Novo regime do contrato intermitente à luz da Constituição e dos princípios basilares do Direito do Trabalho.

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CONCLUSÃO

O Direito trata-se de um fenômeno eminentemente social, pois é o resultado natural da evolução dos costumes e das relações que se desenvolvem na convivência em sociedade. Atualmente, não se pode interpretar e estudar o ordenamento jurídico pátrio em departamentos singulares, haja vista que o processo de constitucionalização forçou uma aproximação da jurisdição aos aspectos mais intrínsecos do caso concreto, obrigando-a a atuar em blocos específicos e interdisciplinares, e não apenas a mera subsunção da lei ao direito, mas aplicar o direito naquilo que melhor se encaixe em cada situação.

Na seara trabalhista, a força construtiva da jurisdição e da legislação precisa acompanhar a evolução natural das relações de emprego. Não há como prescindir que se reconheça que a Reforma Trabalhista de 2017 surgiria com o propósito de modernizar dispositivos até então defasados, e produzir um impacto significativo na estrutura das relações laborais no Brasil. Pois bem, o que se viu não fora um papel proativo do legislador na defesa dos interesses do trabalhador, seguindo o decoro dos princípios que cerceiam a Justiça do Trabalho e efetivam relações de emprego justas e estáveis.

Mesmo com as modificações introduzidas pela Medida Provisória 808, a Reforma Trabalhista oferece uma flexibilização exacerbada das relações de trabalho, e no caso do contrato intermitente, acaba por extinguir a comutatividade característica das relações de emprego e mitigar garantias constitucionalmente asseguradas como, o salário mínimo e a valorização social do trabalho.

Importante se faz compreender que o resultado prático da nova lei trabalhista era perfeitamente possível, devido ao fato de que forças políticas e sociais, particularmente oriunda do empresariado brasileiro, aprovaram um texto demasiadamente incompleto, que mesmo com as modificações introduzidas pela MP (que já se exauriu em eficácia), continua sem garantir qualquer espécie de segurança jurídica ao já hipossuficiente empregado.

Assim, portanto, é esclarecido que no cerne do contrato intermitente, as principais consequências ao trabalhador giram em torno da garantia de subsistência, estabilidade da relação da emprego e jornada de trabalho. A contratação de empregado para prestação de serviços dessa natureza também rompe com o paradigma de obrigações contratuais no âmbito do Direito do Trabalho, pois deixa de existir a obrigatoriedade para que o empregador ofereça trabalho e garanta renda ao obreiro, por outro lado, este último deixa de oferecer sua força de trabalho para que possa fazer jus ao salário. Portanto, o contrato de trabalho tem, dentre suas características, a obrigatoriedade de o empregador prover trabalho ao empregado contratado durante o período em que permanece à sua disposição.

Observa-se também que inexiste legitimidade em uma estipulação contratual que determine um salário mínimo inferior nacional, independentemente que tal parâmetro se baseie na hora mínima nacional, são também, por ora, nulas todas as previsões individuais de salário inferiores ao mínimo profissional, normativo e convencional coletivo.

Desta forma, a institucionalização do salário mínimo acaba por ser flexibilizada com a emancipação do regime intermitente. Não se pode garantir a essa categoria de trabalhadores um salário mínimo mensal pois não se determina qual a parcela de tempo que o empregado permanecerá a disposição do empregador. Atendendo os anseios da classe empresária, o legislador procurou apenas diminuir os custos do empregador quando regulamentou a jornada a intermitente. 

Na mesma medida que contribui para que milhares de pessoas possam sair da informalidade ou até mesmo retornarem ao mercado de trabalho, não se pode desconsiderar o rebaixamento do valor da mão de obra na economia brasileira, tendo em vista que essa espécie de contratação instiga bons empregadores a depreciar sua estratégia de contratação simplesmente para usufruir dos “benefícios” desse regime de pactuação, muito menos oneroso para seu negócio.

Outro aspecto que obrigatoriamente deve ser observado refere-se à necessidade do trabalhador intermitente em ter uma pluralidade de empregadores para que lhe possa ser garantida a sua subsistência e de sua família. Mesmo que o legislador outorgue o “salário mínimo hora”, não é garantido que este empregado receberá um montante que lhe garanta uma reduzida garantia de subsistência, fora a constante aflição de ter que se aguardar uma convocação pelo empregador para que, após o chamado, ele venha oferecer sua força de trabalho.

É notório que o regime intermitente fora pensado como uma saída do legislador para o problema da informalidade e da redução da contratação de trabalhadores pelas grandes empresas. O que se tem é um instituto pouco experimentado em legislações mundo a fora, em que não se pode projetar um cenário que esteja de acordo com a realidade do Brasil.

Observa-se aqui uma inversão do princípio da proteção, que durante tanto tempo esteve atrelado a figura do trabalhador e privilegiava sua condição de hipossuficiente, agora atua sob a justificativa de “equalizar” a relação entre empregado e empregador, mesmo que não exista justificativa social para tal.

Não se pode olvidar que o Direito do Trabalho se encontra presente para justificar e reequilibrar a balança de desigualdade entre o empregado e o empregador, funcionando como um verdadeiro instrumento de compensação a essa relação. O princípio da proteção surgiu com o propósito de manter essa relação desigual no teor de suas desigualdades, não podendo o legislador ordinário, pelo menos em tese, trazer dispositivos que desqualifique essa natureza e não privilegie a condição sensível que se encontra o trabalhador.

Durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência trabalhista esforçam-se para dar ênfase e reconhecimento a eficácia dos direitos fundamentais na relação de emprego, estabelecendo que qualquer modalidade atinente ao contrato de trabalho não pode extinguir subsídios próprios da condição humana, de forma que a pactualização deve respeitar a máxima da dignidade da pessoa humana. Justamente por isso, não se pode conceber o contrato intermitente nos moldes em que se apresenta, tendo em vista o desrespeito a condição de fragilidade do trabalhador e a sujeição deste a um estado latente de precarização que esse regime, absurdamente, impõe.

Lembra-se que não se pode afirmar, com certeza absoluta, qual será o resultado da Reforma Trabalhista como um todo. Porém, o que se sabe até agora é que a aprovação de seus enunciados ocorreu de uma forma eminentemente suspeita, pois fora negociada em um cenário de imensa instabilidade política, sob a égide de um governo de transição, que tenta, a qualquer custo, deixar um legado para depois das eleições deste ano.

Uma reforma de tal magnitude, como a qual fora apresentada pela Lei 13.467, tem que ser pensada a longo prazo, pois é evidente que seus efeitos não serão imediatos e sim sentidos pelas futuras gerações a longo prazo e, medidos pelo efeito que deverá causar nas lides que envolvem as relações de trabalho. O nível de insegurança gerado pela reforma é demasiadamente alto, sendo impossível prever o alcance de seus efeitos.

Houve uma grande publicidade no que tange ao potencial de geração de empregos, todavia, a reforma teve a audácia de dizer que a dispensa em massa é igual à dispensa individual, ou que um trabalhador intermitente tem idêntica segurança jurídica do que um empregado contratado pelo regime comum de contratação. O que se compreende disso tudo é que a reforma fora apresentada e “imposta” sem um estudo adequado da atual realidade do Brasil, sem que fossem apontadas outras soluções à classe operária do que uma “nova lei trabalhista”, que se disfarça sob a justificativa da necessidade de mudança para uma redução legal de direitos, inclusive no que se refere ao livre acesso ao judiciário para reclamação de direitos.

Não se pode considerar o regime de pactuação intermitente como a verdadeira solução para o problema da operacionalização do direito trabalhista no Brasil, pois fica latente que ao mesmo tempo em que o legislador cria alternativas e retrai custos significativos, também elimina direitos conquistados a base do “suor sagrado” do trabalhador brasileiro, que se vê agora, mais uma vez por força da Lei 13.467, e exposta a insegurança jurídica do período anterior a Consolidação das Leis do Trabalho.

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O presente trabalho cumpre-se em apresentar as primeiras conclusões acerca do trabalho intermitente, que, a priori, não se caracterizaria como uma relação de emprego de acordo com os requisitos mínimos previstos na CLT (art. 3º), mas que mesmo assim, fora chancelada pelo legislador ordinário em um cenário sócio-político completamente obscuro e de insegurança, em que não se sabe ao certo a volúpia e extensão de seus efeitos.


REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Jéssica Muñoz Oviedo

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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