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Alienação parental resultante da dissolução matrimonial: falsa denúncia

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5 ANÁLISE DA ATUAL LEGISLAÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL

A proposta inicial da Lei da Alienação Parental foi idealizada pelo juiz do trabalho Elizio Luiz Perez, apoiado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), e tornou-se o Projeto de Lei nº 4.053/2008, de autoria do Deputado Régis de Oliveira (PSC-SP). Na justificativa para o anteprojeto da lei consta que:

Deve-se coibir todo ato atentatório à perfeita formação e higidez psicológica e emocional de filhos de pais separados ou divorciados. [...] [...] A alienação parental merece reprimenda estatal porquanto é forma de abuso no exercício do poder familiar, e de desrespeito aos direitos de personalidade da criança em formação. Envolve claramente questão de interesse público, ante a necessidade de exigir uma paternidade e maternidade responsáveis, compromissadas com as imposições constitucionais, bem como com o dever de salvaguardar a higidez mental de nossas crianças. (OLIVERA, 2008)

Havia a preocupação de essas graves ocorrências passarem despercebidas em muitos tribunais, não sendo analisadas pelos julgadores. Assim, com uma lei específica, todos teriam o dever de ficar atentos para tais casos. Foi aprovado por unanimidade na Câmara, depois seguiu para o Senado, onde tornou-se o PLC nº 20/2010, tendo como relator o Sen. Paulo Paim (PT-RS), e também foi aprovado nesta Casa na íntegra, tornando-se a Lei nº 12.318/201, porém, o texto final aprovado pelo Presidente Lula teve dois artigos vetados.

O primeiro veto presidencial foi ao artigo que possibilitava a realização da Mediação extrajudicial. Esperava-se que houvesse a obrigatoriedade da co-mediação em casos de família, com a presença de psiquiatra, psicólogo ou assistente social nos conflitos judiciais. O presidente alegou que a apreciação do direito indisponível da criança/adolescente à convivência familiar, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal por recursos extrajudiciais seria inconstitucional, restando apenas a mediação judicial para dirimir tais casos.

A Lei nº 12.318/2010 traz seu conceito e caracteriza as figuras do alienador e do alienado, trazendo também as medidas judiciais que devem ser tomadas quando se constata a ocorrência da Síndrome de Alienação Parental (GONÇALVES, 2011), entre outros aspectos que são analisados ao longo do trabalho. A Lei apresenta algumas medidas a serem tomadas pelo juiz ao verificar a existência da alienação, entre outros aspectos. (TRALDI, 2010)

No caput do artigo 2º, há a definição de Alienação Parental, aparecendo, em seus incisos, métodos exemplificativos utilizados pelo alienador. Tal artigo também não restringe somente aos pais os atos de Alienação Parental, indicando qualquer pessoa que detenha a guarda da criança como um possível alienador, incluindo os avós. Há três personagens principais nesses casos: o alienador/alienante, que é o responsável pelos atos descritos nos incisos do artigo citado; o alienado, que é o genitor afastado do filho; a criança, vítima da campanha de desmoralização de um dos pais. (ALMEIDA JÚNIOR, 2011)

O artigo 3º da Lei preocupa-se com a violação do princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente, ferindo o direito fundamental dos mesmos a uma vida saudável. O art. 4º dispõe que qualquer indício de alienação parental serve para iniciar uma ação autônoma que investigue a mesma. Isso foi feito para assegurar a convivência e reaproximação da vítima de alienação com o alienado. E o art. 5º dispõe sobre a perícia psicológica: Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

Os casos de Alienação Parental devem ser analisados por perícia de um profissional da área. A intervenção de um profissional da área psíquica é para resolver litígios de forma menos danosa às partes envolvidas. Conforme determina o Art. 6°, munido do laudo psicológico ou biopsicossocial, o juiz irá se pronunciar a respeito da configuração ou não do ato de alienação parental. Restando configurada a prática de qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou adolescente com um de seus pais, o juiz poderá, cumulativamente ou não – sem prejuízo de responsabilidade civil ou criminal.

Além das determinações possíveis a partir do reconhecimento processual do ato de alienação parental, o Art. 8° determina que a alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.


6 MOTIVOS QUE CONDUZEM À ALIENAÇÃO PARENTAL

Na maioria das vezes o alienador é a mãe, por ser a detentora da guarda monoparental, tem mais tempo para ficar com a criança, está movida pela raiva e ressentimentos pelo fim do relacionamento conjugal, e mistura sentimentos. Mas, o alienador pode ser também avós, familiares, padrasto/madrasta, o pai, amigos, que manipulam o pai/mãe contra o outro para envolver o(s) filho(s) menor(es) na rejeição ao outro pai/mãe.

Já é pacifico na doutrina que, na maioria dos casos de alienação parental, quem ocupa o polo ativo deste conflito é a própria mãe. A genitora tem uma tendência maior de desenvolver a síndrome do que o genitor. De acordo com as Estatísticas de Registro Civil, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia, em 87,3% dos casos que a mãe detém a guarda dos filhos em caso de separação, cerca de 1/3 dos filhos perdem o contato com o pai, sendo privados do afeto e convívio com o genitor ausente. (IBGE, 2010)

Normalmente, a síndrome irá se manifestar principalmente no ambiente da mãe, por conhecer historicamente que a mulher é a mais indicada para exercer a guarda dos filhos. Para Maria Berenice Dias, a síndrome da alienação parental é mais provável de acontecer em famílias multidisfuncionais, ou seja, quando uma família possui uma dinâmica muito perturbada, manifestando-se como uma tentativa desesperada de busca de equilíbrio. A professora Priscila Fonseca em seus estudos sobre o caso traz sua valiosa contribuição dizendo:

A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome da alienação parental, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa, terminante e obstinadamente, a ter contato com um dos progenitores, que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho”. (FONSECA, 2006, p. 48)

Se o filho é manipulado por um dos pais para odiar o outro, aos poucos, com a infiltração suave das ideias, uma concepção errônea da realidade, essa alienação pode atingir pontos tão críticos que a vítima do ódio, já em desvantagem, não consegue revertê-la. (MEIRELLES, 2009, p. 265.) Gardner chama esse ato da manipulação de “disfuncionalidade parental seria” trazendo a concepção de que os riscos para as vítimas envolvidas não são apenas nos dias em que ocorrem, mas sim, para toda a vida, pois causam danos na psique da criança. Assim, entende Gardner que “em alguns casos, então, pode ser mesmo pior do que outras formas de abuso - por exemplo: abusos físicos, abusos sexuais e negligência”. (GARDNER, 2002, p. 10)

A violência é tamanha que acarreta inúmeros transtornos na criança que a sofre. Para Maria Berenice Dias, por sua vez:

O fato é levado ao Poder Judiciário com o objetivo de que as visitas entre filho e o genitor alienado sejam suspensas. Diante da gravidade da situação, o juiz não encontra outra saída senão suspender qualquer contato entre ambos e determinar a realização de estudos psicossociais para aferir a veracidade do que lhe foi noticiado. Como esses procedimentos são demorados, durante todo este período, cessa a convivência do pai com o filho. Inúmeras são as sequelas que a abrupta cessação das visitas pode trazer, bem como os constrangimentos gerados pelos testes e entrevistas a que a vítima é submetida na busca da identificação da verdade. (DIAS, 2017, p. 65).

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Dessa forma, conclui-se que o alienador é um indivíduo ferido, magoado, inconformado com a frustração do casamento desfeito, não resignado com a perda, com o abandono de que julga estar sendo vítima, por tudo isso, é capaz de centrar em si, e apenas em si, todos os seus afetos. Por isso que seu desejo é de vingança, e o objeto para atingir seu alvo é o próprio filho inocente que acaba arcando com as consequências desta loucura.

De acordo com IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), as consequências de uma criança submetida à alienação parental são drásticas e corrompem todo o seu futuro, quando na condição de adulto. Dentre as mais frequentes características apontadas num estudo cientifico realizado a respeito.


8 BRECHAS E FALHAS NA LEI

A grande brecha na Lei atual se refere às falsas denúncias de alienação parental, a falsa memória, em especial àquelas que envolvem a falsa acusação de abuso sexual. O tema das falsas memórias merece destaque e aprofundamento, visto que é um artifício muito utilizado pelos alienantes e um dos mais cruéis, principalmente quando as memórias implantadas são referentes ao abuso sexual. Como diz Maria Berenice Dias, em “Alienação parental: uma nova lei para um velho problema!”, em relação ao artifício utilizado para alienar: Nesse jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive – com enorme e irresponsável frequência – a alegação da prática de abuso sexual (DIAS, 2010)

A implantação das falsas memórias é feita rotineiramente, onde o genitor alienante conta à criança fatos, sugere acontecimentos, induzindo a vítima a acreditar que algo realmente aconteceu. Falsas memórias são aquelas que têm relação ao fato de serem uma crença de que um fato aconteceu sem realmente ter ocorrido. Sobre a implantação das falsas memórias, Maria Berenice Dias diz:

Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter havido abuso sexual. O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente ocorrido. A criança nem sempre consegue discernir que está sendo manipulado e acredita naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias. (DIAS, 2010, p. 17)

Trindade diz que:

A Síndrome das Falsas Memórias traz em si a conotação das memórias fabricadas ou forjadas, no todo ou em parte, na qual ocorrem relatos de fatos inverídicos, supostamente esquecidos por muito tempo e posteriormente relembrados. Podem ser implantadas por sugestão e consideradas verdadeiras e, dessa forma, influenciar o comportamento. (TRINDADE, 2010, p. 203)

Esse tipo de tática descrita acima, utilizada pelo alienador, é muito eficaz para o afastamento dos filhos em relação ao alienado, pois, segundo Maria Berenice, diante de uma denúncia de incesto, mesmo que não confirmado que o mesmo ocorreu, não resta alternativa ao juiz a não ser a suspensão das visitas ao genitor acusado (alienado). O Poder Judiciário tem o dever de tomar imediatamente uma atitude e, ou receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem mantém excelente convívio. Mas como o juiz tem a obrigação de assegurar proteção integral, reverte a guarda ou suspende as visitas e determina a realização de estudos sociais e psicológicos.

Durante a investigação, até que se comprove que a denúncia foi falsa, o afastamento entre o genitor e o filho já aumentou muito, podendo ter evoluído para um quadro mais grave de Síndrome da Alienação Parental. É bastante complicado analisar esses casos, pois se sabe que casos de incesto realmente acontecem.

A perícia pode ser demorada e, ao final, não conclusiva, gerando tensão no julgador, tornando ainda mais difícil para ele decidir se a criança deve definitivamente ser afastada do genitor acusado de abuso ou, no caso de Alienação Parental, se deve reconstituir os laços com o mesmo. Por isso o alienador utiliza a implantação de falsas memórias de abuso sexual, um meio cruel, mas muitas vezes eficaz para o total afastamento entre o genitor alienado e o filho. (PELAJA JÚNIOR, 2010)

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Sobre as autoras
Raquel Santana Rabelo

Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2008). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009). Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade de Lisboa (2017). Professora na Faculdade Kennedy de Minas Gerais de Direito Econômico, Processo Civil IV , Direitos Humanos e Teoria Geral do Processo. Professora de PIN III no curso de Administração da Faculdade Promove. Professora de Ciências Sociais e Etnia no curso de Engenharia de Produção. Professora orientadora do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Promove e da Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Mediadora Voluntária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Andréa Karla Branco Rodrigues Borchardt

Graduada em Direito pelas Faculdades Kennedy de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Raquel Santana ; BORCHARDT, Andréa Karla Branco Rodrigues. Alienação parental resultante da dissolução matrimonial: falsa denúncia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5580, 11 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66245. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado como trabalho de conclusão do curso de Direito das Faculdades Kennedy de Minas Gerais pela discente, orientanda e principal autora Andréa Karla Branco Rodrigues Borchardt.

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