O gênio humano pode, às vezes, se manifestar perfeitamente em um pequeno parágrafo. Nesta horas é que se desvelam a sublimação do espírito, a audácia intelectual e a essência da sabedoria. O que nos é transmitido, não raro, é muito mais enriquecedor por esclarecer o “como” ao invés “do que” se deve levar em consideração. É dizer, a forma pela qual se aprende supera, de longe, o conteúdo que se aprende.
Não se quer aqui enaltecer uma nova metodologia científica, retirada de um manual de fórmulas acadêmicas, ou coisas do gênero. O objetivo é outro: demonstrar como deveríamos nos deter diante de ideias e pensamentos que, vez ou outra, causam incômodo, por mexerem com preconceitos atavicamente arraigados, com algumas crenças ou com verdades absolutas.
Bertrand Russell, filósofo galês, Prêmio Nobel de Literatura em 1950, deixa consignado uma lição lapidar (na verdade, como veremos, duas) já nas páginas iniciais de sua História da Filosofia Ocidental, na medida em que apregoa interessante modelo de comportamento intelectual e humanístico.
Ao abordar a discussão filosófica em torno da qual nós, modernos, deveríamos ou não continuar acolhendo o riquíssimo acervo filosófico do mundo grego da Antiguidade, uma vez que, com o avanço da ciência e da tecnologia, tais ensinamentos teriam, para alguns, de ser abandonados, ao passo que, para outros, isso seria inconcebível, Russell sugere que, quando depararmos com uma reflexão, uma ideia ou uma argumentação defendendo determinado ponto de vista, o fundamental, a princípio, é não desprezá-las de cara, de modo que, por uma razão ou outra, elas forem eventualmente acolhidas, ou seja, se concordarmos com elas, o desejável é não tratá-las sempre com cega reverência.
Nota-se, portanto, que são dois processos distintos. Num primeiro momento, deve-se ter o que ele chama de “simpatia hipotética”, ou a necessidade de “crer” naquilo que nos é proposto, por mais sem sentido que o conteúdo da ideia possa parecer. Depois, no passo seguinte, é que o renascimento da “atitude crítica” deverá se manifestar, o que, em larga escala, pode nos levar ao abandono de muitas posições que por nós eram impetuosamente defendidas.
Neste cenário, a simpatia hipotética – que seria, pois, uma “abertura” para a compreensão de um tema abordado –, bem como a atitude crítica evitariam, respectivamente, o desprezo pelo que sequer conhecemos e que, em razão disso, deixamos de conhecer, e a reverência subserviente a nossas crenças e dogmas no plano político, filosófico e existencial.
A premissa de que parte Russell pode ser ilustrada pelo seguinte raciocínio: “Quando um homem inteligente manifesta uma opinião que nos parece evidentemente absurda, não deveríamos procurar que ela, de certo modo, é verdadeira, mas deveríamos procurar compreender como foi que ela chegou a parecer verdadeira”. A conclusão dessa tese filosófica acerca do conhecimento humano é perturbador: “Este exercício de imaginação histórica e psicológica amplia, ao mesmo tempo, o escopo de nosso pensamento, e nos ajuda a compreender quão tolos muitos de nossos preconceitos mais caros parecerão a uma época de espírito diverso”.
A aula de Bertrand Russel privilegia a vocação irrenunciável do intelecto humano: o doce e sagrado exercício de questionar e de questionar-se a fim de que haja, de fato, a evolução humana, no plano individual e coletivo. Por um lado, não se deve deduzir do aconselhamento russelliano um simples manifesto de relativismo filosófico de cariz niilista, uma vez que se deve dar crédito a um dado posicionamento teórico. Por outro lado, Russell volta-se contra o dogmatismo fossilizante, que, soberbamente, se arroga como senhor e possuidor de verdades indiscutíveis.