As mudanças ocorridas na organização das gangues após a intervenção do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho na cidade de Sobral - Ceará

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Resumo: O município de Sobral (CE) tem vivido nas duas últimas décadas uma ascensão da criminalidade, desencadeando o aumento do número de roubos, furtos e homicídios. Grande parte do número de roubos e furtos tem ocorrido por pessoas viciadas em drogas,

Resumo: O município de Sobral (CE) tem vivido nas duas últimas décadas uma ascensão da criminalidade, desencadeando o aumento do número de roubos, furtos e homicídios. Grande parte do número de roubos e furtos tem ocorrido por pessoas viciadas em drogas, com o intuito de sustentar o vício. O crescimento do número de homicídios se deu principalmente devido à rivalidade que havia entre as diversas gangues que existiam na cidade. Ocorre que no ano de 2016 houve a intervenção de facções conhecidas a nível nacional, tais como PCC e Comando Vermelho, intervenção essa que selou um “tratado de paz”.

Palavras-chave: Tráfico de drogas; Gangues; Primeiro Comando da Capital; Comando Vermelho.

 

THE CHANGES IN THE ORGANIZATION OF THE GANGS AFTER THE INTERVENTION OF PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL (PCC) AND THE COMANDO VERMELHO IN THE CITY OF SOBRAL - CEARÁ

Abstract: The municipality of Sobral (CE) has lived in the last two decades a rise in crime, triggering an increase in robberies and homicides. People addicted to drugs, in order to sustain the addiction, have done much of the theft and robbery. The increase in the number of homicides was mainly due to the rivalry that there were between the several gangs that existed in the city. It happens that in the year of 2016 was the intervention of factions known at national level, such as PCC and Comando Vermelho, intervention that sealed a "peace treaty".

Keywords: Drug Trafficking; Gangs; First Capital Command; Red Command.

INTRODUÇÃO

            O presente artigo tem como objetivo abordar o cenário municipal no âmbito da cidade de Sobral – Ceará no que se refere à organização das gangues em seus diversos aspectos. Discutiremos os motivos que levam os jovens a se filiarem a tais organizações, a rivalidade presente entre as diversas gangues distribuídas pelos bairros da periferia do município e sua motivação cultural. A transformação ocorrida no modo de pensar do gangueiro após a ordem vinda do interior dos presídios no ano de 2016, dispondo que deveria haver uma passeata que selasse a “paz” entre essas gangues, caracterizando a união da periferia contra os senhores do asfalto.

            Abordaremos ainda a intervenção das duas maiores facções do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, na organização do tráfico e na rivalidade entre as gangues, passando a figurar, no lugar das diversas facções, divididas por bairro, duas grandes organizações, o PCC e o Comando Vermelho. A partir de então os gangueiros escolheram uma destas duas facções.

             Tal transformação teve sérios reflexos no que tange ao sistema prisional do município, ponto que também será discutido, já que a demarcação de território feita pelo PCC e o Comando Vermelho não se restringiu ao tráfico de drogas, mas transpôs os muros das prisões, passando a existir casas prisionais de domínio exclusivo do PCC e outras de domínio do Comando Vermelho.

           

1. HISTÓRICO DAS FACÇÕES PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL E COMANDO VERMELHO E SUA ATUAÇÃO NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ

A origem das facções criminosas no Brasil ocorreu por volta dos anos 60, com a implantação do regime militar um novo governo se instalou no Brasil e de forma compulsiva combateu a desordem instalada. Com isso o sistema presidiário, já defasado na época, impôs um ritmo hierárquico e agressivo, a partir daí as aglomerações foram unindo suas forças para se fortalecer, surgindo as primeiras facções.

1.1 COMANDO VERMELHO

Comando Vermelho é uma organização surgida, no ano de 1987 dentro do sistema prisional brasileiro – mais especificamente no presídio da Ilha Grande - a partir da convivência entre presos políticos e criminosos comuns, durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985). Esta facção nasceu com a finalidade de melhorar a situação dos detentos, evitar a violência sexual e financiar as fugas.

Houve uma organização que precedeu o Comado Vermelho, chamada Falange Vermelha. Com o passar do tempo foi ocorrendo a corrupção das ideias iniciais (Paz, Justiça e Liberdade), o Comando Vermelho tornou-se uma organização criminosa que extrapolou os limites do presídio da Ilha Grande e passou a dominar sozinho o comércio de substâncias ilícitas na região metropolitana do Rio de Janeiro até meados dos anos 90. A essa época, a organização fundada, entre outros, por Rogério Lemgrüber, dedicava-se exclusivamente a atividades criminosas.

Também na mesma época, a partir de uma dissidência, surgiu o Terceiro Comando. A partir de então, se iniciou um período de perdas para o Comando Vermelho, principalmente devido às guerras pelo controle de substâncias ilícitas. Atualmente os principais líderes do Comando Vermelho ou forma mortos ou estão presos, a renovação das gerações de líderes fez com que a violência recrudecesse ano a ano. Figurando como seus principais líderes Fernandinho Beira-Mar, Isaías do Borel, Marcinho VP, My Thor e Elias Maluco.

1.2 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL

O Primeiro Comando da Capital, também conhecido como PCC, é uma facção criminosa surgida no início dos anos noventa no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, para onde eram transferidos prisioneiros de alta periculosidade com histórico de distúrbios em outras penitenciárias.

A organização cresceu e começou a mostrar força em diversas ações, como resgate de presos ou ataques a distritos policiais em todo Estado de São Paulo.

O líder Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, criou um estatuto a ser seguido pelos adeptos, com orientações como: “quele que estiver em Liberdade bem estruturado mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão” e “temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 11 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões”.

Com o decorrer dos tempos, as organizações criminosas ganharam grandes proporções territoriais. Utilizando-se das antigas gangues ganharam grande espaço nos dias atuais. Atualmente os grupos rivais têm outros motivos para se confrontarem, ou seja, a busca pelo domínio do tráfico de entorpecentes.

1.3 OUTRAS FACÇÕES QUE ATUAM NO ESTADO DO CEARÁ

Há ainda outras gangues que tem grande força no estado. Figuram entre as facções que possuem grande número de adeptos, a Guardiões do Estado (GDE) e a Família do Norte (FDN).

A facção Guardiões do Estado – GDE foi criada por dissidentes de uma torcida organizada, no Conjunto Palmeiras e se organizou de forma descentralizada, tendo uma liderança em cada bairro da capital, atua fortemente no tráfico de drogas, em roubos de veículos e de residências. Esta facção passou a aceitar também adolescentes e adultos jovens com a promessa de uma vida promissora no crime. Assim os Guardiões do Estado decidiram que deixariam de ser uma torcida organizada e que fariam uma espécie de 'associação' de criminosos, que agiam no Conjunto Palmeiras em Fortaleza (CE).

Com um começo não muito promissor, a GDE foi descoberta pelo Comando Vermelho e passou a agir de forma mais incisiva, inclusive na onda de ataques ocorrida em abril de 2016, quando um carro-bomba foi colocado em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Segundo um servidor da Secretaria de Segurança Pública, que não quis se identificar, "a facção é nova e formada por gente nova e inconsequente, em sua maioria adolescentes e jovens, que não tiveram acesso à educação e a outros serviços básicos. Eles são, infelizmente, o produto de uma vida totalmente desregrada e sem perspectiva nenhuma de ascensão financeira, a não ser pelo crime".

A Coordenadoria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social atribuiu à facção GDE os ataques a ônibus ocorridos na capital no mês de abril deste ano.

A Família do Norte (FDN) é apontada pela Polícia Federal como a terceira maior facção do país, atrás do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), e teria sido criada para conter o PCC.

A facção que chamou a atenção do Brasil e do mundo, por ser aposentada como a causadora do massacre ocorrido no Complexo Penitenciário de Manaus em janeiro deste ano, é resultado da união de dois grandes traficantes, Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, e José Roberto Fernandes Barbosa, o Pertuba. Segundo a Polícia Federal, após passarem uma temporada cumprindo pena em presídios federais, os dois retornaram para Manaus, em 2006, determinados a se estruturarem como uma facção criminosa.

2. ORGANIZAÇÃO DAS GANGUES NO PERÍODO ANTERIOR À INTERVENÇÃO DO PCC E DO COMANDO VERMELHO NA CIDADE DE SOBRAL (CE)

A organização dos jovens residentes nos bairros da periferia de Sobral através das gangues já ocorre há muitos anos. Os principais motivos que levaram essas pessoas se unirem em facções foram ganhar fama na comunidade, proteção dos companheiros, bem como o desejo de confrontar as pessoas de bairros considerados rivais. Há no subconsciente de todos os jovens o desejo de sentir parte de um grupo, sentir-se importante, e para o jovem da favela, muitas vezes taxado de marginal, entrar para uma gangue é uma oportunidade de ascensão social no meio em que está inserido.

            No tocante à cidade de Sobral (CE) havia diversas rivalidades entre as facções, separadas principalmente por bairro. A rivalidade entre as gangues se estruturava da seguinte forma: a gangue da Vicência Vieira (Bairro Terrenos Novos) era rival da Gangue do Gato Morto (Bairro Terrenos Novos); Gangue da Rua da Lama (Bairro Expectativa) era rival das gangues: Bagaceira (Alto da Brasília), Paraíso das Flores e Parque Silvana I e II; Gangue do Tamarindo era rival das gangues:  Pintor Lemos, Bagaceira, Paraíso das Flores, Mutantes (Bairro Sinhá Sabóia), Parque Silvana I e II; Gangue dos Mutantes era rival das gangues: Conjunto Santo Antônio e Pintor Lemos; Gangue do Santo Antônio era rival da Gangue do Dom Expedito e dos Mutantes; Gangue da Pintor Lemos era rival da Gangue do Tamarindo; Gangues dos Pilantras, Coleiros e Coxinhas (Bairro Vila União) eram rivais das Gangues Gato Morto e Vivência Vieira; Gangue do Alto novo era rival da  Gangue do Sumaré, entre outras.

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            As guerras existentes entre as gangues ocorriam por uma razão cultural. Os membros da gangue de um determinado bairro alimentam ódio pela gangue de um bairro considerado inimigo simplesmente porque foram criados ouvindo falar que sempre foi assim. Tal aversão aos bairros inimigos perpassavam os membros das facções. Se um morador de outro bairro adentrasse em um bairro rival, corria grande risco de ser assassinado.

            Este cenário foi tomando proporcionais totalmente descabidas. Até que se transformou em um círculo vicioso em que, por exemplo, um membro da Gangue da Várzea Grande matava um da Gangue Santo Antônio e na outra semana o inverso acontecia. O número de homicídios em Sobral cresceu de forma absurda. As facções começaram a matar familiares de seus rivais, crianças, pessoas não envolvidas com esses grupos.

            A insensibilidade dos gangueiros cresceu de tal forma que eles matavam um inimigo tiravam foto do corpo e postavam em suas redes sociais. As facções tinham redes sociais apenas para falarem dos rivais e postarem fotos dos corpos assassinados por eles. Um verdadeiro estado de barbárie.

            Os membros das gangues começaram a invadir os velórios, efetuarem disparos, criar tumultos nos cemitérios.            Depois passaram a desenterrar os corpos dos rivais, chegando, uma gangue, certa vez a desenterrar um corpo, arrancar a cabeça e levar para a frente da casa dos familiares da pessoa morto para ficarem jogando futebol.

A população ao ter notícia dos homicídios simplesmente falava que era um criminoso a menos e que enquanto estivessem se matando entre eles estava tudo bem. Ocorre, que não era analisado por essas pessoas que, por mais que esses jovens estivessem se envolvido com facções, não perderam a qualidade de seres, além do que havia todo um contexto familiar de sofrimento.

De forma curiosa, as gangues do município de Sobral (CE) ao serem comparadas com as existentes em outros lugares, não fundamentavam seus conflitos na disputa por território de tráfico de drogas, mas sim numa questão cultural e moral.

O tráfico de drogas ocorre nos diversos tipos de ambiente espalhados pela cidade, tais como praças e colégios, além dos lugares escondidos pela periferia do município.

Ocorre, que até o ano de 2016 cada traficante vendia droga sem preocupar-se em demarcar um território como seu. Tal cenário mudou de forma drástica a partir de então.

Em junho de 2016 ocorreu na cidade de Sobral (CE) uma passeata que foi o divisor de águas no que se refere á organização das gangues e do tráfico de drogas no município. Todos os envolvidos em facções receberam uma ordem, que se dizia vir da cadeia, que dizia todos deveriam se organizar “em paz” e realizar a passeata. A ordem, vinda dos líderes das facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho, era de que não haveria mais brigas, “era tudo uma coisa só”, tudo estava pacificado. A passeata resultou em na detenção de 48 adultos e apreensão de 40 adolescentes. No decorrer da manifestação os envolvidos gritavam frases como: “aqui é o crime se irmanando”, “agora vamos parar de nos matar” ou “a ordem da cadeia foi clara: só pode roubar rico”.

3. ORGANIZAÇÃO DAS GANGUES NO PERÍODO APÓS A INTERVENÇÃO DO PCC E DO COMANDO VERMELHO NA CIDADE DE SOBRAL (CE)

Fizemos um relato da cidade de Sobral no Estado do Ceará onde as antigas gangues que duelavam entre si por questões regionais e raciais passaram a ser utilizadas e exploradas por grandes traficantes que buscam dia a dia o controle e o domínio do mercado narcótico.

Foi realizada uma entrevista com um ex detento, cujo nome por medida de segurança não vamos citar, passando a chamá-lo pelo nome fictício de Bernardo. Morador do bairro Sinhá Sabóia, Bernardo afirma categoricamente como as facções estão distribuídas nos bairros de Sobral: O PCC (Primeiro Comando da Capital), está distribuído nos seguintes bairros: Dom Expedito, Sinhá Sabóia, Alto do Cristo e Conjunto Habitacional Nova Caiçara. Nos demais bairros da cidade de Sobral o império maciço e do CV (Comando Vermelho).

O sistema de divisão acima exposto ocasiona diversos confrontos sangrentos em busca de manter o império do tráfico. Vale ressaltar que as ¨brigas¨ nos dias atuais são patrocinadas e financiadas pelos traficantes, onde os mesmos possibilitam aos jovens o acesso às drogas que após se viciarem passam a trabalhar para o tráfico. Afirma ainda o ex detento que uma parte da sociedade criminosa que não se associa a nenhuma facção. São denominados de “a massa”. O jovem ex detento nos afirma que há na cidade de Sobral um serviço utilizado por traficantes, líderes dessas facções. Tal serviço é voltado a realizar cobranças de viciados ou pequenos traficantes, que devem uma quantidade de dinheiro, razão pela qual são assassinados friamente por viciados da seguinte forma: o líder da facção local entrega uma arma de fogo e uma motocicleta e o “contratado” assassina o seu desafeto. Fato que se comprova pelo número alarmante de homicídios no município.

Uma segunda entrevista foi realizada com o jovem de nome fictício Fernando, morador do Parque Santo Antônio. O entrevistado cumpre pena no regime aberto, ou seja, na Casa do Albergado.

Fernando relata que na Casa do Albergado há o domínio exclusivo do PCC, sendo aceitos pelos detentos somente membros desta facção e uma tolerância para os denominados irmãos, detentos que pregam a palavra de Deus como maneira de vencer as dificuldades carcerárias. Sendo assim, um detento, cumprindo pena na Casa do Albergado, só terá uma passagem tranquila por aquela prisão se o mesmo for integrante do PCC ou se for evangélico.

Fato esse que se comprova pela grande quantidade de detentos que deveriam cumprir a sua pena no sistema aberto, mas por serem de outras facções não conseguem permanecer de forma segura no local, preferindo, assim, violar as regras previstas para o cumprimento de pena em regime aberto, sendo decretada a sua prisão por ter quebrado as normas de permanência no regime aberto.

Há ainda uma parte dos apenados, que não se filiaram a nenhuma facção criminosa, denominados ¨a massa¨. Tal classe de detentos é muito cobiçada pelas facções, com o intuito de aumentar seu número de adeptos, buscando cada vez mais aumentar sua força de manobra.

As facções dominaram o sistema penitenciário sobralense, sendo distribuídas da seguinte forma: na penitenciaria industrial regional de sobral (PIRS) há o domínio do Comando Vermelho, sendo aceita a presença dos irmãos e de membros da massa; já na Cadeia Pública há o domínio exclusivo de membros do PCC, sendo aceitos os irmãos. No que se refere a massa, o PCC não aceita. Tornou-se corriqueiro perguntar ao preso que acaba de chegar à Cadeia Pública se o mesmo quer fazer o juramento e passar a compor a organização criminosa PCC. Caso haja a negativa do mesmo, este é transferido para a PIRS; por último, na Casa do Albergado só é admitida a permanência dos presos do PCC e dos irmãos.

Foi realizada uma entrevista com um servidor público do sistema penitenciário, por questão de segurança vamos usar o nome fictício Jonas. O servidor nos relata as dificuldades encontradas no sistema penitenciário. Tal circunstância viabiliza a expansão das facções no interior dos presídios, estando as unidades prisionais cada vez mais superlotadas, sendo, tanto os servidores quanto os apenados, submetidos a condições subumanas.

Em primeiro lugar, afirma o servidor, o efetivo é muito abaixo do que recomenda a legislação, já que a mesma recomenda 1 (um) agente penitenciário para cada 10 (dez) detentos. A realidade se forma muito diferente do disposto em lei, visto que uma penitenciária sobralense com capacidade para pouco mais de 450 internos conta com quase 700 e com um número de agentes penitenciários insuficiente, totalizando 8 agentes por plantão.

“Com um efetivo tão reduzido e com uma superlotação carcerária fica impossível transformar um criminoso num cidadão reabilitado ao convívio social”, relatou ainda nosso entrevistado. Fato intrigante a ser destacado consiste no seguinte: a população carcerária da cidade de Sobral é de aproximadamente 2000 presos, incluindo PIRS, Cadeia Pública e Casa do Albergado.

Observe-se que a população carcerária sobralense é composta quase que exclusivamente pelas camadas mais pobres do município, pessoas sem a menor instrução, grande parte nem o próprio nome sabe escrever, pessoas que nunca tiveram acesso às necessidades mais básicas, sendo assim um alvo fácil para o envolvimento no crime. Não que essa condição justifique a prática criminosa, mas diante de um ambiente tão hostil, fica extremamente difícil, senão impossível ressocializar alguém que nunca foi socializado.

No que se refere à organização das gangues que antes vigorava na cidade de Sobral, o cenário mudou completamente, pois atualmente não há mais facções dividas por bairros rivais, mas tão somente duas grandes facções, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. Todos os envolvidos nas antigas gangues passaram a declarar lealdade a uma dessas facções nacionais. No que tange ao tráfico de drogas, o cenário passou a ser de rivalidade e disputas por território de venda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por último cumpre destacar as políticas que vem sendo adotadas pelo Poder Público, com o intuito de amenizar os efeitos prejudiciais, dos confrontos entres as gangues e do tráfico de drogas, para a sociedade.

No que se refere à formação de gangues o único posicionamento dos poderes públicos é o policiamento ostensivo. Que surte um efeito positivo, mas não é o bastante. Seria necessário que os governantes estruturassem atividades mais educativas no interior das favelas. Atividades que contemplassem as crianças e adolescentes, com incentivos culturais e desenvolvimento da educação.

Tendo em vista que os que hoje estão inseridos nas gangues foram criados em meio a um cenário de tráfico de drogas, muitas vezes dentro de sua própria casa, vendo os seus pais engajados em facções, e até mesmo vendo o pai ser assassinado pelas gangues rivais. Não há, portanto, como exigirmos que tais crianças tomem rumo diverso que não seja a busca pela aceitação social através da filiação a um grupo, que lhe dará a oportunidade de vingar a morte de seus amigos e familiares.

Sabe-se que as drogas são o maior motivo da violência no País, pois quando o indivíduo se torna dependente dela ele é capaz de cometer qualquer ato infracional para conseguir saciar o seu vício.  O único meio que o adolescente impulsionado pelo vício encontra para satisfazer suas vontades e ganhar dinheiro de modo fácil é entrar no mundo do crime.  Se essas pessoas não recebem uma boa orientação e no meio da sua comunidade observam que o traficante tem tudo de modo fácil. Consequentemente ele vai querer seguir o mesmo caminho. O alvo de tais condutas geralmente são pessoas mais fracas, com baixa escolaridade e menores de idade, pois nem precisamos de estatísticas para comprovarmos que cada vez mais as crianças, e os jovens estão entrando no mundo do crime mais cedo. E é com base nesses incentivos de desenvolvimento do Estado que podemos vislumbrar uma sociedade menos violenta.

No ano de 2015 iniciou-se em Sobral uma estratégia que visava reduzir os danos causados pelo uso de drogas. Foi inaugurada uma Escola de Redução de Danos, com o intuito de orientar dependentes químicos que fazem uso de drogas a muitos anos.

A política de redução de danos, então implementada no município, alocou agentes redutores de danos nos diversos bairros da periferia que iniciaram um trabalho de orientação aos usuários de drogas e a seus familiares, distribuição de cachimbos e seringas, com o intuito de diminuir a contaminação causada pelo uso de objetos indevidos. Os familiares de pessoas alcoólatras há muito tempo são orientados a fornecer algumas doses de bebida alcoólica dentro de casa, desde o usuário concorde em se alimentar, evitando, assim que o idoso se embriague fora de casa e acabe sofrendo algum acidente, ou que fique bebendo horas a fio sem se alimentar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SÁNCHEZ-JANKOWSKI, Martín. AS GANGUES E A IMPRENSA A PRODUÇÃO DE UM MITO NACIONAL. Juventude e Contemporaneidade, p. 125, 1997.

ANDRADE, Carla Coelho. Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal. 2007. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Instituto de Ciência Sociais, Universidade de Brasília – UnB, Brasília.

ABRAMOVAY, M. et al. Gangues, Gênero e Juventudes: Donas de Rocha e Sujeitos Cabulosos. Brasília, DF, 2010.

SOUSA, Kilvia Mara Albuquerque de. DROGAS: Entre os efeitos perversos do proibicionismo e a política de redução de danos. Sobral, 2015.

RIBEIRO, Cláudio; TÚLIO, Demitri. Inimigos ainda desconhecidos. Disponível em: http://www.opovo.com.br/jornal/cotidiano/2017/04/inimigos-ainda-desconhecidos.html. Acesso em: 29 de maio de 2017.


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Sobre os autores
Márcio Magalhaes Ponte

Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Sérgio José Ximenes Maciel

Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF)..

Ana Marleiya Mendes Vasconcelos

Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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