Prisão apos condenação em segunda instancia

Execução provisória da pena

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20/06/2018 às 18:22
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Reflexões sobre a prisão após julgamento em segunda instância, sem o esgotamento de todos os meios e recursos possíveis. Mais uma interpretação "tapa buracos" do STF...

1. INTRODUÇÃO 

O objetivo desse trabalho é discutir o julgamento do Habeas Corpus número 126.292[1],  apreciado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, que mudou o entendimento prevalente da Suprema Corte, entendendo ser possível a execução provisória da pena, fundamentando que, se confirmada a sentença penal condenatória em segundo grau, poderá ter início o cumprimento da pena, pois, nesse caso, não estará ofendendo o princípio constitucional da presunção da inocência.

Assim, será analisado o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sua origem e aplicabilidade na norma em vigor e ainda discorrerá sobre as prisões que podem ser aplicadas de forma legal, antes do julgamento definitivo da ação penal (trânsito em julgado), e as circunstâncias autorizadoras dessas privações de liberdade.

Por fim, será discutido o objeto principal deste trabalho, que é a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do Habeas Corpus 126.292, discorrendo os principais pontos dos votos dos ministros, que mudou o cenário jurídico sobre a prisão de acusado após a confirmação de sua condenação em 2ª Instância, e ainda pareceres e entendimentos dos operadores do direito acerca da decisão.

Foram utilizadas pesquisas bibliográficas buscando informações de natureza descritiva e opinativas, além de publicações em sites jurídicos e jornalísticos, trazendo os mais diversos entendimentos dos profissionais que atuam na área jurídica, a fim de compreender e concluir quais os motivos que levaram a Suprema Corte a tal decisão e quais as consequências que podem ser geradas a partir desse precedente frente à Constituição Federal.


2. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O Princípio teve seu início, no Estado absolutista do século XVIII, que na verdade era uma resposta do povo contra as crueldades cometidas pelo Estado, principalmente no que se refere ao poder de prisão extraprocessual que o monarca detinha, muitas vezes resultando em prisões arbitrárias, sem a observância de qualquer regra processual.

Após esse período e início do iluminismo, onde algumas ideias liberais tomaram força, e o processo penal fazia parte dessas novas perspectivas, destacando a obra de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, denominada Dos Delitos e Das Penas, que trouxe importantes e valiosas lições acerca do Principio da Presunção de Inocência e dizia que “Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi dada” (BECARRIA. p. 22).[2]

Com esse movimento, muitas nações adotaram o princípio de presunção de inocência, que passou a integrar seus ordenamentos jurídicos.

Porém, o principio tomou forma com a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos em 1789, que previa em seu artigo 9º que “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.[3]

Posteriormente, foi mundialmente reconhecido com Declaração dos Direitos Humanos em 1948, que em seu artigo XI, que afirmou:

“Artigo XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.[4]

O Brasil incorporou como princípio basilar de seu ordenamento jurídico na Constituição Federal de 1988, que de início ficou duvidoso quanto à sua abrangência, entre o princípio de inocência ou o da não culpabilidade, o que mais tarde, na Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, estabeleceu em seu artigo 8º, “2”, o princípio da presunção da Inocência, afirmando que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.[5]

Com isso, está estampado no rol das garantias fundamentais, prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988, da seguinte forma: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, é expressa em determinar que a condição de inocente irá se perdurar até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Nota-se, portanto, que o princípio é responsável por tutelar o direito a liberdade dos indivíduos, e que está expresso na Lei Maior, e, portanto, toda e qualquer lei infraconstitucional deverá obedecer e respeitar o princípio.

Assim, qualquer que seja o ilícito cometido, o Estado terá o direito legal de apurar e aplicar sanções, porém, deverá respeitar todas as garantias constitucionais, permitindo a ampla defesa sem cerceamento da liberdade até que se prove a culpabilidade efetiva do infrator penal, que até esse momento será presumido inocente.

No mesmo sentido é o artigo 283 do Código de Processo Penal:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.[6] 

Há que se observar, entretanto, que o referido princípio não é transgredido nas aplicações das chamadas prisões cautelares (que trataremos na sequência), aquelas que ocorrem no transcorrer de uma persecução penal e forem indispensáveis para assegurar a investigação na fase inquisitiva, ou andamento da ação penal e posterior aplicação da lei penal na fase judicial. A legalidade destas prisões está atrelada ao atendimento de todos os requisitos expressos em lei, além da devida fundamentação, a fim de que não se torne uma execução antecipada de pena e, aí sim, ferindo o princípio da presunção da inocência. 


3. PRISÕES CAUTELARES 

O ilustre Professor e Jurista Heráclito Antônio Mossin descreve prisão da seguinte forma:

“É o vocábulo tomado para exprimir o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, de ir e vir, recolhendo-a a um lugar seguro e fechado. É o tolhimento da liberdade física da pessoa nas condições estabelecidas pela Constituição Federal e pelas leis ordinárias”[7]

Tendo por base que ninguém poderá ter sua liberdade restrita, senão por decisão transitada em julgado; o que se indaga é se há possibilidade e em que circunstância poderá ocorrer prisões sem o julgamento definitivo.

Pelo princípio da inocência, não é possível essa restrição da liberdade. Porém o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal determina que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, existem situações em que a demora na resolução e consequente amparo judicial tardio, poderá trazer prejuízos irreparáveis à efetividade do objetivo a que se pretende alcançar no processo.  Nesse sentido, brilhante os dizeres do MM. Juiz, Paulo Marcos Rodrigues de Almeida[8]:

 “Paralelamente à tutela jurisdicional comum (destinada à certificação e à satisfação de direitos, em caráter definitivo e em ambiente de intenso contraditório e ampla oportunidade de defesa), a ordem constitucional vigente exige uma modalidade especial de tutela jurisdicional, residual e subsidiária, que se submete à contingência de proteger a mera aparência do direito, sempre que, diante de situações de iminência de dano irreparável, o tempo necessário à investigação probatória exauriente possa ensejar o perecimento do direito ainda apenas suposto”.

Portanto, há casos excepcionais que autorizam essas restrições de liberdade, são as chamadas prisões cautelares, que se dividem em três espécies: prisão em flagrante, prisão temporária; e prisão preventiva.

Tais prisões não podem ter caráter punitivo e só podem ser aplicadas quando a liberdade de determinado indivíduo põe em risco interesses maiores, como por exemplo, instante em que se é cometido um crime, quando necessária às investigações na fase inquisitiva ou ainda, para garantir a ordem pública e a devida aplicação da lei penal.

Assevera Renato Brasileiro (2013) que “a prisão cautelar também não pode ser decretada para dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, sob pena de desvirtuar sua natureza instrumental”.[9]

Portanto, na busca de garantir sempre a administração e efetiva aplicação da justiça e objetivando a segurança da sociedade, referidos institutos devem ser aplicados somente em situações excepcionais em que é extremamente necessária a restrição da liberdade de determinada pessoa sem a decretação final de sua culpa; com observância que para suas aplicações devem obrigatoriamente ser preenchidos alguns requisitos essenciais para a legalidade do ato, dentre eles, a existência de um crime e indícios da autoria, bem como o perigo que determinado indivíduo representa à ordem publica e econômica se permanecer solto.

A prisão cautelar, também chamada de prisão processual, tem por subespécies, a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva, as quais analisaremos a seguir.

3.1. PRISÃO EM FLAGRANTE 

É admitida em casos em que um indivíduo é surpreendido exatamente no momento em que executa uma ação tipificada como crime.

Nesse sentido, Heráclito Antônio Mossin ensina que existem duas razões que levam à prisão em flagrante:

“Primeiro porque, visando a lei repressiva à tutela de bens jurídicos fundamentais do cidadão, atendíveis ao equilíbrio social, a prisão no próprio momento em que o delinquente executa ação penal ilícita atenua a revolta causada no sentimento popular, em decorrência do impacto e repercussão séria que um crime, nessas circunstâncias, produz. Segundo porque a detenção do autor de qualquer fato punível em situação de flagrância induz a uma quase certeza da procedência da pretensão punitiva a ser formulada pelo encarregado da persecutio criminis na peça angular da relação jurídico-processual” (MOSSIN. 1998. p. 360)

O instituto encontra amparo no artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal e no artigo 301 do Código de Processo Penal.

Porém, há que se anotar, que não evidenciado o estado de flagrância previsto no rol taxativo do artigo 302 do Código de Processo Penal, a prisão torna-se ilegal.

Portanto, a prisão em flagrante é medida necessária, mas que deve respeitar o principio da legalidade, não podendo ser usada de forma indiscriminada.

3.2. PRISÃO TEMPORÁRIA 

Criada através da Medida Provisória nº 111, a qual foi editada sob a alegação de uma necessidade urgente de conter a criminalidade no Brasil, posteriormente foi convertida na Lei n. 7.960/89, passando a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, e tendo como finalidade assegurar de forma efetiva a investigação policial de crimes graves em que a restrição da liberdade do suspeito torna-se imprescindível para esclarecer os fatos investigados.

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Cumpre anotar que tal prisão é decretada pelo juiz, mediante representação da autoridade policial ou do Ministério Público, e atender as possibilidades legais impostas pelo artigo 1º da referida lei, que possui um rol taxativo para a decretação desta medida. 

Nas palavras Julio Fabrini Mirabete, prisão temporária pode ser definida como “medida acauteladora, de restrição da liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial” (MIRABETE. 2003 p. 392)[10]

Por oportuno observar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência dominantes entendem que esta modalidade de prisão só pode e só deve ser determinada quando se tratar de crime previsto no inciso III e alíneas, do artigo 1º da Lei n. 7.960/89 (crimes considerados de extrema gravidade e causadores de repulsa social), sob pena de ilegalidade e abusividade na aplicação do instituto.

Confirmando esse entendimento, se manifestou o STJ:

“PROCESSUAL PENAL - PACIENTE SUSPEITO DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - PRISÃO TEMPORÁRIA - GRAVIDADE DO DELITO - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - IMPRESCINDIBILIDADE PARA COMPLEMENTAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES POLICIAIS - FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. - A prisão temporária é justificável quando, além da gravidade do delito, resta demonstrada a necessidade da segregação cautelar para complementação das investigações policiais e para garantir-se a ordem pública. Ademais, conforme informações prestadas, o paciente encontra-se foragido até a presente data, não demonstrando desejo de colaborar com as investigações. Ordem denegada.” (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma. Habeas Corpus nº 32348 /RJ. Proc. nº 2003/0225400-6. Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Brasília, 28/04/2004. DJ de 28/06/2004, p. 369). 

3.3. PRISÃO PREVENTIVA

 Está prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, porém os principais elementos deste instituto estão no artigo 312, alterado pela Lei 12.403/11, o qual passou a estabelecer os pressupostos probatórios e cautelares para sua aplicação, quais sejam: fumus comissi delicti (materialidade do delito e indícios de autoria) e cautelares ou periculum libertatis (ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal), levando-se em conta ainda, alguns critérios para a decretação da preventiva, dentre eles a gravidade do crime e circunstâncias do fato delituoso.

Assim, a falta dos pressupostos mencionados, inviabiliza a decretação da prisão cautelar, tornando-a ilegal e, mais ainda, desaparecendo a situação que legitimou a decretação da medida, obrigatoriamente deverá haver sua revogação.

Cumpre observar, ainda, que a decisão determinante da preventiva deverá ser devidamente e obrigatoriamente motivada e fundamentada pelo magistrado, seguindo as hipóteses da lei, sob pena de nulidade absoluta de sua aplicação. Nesse sentido, sãos os artigos 315 do Código de Processo Penal, ao determinar que  “a decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada”; e o artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal: “Ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”

Portanto, a prisão preventiva, assim como as demais prisões cautelares deve ser decretada em última ratio, sob pena de infringir os direitos fundamentais daquele que sofre tal restrição, tanto que poderá o julgador utilizar-se de outras medidas diversas da prisão, quando cabíveis, antes de decretá-la e, se, depois de empregadas essas outras medidas, elas não surtirem efeitos.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

“HC 96095/SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO.

(...) “a prisão preventiva, enquanto medida de natureza cautelar, não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu”

 (...)“a prisão preventiva, que não deve ser confundida com a prisão penal, não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal (STF. HC 96095/SP)”[11]. 

Sobre o autor
Geraldo Ribeiro

Graduando da 8ª Etapa do Curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Funcionário do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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