“Efeitos da desconstituição de um consórcio de empresas durante a execução de um contrato público decorrente de um procedimento licitatório.”
01. INDAGAÇÃO SOBRE O TEMA EM TESTILHA:
Questiona-se qual o efeito decorrente do desfazimento de um consórcio [1] de empresas, constituído a partir do êxito em um procedimento licitatório, quando tal ocorrência se dá a partir do termo inicial do contrato, ou seja, a desconstituição sobrevém durante a execução do objeto contratual.
02. FUNDAMENTOS:
Quanto à questão da insolvência de determinadas empresas em consórcio, malgrado seja uma exigência a apresentação de certidão negativa de falência ou concordata de todas as empresas consorciadas no início dos procedimentos licitatórios, reivindicação essa com o fito de aferir a qualificação econômico-financeira da licitante (Art. 31 da Lei nº 8.666/93) [2], fato é que qualquer empresa pode passar pelo infortúnio de ter que solicitar falência (ou escolher pela recuperação judicial), não sendo uma exclusividade das empresas que participam de procedimentos em consórcios, podendo ocorrer com qualquer uma das que desejam contratar com a Administração Pública.
Nesta linha de raciocínio, tem-se que uma empresa pode estar plenamente saudável quando do momento em que tomou a decisão de formar determinado consórcio para participar de certames e, infelizmente, com o decorrer do tempo, acaba por se encontrar em uma situação peculiar por conta das vicissitudes do mercado.
Muito embora os § 1º e § 2º do Art. 278 da Lei nº 6.404/1976 [3] estabeleça que os consórcios de empresas não possuem personalidade jurídica e que as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas nos respectivos contratos de consórcios, respondendo cada uma por suas obrigações e sem presunção de solidariedade, tal afirmação não deve ser ensejadora do entendimento de que, em havendo a insolvência de uma das empresas consorciadas, as demais permanecerão executando o objeto contratado.
Não obstante seja a Lei de S/A., neste caso, aplicada subsidiariamente à Lei de Licitações, existem algumas distinções, por exemplo, no que tange à questão da falênciade uma das empresas consorciadas.
Na Lei de S/A., por conta do Princípio da Continuidade da Empresa, adota-se o entendimento de que deve prosseguir o consórcio com a execução do objeto contratado, permanecendo, assim, as demais empresas (§ 2º do Art. 278).
De outra banda, a Lei nº 8.666/93 não permite tal continuidade, onde a falência de uma das consorciadas ocasiona a rescisão contratual(inciso IX do Art. 78) [4], tendo em vista que ela estará desqualificada para os atos da vida comercial.
A toda evidência, tal se dá justamente porque os consórcios constituídos com o desígnio único de participar de procedimentos licitatórios e, por lógico, contratar com a Administração Pública, possuem amoldamentos dessemelhantes daqueles de âmbito privado, gerando, portanto, uma espécie de sociedade de fato, por certo que cada um dos atos praticados por cada uma das empresas consorciadas se comunicam aos demais, sendo a responsabilidade, assim, solidária [6] entre as empresas que o constituem, agindo cada uma delas como uma unidade.
Não obstante a cristalina clareza dos dispositivos apresentados da Lei nº 8.666/93 e da Lei das Sociedades Anonimas, certo é que há um conflito aparente de normas, pelo menos no que diz respeito as responsabilidades das empresas consorciadas.
Com efeito, afigura-se fundamental dizer que o Tribunal de Contas da União – TCUtem adotado o entendimento no sentido da manutenção do consórcio sem uma das empresas que o constitui, mesmo daqueles que contrataram com a Administração Pública, tal qual preleciona a jurisprudência [5].
O fundamento para tanto é no sentido de que se deve ponderar a possibilidade da Administração Pública conservar o contrato firmado com o escopo de atingir o interesse público, que é entregar o objeto contratado pensando na coletividade que irá usufruí-lo, respeitando, também, o Princípio da Preservação da Empresa, eis que é uma fonte produtora no sentido da geração de emprego, donde se destaca, assim, a função social da empresa e o intenso incentivo à atividade econômica.
03. CONCLUSÃO:
Há de se concluir, então, que não é pelo simples fato de uma das empresas que constituem um certo e determinado consórcio se encontrar em falência, em contratos públicos, que não poderá o consórcio dar continuidade as atividades antes contratadas e desenvolvidas.
Felipe Furtado Morais é advogado especializado em Direito Administrativo do Escritório Morais & D’Ornellas Advogados Associados (www.moraisedornellas.com.br).
[1] Entende-se por consórcio um contrato associativo dedicado à execução de objetos contratuais determinados, cujas obrigações comuns ou de cada uma das empresas formadoras está abalizado nesse contrato.
[2] “Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: (...) II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física.”
[3] “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.”
[4] “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (...) IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado.”
[5] “A falência ou cisão de uma das empresas consorciadas, por si só, não autoriza a Administração Pública rescindir o contrato, podendo subsistir o consórcio, desde que previsível a execução do avençado. Fundamentação Legal: Art. 278, § 2º da Lei nº 6.404/76, Acórdão TCU 1.038/2003 – Plenário e art. 78, IX da Lei nº 8.666/93”.
[6] “Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados;
II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital;
III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei;
IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente;
V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.
§ 1oNo consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo.
§ 2o O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.”