de quatorze anos, exceto na condição de aprendiz. Atualmente o Projeto de Lei ainda se encontra sujeita á apreciação do Plenário.
2.2. Consequências do trabalho
É cada vez mais constante a presença de adolescente no meio profissional, a prática trabalhista vem sendo encorajada pela sociedade através do menor aprendiz e recebe incentivo inclusive de políticas governamentais como Programa Primeiro Emprego.
O ingresso tão cedo da criança e do adolescente no mercado de trabalho pode ser um divisor de águas em sua vida, podendo ter consequência positivas e também negativas.
Geralmente o envolvimento com a prática trabalhista precocemente pode desenvolver fatores negativos no desenvolvimento social e educacional da criança. Com o envolvimento no meio profissional a criança pode vir a limitar a sua dedicação em atividades corriqueiras do dia a dia comum de um jovem estudante, como a prática de atividades extracurriculares e até mesmo atrapalhar no desenvolvimento social da idade.
Além disso, outros fatores que pesam um pouco para o lado negativo é que mesmo a jornada de trabalho sendo sempre em horário oposto em que se frequenta a escola, a dedicação ao estudo fica um pouco comprometida, afetando diretamente o rendimento escolar e o impedimento de maior convivência com pessoas da mesma idade. Mesmo com toda a seguridade jurídica o menor aprendiz, normalmente, desconhece em parte ou em todo os seus direitos trabalhistas, sendo assim acaba ficando submetido a situações ilegais ou inadequadas para a idade.
Os aprendizes, usualmente, desconhecem seus direitos trabalhistas, submetendo-se a situações arriscadas, insalubres e inadequadas, a salários aviltantes, trabalhando horas-extras, não se protegendo adequadamente dos riscos e das péssimas condições de trabalho em geral (Fischer et al., 2000, 2003a, b; Parker, 1997).
O trabalho infantil, principalmente quando iniciado com uma idade inferior a permitida, afeta diretamente o desenvolvimento emocional da criança, pois para inicio de uma vida no mercado de trabalho é necessário o mínimo de maturidade para tal. O trabalho precoce pode afetar e dificultar o menor a estabelecer laços afetivos, podendo fazer com que a criança leve essa dificuldade ao decorrer da vida jovem e adulta em virtude de traumas causados pela privação de viver normalidades da idade, por exposição em algumas situações inadequadas ou até mesmo por eventuais maus tratos sofridos.
Ao analisar o trabalho artístico poucas são às vezes em que nos atentamos ao fato de que para que as atividades sejam exercidas requerem de muito treinamento, dedicação, disciplina e muita pressão, em grande parte pela exposição midiática. Levando todos esses fatores em consideração e ainda podendo deduzir que com memorização de textos ou coreografias, o trabalho artístico acaba se tornando uma atividade mental sobrecarregada para criança.
Porém, parte da sociedade contemporânea, englobando pessoas de todas as classes sociais e níveis de escolaridade, avalia preconceituosamente a atividade artística como um “não trabalho”, um lazer, uma diversão. Sem dúvida quem está no momento de lazer é a plateia que, se o espetáculo for bom ou a publicidade bem feita, ficará encantada com o talento dos artistas envolvidos. Talvez isso explique a dificuldade, nesse contexto, do público imaginar todo o esforço e trabalho despendido para que o show aconteça. CAVALCANTE (2013, p. 143)
Por trás da vida glamourosa enxergada pela sociedade, o trabalho artístico exige todo um sacrifício do artista mirim que sofre diretamente com todo o estresse de uma vida cheia de testes, longas horas de espera em locais onde muita vezes nao são agradáveis para crianças, as decepções e frustrações com possíveis reprovações. O deslumbramento com uma vida de sucesso impede que as pessoas consigam enxergar os efeitos e as consequências do trabalho artístico na vida da criança e do adolescente.