Filiação no ordenamento jurídico

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21/05/2018 às 18:30
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A coisa julgada nas Ações de Investigação de Paternidade

Um dos principais escopos do Estado consiste na solução de conflitos de interesses existentes na sociedade.

Tal tema versa, principalmente, sobre a desconcórdia que pode ocorrer entre princípios da necessidade social da definitividade das decisões judiciais e os princípios da dignidade e da personalidade, quando do julgamento de uma ação de investigatória de paternidade. Isto é, tratar-se-á mais especificamente da possibilidade de relativização do instituto jurídico da res judicata.

Conforme ensina Theodoro Junior (2000, p. 463):

A diferença entre a coisa julgada material e formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra sentença.

Na investigação de paternidade, os magistrados devem valer-se dos avanços científicos da perícia genética, para tentarem atingir a verdade material, posto que esta ação envolve questões de cunho psicológico, além de vários direitos tutelados constitucionalmente.

Mesmo quando estiverem presentes todos os requisitos necessários, as sentenças prolatadas nas mencionadas ações devem ter a força de sua coisa julgada, relativizada.

Essa assertiva procede devido ao fato de que, apesar da coisa julgada existir para suprir a necessidade social da definitividade das decisões, há algumas eivadas de equívocos. Esse direito está em um plano mais elevado na escala normativa, qual seja, o direito do indivíduo saber sobre sua ascendência ou descendência biológica.

Sem dúvida, se for atribuída a determinada pessoa uma paternidade que não é a sua, esse indivíduo pode sofrer danos morais e materiais irreversíveis. Deve-se, pois, dar a ele a oportunidade de impugnação da sentença a qualquer tempo, visto que, além de tratar-se de direitos imprescritíveis, é matéria de ordem pública. Então, o formalismo do processo não deve ser obstáculo para se buscar a verdade real, devendo sim, ser flexibilizada a força da coisa julgada, em nome dos valores mais altos, isto é, aqueles que dão direito do indivíduo saber quem são os seus ancestrais e descendentes biológicos.

A segurança jurídica não pode ser óbice à verdade, sob pena de se criarem ficções jurídicas absurdas, prejudicando as partes, bem como toda a sociedade, posto que uma sentença equivocada ou alicerçada em fatos inverídicos poderia gerar direitos e obrigações sucessórias, negociais e familiares para duas pessoas que não têm, na realidade, nenhum laço familiar.

Configurada a colisão entre o direito à segurança jurídica, decorrente da coisa julgada e os direitos fundamentais da personalidade e dignidade, devem prevalecer os dois últimos, eis que se a coisa julgada for considerada um direito fundamental absoluto, estar-se-á destruindo por completo o direito ao respeito e à convivência familiar.

Nas ações em que a paternidade não foi declarada por ausência de provas, antes da possibilidade da realização do teste do DNA e que a ação rescisória já não possa mais ser proposta, é que surgem divergências sobre a possibilidade da propositura de uma nova demanda.

Os que negam essa possibilidade defendem, principalmente, a segurança jurídica trazida pela coisa julgada, fundamentando a impossibilidade de julgamento da nova ação pelo disposto no art. 5°, da Constituição Federal e no art. 471 do Código de Processo Civil. Para essa corrente, o valor preponderante é a estabilidade trazida pela coisa julgada, não interessando o surgimento de novo meio de prova. Essa corrente é majoritária.

Outra parte da doutrina entende ser possível a propositura de uma nova ação de investigação de paternidade, com base, agora, no exame de DNA. O fundamento principal dessa corrente está ligado à prevalência da verdade real sobre a verdade formal.

Nesse sentido Almeida (2001, p.98-99) aduz que:

[... ] há a possibilidade de revisar um julgado no qual não se tenha utilizado do critério cientifico na apuração da verdade para torná-lo cientificamente seguro, isto porque a sentença proferida pode, ou não, coincidir com a verdade real, dada a sua estabilidade jurídica como furto da persuasão íntima do julgador, e não uma convicção cientifica.

Salienta-se não ser o instituto da coisa julgada enfoque central desse trabalho, porém admitindo-se a relevância do exame de DNA em diversos ordenamentos do direito de família, e, conseqüentemente, do direito processual, justifica-se a breve explanação acima.

Confissão, presunção e indícios

A respeito dessa matéria, todas as ações de estado (filiação, estado civil, investigação de paternidade, etc. ), que objetivam a alteração, não admitem a confissão pela parte demandada, conforme proibição expressa no artigo 351 do Código de Processo Civil: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.

A presunção que interessa, nesse momento, é a legal, isto é, aquela estabelecida pela própria lei, a qual se subdivide em absoluta e condicional. A primeira é a conseqüência que a lei deduz, de forma expressa, de certos atos ou fatos, desinteressando a existência de prova em contrário (juris et jure). Quanto à presunção condicional, pode-se dizer que é aquela em que o ato ou fato são verdadeiros, até que se prove ao contrário (juris tantum).

Com relação à investigação de paternidade, a aplicabilidade desses conceitos aparece, principalmente, naqueles casos em que o pai não aceita se submeter à perícia através do exame de DNA.

Com a Constituição de 1988, houve uma busca frenética pelo reconhecimento da paternidade; concomitante a isso, conforme mencionado anteriormente, o surgimento do exame de DNA, que trouxe para o campo jurídico a certeza, ou quase ela, da paternidade biológica. A paternidade passou, pois, a ser vista, antes de mais nada, como vínculo de sangue.

Através da verdade biológica, pai e filho buscam uma certa face de sua identidade; o primeiro, sabendo-se perpetuado; e o segundo, conhecendo um pouco de si.

O DNA pode ser detectado no núcleo (centro) de qualquer célula de um organismo, dentro de pequenos pacotes genéticos chamados cromossomos, com exceção das células vermelhas do sangue (hemáceas) que não têm núcleo; portanto, não têm DNA. Assim, o DNA das células brancas de sangue de um indivíduo é exatamente igual ao DNA das células de pele desse indivíduo, dos tecidos, da raiz do cabelo, dos ossos, do sêmen, da saliva, dos músculos, das células contidas na urina.

Veloso (2000, p. 388) cita também um artigo de Rolf Madaleno a ser publicado sob título A sacralização da presunção na investigação de paternidade” que enuncia:

a minimização dos clássicos meios processuais de prova, o que pode ser facilmente deduzido das decisões jurisprudenciais, sacralizando a perícia genética, como sendo a suprema das provas, tornando-se as outras provas inúteis e dispensáveis. Já é momento de evitar o endeusamento do resultado pericial, convertendo o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior a de qualquer outra modalidade de prova judicial.

Salienta-se serem sérios os riscos da sacralização da presunção pela mera recusa na submissão ao exame de DNA. Isso ocorre especialmente quando essa negativa está escorada numa justificada oposição do investigado, quando nada lhe foi revelado acerca da infalibilidade do perito e do laboratório a que está vinculado em detectar o nexo biológico ao índice de uma probabilidade de paternidade igual a 99,99999%.

Ademais, é preciso haver muita cautela, quando as ações investigatórias apenas relatam superficial relação duvidosa de correspondência fática, denotando em seu ventre uma demanda prenhe de ódio, rancor ou pura maldade. Também, quando não consignam mera malícia por um lucro exclusivamente material, sem que a inicial apresente informes mais sérios, e de razoável consistência, capazes de sustentar uma precipitada ordem de realização judicial de pericial genética.

Por sua vez, o alto grau de certeza dos exames de DNA transformou o Direito brasileiro, derrubando algumas de suas paredes e abalando outras, que permanecem, mas como ruínas.

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A par de outras repercussões em esferas jurídicas distintas, sem dúvida, haverá grande ressonância no campo das ações jurídicas que questionam a paternidade, em que exame de DNA se tornou a prova máxima e decisiva, nos casos de investigação de paternidade. E com muito mais ênfase, quando na questão abordada, discute-se a obrigatoriedade ou não do investigado em submeter-se ao exame hematológico para a comprovação da paternidade discutida.

Sem dúvida, o exame de DNA evidencia-se uma prova indispensável à fiel obtenção da verdade, no processo de investigação de paternidade.

A verdade que se busca em juízo, seja pelas partes, seja pelo próprio magistrado, deve ser manipulada da forma mais ampla possível, porém sem exceder as barreiras e os limites do razoável, de modo a não colidir com os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, fundamentalmente assegurados nos Estados Democráticos de Direito. Mesmo para a busca dessa verdade, os postulados maiores condicionam limites. E, como diziam os romanos: Est modus in rebus – há um limite entre todas as coisas.

Na verdade, tem-se percebido que o exame do DNA passou a ser, para muitos operadores do Direito, condição sine qua non para a comprovação da paternidade, ao argumento de uma certeza, quase inabalável, não pode prosperar, principalmente quando se noticia diariamente pelos meios científicos acerca da imprestabilidade de alguns resultados e métodos de exames hematológicos. Isso decorre do fato de muitos deles serem confeccionados em laboratório não qualificados, despreparados e sem recursos científicos suficientes para a efetivação desses procedimentos.

Para Veloso (2000, p. 387), a “rainha das provas” suplantou todas as perícias sorológicas empregadas até então no debate judiciário civil e penal. Alerta o autor que muitos operadores e usuários do Direito assumem uma posição de adoração e submissão aos laudos periciais. Entretanto, já não é possível prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA, que não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.

O autor concorda com a importância do estudo do perfil genético do DNA, na investigação do vínculo de paternidade e maternidade, mas interroga se os seus resultados apresentam a condição de certeza absoluta e de fato inquestionável. Enfatiza que, mesmo sendo a análise do polimorfismo do DNA uma prova de grande futuro, na sua essência, seus métodos e técnicas não podem ser considerados, sob o prisma científico, uma prova infalível e de conclusões absolutas, capazes de transformar o magistrado em prisioneiro de seus resultados, “sacralizando” esse exame em detrimento de outros meios usuais e processuais de prova.

Se assim se procedem, tornar-se-á o julgador prisioneiro de seus resultados. É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova, cujo resultado permite uma certa margem de erro.

Prescreve Moraes (1997, p. 184), em preocupante vaticínio que: “a certeza científica, oferecida pelo exame de DNA, para determinação da paternidade encontra hoje um único obstáculo: a recusa do suposto pai a entregar o material necessário ao teste”.

Enfatiza-se que, conquanto o exame de DNA tenha adquirido enorme credibilidade entre os profissionais do Direito e a população leiga, ele não é infalível. Devem ainda ser consideradas as falhas humanas na aplicação do exame e mesmo na fiscalização dos laboratórios, como fatores capazes de comprometer o resultado.

Sobre a autora
Verônica Bettin Scaglioni

Graduada em Bacharel em Direito pela Ucpel, Pós Graduada em Direito Público pela Uniderp. Advogada. Pós graduanda em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Uninter.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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