Filiação no ordenamento jurídico

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21/05/2018 às 18:30
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 Condução coercitiva

Argumentos a favor da coerção

Segundo os defensores dessa medida, a submissão a tal exame não demanda sacrifícios corpóreos consideráveis, que sejam legítimos a respaldar uma recusa fundada na alegação de que a parte deve ter respeitada a sua inviolabilidade corporal. Na verdade, a extração de uma amostra de sangue, ou mesmo de alguns fios de cabelo não causam sofrimento considerável.

A favor da condução coercitiva argumenta-se que não se pode desprezar a produção da prova genética do DNA, na busca da verdade.

Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que a extração desse material genético originasse sofrimento corporal significativo, deve-se entender que a busca da verdade real em relação à paternidade de um indivíduo e evidencia-se valor que se sobrepõe ao direito que se tem à inviolabilidade do corpo.

Quanto ao direito à intimidade, caso alguém alegue que não quer ter exposto seu código genético, sob o argumento de que tal exposição poderia resultar-lhe, por exemplo, preconceitos relativos a doenças congêneres, dever-se-ia entender que essa possibilidade perde em relevância para a busca da verdadeira informação quanto à paternidade de um indivíduo.

Além disso, importa ter em mente que o resultado de um exame de DNA, feito em um processo de investigação de paternidade, deve estar resguardado de outros usos (indevidos) pelo instrumentário do segredo de justiça, previsto, inclusive, constitucionalmente. Diante disso, as justificativas, também sob esse aspecto, mostram-se improcedentes para embasar uma recusa ao exame.

Da mesma forma, não é legítima a alegação de que alguém estaria escusado de se submeter ao exame de DNA, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Não se pode concordar com a consideração de que a prova efetiva de uma relação de paternidade, inicialmente suspeita, é prova produzida contra si. O direito que ganha relevância, aqui, é o direito de se ter certeza a respeito da existência ou não de tal vínculo familiar. O interesse da parte em omitir a informação que seria necessária e suficiente para estabelecer tal verdade é subjugada, nesse ponto, pelo interesse da sociedade em ver desvelada tal informação.

Então, a partir da recusa da parte em se submeter ao exame médico-pericial, como é o caso do exame de DNA, é que deverá se inverter o ônus da prova em relação àquela matéria objeto do exame. Cria-se, assim, uma presunção de que o exame recusado provaria, caso realizado, aquilo que é desfavorável a quem recusou. Mas essa presunção, conforme argumentamos, é iuris tantun, ou seja, é presunção que admite a possibilidade de prova em contrário, a partir de fatos carreados aos autos em fase de instrução.

Irrefutavelmente, filho tem direito de saber quem é seu pai, de portar o nome da família do pai, resguardando-o do constrangimento de ser filho de pai desconhecido, de se sentir rejeitado pelo pai que negou o reconhecimento da paternidade e das obrigações para com o filho. É preciso fortalecer vínculos de sangue, afeto e de direitos sucessórios, porque poderão ocorrer conseqüências sociais e psíquicas da inexistência ou ausência do pai. Origem biológica é de interesse da pessoa, uma vez que apresenta as características pessoais, doenças hereditárias, potencial de personalidade e até de direitos patrimoniais.

Na verdade, é justificável o sacrifício do direito do investigado, de modo que deve, na verdade, ser admitida a condução coercitiva deste para a realização da prova do DNA.

Argumentos contrários à coerção

Para alguns críticos, tal coerção representa uma violação ao direito à intimidade, já que esse material que comporta informações individuais da parte, tais como propensões a doenças ou doenças já contraída (como a AIDS, por exemplo) estariam sendo expostas, sem o seu consentimento.

Da mesma forma, argumentam que discrepa das garantias constitucionais de preservação da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano.

Na verdade, tanto a identidade genética quanto a intimidade e a intangibilidade do corpo humano são componentes da dignidade da pessoa que estão em confronto.

A recusa do investigado à realização do exame de DNA deve gerar a presunção relativa do exame de DNA.

Embora admitida a obrigatoriedade da prova genética do DNA, a recusa do investigado à realização do exame de DNA não pode ser interpretada como confissão ficta do investigado. Essa reação não é suficiente para se admitir a presunção de paternidade. Apesar de apresentar forte indício, é necessário existir alguma evidência de ter havido um relacionamento entre o suposto pai e a mãe da criança para que fique comprovada a paternidade.

Aplica-se, como garantia de não estar o acusado obrigado a fazer prova contra si, o direito ao silêncio. Pode-se entender ainda que o silêncio do réu não pode ser mais interpretado em prejuízo da defesa; o mesmo deve acontecer em relação à recusa em doar material para o exame de DNA.

Vale enfatizar que essa confiança no exame científico conduz ao desdém e à profunda e quase insuperável descrença sobre os demais meios processuais de prova. Isso demonstra cega aceitação da perícia do DNA o que acarreta um perigoso e deletério efeito de influenciar sobre os outros meios legítimos e esclarecedores de prova judiciária. Mostra-se decisivo, portanto, evitar o endeusamento do resultado pericial, convertido o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior à de qualquer outra modalidade de prova judicial.

Trachtenberg (1995, p. 326) atenta para a possível falibilidade do teste de DNA, pelo fato de os laboratórios carecerem de dados estatísticos tão caros e próprios da população brasileira, composta por uma raça mista, de características singulares, divergentes dos levantamentos estatísticos realizados com os povos dos Estados Unidos e os da população européia.

Segundo os opositores à coerção, não se deve prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA. Estes não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.

Em uma questão sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu, por maioria:

INVESTIGAÇÃO DE Paternidade - Exame de DNA - Condução do Réu “Debaixo da Vara”. Discrepa, a mais não poder, das garantias constitucionais implícitas e explicitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução especifica da obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável a feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. STF – HC 71. 373-4 RGS – Tribunal Pleno – Rel. p/o acórdão: Min. Marco Aurélio – j. 10. 11. 1994 – v. m. – DJ 22. 11. 1996.

“Não basta ao interessado na investigação do seu nexo biológico louvar-se no exame de DNA, que deve ser lido num conjunto probatório muito mais denso e verdadeiramente seguro” (VIANA, 1998, p. 27)

Os votos vencidos dessa decisão argumentam pela existência de dois interesses em conflito: o da criança investigante à sua real identidade e o do suposto pai à sua incolumidade física. Entendem esses ministros que deveria prevalecer o interesse superior da criança.

Apesar de todas essas alegações, contrárias à coerção, deve-se partir do princípio de que a recusa do investigado implica descumprimento de um dever processual de colaboração, disposto no artigo 339 do CPC brasileiro, in verbis: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”

A possibilidade de erro do DNA

A prova pericial realizada do exame de DNA pode gerar resultados de exclusão e de inclusão, ou seja, o resultado do exame pode excluir a possibilidade de paternidade, não encontrando no suposto pai uma combinação entre o seu DNA e o material do sedizente filho; por outro lado, pode demonstrar que o material coletado do investigado apresenta seqüência compatível com o filho.

Nesse momento, porém, é preciso cautela na utilização única da prova pericial, uma vez que, embora incontestável sua utilidade para o Direito, é impossível ignorar inúmeros fatores que podem comprometer e prejudicar os resultados ditos inquestionáveis.

Um dos principais motivos que colocam em dúvida a sacralização da prova pericial através do exame de DNA é a qualidade dos laudos, porquanto realizados com apuro técnico podem atingir índices de acertos superiores a 99, 9999%; mas boa parte dos laboratórios oferece técnicas menos complexas e mais baratas, aumentando a margem de erro.

Pode-se, então, deduzir que essa matéria encontra entendimento diverso entre os doutrinadores. Uns entendem que a margem de erro da análise do DNA é insignificante, e, por isso, essa prova pericial oferece ao julgador em elemento sólido e determinante para a construção da verdade. Outros, no entanto, notam ser impossível negar a relevância do exame de DNA no conjunto probatório, salientando, porém, que existe uma distância entre reconhecer o exame como prova importante que traduz a evidência da paternidade.

Ainda cabe salientar o fato de, no Brasil, não haver fiscalização oficial dos laboratórios que realizam o exame de DNA.

Recusa do suposto pai

A indigitação leviana de paternidade pode causar sérios transtornos à vida do suposto pai. Inclusive, a Ministra Nancy Andrighi, argumentou que a recusa do réu em realizar a prova pericial de DNA implica a presunção de existência de relação de paternidade; no entanto, presunção é de natureza relativa, não absoluta, porque, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedência do pedido.

A CF diz, em seu art. 5° que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude da lei”. E não existe lei que obrigue o suposto pai a se submeter ao exame. E, ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a produzir provas contra si.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Em princípio, mostra-se relevante esclarecer que se adota a consagrada classificação estrutural das normas de direito fundamental, qual seja, a de princípios e regras jurídicas como espécies de normas dentro do ordenamento jurídico. Segundo Alexy (1997, p. 82), os princípios e as regras são espécies de normas dentro do ordenamento jurídico, cuja distinção é “uno de los pilares fundamentales del edificio de la teoria de los derechos fundamentales”. Ambos são espécies do gênero norma porque dizem o que deve ser. A característica diferenciadora entre ambos é qualitativa e consiste em serem os princípios mandados de otimização, ordenando que algo seja realizado na medida do possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas.

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Os princípios, portanto, impõem otimização de eficácia à luz das circunstâncias, sendo harmonizados, permitindo o balanceamento conforme o seu peso e ponderação com outros princípios, de forma a coexistirem, conviverem mutuamente, podendo ser cumpridos em diferentes graus. Por outro lado, as regras prescrevem exigências que se impõem, ou não, excluindo-se mutuamente quando houver antinomia ou conflitos entre as mesmas (ALEXY, 1997, p. 86-).

O sistema constitucional é tendencialmente principialista, porque este evidencia suporte rigoroso para solucionar a colisão de direitos fundamentais, além de permitir que o sistema se mova através da textura aberta dos princípios.

Para Jorge Miranda (2000, p. 180), a dignidade da pessoa humana confere unidade de sentido às constituições, confirmando a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do Estado. Significa que não se trata unicamente de sistema, e sim de unidade de pessoa, exatamente porque:

o homem situado do mundo plural, conflitual e em acelerada mutação do nosso tempo encontra-se muitas vezes dividido por interesses, solidariedades e desafios discrepantes;só na consciência da sua dignidade pessoal retoma unidade de vida e de destino.

Cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana não depende de reconhecimento expresso da ordem constitucional, mas, indubitavelmente, de sua força jurídica. Em conseqüência, sua efetiva realização e promoção estão diretamente relacionadas ao seu grau de reconhecimento pelo ordenamento constitucional. Daí ser de tamanha relevância o estudo aprofundado acerca do conteúdo jurídico dessa dignidade.

O reconhecimento expresso da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, bem como sua posição privilegiada no texto constitucional, são, sem sombra de dúvidas, manifestações inequívocas de que para o nosso constituinte este princípio é basilar e informa todo o ordenamento jurídico. A dignidade, como valor inerente à pessoa, é inalienável e irrenunciável. Como princípio fundamental, goza do status de norma jurídica e reclama proteção e promoção pelo poder público e particulares.

O que temos em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade ou do indigitado pai à sua intangibilidade física.

Tratando-se de colisão entre direitos fundamentais, tanto os da criança, como os do suposto pai, quais sejam o direito à identidade e à integridade física, deve visar-se a resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo. Deve prevalecer, portanto, a interpretação que preserve ambos os direitos, não havendo a possibilidade de que um deles seja totalmente suprimido, sob pena de estarmos descumprindo a norma constitucional.

No entanto, quando uma sobrepõe a outra, é mister analisar a relevância do direito em voga.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, resguardou a criança e o adolescente, lançando como princípio o dever da família:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Art. 229 da CF/88 diz que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Aspectos constitucionais

A condução coercitiva do réu para a efetivação do teste de DNA revela-se medida arbitrária, desprovida de qualquer amparo legal. Determinação Judicial desta natureza viola direitos fundamentais do ser humano, afrontando a Constituição Federal. Denota medida excessiva, passível de habeas corpus, por ferir a liberdade do indivíduo em descompasso com a ordem jurídica nacional.

Na investigação de paternidade, a condução forçada do investigado para a realização do exame de DNA com a retirada de sangue ou outro tecido de seu corpo sem o seu consentimento, ofende direitos protegidos pela Constituição, direitos da personalidade, fundamentais. A ordem judicial que determina a condução debaixo da vara fere a liberdade, a integridade física e a intimidade do suposto pai. Assim agindo, autoridade judicial extrapola limites, age com abuso de poder. Revela-se o ato desprovido de juridicidade, inconstitucional, a medida em que colide com direitos fundamentais do indivíduo, contra os quais é vedada a interferência lesiva do poder público. O constrangimento causado ao réu é incompatível com o Estado de Direito, fundado historicamente na submissão ao império da lei e na garantia dos direitos individuais.

O direito à integridade física decorre do direito à vida. A incolumidade física da pessoa não pode ser invadida para a realização de uma perícia judicial, mesmo que seja para o teste de DNA.

A seu turno, direito à intimidade encontra-se disposto no art. 5º, X, sendo inviolável. Constitui a esfera íntima e secreta do indivíduo, dentro da qual lhe são garantidos o resguardo e a proteção contra a invasão de terceiros, inclusive do Estado.

A inviolabilidade de direitos fundamentais é garantia consagrada de maneira expressa pela Constituição, em seu art 5°. São direitos garantidos a homens e mulheres, sem qualquer distinção, essenciais para a formação individual. Dos direitos fundamentais do homem desencadeiam-se todos os demais que ele possui ou venha a possuir. Formam a base, o início de toda a constituição de direitos individuais.

O direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem são direitos decorrentes da condição de pessoa, defluem automaticamente da própria existência do ser humano. Seguindo Bittar (1991, p. 11): “Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extra patrimoniais intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios. A declaração de garantia dos direitos da personalidade, no texto da Lei Fundamental, de forma pormenorizada, reflete a preocupação do Constituinte de 1988 e de todo povo brasileiro com a proteção aos direitos básicos do homem, renegados durante um longo período dentro da história política nacional”.

A sociedade brasileira vive um Estado Democrático de Direito. Mais do que uma simples denominação, tal enunciado demonstra o tipo de estrutura de poder vigente. A legitimidade da atuação do Estado é verificada pelo respeito e cumprimento da Constituição e da lei. Os direitos e garantias individuais limitam a interferência do Estado no âmbito de atuação do particular, protegendo os valores primordiais, indispensáveis à construção de uma sociedade livre, justa e solidária

O presente artigo abordou a influência do exame de DNA nas Investigatórias de Paternidade. A partir de uma visão mais humana dessa atividade, notadamente, da condução coercitiva do exame de DNA, fez-se uma explanação de considerações a respeito do DNA como prova suprema da paternidade.

Constatou-se, no entanto, ainda não haver uma unanimidade entre pensadores e aplicadores do Direito, porquanto a procedência ou improcedência da ação de investigação de paternidade, baseada unicamente na prova genética, não esclarece, definitivamente, todas as dúvidas.

Para muitos estudiosos, a descoberta das impressões genéticas trouxe para o mundo Jurídico a certeza da paternidade, transformando o exame de DNA em prova inequívoca e suprema dentro do conjunto probatório, a qual ingressou no nosso ordenamento como uma solução para o reconhecimento da paternidade.

Outros contrariam, alegando quanto à sacralização da prova pericial, através da analise do DNA. Desse modo, é preciso muita cautela nesse processo de endeusamento do exame, principalmente, tendo em vista implicações de ordem ética e legal. No mundo real, tudo é incerto; há que se ressaltar que a medicina não é uma ciência exata, não se pode falar em certeza absoluta, o que ratifica o entendimento geral de que tudo é relativo, principalmente quando se sabe que a perícia é ato praticado pelo homem e, portanto, sujeito a erro.

Na prática, ainda não se alcançou um patamar de certeza inquestionável, visto que se constatam, ainda, lacunas no tocante às novas descobertas médico-científicas. É certo, no entanto, que o avanço genético representa um meio capaz de solucionar problemas inerentes ao vínculo de filiação. Dessa maneira, fica muito difícil, para o julgador, negar a existência do estado de filho apontado no laudo pericial, decorrente do exame de DNA, ou afirmar que o vínculo genético existe, se os resultados apontam que a realidade é outra.

Por sua vez, é inegável que a aplicação das descobertas da Engenharia Genética, no tocante à identificação humana, produziu grandes efeitos no mundo jurídico.

O exame de DNA, dada a confiabilidade que inspira, acaba por superar todos os métodos anteriormente utilizados para reconhecimento de paternidade.

Ressalta-se que, dadas as vantagens que essa técnica oferece, criou-se um novo mito: o da “infalibilidade do DNA”, confluindo no emprego ilimitado dessa prova.

É certo que a norma jurídica precisa ir ao encalço dos avanços científicos, mas é certo também que o emprego da prova de DNA deva se dar com cautela, pois apesar do grau de certeza e segurança que pode gerar, não está tal técnica imune a erros. Nesse sentido, urge a edição de dispositivo legal que zele pela fiscalização dos laboratórios que a realizam, fazendo com que prime a qualidade dos exames de DNA.

Contudo, melhor irão proceder os tribunais brasileiros se, daqui para frente, decidirem pela realização de perícia técnica de verificação biológica da paternidade quando presente alguma prova mínima de verossimilhança entre o relato da petição inicial e os fatos aprioristicamente demonstrados.

Nesse contexto, o exame de DNA não pode  continuar a ser tratado como prova insofismável, incontestável e suficiente; ao contrário, deve ser recebido com reservas, sob pena de, mesmo tendo tal metodologia os aplausos incansáveis de seus defensores e os encantos que a mídia propaga, alguns resultados contribuírem, para transformar a sentença numa tragédia, fazendo de um inocente culpado ao atribuir-lhe um filho que não é seu.

Ter ou não ter filhos é uma opção individual. Entretanto, a partir do momento em que um filho é gerado, desde a fecundação o pai já tem deveres; não há mais opções, e sim, responsabilidades. Reconhecer o filho constitui-se uma das principais responsabilidades. O pai deve cumprir com os deveres dando assistências devidas, para sua criação e formação moral e intelectual de seus filhos. No entanto, é necessário frisar que não há hegemonia de princípios, prevalecendo sempre o resguardo aos interesses da criança, visto que esta sempre estará em situação inferior ao do suposto pai, principalmente por ficar em situação vulnerável perante ao genitor. Essa circunstância trará prejuízo a formação do menor. Cumpre destacar que a Ordem Jurídica determina o princípio de resguardo aos interesses da criança, como uma das normas fundamentais. Mas o genitor tem o direito de obter a certeza do vínculo biológico entre ele e o suposto filho.

Convém salientar que a dignidade do ser humano deve ser resguardada pelo Estado, desde o nascimento, sendo ela inviolável.

Com base nos argumentos expostos, salienta-se que o Poder Judiciário deve emitir suas decisões baseadas no Princípio da Dignidade da pessoa humana, em conformidade com o melhor interesse da criança, observando o caso concreto.

É momento, portanto, de grandes realizações nessa área, porquanto a descoberta da tipagem genética evidencia-se uma realidade médica que, certamente, precisa embasar-se numa legislação específica e profunda que regule a matéria e seus tópicos especiais. Os direitos e garantias individuais limitam a interferência do Estado no âmbito do particular, protegendo os valores primordiais, indispensáveis à construção de uma sociedade livre, equânime e solidária. Apenas dessa maneira será viável a adaptação do DNA à realidade atual, em consonância com o estado democrático vigente.

Sobre a autora
Verônica Bettin Scaglioni

Graduada em Bacharel em Direito pela Ucpel, Pós Graduada em Direito Público pela Uniderp. Advogada. Pós graduanda em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Uninter.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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