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A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

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3. DA AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA

Existem algumas características mínimas de prerrogativas conferidas à Defensoria Pública, que são: autonomia funcional, administrativa e financeira. A autonomia funcional é uma prerrogativa da instituição e não do ocupante do cargo dentro da instituição. É a virtude das funções exercidas pelo próprio servidor público, o que se executa para ter maior eficácia nas suas funções.

Já a autonomia administrativa, quer dizer que a própria instituição possui aptidão para dirigir a própria organização interna de seus membros, e que tais, por si só, exercem a prática administrativa.

Com relação à autonomia financeira ou orçamentária, Dejalma Campos traz o seguinte entendimento:

O orçamento público é conceituado de acordo com três pontos de vista: político, econômico e jurídico. Do ponto de vista político, ele supõe a adoção de decisões de grande transcendência no andamento do Estado; no aspecto econômico representa um plano da atividade financeira e, portanto, uma ordenação das necessidades públicas segundo suas prioridades; e, por fim, do ponto de vista jurídico é um ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o Poder Executivo, por período determinado, a realizar as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros objetivos adotados pela política econômica e geral do país e arrecadar as receitas criadas em lei. (CAMPOS, 2001, p. 71)

3.1 A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública do Estado pela Emenda Constitucional de nº 45/2004

Após muitos anos de tramitação pela Câmara, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004 foi aprovada. Com ela veio significativas mudanças e novidades no Poder Judiciário, surgindo com a finalidade de tornar ainda mais efetiva a norma que garante o acesso à justiça.

É nomeada como sendo “a reforma do judiciário”, justamente por envolver tantas mudanças na lei. Dentre tantas modificações advindas, uma delas foi à inclusão do § 2º no artigo 134 da Constituição Federal, que prevê o seguinte:

Art. 134 [...]

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (BRASIL, 1988, página única)

Com isso, foi conferida à Defensoria Pública do Estado, além da prerrogativa funcional e a autonomia no comando administrativo, a permissão em ter a própria política de seus orçamentos podendo ainda auferir o capital equivalente às dotações orçamentárias, incluindo os créditos suplementares especiais, até o dia 20 de cada mês, em duodécimo, no mesmo padrão dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, e ainda, do Ministério Público, que já fruíam dessa prerrogativa como meio de independência funcional.

Dessa forma, a Defensoria Pública do Estado passou a se desenvolver por si só, sem necessitar ser prescindida pelo Poder Executivo, sendo outorgado a ela recursos suficientes para a sua atuação.  

A autonomia administrativa e a iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária, portanto, confere à DPE instrumentos necessários à essencialidade de sua atuação, tais como, abrir concurso público e prover os cargos de suas Carreiras e dos serviços auxiliares; organizar esses serviços; praticar atos próprios de gestão; compor os seus órgãos de administração superior e de atuação; elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal ativo e inativo da Carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; dentre outras competências decorrentes de sua autonomia. (ARAÚJO, 2013, p. 37)

3.2 A necessidade de extensão da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

Em 2013, foi criada a Emenda Constitucional nº 74 que trouxe a inclusão da Defensoria Pública da União nas prerrogativas do artigo 134 da Constituição Federal. Ou seja, a autonomia atribuída as Defensorias Estaduais, passou a ser também das Defensorias Públicas da União.

Sua autonomia financeira e administrativa foi alcançada após anos de existência da instituição, servindo para reparar uma falha e descuido legislativo que ocorreu com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que conferiu as Defensorias Públicas Estaduais à autonomia, mas, excluiu a Defensoria Pública da União de forma inconstitucional.

Pode ser dito que a instituição atingiu a sua maioridade civil, podendo a partir de então, ter a permissão de expor a proposta orçamentária diretamente ao Congresso Nacional, o que torna a sua atuação mais intensificada e potencializada diante dos hipossuficientes.

O texto da emenda passou a demonstrar autonomia quanto ao aspecto funcional e administrativo, não contendo registro explícito relacionado à autonomia financeira. “Tal fato, porém, não exclui essa autonomia financeira, por uma razão muito simples: as prerrogativas em que se desdobra a autonomia financeira foram expressamente conferidas à DPU.” (SARMENTO, 2015, p. 34). A autonomia financeira é fator primordial para o alcance de independência do governo, se concretiza nos dois possíveis aspectos de abordagem, que é com relação à proposta orçamentária e ainda, do direito de receber recursos do Estado.

Para tornar viável a autonomia e independência da Defensoria Pública da União foi necessário que enquadrasse à ela as mesmas prerrogativas conferidas as Defensorias Estaduais. Pois já não fazia sentido, essa instituição depender de órgãos executivos, e do próprio governo no geral para ter acesso a recursos necessários para a boa funcionalidade e efetividade de suas funções. Além de ser o governo, um dos litigantes que a Defensoria Pública frequentemente enfrenta.

Alguns doutrinadores entendem que mesmo não existindo um quarto Poder, existe um quarto complexo orgânico, como afirma Franklin Roger, que “embora não possa ser definido como um quarto Poder, recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça” (ROGER, 2014). Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 3.569/PE, in verbis:

[…] a vinculação da Defensoria Pública a qualquer outra estrutura do Estado se revela inconstitucional, na medida em que impede o pleno exercício de suas funções institucionais, dentre as quais se inclui a possibilidade de, com vistas a garantir os direitos dos cidadãos, agir com liberdade contra o próprio Poder Público. (STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. Sepúlve Pertence, decisão: 02-04-2007)

O ordenamento brasileiro compreende sem transtornos a existência de instituições independentes em relação a qualquer dos poderes estatais. E após as Emendas nº 45/2004 e nº 74/2013, foi possível perceber um maior desfrute da independência da Defensoria Pública em relação aos outros poderes. A instituição possui funções que não correspondem a nenhum dos papeis dos poderes estatais já existentes, e a proteção quanto a esses poderes passou a ser garantida, sendo essa autonomia, fundamental para o real cumprimento da sua missão constitucional, não existindo ligação exclusiva a qualquer dos poderes.

Foi inserida pela Emenda Constitucional de nº 74 de 2013 a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.296, afirmando a existência de violação ao artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal. Esse dispositivo prevê que é de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que tratem sobre servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.

Segundo a ex presidente, no julgamento da ADI 2966, o STF concluiu que as matérias inseridas na lista de iniciativa privada do Executivo não podem ser reguladas por emendas decorrentes de propostas do Legislativo, afirmando que a orientação da Corte é inconstitucional, alegando ter vicio de iniciativa na Emenda nº 74/2013. Porém, como já defendido, a Defensoria Pública possui poderes totalmente desvinculados dos Poderes Governamentais, existindo caráter autônomo para tais instituições, no sentido de não haver nenhuma sujeição a qualquer dos três Poderes.

Não há, portanto, como se falar em afronta a princípio constitucional dos Poderes, e em específico o do Poder Executivo, justamente por levar em consideração todas as alterações e inclusões constitucionais que ocorreram durante esses anos, que têm dado efetividade na execução dos trabalhos dos Defensores Públicos.

Portanto, não pode ser aceita a alegação da ex Presidente da República de que teria vicio de iniciativa na propositura da emenda, justamente porque a Defensoria Pública não é integrante do Poder Executivo e nem de nenhum dos outros Poderes estatais, considerando por tais motivos, ser totalmente constitucional a Emenda de nº 74 de 2013.

Posteriormente, houve memorável aperfeiçoamento sobre este assunto, com a promulgação da Emenda nº 80, de 04 de junho de 2014, que com sua entrada em vigor, alterou determinados aspectos compreendidos na emenda anterior. Tal emenda, além de desligar a Defensoria Pública da advocacia, fortaleceu ainda mais a instituição, estendendo à Defensoria aos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional.

Ademais, houve a inserção do artigo 98, que destaca o importante fator da proporcionalidade entre o número existente de Defensor e a população de cada local. O artigo 98º que veio como inclusão, determina o seguinte:

Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.

§ 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.

§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. (BRASIL, Lei Complementar, 2014, página única)

Esse artigo nasceu com o intuito de assegurar ainda mais o direito do necessitado, tendo como objetivo garantir não apenas a existência da instituição em paredes, mas também, daquele que exerce função primordial para o seu funcionamento.

A prioridade maior é focar nas regiões que possuem maiores índices de concentração populacional, seguido de exclusão social. O artigo determina, então, que tenha um número proporcional de Defensores à população da cidade, pois assim, além de garantir maior efetividade, garante também celeridade no atendimento, que deve ser efetivo.

Com isso, percebe-se que a emenda trouxe um novo perfil constitucional para a Defensoria Pública. Tendo em vista que a busca agora, é suprir todas as jurisdições com Defensores Públicos de forma proporcional, onde anteriormente, inúmeros carentes não podiam sequer contar com a instituição, meramente por inexistência de servidores e insuficiência de recursos, o que estima ser mudado. Além, é claro, de tornar possível considerável ampliação da instituição.

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Com a referida emenda, houve desligamento da Defensoria Pública com relação à advocacia. É mais que claro, que ambas não possuem o mesmo papel, pois a atividade dos Defensores Públicos não corresponde ao da advocacia, devendo evidenciar que a atuação de uma, abarca assuntos que não cabe a outra.

Porém, surgiu um ponto discutido em divergência, tratando da necessidade ou não de cancelar a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil após a posse do cargo de Defensor Público. É certo que a não inscrição na OAB figuraria ameaça ao exercício laboral do profissional.

O dilema, que para alguns não fazia sentido, é tornar a Defensoria Pública da União independente dos Poderes e deixá-la submetida a OAB e suas regências quanto a disciplinas dos advogados, prejudicando assim, sua autonomia há pouco conquistada.  

Compreendendo que o concurso público pelo qual se aprova o Defensor possui grau muitíssimo mais elevado que a prova da OAB, seria descabida a submissão ao órgão institucional e à OAB.

Dessa feita, Daniel Sarmento aponta que “por todas estas razões, pode-se concluir que os Defensores Públicos Federais exercem, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia, e que a sua inscrição deve ser por isso cancelada.” (SARMENTO, 2015, p. 22).   

As emendas 74/2013 e 80/2014 permitem que os Defensores Federais exerçam a função de ombudsman. A expressão tem origem sueca e significa, “representante do cidadão” ou “provedor da justiça”.

Tal instituto possui várias características, “[...] com destaque para a base constitucional da sua atuação, e a independência política, administrativa, financeira e funcional de que desfruta no exercício de suas funções.” (SARMENTO, 2015, p. 16). Tomou em cada país, uma função significativa e diversificada.

Houve instituições latino-americanas que tiveram as suas funções relacionadas ao Executivo, alcançando certa independência com relação àquele Poder. Essas instituições possuíram apoio da Unesco, que concedeu o reconhecimento como um fundamental intensificador da instrução de paz.

A instituição foi compreendida como pública, possuindo autonomia em seus atos e funções, tendo como objetivo assegurar os direitos dos cidadãos, diante da Administração Pública.

Com isso, está claro que a Defensoria Pública da União exerce função de ombudsman. Pois a função da Defensoria corresponde com a dela, abarcando promoção dos direitos humanos em todos os graus, de direitos não apenas individuais, mas também coletivos, e ainda, sendo exercido de forma integral e gratuita, àqueles que necessitam.

Diante das explanações, é inegável a contribuição das Defensorias Públicas na diminuição da exclusão social, dando efetividade ao direito constitucional de acesso à justiça, através das evoluções que ocorrem constantemente pela luta em garantir que se tenha uma instituição forte e eficaz, para produzir o atendimento da maneira mais célere possível, sobretudo, há de se destacar que grandes impulsionadores desse progresso, são as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, pois elas vieram para de fato, garantir a independência desse órgão que obtém função essencial para a busca da justiça.

Assim, pode se afirmar que a Defensoria Pública tanto Estadual como da União, são instituições independentes, e que isso só é possível pela autonomia que a Constituição Federal e as Emendas Constitucionais vêem trazendo a ela.

Por fim, entende-se que a autonomia conferida, não é um interesse exclusivo da Defensoria e dos seus membros, pelo contrário, a finalidade intencional está relacionada há algo muito maior. A grande polêmica e busca, é na verdade, pela garantia de direitos dos necessitados; direitos estes, que são fundamentais e essenciais para uma vida digna. A proteção deles é, portanto, essencial, para que a Defensoria Pública atue de maneira eficiente e independente.

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Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM. Especialista em Direito nas Relações de Consumo - UCAM. Especialista em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial- UCAM. Diretor e Membro do Conselho Editorial da Revista Tribuna da Advocacia da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins. Professor e orientador da graduação (bacharelado) do curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Ipanema (licenciado). Professor da graduação e da pós-graduação do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins UBEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Igor Andrade ; NUNES, Tainá Brasil. A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5467, 20 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66912. Acesso em: 26 abr. 2024.

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