Julgamento antecipado parcial do mérito (artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015).

A possibilidade de flexibilização das normas processuais como forma de concretização dos princípios constitucionais da eficiência e da razoável duração do processo

23/05/2018 às 20:46
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Este artigo apresenta uma análise da regra inscrita no artigo 356 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil), à luz dos princípios constitucionais da razoável duração do processo e da eficiência.

O Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015) introduziu expressamente a possibilidade de julgamento antecipado parcial de mérito no artigo 356, nas hipóteses ali elencadas. O fundamento para esta previsão se coloca nos princípios da razoável duração do processo e da eficiência, previstos na Constituição Federal no artigo 5º, LXXVIII e, como princípio da Administração Pública, no artigo 37, caput, respectivamente. A partir disso, a nova lei realça no âmbito infralegal um novo modelo constitucional de processo, o qual busca alcançar os ditames principiológicos constitucionais ao processo, estabelecendo um parâmetro democrático e eficaz da jurisdição.

No entanto, a instrumentalização deste novo mecanismo revela-se problemática, na medida em que dificulta a clareza e ordenação lógica processual tradicional (pedido – instrução e defesa – decisão – execução). A multiplicidade de procedimentos, inclusive executórios, em uma mesma demanda depende de uma remodelação não apenas em termos jurídico-legais, mas também em termos práticos: isto é, a implementação deste modelo impõe atualização profissional e tecnológica para a consecução dos objetivos constitucionais e da finalidade da lei. 

Assim, figura-se importante a análise do novel instituto, por uma reflexão sobre as dificuldades de implementação do mecanismo de julgamento antecipado parcial do mérito, tendo em vista as limitações práticas forenses. Assim, o presente trabalho pretende explorar o novo modelo de processo estabelecido a partir da lei n. 13.105/2015, tendo em vista os princípios constitucionais da razoável duração do processo e da eficiência. Objetiva, ainda, descrever, de forma breve, o mecanismo de julgamento antecipado parcial do mérito, previsto no artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015. Além disso, procura avaliar a compatibilidade entre os princípios constitucionais e a regra processual em questão, tendo como plano de fundo a supremacia constitucional.

O objetivo da lei, por meio da introdução da figura do julgamento antecipado parcial do mérito, foi diminuir a morosidade processual, atendendo, assim, ao princípio da razoável duração do processo. Isso porque, a jurisdição deve atender ao direito subjetivo das partes por meio de uma célere (razoável) e justa resposta jurisdicional, proferindo um julgamento de mérito, seja parcial, seja total, com apreciação de todos os pedidos formulados pelos sujeitos do litígio. Atenta-se, neste sentido, ao caráter essencialmente instrumental do processo, o qual existe para realizar o direito material. Isso significa que ele não se constitui como um fim em si mesmo, mas ao contrário, deve ser pensado sempre tendo em vista um determinado fim. 

O processo, enquanto instrumento para obtenção do direito material invocado, deve ser observado para a adequada e efetiva prestação jurisdicional, não devendo, contudo, se sobrepor ao direito material. Desta feita, cabe ao aplicador do direito interpretar o dispositivo que trata do julgamento antecipado parcial do mérito, de modo a extrair dele a razoável duração do processo, sem perder de vista a técnica processual que garanta a observância dos demais princípios constituições, tais como o contraditório e a ampla defesa.  

Defende-se, então, a aplicação da técnica de julgamento criada através da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da “[in]constitucionalidade progressiva da norma’. Para que seja possível obter resultados mais justos e próximos aos ditames principiológicos constitucionais, é necessário flexibilizar o procedimento (aspecto adjetivo do processo) para alcançar o direito material objetivo da lide (aspecto substantivo do processo). O processo só existe, pois, para alcançar de forma justa, na forma do devido processo legal, os escopos da jurisdição, em especial, a paz social.

Trabalha-se, ainda, com a ideia de que a implementação das normas do novo Código de Processo Civil, criado pela lei n. 13.105/2015, depende de um amadurecimento institucional dos órgãos do poder judiciário, bem como profissional de todos os agentes envolvidos no processo, e aprimoramento técnico dos recentes sistemas eletrônicos do processo no âmbito dos Estados. A dificuldade de visualização dos procedimentos numa demanda impede verdadeira concretização dos princípios constitucionais da eficiência e da razoável duração do processo.

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O NOVO MODELO PROCESSUAL A PARTIR DA LEI N. 13.105/2015 

A criação, interpretação e aplicação do Direito (como conjunto de normas coercitivas) devem estar sempre voltadas à preceitos determinados constitucionalmente, a Carta Maior como vértice fundamental do ordenamento Jurídico. O reconhecimento da força normativa da constituição e o movimento de constitucionalização do direito a partir, em especial, da aplicação direta de princípios constitucionais, não somente permite, mas determina a observância primeira destas normas, muitas vezes afastando ou excluindo normas infraconstitucionais do sistema.

Deve-se compreender, pois, que a criação do novo Código de Processo Civil (lei n. 13.105/2015), bem como sua aplicação, está inserida neste contexto teórico e epistemológico, que impõe ao seu intérprete maior atenção e compreensão sistemática do ordenamento jurídico. Entende-se, assim, que é preciso obter resultados mais justos na prática forense, mais adequados à técnica jurídica, sem, contudo, correr riscos nos meandros da insegurança jurídica e aleatoriedade de julgamentos. A nova sistemática processual, neste sentido, pretende promover maior efetividade jurisdicional, em conformidade com dois fundamentos principiológicos constitucionais: a eficiência (e efetividade da jurisdição) e a razoável duração do processo. 

1.1 Princípio da Supremacia da Constituição e a sua força normativa 

O Princípio da Supremacia da Constituição é a pedra angular do sistema jurídico moderno, pontuado pela ideia de que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, conferindo validade às demais normas deste sistema, assim como a legitimidade dos poderes estatais nela reconhecidos. Significa dizer, em síntese, que a Constituição é a Lei Suprema do Estado, encontrando-se nela sua estrutura, organização e normas fundamentais (constituição material). Como consequência, todas as normas do país deverão, obrigatoriamente, apresentar compatibilidade com as normas constitucionais (compatibilidade vertical), sendo inválidas aquelas incompatíveis.

Historicamente, Branco (2015, p. 46-52) explica os diferentes processos de reconhecimento deste princípio jurídico, isto é, o valor normativo da Constituição e sua supremacia formal e material. De forma pioneira, foi nos Estados Unidos que se pôde conceber a Constituição como “instrumento de submissão dos poderes à limites” (BRANCO, 2015, p. 49), tornando viável a ideia de supremacia da Constituição às leis. Esta premissa, continua o autor, dá origem ao sistema de controle de constitucionalidade como forma de garantir sua supremacia. No famoso caso Madison vs. Marbury, o juiz Marshal assenta a doutrina segundo a qual a lei inconstitucional é inválida, cabendo ao poder Judiciário assim declará-la.  

"A doutrina do controle judicial articula, portanto, três assertivas básicas: a) a Constituição é concebida para ser a lei principal do país; b) cabe ao Judiciário a função de interpretar e aplicar a Constituição nos casos trazidos à sua apreciação, podendo recusar valia ao ato que infringe a Constituição; c) a interpretação judicial é final e prepondera sobre a avaliação dos demais Poderes" (BRANCO, 2015, p. 52). 

Cabe esclarecer, ainda, a forma de aplicação destas normas constitucionais em relação à estrutura dos enunciados normativos. Nesse sentido, tem-se que, após a Constituição Federal de 1988, foram inscritas diretrizes para a criação e aplicação do direito processual – os princípios processuais constitucionais. Interessante notar também, que o Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015), ao contrário do Código de Processo Civil de 1973, foi desenvolvido sob a égide deste novo sistema democrático, tendo como vetores aquelas normas, parâmetros e fundamentos constitucionais, que entrelaçam e guiam a interpretação do jurista. 

Sobre princípios, são precisas as lições de Wambier e Talamini: 

"Os princípios são normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-o. Segundo a doutrina, são normas ‘fundantes’ do sistema jurídico. São os princípios que, a rigor, fazem com que exista um sistema. Os princípios jurídicos são também normas jurídicas. Mesmo quando implícitos, não expressos, os princípios jurídicos são obrigatórios, vinculam, impõem deveres, tanto quanto qualquer regra jurídica" (2016, pág. 69-70). 

Observe-se que os princípios, além de permitirem a existência de um sistema, demonstram os valores por ele adotados, pois trazem em si um conteúdo ético, social e político, sendo, portanto, essenciais para o estudo e aplicação das disciplinas processuais. Assim, destaca Bueno que “[a] análise do nosso ‘modelo constitucional’ revela que todos os ‘temas fundamentais do direito processual civil’ só podem ser construídos a partir da Constituição” (BUENO, 2008, p. 159).

Observa, ainda, Grinover, ao falar sobre os princípios gerais do direito processual, que: “(...) a raiz dos princípios fundamentais do processo, se encontra sempre - cumprido ou violado - um preceito constitucional” (GRINOVER, 1975, p. 24-25).

Cumpre observar a divisão doutrinária do estudo das normas jurídicas em “normas-princípios” e “normas-regras”. A discussão já não é recente, mas cumpre papel importante na delimitação terminológica do trabalho jurídico. Conforme aponta Silva (2003, p. 611-615) esta distinção costuma partir da lição de Robert Alexy, que estabelece uma diferença “axiologicamente neutra” entre princípios e regras. Os princípios são considerados, nesta perspectiva, “mandamentos de otimização”, ou normas aplicáveis “na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes”, expressando deveres prima-facie. As regras, por sua vez, “expressam deveres e direitos definitivos, ou seja, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos” (SILVA, 2003, p. 611).

Portanto, como apontam Talamine e Wambier (2016, p. 69-70), os princípios da razoável duração do processo e da eficiência incidirão sempre que possível, na medida dos elementos apresentados no caso concreto, a fim de que o sistema processual atinja uma tutela jurisdicional justa e eficiente em tempo razoável. As normas-regra, diversamente, se aplicam objetivamente aos fatos, sem necessidade da adoção de um prévio critério valorativo. Dentro desse contexto, tem-se que os princípios constitucionais darão o teor do diálogo entre o ordenamento jurídico, o qual deve ser interpretado de forma unitária, sistemática e coordenada, sem a exclusão de uma norma jurídica em detrimento da aplicação de outra, conforme informa a teoria dialógica do Direito. 

Acerca dos princípios constitucionais processuais e os critérios de solução de conflito entre normas, preceitua Oliveira:  

"O postulado da unidade da Constituição alerta que não há possibilidade de contradição no âmbito constitucional, o que nos leva, como decorrência, ao postulado da harmonização, pois deve o intérprete observar que um princípio não poderá excluir outro do sistema; há verdadeira interdependência entres estes por se tratar de verdadeiro sistema a ser observado em seu todo" (OLIVEIRA, 2008, p. 17).  

Do exposto, extrai-se que o Código de Processo Civil de 2015 surgiu dentro de um contexto histórico democrático, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, e objetiva a efetivação do direito por meio de um processo conduzido conforme os ditames constitucionais, visto, portanto, como instrumento para realização dos objetivos constitucionais, com o abandono do formalismo exacerbado constante no Código de Processo Civil de 1973, em prol da defesa dos chamados direitos fundamentais. 

1.2 Princípio da Eficiência 

O princípio da eficiência pode ser entendido como a gestão do processo pelo órgão jurisdicional de modo a obter o melhor resultado possível (em termos qualitativos e quantitativos), utilizando os meios e recursos disponíveis. 

Tal princípio é resultado de uma combinação de dois dispositivos da Constituição Federal, quais sejam, artigos 5º, LIV, e 37, caput, e foi inserido como norma de direito processual no Código de Processo Civil de 2015, no capítulo que trata das normas fundamentais do processo civil. 

Observe-se que, enquanto o artigo 37, caput, da Constituição Federal, fala expressamente sobre o princípio da eficiência, o artigo, 5º, LVI, fala em “devido processo legal”. Ocorre que, para ser devido, o processo precisa, necessariamente, ser eficiente, razão pela qual ambos os artigos referem a eficiência no âmbito constitucional.  Acrescente-se, por outro lado, que pelo artigo 8º do referido diploma legal:  

"Art. 8º: Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". 

Segundo Didier Jr. (2015, p. 100), “O princípio da eficiência, aplicado ao processo jurisdicional, impõe a condução eficiente de um determinado processo pelo órgão jurisdicional”. Ainda segundo o processualista, referido princípio dirige-se ao órgão do Poder Judiciário não na condição de ente da administração, mas, sim, na condição de órgão jurisdicional, responsável pela gestão de um processo (jurisdicional) específico, sendo, assim, norma de direito processual.

Em complemento, querer a eficiência de um processo significa, nas palavras de Barbosa Moreira:  

"(...) querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material" (BARBOSA MOREIRA, 2002, p. 181).  

Cumpre registrar, por fim, que no Código de Processo Civil, o princípio da eficiência consta no mesmo artigo que trata dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade e da publicidade, do que se depreende o objetivo do legislador em deixar transparecer a importância da já explicitada interdependência entres os princípios constitucionais.  

1.3. Princípio da Duração Razoável do Processo 

Este princípio foi introduzido, no plano constitucional, pela Emenda Constitucional n. 45/2004, assegurando a razoável duração do processo judicial e administrativo (art. 5º, LXXVIII). Assim, traz ao texto constitucional norma defendida por parte da doutrina e reconhecida em convenções internacionais de direitos humanos. Conforme aponta Mendes (2015, p. 405), “a duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a ideia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade humana”. 

O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário em especial, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo. 

A duração razoável do processo, prevista no artigo 4º do Código de Processo Civil de 2015, assim, é uma preocupação antiga tanto no plano internacional, quanto no âmbito nacional. Nesse sentido, tem-se, no âmbito do direito internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos também chamada de “Pacto de San José da Costa Rica”, a qual foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e foi ratificada pelo Brasil em setembro de 1992, quando passou a incorporar o ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Referido Pacto, ao qual foi conferido hierarquia de norma constitucional, roga em seus artigos 7.5 e 8.1, respectivamente, que: 

"Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".

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No âmbito nacional, a razoável duração do processo já havia sido prevista nas Constituições de 1934 (art. 113, n. 35)1 e de 1946 (art. 141, §36)2, mas só voltou a ser inserida no texto Constitucional, como visto, por meio da Emenda Constitucional n. 45 de 2004 (artigo 5º, LXXVIII, da CF 1988). Cumpre verificar, contudo, que a ratificação do Pacto de San José da Costa Rica pelo Decreto n. 678 de 1992, impõe que o Estado brasileiro não somente garanta e efetive o rol de direitos previsto no texto constitucional, mas também adeque o sistema jurídico ao que preceitua a norma internacional. Isso significa que a aplicação do Tratado se impõe a todos os órgãos do Estado brasileiro, dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, impondo um dever de conhecimento e priorização destas normas, ainda que em aparente contradição ao direito interno.

No plano legal, dessa forma, o Novo Código de Processo Civil dispõe:

"Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”

De acordo com Cabral (2014, p. 27-33), a demora estatal na resposta do litígio impõe a todos os litigantes um “dano marginal”, expressão essa que foi popularizada na doutrina italiana de Enrico Finzi. Ainda de acordo com o mesmo autor, se a lide é uma doença que tem que ser curada rapidamente, quanto menos dura a doença, mais é vantajoso para a sociedade. 

Na busca pela duração razoável do processo e pela eficiência deste, o Código de Processo Civil de 2015 abandonou o princípio da unicidade do julgamento, permitindo, à luz do artigo 356 do referido diploma legal, o julgamento antecipado parcial do mérito. Assim, o artigo em foco dispõe o seguinte:                                                    

"Art. 356.  O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.

§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.

§ 3º Na hipótese do § 2ª, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

A análise minuciosa do referido dispositivo será delineada infra, em seção específica.

Sobre o princípio da razoável duração do processo, em conclusão, pode-se corroborar as seguintes ponderações. Em primeiro, nas palavras de Cabral (2014, p. 33):

O processo é feito para demorar! Isso porque, para julgar adequadamente, o julgador - seja ele juiz ou autoridade administrativa – deve-se debruçar com cuidado sobre as questões postas para sua cognição. Além disso, o contato constante e reiterado com as partes é também essencial para o amadurecimento do processo decisório. O juiz deve, literalmente, ‘dormir’ o conflito, ler as alegações iniciais naquele primeiro momento da fase postulatória, reunir-se com as partes em audiência, acompanhar a produção de prova, considerar suas alegações, para somente então, com sobriedade e reflexão detida, prolatar sua decisão. 

Em segundo, deve-se observar com Theodoro Jr. (2015), que vários fatores influenciam na duração razoável do processo, a exemplo da complexidade e natureza da causa, comportamento das partes, auxiliares da justiça e magistrado e os próprios prazos processuais que devem ser observados em observância ao contraditório e à ampla defesa.

Conforme pondera o autor,“Razoável duração do processo” deve ser entendida, portanto, não por celeridade processual à custa da inobservância dos demais preceitos constitucionais (especialmente contraditório e ampla defesa), mas sim por duração por tempo suficiente para assegurar os meios legais de defesa, evitando-se procrastinações, por meio de medidas que impeçam dilações inúteis.Estas premissas são essenciais para a compreensão e justa intepretação da norma processual. O processo civil em torno da sistemática de garantias fundamentais estabelecidas no texto constitucional pressupõe o alcance dos princípios aqui estudados.

2 JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO 

O objetivo do legislador, por meio da introdução da figura do julgamento antecipado parcial do mérito, foi acelerar a marcha processual, atendendo, assim, ao princípio da razoável duração do processo. O titular da ação tem o direito subjetivo à prestação jurisdicional, cabendo ao Estado-juiz oferecer uma resposta jurisdicional, proferindo um julgamento do mérito, seja parcial, seja total, com apreciação de todos os pedidos formulados pelos sujeitos do litígio. 

O processo, enquanto instrumento para obtenção do direito material invocado, deve ser observado para a adequada e efetiva prestação jurisdicional, não devendo, contudo, se sobrepor ao direito material. Desta feita, cabe ao aplicador do direito interpretar o dispositivo que trata do julgamento antecipado parcial do mérito, de modo a extrair dele a razoável duração do processo, sem perder de vista a técnica processual que garanta a observância dos demais princípios constituições, tais como o contraditório e a ampla defesa. 

2.1 Julgamento antecipado do mérito: fundamentos e distinções

O julgamento antecipado do mérito está previsto no Código de Processo Civil em seu artigo 355, inserido, pois, no capítulo X do diploma processual “Do Julgamento Conforme o Estado do Processo”. Esta técnica de julgamento não é inteiramente nova, já existindo anteriormente no código de 1973, em seu capítulo V, nos artigos 329, 330 e 331. Assim, conquanto haja certa correspondência com os novos artigos 354, 355 e 357, respectivamente, inovou-se em inserir expressamente a figura do “julgamento antecipado parcial do mérito”, no artigo 356.

Pois bem, é preciso notar que esta técnica, porém, não é inteiramente nova. O artigo 273, §6º, da lei revogada, inserido em capítulo diverso, permitia que o juiz pudesse conceder a tutela antecipada “quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Desta feita, a novidade trazida pelo dispositivo acabou por encerrar a discussão acerca da natureza jurídica daquela decisão. 

A discussão travada em torno do artigo 273, §6º do Código de Processo Civil de 1973 foi objeto, inclusive, de julgamento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Resp n. 1.234.887/RJ). De um lado, cogitava-se na doutrina se tratar de verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide, pois tratava-se de decisão baseada em cognição exauriente. De outro lado, entendia-se tratar-se de genuína tutela antecipada, uma vez que, apesar disso, seria possível a revogação desta decisão em final sentença. 

A corte entendeu, porém, que não se tratava de espécie de tutela de urgência, que a cognição seria exauriente, mas que em razão de política legislativa, “a tutela do incontroverso, ainda que envolva técnica de cognição exauriente, não é suscetível de imunidade pela coisa julgada, o que inviabiliza o adiantamento dos consectários legais da condenação (juros de mora e honorários advocatícios)” (BRASIL, 2013)  Segundo Didier Jr. (2017, p. 773), neste sentido:  

"O julgamento antecipado é uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida após a fase de saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção de mais provas em audiência de instrução e julgamento (provas orais, perícia e inspeção judicial)".  

Em seguida, acrescenta o autor que “o julgamento antecipado do mérito é, por isso, uma técnica de abreviamento do processo (...) pois o magistrado, diante de peculiaridades da causa, encurta o procedimento, dispensando a realização de toda uma fase do processo”. 

Após as providências preliminares, portanto, ou sendo elas desnecessárias, ao juiz competirá proferir sentenças com o sem resolução do mérito, julgar antecipadamente o mérito, ou, ainda, julgar antecipadamente apenas parcela dos pedidos. O que há de novo, então, é a previsão expressa da possibilidade de fracionamento da solução do mérito, por meio do julgamento antecipado parcial deste.

Referido fracionamento se dá quando apenas parte dos pedidos formulados pelo autor restam incontroversos ou maduros para julgamento, independentemente da produção de mais provas. Nesse caso, o código prevê a possibilidade de proferirse o julgamento antecipado em relação a tais pedidos, prosseguindo-se a lide em relação aos demais, pela necessidade de instrução probatória.  

Observe-se que o julgamento antecipado parcial pode se dar na própria decisão de saneamento do processo, a exemplo do reconhecimento da prescrição, a qual muitas vezes já vinha sendo reconhecida no momento de saneamento do processo, mesmo na vigência do Código de Processo Civil de 1973. 

Cumpre ressaltar que a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, que, repita-se, passou a ser contemplado expressamente no Código de Processo Civil de 2015, não se confunde com a figura da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (outra novidade legislativa), a qual é concedida em sede de cognição sumária e não exauriente, nos termos dos artigos 303 e 304 do Código de Processo Civil. 

A decisão parcial do mérito por outro lado, está fundamentada em cognição exauriente, e a possibilidade de uma sentença proferida com resolução do mérito, ainda que apenas de parcela dos pedidos, representa, em tese, a concretude do princípio da razoável duração do processo, devido à mais rápida resposta jurisdicional à lide. 

A ideia do legislador é de que não faz sentido postergar o momento da prolação da sentença quando o processo está, ainda que parcialmente, em total condições de ser sentenciado, o que causaria atraso e prejuízo aos sujeitos do processo, e essa seria a maior vantagem dessa novidade legislativa.  

2.2 Recorribilidade e cumprimento da decisão de julgamento parcial 

Cabe ressaltar, no ponto, que tanto a decisão de saneamento proferida na vigência do CPC de 1973, quanto o julgamento parcial do mérito proferido na vigência do CPC de 2015 comportam o recurso deagravo de instrumento (respectivamente artigos 522 do CPC/73 e 356 do CPC/15).

Wambier e Talamini (2016, p. 207) ressaltam, ainda, a possibilidade de o fracionamento incidir sobre uma única pretensão formulada, nos casos em que referida pretensão seja passível de desdobramento. Exemplificam da seguinte forma: “o autor pede a condenação do réu ao pagamento de um milhão de reais, e o réu desde logo reconhece a procedência de duzentos mil reais, defendendo-se quanto ao resto” (WAMBIER e TALAMINI, 2016, p. 207). 

O cerne da discussão sobre a recorribilidade da decisão que julga antecipada e parcialmente o mérito, está em definir a natureza jurídica desta decisão, bem como o critério de escolha do recurso estabelecido pela lei. Assim, é possível encontrar na jurisprudência dos Tribunais casos em que a parte sucumbente interpõe equivocadamente o recurso de apelação, ao invés de agravo de instrumento em face deste tipo de decisão.

Neste ponto, interessante a observação de Neves (2017, p. 703-704) quanto às possíveis repercussões e incongruências da lei, sobretudo no caso de cumprimento provisório do julgado. O autor aponta, primeiramente, a diferença de tratamento eivada ao procedimento do agravo de instrumento e da apelação; isto é, enquanto o primeiro será recebido, em regra, sem efeito suspensivo, a apelação, por outro lado, tem o efeito suspensivo como regra.  

Isso significa que haverá a possibilidade de cumprimento provisório da decisão do julgamento antecipado parcial de mérito, mesmo sem a necessidade de caução (art. 356, §2º)3 enquanto o cumprimento provisório de sentença, sujeita à apelação, apenas é admitido quando esta não é recebida também no efeito suspensivo, e, ainda assim, depende de caução, nos termos do artigo 520, do Código de Processo Civil. Nas palavras do autor: 

"Há, entretanto, uma gritante contradição entre qualquer decisão que resolva o mérito e seja recorrível por apelação e a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito. Enquanto no primeiro caso será inviável, ao menos em regra, a execução em razão do efeito suspensivo do recurso; no segundo, será cabível a execução provisória" (NEVES, 2017, p.703).

Neves aponta, ainda, ser inadequada a previsão de dois distintos recursos para contrapor decisões de mérito no atual sistema processual civil, ou seja, agravo de instrumento em face de decisão antecipada parcial de mérito e apelação contra sentença. Reconhece, porém, que a aproximação dos dois procedimentos recursais pela Lei 13.105/2015 mitiga o problema, estabelecendo prazos idênticos, ausência de revisor, e mesma técnica de julgamento do artigo 492 (que substitui os Embargos Infringentes).

Vale esclarecer, por fim, que a decisão proferida nos termos do artigo 356, do Código de Processo Civil, tem natureza de decisão interlocutória [grifos], e por isso o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, mas, ainda assim, ela possui caráter definitivo [grifos], aproximando-se do instituto da antecipação de tutela do antigo artigo 273, §6º do antigo diploma processual, conforme referenciado retro.  Devemos compreender, portanto, que a sistemática do novo código pretende simplificar o procedimento em torno de questões que não necessitam de maiores dilações probatórias, acentuando seu caráter instrumental, em busca da eficiência jurisdicional. 

2.3 Críticas ao julgamento antecipado parcial do mérito 

O julgamento antecipado parcial do mérito, apesar de garantir uma mais rápida resposta jurisdicional à lide apresentada ao Estado-juiz, nem sempre está em harmonia com os demais princípios constitucionais, sobretudo com o princípio da eficiência. 

Nesse caso, cabe ao aplicador do Direito, no caso concreto, ao fazer uso do artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015, fazer também a ponderação entre os princípios da razoável duração do processo e da eficiência. 

Precisa sobre o assunto, a lição de Didier Jr. (2015, p. 96), segundo a qual “Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/ célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.” 

Essa é maior desvantagem do julgamento antecipado parcial do mérito. Muitas vezes, na ânsia pela rápida resolução do litígio, com a prolação de uma decisão parcial de mérito, o tumulto processual ocasionado pode acarretar um prejuízo aos sujeitos do processo, sobretudo à parte vencedora, com a morosidade na prestação jurisdicional, não apenas na fase cognitiva, mas também na fase executiva. 

Didier (2017, p. 774) ainda acrescenta: 

"Essa possibilidade de abreviação do procedimento deve ser utilizada com cautela e parcimônia, não só porque pode implicar restrição ao direito à prova, mas também porque, sem a audiência de instrução e julgamento, podem os autos subir ao tribunal, em grau de recurso, com insuficiente conjunto probatório. Como não é praxe, em órgãos colegiados, a realização de atividade de instrução probatória complementar (não obstante isso não esteja vedado pelo sistema,conforme se vê do arts. 932, I, e 938, § 3a, CPC), é possível que, diante de um processo mal instruído, o tribunal resolva anular a sentença, para que se reinicie a atividade probatória - e isso não é desejável".

O julgamento antecipado parcial do mérito é uma importante inovação no sistema processual civil. Entretanto, sua implementação depende de maior amadurecimento e aprimoramento técnico dos operadores do direito e das instituições judiciárias. 

Em termos práticos, podemos destacar duas situações de grande dificuldade prática. 

Primeira: a decisão que julga antecipadamente o mérito é recorrível por agravo de instrumento. Nesse caso, a interposição do recurso não impede o cumprimento provisório da decisão, pela falta de efeito suspensivo, conforme se depreende do artigo 356. § 2º. Esta decisão, ademais, se ilíquida, estará sujeita à liquidação, se líquida, estará sujeita à execução imediata da obrigação reconhecida, independentemente de caução. Além disso, verifica-se que o cumprimento dessa decisão pode ser processado tanto nos próprios autos, quanto em autos apartados, nos termos do artigo 356, §4º, do Novo Código de Processo Civil:  

Neste caso, poder-se-ia vislumbrar atrelado a um mesmo processo: 

(i) O julgamento antecipado parcial do mérito (com recurso de agravo de instrumento pendente de julgamento);

(ii) A liquidação da decisão antecipada parcial de mérito; 

(iii) O cumprimento provisório da decisão que julgou antecipada e parcialmente o mérito; 

(iv) O cumprimento definitivo da decisão que julgou antecipada e parcialmente o mérito, em caso de não interposição do recurso de agravo de instrumento, com o consequente trânsito em julgado da decisão; e

(v) O prosseguimento da lide com a instrução probatória em relação aos pedidos controvertidos.  

Observe-se que o exemplo contemplou a possibilidade de que a decisão que julgou antecipada e parcialmente o mérito reconheça a existência tanto de obrigação líquida quanto ilíquida. E ainda, a possibilidade de que, com a não interposição do recurso ou após o seu julgamento, haja cumprimento definitivo da decisão, mesmo antes do término do processo, com a prolação da sentença

Interposto recurso de agravo de instrumento, e mantida a decisão pela instância superior, o cumprimento provisório tornar-se-ia definitivo, e, seguindo o curso normal do processo, seria proferida sentença com relação à parte controvertida da lide. Neste caso, poder-se-ia vislumbrar atrelado a um mesmo processo: 

(i) O cumprimento definitivo da decisão que julgou antecipada e parcialmente o mérito; 

(ii) O cumprimento provisório da sentença, mediante prestação de caução, em caso de interposição de apelação recebida em ambos os efeitos, suspensivo e devolutivo; e

(iii) O cumprimento definitivo da sentença, em caso de não interposição do recurso, com o consequente trânsito em julgado da sentença.

Com efeito, mesmo na hipótese de decisão antecipada parcial do mérito líquida, ou seja, sem necessidade de instauração de procedimento de liquidação, e mantida a decisão em grau de recurso, é possível verificar o tumulto processual na instrumentalização do mecanismo previsto no artigo 356 do novo diploma processual. 

A clareza e a ordenação lógica processual tradicional fica seriamente comprometida devido à multiplicidade de procedimentos executórios, que podem ou não tramitar em apartado. 

Por fim, cabe algumas considerações sobre a coisa julgada da decisão antecipada parcial de mérito. 

Cabe observar, por um lado, que nem todas as decisões interlocutórias são recorríveis por agravo de instrumento. O rol do artigo 1.015 é taxativo, com a ressalva de outras hipóteses previstas em lei (inciso XIII). Por outro lado, há decisões interlocutórias que não são recorríveis de imediato. Isto é, não há uma irrecorribilidade da decisão, mas, diversamente, apenas terá recorribilidade mediata. O §1º do artigo 1.009, nesse sentido, ressalva a possibilidade de recorrer desta matéria em preliminar de apelação. 

De uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil, tem-se que, com a simplificação do procedimento, as decisões interlocutórias seriam irrecorríveis imediatamente, nos casos em que não coubesse Agravo de Instrumento. Assim, estaria dispensada, inclusive, a necessidade de insurgência nos autos contra referidas decisões, uma vez que, nos termos do §1º do art. 1.009, não ocorreria a preclusão das matérias nelas explicitadas, pois estas poderiam ser debatidas em preliminar de apelação, ou nas contrarrazões. 

3 FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS COMO FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA EFICIÊNCIA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO 

O processo existe para realizar o direito material. Isso significa que ele não se constitui como um fim em si mesmo, mas ao contrário, deve ser pensado sempre tendo em vista um determinado fim. 

Para Grinover, Cintra e Dinamarco (2012, p. 50) o processo é um instrumento a serviço da paz social. Isso significa, para os autores, que “o Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem”. E o processo como realidade social só pode ser compreendido pela percepção de seus escopos sociais, jurídicos e políticos. Neste sentido, a instrumentalidade do processo é o aspecto positivo da relação que liga o sistema processual à ordem jurídico-material e à própria realidade, em busca daqueles fins mesmos. O processo sempre será adjetivo, atrelado ao direito material.

Marinone (2015, p. 124) atenta que a prestação da tutela jurisdicional deve considerar as “necessidades do direito material”, compreendidas à luz das normas constitucionais. Daí que o seu caráter instrumental deve ser realçado, pois:  

"Há nítida diferença entre dar tutela às necessidades do direito material e exercer a função de pacificação social. Como essa última é neutra e indiferente ao direito material e aos próprios valores previstos nas normas constitucionais, ela apenas pode ser vista como consequência da atividade jurisdicional voltada à efetiva, adequada e tempestiva tutela jurisdicional dos direitos (...). A jurisdição tem por objetivo reconstruir a norma jurídica capaz de dar conta das necessidades do direito material e, apenas por consequência dessa sua missão, pode gerar o efeito da pacificação social" (MARINONI, 2015, p. 125).

Conquanto primordial que os atos processuais estejam previstos em lei a fim de garantir segurança jurídica às relações jurídicas, é patente a tendência legislativa de desburocratizar o processo, a fim de alcançar a justiça em tempo razoável. 

A efetividade da prestação jurisdicional, por outro lado, mais do que contemplar a celeridade na resposta estatal, pressupõe a garantia de direitos constitucionalmente previstos. Assim, reduzir a duração temporal do processo, nem sempre implica na concretização da efetiva tutela jurisdicional. Nesse sentido, tem-se que os princípios da razoável duração do processo e da eficiência atrelados à norma expressa no artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015 nem sempre estão em harmonia. 

No caso do julgamento antecipado parcial do mérito, o tumulto processual ocasionado pela multiplicidade de procedimentos, sobretudo na fase de cumprimento de sentença, pode fazer com que o objetivo da norma (razoável duração do processo) não seja alcançado. 

Desta feita, a instrumentalização deste novo mecanismo mostra-se problemática e dependente de uma remodelação não apenas em termos jurídicolegais, mais em termos práticos. Isto é, a implementação deste modelo impõe atualização profissional e tecnológica para a consecução dos objetivos constitucionais e finalidade da lei. 

Até que haja essa remodelação, cabe ao aplicador do direito a flexibilização da norma, ainda que isso represente a não aplicação do artigo 356 da lei processual civil nos casos em que o julgamento antecipado parcial ocasionar antes uma morosidade do que uma celeridade na marcha processual.  

3.1 Constitucionalidade progressiva da norma processual e controle de constitucionalidade difuso 

Insta antes de adentrar ao mérito da constitucionalidade progressiva do artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015, fazer uma breve síntese da questão da "lei ainda constitucional".

É preciso considerar que na hermenêutica jurídica, temos dois sistemas de interpretação da norma: ope legis e ope judicis.

Pelo sistema ope legis, o juiz está mais atrelado ao enunciado normativo, isto é, ao texto legal. Isso não quer dizer que a atuação do magistrado esteja condicionada à letra da lei, ao contrário, a aplicação da norma deve levar em conta, também, outros elementos do sistema jurídico, à luz do caso concreto. Daí surge a interpretação ope judicis. 

Didier Jr. (2017, p. 146) lembra que este mecanismo existe desde a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, referido no §1º do artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015. 

Acrescente-se que o sistema ope judicis, que se aproxima do ativismo judicial, tem sua importância para que se possa vislumbrar resultados processuais mais justos, em consonância com os ditames constitucionais. 

A lei “ainda constitucional”, “inconstitucionalidade progressiva” ou “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade” consiste em uma técnica de julgamento, por meio da qual há uma flexibilização na aplicação da norma que não goza de constitucionalidade plena. 

Isto é, a norma que não goza de constitucionalidade plena, mas que também não padece de inconstitucionalidade absoluta, deixa de ser declarada inconstitucional pois, no caso concreto, os prejuízos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade da norma são maiores do que a manutenção da norma no ordenamento jurídico. 

Vale lembrar que o controle de constitucionalidade – como apontado no primeiro capítulo deste trabalho – é dever de todo magistrado (controle difuso de constitucionalidade). Isso quer dizer que, sempre que o juiz se deparar com circunstância que implique violação ou afastamento de regra ou princípio constitucional, ele deve realizar a compatibilização vertical das normas. Ou seja: se a norma processual, em um determinado sentido, afasta ou diminui a aplicação de um princípio constitucional, esta norma é inconstitucional.  

3.2 A aplicação da constitucionalidade progressiva da norma como técnica de julgamento [HC 70514-6/RS e RE 341.717/SP] 

A técnica de decisão de (in)constitucionalidade progressiva tem como finalidade não somente a compatibilização vertical do ordenamento, mas também a preservação da norma jurídica. Vale lembrar que as normas do ordenamento jurídico têm presunção relativa de constitucionalidade, e por isso mesmo, o intérprete deve buscar sua preservação no sistema jurídico sempre que possível.

O Supremo Tribunal Federal utilizou dessa técnica de julgamento em dois casos paradigmáticos, a saber: Habeas Corpus 70.514-6/RS, de Relatoria do Ministro Sidney Sanches, e Recurso Extraordinário 341.717-SP, de relatoria do Ministro Celso de Melo. 

No primeiro Acórdão, julgado em 23 de março de 1994, reconheceu-se a constitucionalidade do §5º do artigo 5º da Lei 1.060 de 1950, acrescentado pela Lei n. Lei 7.871 de 1989, no ponto que trata do prazo em dobro para a Defensoria Pública. Referido dispositivo preceitua que “nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.

No segundo Acórdão, julgado em 05 de agosto de 2003, os Ministros entenderam por bem ter “ainda por constitucional” a regra contida no artigo 68 do Código de Processo Penal, no ponto que confere ao Ministério Público a legitimidade para promover, a requerimento do titular do direito - pobre na acepção jurídica do termo -, a execução da sentença condenatória ou do ajuizamento da ação civil, até que o Estado de São Paulo instituísse e organizasse a Defensoria Pública local, o que ocorreu em 2006.  

3.3 A aplicação direta de princípios para afastar a aplicação da regra processual ainda inconstitucional - a constitucionalidade progressiva da regra inscrita no artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015 

Por meio de pesquisa jurisprudencial, entendeu-se que a aplicação da regra inscrita no artigo 356 do Código de Processo depende de uma alteração na realidade fática a fim de conretizar os princípios buscados pela norma.  

Tal alteração consiste na atualização profissional dos operadores do direito, bem como do sistema judiciário em termos tecnológicos. Isso porque, a instrumentalização deste novo mecanismo revela-se problemática, pela multiplicidade de procedimentos uma mesma demanda. Essa remodelação do sistema e dos profissionais permitirá a implementação deste novo modelo que rompeu com a unicidade do julgamento, até então vigente, permitindo a consecução dos objetivos constitucionais e da finalidade da lei. 

Assim, até que ocorra essa alteração fática, a regra estabelecida no artigo 356 do Código de Processo Civil permanece em um estágio transitório entre a constitucionalidade e a inconstitucionalidade. Partindo desse pressuposto, referida regra padeceria de uma “constitucionalidade progressiva”, isso é, assim houver essa alteração fática, o artigo 356 passará de inconstitucional do ponto de vista prático e de alcance do objetivo da norma, para constitucional, quando então atingiria a consecução dos objetivos constitucionais e da finalidade da lei. 

O controle difuso de normas, portanto, permite que qualquer juiz ou tribunal deixe, temporariamente, de aplicar a regra do artigo 356, como forma de melhor assegurar o andamento do processo de forma célere e eficiente. Vale dizer, ainda que uma das partes defenda o julgamento antecipado parcial de mérito, o juízo deve analisar o processo sob o ponto de vista do princípio da eficiência da jurisdição, mesmo postergando a decisão para prolação de sentença final. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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_______. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Congresso Nacional, 2015. 

_______. Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Congresso Nacional, 1990. 

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_______. Constituição (1934) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>

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_______, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10ª Edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2015. 

BUENO, Cassio Scarpinella. Processo civil – Novas tendências: homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. In:  Jayme, Fernando Gonzaga, Faria, Juliana Cordeiro de, e Lauar, Maira Terra ·  (coordenadores). O modelo constitucional do direito processual civil: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações, Belo Horizonte, Editora: Del Rey, 2008. 

CABRAL, Antônio de Passos. Novo CPC: reflexões e perspectivas. In: Gaio Júnior, Antônio Pereira; Câmara, Alexandre Freitas (coordenadores). “A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo Código de Processo Civil”, Belo Horizonte, Editora: Del Rey, 2014. 

Cintra, Antônio Carlos de Araújo; Dinamarco, Cândido Rangel; Grinover, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.   

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