Cerceamento de defesa e a ofensa ao princípio ao duplo grau de deliberação no contencioso administrativo

19/06/2018 às 16:56
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A Lei 18.877/2016, que trata do Processo Administrativo Fiscal, em seu Art. 31, limitou a apresentação de Recursos ao Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, no Estado do Paraná.

O Processo Administrativo Fiscal – PAF, no Estado do Paraná, recentemente recebeu uma nova roupagem com a edição da Lei 18.877, de 30 de setembro de 2016. A legislação até então vigente tratava sobre o PAF em dois momentos. Primeiramente em relação aos procedimentos ocorridos em primeira instância, disciplinados pela Lei 11.580/96 e num segundo momento em nível de colegiado pelo Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais - CCRF, conforme contido na Lei Complementar nº. 1/72.

Com a vinda da Lei 18.877/2016, houve uma unificação dos procedimentos. Hoje encontramos nesse texto toda a matéria que vai da Reclamação apresentada em primeiro grau até os Recursos interpostos ao Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, facilitando de certo modo a todos os que militam na área do processo administrativo.

A nova legislação trouxe certos avanços na parte processual quanto ao Processo Administrativo Fiscal, como também trouxe restrições na apreciação das razões dos contribuintes em grau de Recurso junto ao Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais.

Veja o que dispõe a Lei 18.877/2016:

Art. 52. Da decisão favorável a Fazenda Estadual, no julgamento da reclamação, em que o crédito tributário exigido na data da lavratura do auto de infração ou do vencimento da notificação de lançamento seja superior a 1.000 UPF/PR (mil unidades Padrão Fiscal do Estado do Paraná) poderá o autuado ou notificado interpor recurso ordinário ao CCRF.

Parágrafo único. O valor de alçada de que trata o caput deste artigo será reduzido em 50% (cinquenta por cento) para os contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições - Simples-Nacional.

Assim, houve por parte do legislador estadual um cerceamento quanto à discussão da matéria junto ao CCRF, com ofensa ao princípio do contraditório e a ampla defesa como incerto na Constituição Federal/88, que assim dispõe:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes:

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Assim para garantir o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes é indispensável a submissão da matéria ao duplo grau de deliberação, sob pena de não alcançar objetivamente os meios e os recursos atinentes ao litígio posto no processo administrativo fiscal.

Embora a Constituição Federal não contemple especificamente o princípio do duplo grau de deliberação, a matéria vem sendo disciplinada na legislação infraconstitucional. Como se pode ver da Lei Complementar Estadual 107, de 11 de janeiro de 2005, que estabelece normas gerais sob direitos e garantias aplicáveis na relação tributária do contribuinte com a administração fazendária do Estado do Paraná, conhecido como o Estatuto do Contribuinte, que assim assegura:

Art. 21 - São assegurados, no processos administrativo-fiscais, o contraditório, a ampla defesa e duplo grau de deliberação.

Assim, o mencionado estatuto do contribuinte, além de garantir o contraditório e a ampla defesa, também garante o exercício ao duplo grau de jurisdição sem qualquer limite ou restrição, como fez o art. 52 da Lei 18.877/2016 que trata do Processo Administrativo Fiscal.

Observe, portanto, que os autos de infração ou as notificações de lançamento decididos em primeira instância, com valores inferiores a 1.000 UPF/Pr, não serão apreciados pelo CCRF, lembrando que a UPF/PR do mês de junho/18 tem seu índice no valor de R$-98,95.

Assim, só serão apreciados pelo Órgão Superior as discussões acima de R$-98.950,00 para as empresas enquadradas no regime normal de tributação, enquanto que para as empresas no Simples Nacional o valor seria de R$-49.475,00 para o mês de junho/2018.

Com esse impedimento, muitas matérias serão apreciadas apenas pela autoridade de primeiro grau. Podemos citar que todos ou quase todos os lançamentos/notificações em relação ao Imposto Sobre Propriedade e Veículos Automotores - IPVA, estariam excluídos da apreciação do Colegiado, assim como a discussão em relação à grande parte relativa ao Imposto de transmissão causa mortes e doações de quaisquer bens ou direitos - ITCMD. 

Também estarão alijadas da apreciação do Colegiado todas ou quase todas as obrigações acessórias, conhecidas como multas formais, discutidas em Processo Administrativo Fiscal, contidas nos incisos XIII a XXV, Art. 55, da Lei 11580/96, em razão do impedimento da apreciação ao duplo grau de deliberação.

Dessas infrações tidas como formais, todas elas de relevante valor, deve-se destacar a mencionada no inciso XXV, acrescentado pelo Art. 12, da Lei 19.358/2017, que tem a seguinte redação "equivalente a 10% (dez por cento) do valor do crédito do imposto lançado em desacordo com o disposto nesta lei, sem tê-lo ainda aproveitado, sem prejuízo do respectivo estorno".

Em relação ao crédito do imposto relativo à operação anterior, a legislação estabelece duas situações, a (I) apropriação simplesmente do crédito em conta gráfica e (II) sua efetiva utilização para abatimento do imposto.

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A primeira situação, como mencionado, trata-se, portanto, de apropriação de crédito sem que o contribuinte o tenha utilizado para abatimento do imposto. Na segunda hipótese, a legislação prevê (inciso III, Art.55 da Lei 11580/96) a aplicação de penalidade de 60% (sessenta por cento) sobre o valor do crédito utilizado em desconformidade com a legislação.

E é muito comum em relação a essas duas hipóteses a discussão sobre o crédito relativo a bens de uso e consumo, assim entendido pelo fisco, enquanto o contribuinte sustenta que determinada aquisição não se trata de bens de uso e consumo, mas sim de insumos da produção. Como a legislação não define com precisão que se entende por bens de uso e consumo, a discussão sempre aflora nos processos que ficariam estritamente no entendimento da autoridade de primeiro grau, afastando uma discussão do colegiado.

Também deve se levar em conta que embora a legislação preveja que o contribuinte deva fazer a juntada das provas com a apresentação da Reclamação (ou seja em trinta dias) e isso nem sempre é possível, em razão de sua produção encontrar na maioria das vezes em poder de terceiros, embora a legislação autorize a sua apresentação posteriormente, conforme art. 31, da Lei 18.877/2016, com o impedimento contido no art. 52, da mencionada Lei, a sua apresentação e apreciação em Recurso Ordinário ao CCRF fica totalmente alijada, demonstrando de forma cabal o cerceamento de defesa e o desrespeito ao duplo grau de jurisdição, garantido pelo Estatuto do Contribuinte.

Com a impossibilidade da apreciação das razões do contribuinte pelo órgão de segunda instância, as decisões de primeiro grau não acolhidas em razão da impossibilidade de apresentação das provas em tempo hábil na Reclamação, com valores inferiores a 1.000 UPF/PR, estarão sujeitas à inscrição em Dívida Ativa, bem como sujeitas à inscrição no cadastro de devedores.

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Sobre o autor
Gerson Tarosso

Advogado inscrito na OAB/r. sob n. 24017, sócio do escritório Tarosso Advogados Associados em Curitiba-Pr. Curso de especialização em Direito Tributário pelo IBET, Auditor fiscal da Receita estadual aposentado - Delegado da Receita - Inspetor Geral de fiscalização ex Conselheiro e Presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais - Pr.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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