Responsabilidade civil e tabagismo

12/06/2018 às 12:31
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Discute-se a responsabilidade civil no caso de fumante, diante da jurisprudência do STJ e da doutrina.

I - OS FATOS 

Consoante informou o site do STJ, no dia 12 de junho de 2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso da Souza Cruz para afastar a responsabilidade civil pelos danos morais decorrentes da morte de um fumante diagnosticado com tromboangeíte obliterante.

O juiz de primeiro grau havia julgado improcedente o pedido de indenização feito pelos familiares, porém o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que a doença foi consequência direta do consumo de cigarros da empresa durante 29 anos, o que justificaria a indenização por danos morais de R$ 300 mil.

No voto acompanhado pelos demais ministros do colegiado, o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que a falta de comprovação de nexo causal direto e imediato entre a conduta imputada à empresa e a doença desenvolvida pelo fumante inviabiliza o pedido de indenização. Segundo esclareceu o ministro, não é possível atribuir responsabilidade civil objetiva na modalidade do risco integral à fabricante de cigarros.

“A causa direta e imediata da morte não é um defeito do produto, como ocorreria, por exemplo, nos hipotéticos cenários da explosão de um cigarro, da distribuição de um lote alterado ou com prazo de validade expirado, da comprovação da presença de uma toxina em qualidade ou quantidade não regulamentadas ou, até mesmo, da descoberta de uma doença que acometa indistintamente todos os fumantes”, afirmou o relator.

Diversamente do que concluiu o TJRS, Villas Bôas Cueva também apontou a impossibilidade de comprovar que ao longo dos 29 anos de vício foram consumidos apenas cigarros da Souza Cruz, afirmando ser irrazoável transferir esse ônus para a empresa, visto que se trata de prova negativa de impossível elaboração.


II - A RELAÇÃO CAUSAL 

A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Determina se o resultado surge como consequência natural da voluntária conduta do agente.

Em suma, o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.

Chegamos à relação material da causalidade e da noção de causa e do nexo causal.

Diversas teorias se propuseram a resolvê-lo.

Vamos elencá-las:

I - Da c.s.q.n(condição simples ou equivalência): Tal doutrina foi elaborada por Von Buri, que denominou-a doutrina da conditio sine qua non, da equivalência ou da condição simples, na linha de John Stuart Mill(Sistema da Lógica). O problema que se tem atribuído a tal teoria é no sentido de que se considera arbitrária qualquer distinção entre causa e condição. Ora causa é o todo e a condição, parte.

Sua fórmula proposta seria:

a) a conduta é causa do evento somente se, sem ela, o evento não se teria verificado;

b) um comportamento não é causal quando, sem ele, o evento se teria igualmente verificado.

II – Da condição qualificada:

1) causalidade adequada:

a) condição perigosa(segundo Grispigni, a análise da relevância causal da condição deve ser feita com referência ao contexto, no qual se efetua a ação, tendo-se em conta as circunstâncias preexistentes, concomitantes e previsivelmente subseqüentes, num juízo de prognose póstuma e segundo o conhecimento tanto do homem médio como do agente. Sendo assim a ação será condição qualificada se, tendo em vista o conjunto das circunstâncias, é relativamente idônea a produzir o resultado, de acordo com a experiência, constituindo-se em uma possibilidade de certa relevância para causar o resultado, sendo condição perigosa, pois constitui um perigo para a formação do resultado;

b) causa humana exclusiva(Antolisei): a causalidade deve ser encarada sob o ângulo da consciência humana, através do qual o homem apreende e prevê as circunstâncias, que interferem no encadeamento causal. Assim havendo circunstâncias excepcionais, cuja força causal não é possível ser apreendida ou calculada, a causalidade não deve ser atribuída  ao homem;

c)  causalidade jurídica;

d) tipicidade condicionada;

e) causalidade humana representável;

f)  causalidade racional: sua construção deve-se a Soler,que disse que o nexo de causalidade deve ser deduzido mediante um juízo de razoabilidade da ocorrência do resultado. Assim a condição é a causa do resultado quando devia razoavelmente produzi-lo, de modo que sua força causal é inteligível pelo homem, a ser feito o juízo com vistas às circunstâncias concretas em que a ação se realizou e segundo o cálculo feito e exigível do agente, cabendo analisar, também, a ocorrência de fatos excepcionais, devendo-se atender  ao exame real das consequências prováveis, captáveis pelo agente.

Outras teorias podem ser apontadas levando em conta um critério cronológico (condição próxima), ou de eficiência (quantitativo ou qualitativo). 

Há a teoria da causalidade adequada.

A tese parte das ideias de Von Bar e Von Kries.

 A causa é o antecedente não apenas imprescindível, mas também o mais adequado para a produção do resultado. Somente podem ser utilizados os antecedentes úteis, o mais adequado para a produção do resultado, ou seja, com mais probabilidade de produzirem o resultado, segundo uma valoração posterior.

É um critério corretivo da teoria da equivalência das condições independente do subjetivismo.

Lembra-se que pelas ideias de Von Buri quaisquer das condições que compõem a totalidade dos antecedentes é causa do resultado, pois a sua inocorrência impediria a realização do evento.

Sem dúvida, ela pode trazer muitas injustiças.

Vejamos um exemplo: A fere levemente B que deve, contudo, ser atendido em um Pronto - Socorro, onde ocorre um incêndio onde B vem a falecer. Ora, pela teoria da causalidade adequada a lesão produzida em B é causa de sua morte, pois com a eliminação hipotética do ferimento B não teria sido atendido no Pronto Socorro, onde ocorreu o incêndio.

Fácil entender que essa regressão ad infinitum traz injustiças na solução de problemas no âmbito penal.

Assim o legislador não pode adotar a teoria da equivalência de condições em todas as suas consequências.

De outro modo, há censuras à teoria da causalidade adequada, no sentido em que se assenta em uma abstração, numa prognose póstuma da norma eficácia causal apreensível ao homem médio e não à verificação das forças, que atuaram no fato concreto e de sua percepção pelo agente.

É  certo que Soler (Derecho Penal Argentino, tomo I, pág. 302), em teoria que foi denominada de causalidade racional, procurou uma solução para o problema vendo o nexo de causalidade como deduzido mediante um juízo de razoabilidade da ocorrência do resultado. Faz-se um exame real das consequências prováveis captadas pelo agente, de vez que o juízo de razoabilidade deve ser feito com vistas às circunstâncias em que a ação se realizou, e segundo o cálculo feito e exigível do agente, cabendo analisar, inclusive, a existência de fatos excepcionais, mas estabelecendo uma conexão entre os aspectos  causal e psicológico, o que para alguns é censurável. Suas ilações continuam atuais.

Para Paulo José da Costa (Do nexo causal, São Paulo, 1964, pág. 118) adota-se a teoria da condicionalidade adequada, isso porque  a condição para ser considerada como causa do evento seja concretamente realizada como idônea à sua consecução, através de uma valoração póstuma.

No entendimento de Miguel Reale Júnior (Parte Geral do Código Penal, Nova Interpretação, São Paulo, RT, 1988, pág. 28) adota o Código Penal a teoria da equivalência de condições, minimizado o âmbito da relevância causal pelo disposto no parágrafo primeiro do artigo 13, que introduziu alteração essencial não apenas em atendimento ao que a doutrina e a jurisprudência vinham consagrando, mas como consequência da construção típica da causalidade, da causalidade relevante ao Direito Penal, segundo perfil normativamente desenhado.

Importante é o estudo do nexo causal que tem em crimes como homicídio, lesões corporais, incêndio, importância devido ao resultado naturalístico.

A condição, antecedente necessário, reconhece-se apenas como a causa se possui em abstrato idoneidade à realização do evento, qualificação  que seria escolhida mediante um juízo ex ante.

Afirma-se que a verificação desta idoneidade causal da ação deve ser feita posteriormente, porém através de um juízo ex ante com base no conhecimento das leis da causalidade natural e de acordo com as circunstâncias concretas da situação em que ocorreu a ação e segundo o conhecimento que delas possuía o agente.

Sendo assim, o juízo de adequação causal realiza-se mediante um retorno à situação em que se deu a ação, a partir da qual se examinam em abstrato a probabilidade e a idoneidade da ação, segundo as leis da causalidade. Fácil é entender que Von Kries, um fisiológico, foi um dos fundamentadores dessa teoria.

A complexidade do problema das causas e condições se dá quando ocorre uma nova condição, que por sua preponderância sobre as condições anteriores, às quais está ligada de modo relativo, a nova condição  absorve o processo da causalidade no qual interfere. Assim se a ação subsequente, mesmo que relativamente relacionada com as condições anteriores, por si só apresenta-se como causadora do evento, este apenas a ela é atribuído com a ressalva de que os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. Essa a conclusão que tem Miguel Reale Júnior, no estudo do nexo causal.

Veja-se o exemplo: A fere B, que, ao ser atendido, ingere por descuido da enfermeira substância tóxica ao invés de medicamento, vindo, por tal razão, a falecer. Ora, se a ação de A não é condição adequada ao evento e a morte de B se deveu a fato superveniente apto, por si só, a sua produção, não se pode falar da ação de A como causa típica deste resultado, como concluem Miguel Reale Junior (obra citada) e ainda Everardo da Cunha Luna [Estrutura jurídica do crime, Recife, UFPE, 1970,  pág. 223), como causa típica deste resultado. Estabelece-se uma identidade entre causa e condição, reproduzindo o que já é dito no artigo 13 do atual Código Penal, parte geral, na redação trazida pela Lei 7.209/1984, naquilo que já estava estatuído no artigo 11, caput.

Na definição de Caio Mário (Responsabilidade CIvil), o nexo causal é o mais delicado dos elementos presentes na responsabilidade civil, é o mais difícil de ser determinado.

Assim surgiram variadas teorias com o nobre escopo de definir o nexo de causalidade.

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Uma das primeiras teorias foi a de equivalência das causas ou dos antecedentes nascida no direito penal, de Von Buri, embora desenvolvida pela doutrina civilista e acolhida inicialmente pela jurisprudência belga. É prevista no art. 13 do CP, mas aplicada com moderação.

Essa teoria também chamada de teoria de condição sine qua non é de uma inconveniência crassa, pois se levada em sua literalidade radical poderia tornar responsável cada homem por todos os males que atingem o mundo.

Outra teoria é da causalidade adequada. O efeito deve ser proporcionado à causa adequada, como explicou Von Thur. Só há responsabilidade se o fato, por usa própria natureza, for “próprio a produzir tal dano”.

A responsabilidade civil adotada a teoria da causalidade direta e imediata também chamada de teoria da interrupção do nexo causal consagrada pelo famoso acórdão do STF (STF, 1ª. T., RE 130 764, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 12/05/1992, publ. DJ 07/08/1992) estendendo a solução do preceito Às hipóteses de responsabilidade extracontratual.

Na verdade, a responsabilização é afastada pelo aparecimento de concausas. Não é a distância entre a causa e efeito. Pois se assim o fosse, restaria irressarcido o dano em ricochete admitido pacificamente pela maioria dos tribunais pátrios e, tem previsão legal expressa no art. 948, II do C.C.

Não se deve dar uma interpretação literal do art. 403 do C.C. Assim com escopo conciliatório, formulou-se a subteoria da necessidade da causa segundo a qual “o dever de reparar surge quando o dano é efeito necessário de certa causa”.

Devem ser tidos como sinônimos os vocábulos “direto e imediato” que servem para reforçar a idéia de necessidade. Agostinho Alvim esclarece que é indenizável o dano que se filia a uma causa necessária, “por não existir outra que explique o mesmo dano.”

A questão do nexo causal consagra Savatier é uma quaestio facti e não quaestio juris. Há julgado que entende inexistente o nexo causal no estacionamento gratuito de automóvel, logo a indenização por furto não será devida (RT 626:250, em contrário temos RT 610:77).”


III - DO INCABIMENTO DA TEORIA DO RISCO INTEGRAL 

Outro ponto considerado pelos ministros do STJ,  para o caso trazido à colação,  foi que após a descoberta da enfermidade, em 1991, o paciente foi expressamente alertado pelos médicos da necessidade de parar de fumar, mas mesmo assim ele prosseguiu no vício até sua morte, em 2002.

“Essa constatação é crucial para se afastar, também, qualquer responsabilidade por violação do dever de informação, haja vista que o agravamento do quadro clínico do paciente se deu em período no qual, inequivocamente, este já dispunha de informações ostensivas acerca dos malefícios inerentes ao consumo de cigarro e, especificamente, acerca do modo como o seu próprio organismo reagia à droga”, fundamentou o relator. Não há notícia nos autos de que o paciente tenha optado por algum tratamento para parar de fumar.

Portanto, de acordo com o relator, é de se respeitar a liberdade de fazer escolhas, inclusive aquelas que sejam prejudiciais à saúde, sob pena de violação da autonomia individual que norteia a nossa ordem constitucional democrática.

O ministro Villas Bôas Cueva lembrou que, embora se trate de um tema sensível, “as circunstâncias que envolvem o tabagismo, por si, não configuram automaticamente o dever de indenizar por danos morais e materiais no ordenamento jurídico brasileiro”.

É preciso, segundo o magistrado, haver os pressupostos legais para a responsabilização civil, quais sejam, a comprovação do dano, a identificação da autoria com a necessária descrição da conduta, e a demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano, entre outros aspectos.

Com o julgamento, a Terceira Turma corroborou o entendimento consolidado na Quarta Turma do STJ sobre o tema, no sentido de que o cigarro, cuja produção e comercialização são atividades lícitas, não é um produto defeituoso, mas de periculosidade inerente. Além disso, concluiu-se não ser possível aplicar as normas atuais de defesa do consumidor a fatos ocorridos no passado, que começaram antes mesmo da Constituição de 1988, especialmente no que se refere ao controle da publicidade promovida pela indústria tabagista.

Para o caso da responsabilidade civil pelo vício do tabagismo é indispensável a responsabilidade por culpa, não se aplicando a teoria do risco integral.

Pela teoria do risco integral, o acusado ficaria obrigado a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima, não se admitiria a ele provar a culpa da parte contrária, ficando impossível a comprovação de prova em contrário.

Uma fundamentação contrária atribuiria às empresas fabricantes de cigarro uma responsabilidade objetiva com características típicas da teoria do risco integral.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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