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Posição dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil

30/07/2018 às 09:30
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As normas internacionais de direitos humanos são apenas supralegais ou estão em nível equivalente à Constituição?

Na lição de Francisco Rezek (DIreito dos Tratados, pág. 385 a 387) a partir da publicação, passam os tratados a integrar o acervo normativo nacional, "habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e a garantia de vigência do Judiciário". Com fundamento nesse entendimento foi que o Supremo Tribunal Federal recusou o cumprimento de carta rogatória expedida pela República da Argentina, onde se pretendia que o governo do Brasil concedesse o exequatur a sentença proferida em medida cautelar sob a alegação de que a Convenção sobre Cumprimento de Medidas Cautelares, celebrada pelo Brasil com os demais países do Mercosul, embora tenha sido ratificada, não estava ainda em vigor por faltar, internamente, a promulgação executiva (Carta Rogatória n. 8.279, da República da Argentina, de 04 de maio de 1998, DJ de 14 de maio de 1995, pág. 34). Ratificado um acordo internacional, todos os demais Estados-partes que o aderiram passam a acreditar, com convicção, desde tal momento, que já podem se valer das disposições dele constantes, caso delas necessitem. Mas, naquele julgamento, o então ministro-presidente do STF preferiu deixar de dar cumprimento interno à referida Convenção, invocando a tese - que saiu, ao final, vencedora - de que todo compromisso internacional, para que haja vigência internamente, deve ser promulgado pelo chefe do Poder Executivo, pela via do decreto de execução.

No entendimento contrário de Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 323), o Direito Internacional Público só necessita ser transformado em direito interno quando o texto constitucional do país assim estabelece. Se a Constituição silencia a respeito, os tribunais nacionais estão aptos a aplicar, imediatamente, os tratados celebrados, se eles forem autoaplicáveis, a partir da ratificação. Assim seria supérflua a promulgação, em virtude da inexistência de mandamento constitucional regulador na matéria. Assim a vigência de um tratado no plano interno, prescinde do decreto presidencial de promulgação. Se a Constituição de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, não se referindo aos tratados celebrados pelo Brasil. Assim, se a Constituição silenciou a respeito, é porque achou desnecessária a promulgação interna do compromisso internacional, que, tecnicamente, começou a vigorar no país - estando já em vigor no plano internacional - desde a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação, como ensinou Valerio Mazzuoli (obra citada, pág. 325).

Para Francisco Rezek (Direito dos Tratados, pág. 385 a 386) o decreto de promulgação é produto da praxe constitucional do Brasil, tão antiga desde os primeiros exercícios convencionais do Império. Cuida-se de um decreto, tão-somente, porque os atos do Chefe do Estado continuam ter esse nome, e por mais nenhum motivo.

Para Mirtô Fraga (O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno, pág. 63), as Constituições brasileiras, quando se referem à promulgação de lei, fazem-no dando ao vocábulo sentido amplo, que, em alguns casos, não se completa com a sanção presidencial. Cita a autora o artigo 59, § 6º, da Carta revogada, onde se estabelecia que "nos casos do artigo 44, após a aprovação final, a lei será promulgada pelo presidente do Senado Federal", concluindo que, referindo-se o art. 44 a matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional e não comportando sanção ou veto, é porque, em consequência, não se trata de lei em sentido estrito. A regra correspondente, na Constituição de 1988, é a do art. 66, § 7º: "Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo presidente da República, nos termos dos § 3º e § 5º, o presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao vice-presidente do Senado fazê-lo."

Há o que se denomina conflito entre uma norma interna e o tratado.

O aludido conflito pode ocorrer de duas formas: a norma de ius cogens pode ser anterior à entrada em vigor do tratado; ou pode ser superveniente à vigência deste.

Pelo artigo 53 da Convenção de Viena tem-se:

Artigo 53 Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)

"É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza."

Por sua vez, tem-se a redação do artigo 65 do aludido Código de Viena:

1. Uma parte que, nos termos da presente Convenção, invocar quer um vício no seu consentimento em obrigar-se por um tratado, quer uma causa para impugnar a validade de um tratado, extingui-lo, dele retirar-se ou suspender sua aplicação, deve notificar sua pretensão às outras partes. A notificação indicará a medida que se propõe tomar em relação ao tratado e as razões para isso. 

2. Salvo em caso de extrema urgência, decorrido o prazo de pelo menos três meses contados do recebimento da notificação, se nenhuma parte tiver formulado objeções, a parte que fez a notificação pode tomar, na forma prevista pelo artigo 67, a medida que propôs.

3. Se, porém, qualquer outra parte tiver formulado uma objeção, as partes deverão procurar uma solução pelos meios previstos, no artigo 33 da Carta das Nações Unidas. 

4. Nada nos parágrafos anteriores afetará os direitos ou obrigações das partes decorrentes de quaisquer disposições em vigor que obriguem as partes com relação à solução de controvérsias. 

5. Sem prejuízo do artigo 45, o fato de um Estado não ter feito a notificação prevista no parágrafo 1 não o impede de fazer tal notificação em resposta a outra parte que exija o cumprimento do tratado ou alegue a sua violação. 

Somente os Estados que sejam partes no tratado internacional é que têm legitimidade para alegar a invalidade do tratado conflitante com a norma de ius cogens anterior.

A invalidade do tratado conflitante com a norma de ius cogens tem efeito ex nunc. Mas, durante o prazo mínimo da notificação(três meses) a parte está obrigada a continuar cumprindo o respectivo tratado, salvo em casos de extremada urgência, se nenhuma das outras partes formulou objeções.

Por sua vez, o artigo 44, § 5º, da Convenção de Viena prevê a indivisibilidade das disposições de um tratado nestes casos, de modo que tem-se que todo o tratado, e não parte dele, é que será invalidado ab initio e deixará de ter força jurídica perante a sociedade internacional, não se permitindo a validade de algumas de suas cláusulas e a invalidação de outras, como ensinou Paul Reuter(Inroducción al derecho de los tratados, pág. 53).

Há, ainda, o conflito entre tratado e norma de ius cogens posterior.

Observe-se o artigo 71 da Convenção:

1. No caso de um tratado nulo em virtude do artigo 53, as partes são obrigadas a: 

a) eliminar, na medida do possível, as conseqüências de qualquer ato praticado com base em uma disposição que esteja em conflito com a norma imperativa de Direito Internacional geral; e 

b) adaptar suas relações mútuas à norma imperativa do Direito Internacional geral. 

2. Quando um tratado se torne nulo e seja extinto, nos termos do artigo 64, a extinção do tratado: 

a) libera as partes de qualquer obrigação de continuar a cumprir o tratado; 

b) não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica das partes, criados pela execução do tratado, antes de sua extinção; entretanto, esses direitos, obrigações ou situações só podem ser mantidos posteriormente, na medida em que sua manutenção não entre em conflito com a nova norma imperativa de Direito Internacional geral.

Vera Lúcia Viegas(Ius cogens e o tema da nulidade dos tratados, pág. 189) lecionou que "não se prejudicam os direitos e obrigações havidos na execução do tratado anteriores ao surgimento da nova norma de ius cogens justamente por terem por base a boa-fé das partes no momento da celebração e início da execução do tratado(o vício é apenas posterior, só surge quando do nascimento da nova norma imperativa, admite-se retroagir, fazendo cessar os efeitos da execução do tratado, apenas ao momento do aparecimento dessa nova norma imperativa superveniente)".

Quanto ao processo de nulidade, extinção, aplica-se o artigo 65 da Convenção:

1. Uma parte que, nos termos da presente Convenção, invocar quer um vício no seu consentimento em obrigar-se por um tratado, quer uma causa para impugnar a validade de um tratado, extingui-lo, dele retirar-se ou suspender sua aplicação, deve notificar sua pretensão às outras partes. A notificação indicará a medida que se propõe tomar em relação ao tratado e as razões para isso. 

2. Salvo em caso de extrema urgência, decorrido o prazo de pelo menos três meses contados do recebimento da notificação, se nenhuma parte tiver formulado objeções, a parte que fez a notificação pode tomar, na forma prevista pelo artigo 67, a medida que propôs.

3. Se, porém, qualquer outra parte tiver formulado uma objeção, as partes deverão procurar uma solução pelos meios previstos, no artigo 33 da Carta das Nações Unidas. 

4. Nada nos parágrafos anteriores afetará os direitos ou obrigações das partes decorrentes de quaisquer disposições em vigor que obriguem as partes com relação à solução de controvérsias. 

5. Sem prejuízo do artigo 45, o fato de um Estado não ter feito a notificação prevista no parágrafo 1 não o impede de fazer tal notificação em resposta a outra parte que exija o cumprimento do tratado ou alegue a sua violação.

Ainda, observem-se os artigos 53 e 64 da Convenção de Viena quando o tratado estiver em divergência com uma norma imperativa de direito internacional(ius cogens) ou ainda a superveniência de uma nova norma de direito internacional geral: 

 Art. 53: É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

Art. 64: Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.

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Quanto à aplicação de tratados sucessivos, a matéria é resolvida pelo artigo 30 e parágrafos da Convenção:

1. Sem prejuízo das disposições do artigo 103 da Carta das Nações Unidas, os direitos e obrigações dos Estados partes em tratados sucessivos sobre o mesmo assunto serão determinados de conformidade com os parágrafos seguintes. 

2. Quando um tratado estipular que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições deste último prevalecerão. 

3. Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do tratado posterior. 

4. Quando as partes no tratado posterior não incluem todas a partes no tratado anterior: 

a) nas relações entre os Estados partes nos dois tratados, aplica-se o disposto no parágrafo 3; 

b) nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte apenas em um desses tratados, o tratado em que os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações recíprocos. 

5. O parágrafo 4 aplica-se sem prejuízo do artigo 41, ou de qualquer questão relativa à extinção ou suspensão da execução de um tratado nos termos do artigo 60 ou de qualquer questão de responsabilidade que possa surgir para um Estado da conclusão ou da aplicação de um tratado cujas disposições sejam incompatíveis com suas obrigações em relação a outro Estado nos termos de outro tratado. 

Tema de extrema importância é a aplicação de tratados que versem sobre direitos humanos diante do direito interno vigente.

No voto-vista do ministro Gilmar Mendes, na sessão plenária, do dia 22 de novembro de 2006, no julgamento do RE 466.343 – 1/SP, entendeu ser possível considerar os tratados de direitos humanos(e não outros) como documentos de caráter supralegal.

O ministro Gilmar Mendes defendeu a tese de que os tratados internacionais de direitos humanos estariam num nível hierárquico intermediário; abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional. Segundo o seu entendimento , “parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos, segundo o qual “os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, se diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. E continua: “Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. No voto-vista, naquele RE 466.343 – 1/SP, pág. 21, disse o ministro Gilmar Mendes acentuou que equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção da pessoa humana.

No entendimento de Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 359), os tratados internacionais comuns ratificados pelo Estado brasileiro se situam num nível hierárquico intermediário, estando abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior, uma vez que não  se encontram em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais).

Para Hildebrando Accioly (Tratado de direito internacional público, volume I, pág. 547), “como compromissos assumidos pelo Estado em suas relações com outros Estados, eles(os tratados) devem ser colocados em plano superior ao das leis internas dos que os celebram. Assim (...) eles revogam as leis anteriores, que lhes sejam contrárias; as leis posteriores não devem estar em contradição com as regras ou princípios por eles estabelecidos; e, finalmente, qualquer lei interna com eles relacionada deve ser interpretada, tanto quanto possível, de acordo com o direito convencional anterior.”

Por sua vez, o ministro Celso de Mello aceitou a tese da hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos somente para os instrumentos ratificados até a EC n. 45/2004, que acrescentou o parágrafo terceiro no artigo 5º da Constituição.

Os tratados internacionais têm superioridade hierárquica em relação às demais normas de estatura infraconstitucional, quer seja tal superioridade constitucional, como no caso dos tratados de direitos humanos, quer supralegal, como no caso dos demais tratados, chamados comuns. Será lícito pensar que a produção normativa estatal deve contar não-somente com limites formais(ou procedimentais), senão ainda com dois limites verticais materiais, quis sejam: a) a Constituição e os tratados dos direitos humanos alçados ao nível constitucional; e b) os tratados internacionais comuns de estatura supralegal.

 Acentuou o ministro Gilmar Mendes no voto já narrado:

Desde a promulgação da Constituição de 1988, surgiram diversas interpretações que consagraram um tratamento diferenciado aos tratados relativos a direitos humanos, em razão do disposto no § 2º, artigo 5º. A primeira vertente professa que os tratados de direitos humanos possuiriam status supraconstitucional. No direito comparado, Bidart Campos defende essa tese: 

"Si para nuestro tema atendemos al derecho internacional De los derechos humanos (tratados, pactos, convenciones, etc., con un plexo global, o con normativa sobre un fragmento o parcialidad) decimos que en tal supuesto el derecho internacional contractual está por encima de la Constitución. Si lo que queremos es optimizar los derechos humanos, y si conciliarlo con tal propósito interpretamos que las vertientes del constitucionalismo moderno y del social se han enrolado - cada una en su situación histórica - en líneas de derecho interno inspiradas en un ideal análogo, que ahora se ve acompañado internacionalmente, nada tenemos que objetar (de lege ferenda) a la ubicación prioritaria del derecho internacional de los derechos humanos respecto de la Constitución. Es cosa que cada Estado ha de decir por sí, pero si esa decisión conduce a erigir a los tratados sobre derechos humanos en instancia prelatoria respecto de la Constitución, el principio de su supremacía - aun debilitado - no queda escarnecido en su télesis, porque es sabido que desde que lo plasmó el constitucionalismo clásico se ha enderezado - en común con todo el plexo de derechos y garantías - a resguardar a la persona humana en su convivencia política."

Entre nós, Celso de Albuquerque Mello é um exemplar defensor da preponderância dos tratados internacionais de direitos humanos em relação às normas constitucionais, que não teriam, no seu entender, poderes revogatórios em relação às normas internacionais.

Em outros termos, nem mesmo emenda constitucional teria o condão de suprimir a normativa internacional subscrita pelo Estado em tema de direitos humanos.

No julgamento do RHC 79.785/RJ, pelo voto do ministro Sepúlveda Pertence, deixou o Supremo Tribunal Federal consignado que é possível considerar os tratados internacional como documentos de caráter supralegal. Assim foi dito:

"Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição (...) e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados."

A equiparação entre tratado e Constituição, portanto,esbarraria já na própria competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal para exercer o controle da regularidade formal e do conteúdo material desses diplomas internacionais em face da ordem constitucional nacional.

De toda sorte, lanço as principais teses na matéria:

a) Hierarquia Infraconstitucional – Ordinária – 1977 a 2004 – defendida pelo Ministro Xavier de Albuquerque no RE 80.004 – SE;

b) Hierarquia Supraconstitucional – 1999 – defendida por Celso Duvivier de Albuquerque Mello;

c) Hierarquia Constitucional – 2008 – Teoria defendida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do RE 466.343 – 1/SP;

Cito aqui a lição de Cançado Trindade (Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, 1999] para quem no Direito Internacional dos Direitos Humanos encontra-se superada a polêmica entre monistas e dualistas.

Disse ele:

¨No presente domínio de proteção, não mais há pretensão de primazia do Direito Internacional ou do Direito Interno, como ocorria na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas. No presente contexto, a primazia é da norma mais favorável às vítimas que melhor as proteja, seja ela norma de Direito Internacional ou de Direito Interno.¨

 É salutar lembrar as observações de Cançado Trindade:

“A disposição do artigo 59 (2) da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressa não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Ademais, por força do artigo 5° (1) da Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60 (4) (IV). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente. Se, para os tratados internacionais cm geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os parágrafos 2 e 1 do artigo 5° da Constituição Brasileira de 1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica — ainda seguida em nossa prática constitucional — da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional. Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembleia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal — como veio a ocorrer no ano seguinte — da cláusula que hoje é o artigo 5° (2). Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992. E esta a interpretação correta do artigo 52 (2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. A hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos — que na verdade não existem —, mas antes da falta de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade àqueles tratados no plano do direito interno, (Apud , Direitos Humanos Internacionais, MENDES, 2011, p. 749).”

Essa primazia na matéria de direitos humanos da norma mais favorável pode ser vista pela leitura do artigo 29 b da Convenção Americana de Direitos Humanos, quando se lê:

¨Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:

b – limitar o gozo e o exercício de qualquer direito de liberdade que possa ser reconhecido em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados.¨

A isso se some que a Convenção Americana de Direitos Humano, surgida em 1969, com força de tratado internacional, e que entrou em vigor em 1978, estabeleceu direitos de ordem política, social, civil e ainda estabeleceu uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, um autêntico tribunal, que pode exercer, para aqueles Estados partes que reconhecem sua jurisdição, uma prestação jurisdicional de caráter contencioso relativo a casos concretos com relação à Convenção Americana e, ainda, outros tratados de proteção a pessoa humana, na esfera da comunidade interamericana.

Os tratados internacionais comuns ratificados pelo Estado brasileiro se situam num nivel hierárquico intermediário, estando abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior, uma vez que não se encontram em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais, como entendeu Hildebrando Accioly (Tratado de direito internacional público, volume I, pág. 547) que assim dizia: "Como compromissos assumidos pelo Estado em suas relações com outros Estados, eles(os tratados) devem ser colocados em plano superior ao das leis internas dos que os celebram. Assim(...) eles revogam as leis anteriores, que lhes sejam contrárias, as leis posteriores não devem estar em contradição com as regras ou princípios por eles estabelecidos, e, finalmente, qualquer lei interna com eles relacionada deve ser interpretada, tanto quanto possivel, de acordo com o direito convencional anterior".  Quanto aos tratados de direitos humanos, os mesmos ostentam o status de norma constitucional independentemente do seu eventual quorum qualificado de aprovação.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Posição dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5507, 30 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66230. Acesso em: 23 dez. 2024.

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