4. JULGAMENTO DO HC 126.292 - MUDANÇA DO ENTENDIMENTO.
Após, um breve estudo sobre o princípio da presunção da inocência ou não culpabilidade e as modalidades de prisões cautelares no nosso ordenamento jurídico, passemos a análise do julgamento do HC 126.292[12], onde o Supremo Tribunal, inovou ao mudar seu entendimento, passando a admitir a execução provisória da pena antes do trânsito em julgamento da sentença condenatória.
Importante, abordarmos que era favorável o entendimento da Suprema Corte, sobre a possibilidade de cumprimento antecipado da pena antes o trânsito em julgado até o ano de 2009, quando no julgamento do HC 84.078/MG, do referido ano, o Supremo decidiu de forma contrária aos entendimentos anteriores votando favorável a um condenado poder recorrer em liberdade aos Tribunais Superiores. Na ocasião, o Ministro relator do referido HC, Eros Grau ao justificar seu voto, observou:
“(...) 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual”. (STF. HC 84.078-7/MG. Rel. Min. Eros Grau. J. 05/02/2009).
A partir do julgamento do referido HC, estava patente e pacificado o entendimento, do Supremo Tribunal a respeito do tema. Porém, em 2016, novamente ganhou repercussão a matéria relativa ao cumprimento provisório da pena sem haver o transito em julgado e novamente a matéria foi objeto da pauta do Plenário, com o julgamento do HC 126.292/SP, que viria a abalar as estruturas do mundo jurídico.
O Habeas Corpus tinha por objeto a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou provimento ao recurso interposto contra sentença que condenou o acusado pelo crime de roubo majorado; determinando assim fosse expedido mandado de prisão contra ele. No HC a defesa alegou que o Tribunal decretou a prisão sem motivos, constrangendo ilegalmente o réu uma vez que o juiz de primeira instância havia concedido o direito de recorrer em liberdade.
Assim, passou-se ao julgamento do Habeas Corpus, que iria mudar a jurisprudência da Suprema Corte a respeito do tema, pois ao final do julgamento, ficou decidido por maioria de votos a possibilidade da execução provisória da pena, da seguinte forma:
“(...) por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena”.[13]
4.1. VOTOS DOS MINISTROS
Dentre os defensores do cumprimento provisórios, destaca-se a sustentação do Ministro Teori Zavascki, então relator do HC, quando menciona sobre o principio da presunção da inocência:
“2. O tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal”.
Sustentou ainda, que no cenário internacional a execução provisória já é empregada, mencionando o parecer Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC 85.886 (DJ28/10/2005), “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.
Foi seguido pelos Ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes.
Em seu voto, o Ministro Edson Fachin, argumentou que as regras da Lei de Execuções Penais foram revogadas com o advento da Lei 8.038/90, motivo pelo qual não impediria o cumprimento da execução da pena depois de esgotadas as instâncias ordinárias.
“No plano infraconstitucional, as regras da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, verbi gratia, os arts. 147 e 164) que porventura possam ser interpretadas como a exigir a derradeira manifestação dos Tribunais Superiores sobre a sentença penal condenatória para a execução penal iniciar-se, deixam de ser, a meu ver, argumento suficiente a impedir a execução penal depois de esgotadas as instâncias ordinárias, porque anteriores à Lei nº 8.038/90”.
O Ministro Luis Roberto Barroso criticou o uso abusivo e procrastinatório do direito de recorrer. Nesse sentido, expôs:
“34. Alguns exemplos emblemáticos auxiliam na compreensão do ponto. No conhecido caso “Pimenta Neves”, referente a crime de homicídio qualificado ocorrido em 20.08.2000, o trânsito em julgado somente ocorreu em 17.11.2011, mais de 11 anos após a prática do fato. Já no caso Natan Donadon, por fatos ocorridos entre 1995 e 1998, o ex Deputado Federal foi condenado por formação de quadrilha e peculato a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão. Porém, a condenação somente transitou em julgado em 21.10.2014, ou seja, mais de 19 anos depois. Em caso igualmente grave, envolvendo o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo, o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado em 2006 a 31 anos de reclusão, por crime ocorrido em 1992. Diante da interposição de 34 recursos, a execução da sanção só veio a ocorrer agora em 2016, às vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos da data dos fatos”.
Manifestou ainda o Ministro sobre a benesse que pessoas mais abastadas financeiramente possuem ao terem condições de suportar gastos para os inúmeros recursos com o intuito de evitar o trânsito em julgado da sentença, o que, torna a justiça diferente aos pobres na concepção econômica, nesse sentido manifestou-se: “Atualmente, como já demonstrado, permite-se que as pessoas com mais recursos financeiros, mesmo que condenadas, não cumpram a pena ou possam procrastinar a sua execução por mais de 20 anos”.
O Ministro Luiz Fux, defendeu seu voto com base no anseio da sociedade por uma justiça efetiva contra um condenado, que pode até se beneficiar com uma possível prescrição punitiva, assim destacou:
“(...) É preciso observar que, quando uma interpretação constitucional não encontra mais ressonância no meio social - e há estudos de Reva Siegel, Robert Post, no sentido de que a sociedade não aceita mais - e se há algo inequívoco hoje, a sociedade não aceita essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para de recorrer -, com a seguinte disfunção, a prescrição, nesse caso, ela também fica disfuncional, como destacou o eminente Procurador da República, se o réu não é preso após a apelação, porque, depois da sentença ou acórdão condenatório, o próximo marco interruptivo da prescrição é o início do cumprimento da pena”.
Já a Ministra Carmen Lucia, votou contrário ao pedido liminar e acompanhou o voto do relator, e encerrou seu voto argumentando que:
“(...) o que a Constituição determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a não condenação, como disse agora o Ministro Fux, se em duas instâncias já foi assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de Direitos Humanos”.
O Ministro Gilmar Mendes, também seguiu o voto do relator, fazendo uma crítica ao atual sistema que se utiliza do argumento do trânsito em julgado para o não cumprimento de penas já consolidadas.
Contrários ao entendimento do relator, foram os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsk.
A ministra Rosa Weber sustentou seu voto mantendo os entendimentos anteriores da Corte. Nesse sentido disse que “Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto”.
Já o Ministro Marco Aurélio manteve seu entendimento anterior, contra a execução provisória da pena antes da culpa devidamente formada. Iniciou seu voto com a frase: “não vejo uma tarde feliz, em termos jurisdicionais, na vida deste Tribunal, na vida do Supremo”.
E continua o Ministro dizendo:
“Reconheço que a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida.
Ontem, o Supremo disse que não poderia haver a execução provisória, quando em jogo a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje, conclui de forma diametralmente oposta, por uma maioria que, presumo, virá a ser de sete votos a quatro”.
O Ministro Celso de Mello enfatizou sobre a descaracterização do principio da presunção da inocência, dizendo:
“Há portanto, segundo penso, um momento, claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento, o Estado não pode tratar os indiciados ou os réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades”.
Por fim o Ministro Ricardo Lewandowski, mencionou sobre a questão que estava sendo julgada no Plenário, lamentando que ali, estavam decidindo sobre a prisão provisória de uma pessoa, assim mencionou:
“Quer dizer, em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo”.
Assim, por maioria de votos, e sob todos argumentos e relatórios levantados pelos Ministros, o resultado final e histórico foi a mudança do entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade da prisão antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, a chamada execução provisória da pena.