Prisão apos condenação em segunda instancia

Execução provisória da pena

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20/06/2018 às 18:22
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5. A DECISÃO DO SUPREMO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 

A histórica decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe novamente a discussão se teria ou não ofendido o texto constitucional.

Para os defensores da decisão da Suprema Corte, não houve nenhuma transgressão à Constituição, na medida em que o texto da Lei Maior não é expresso em mencionar sobre prisão, mas sim em culpa, "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória", nada mencionando sobre proibição da prisão, pois caso assim o legislador constituinte quisesse, poderia ter usado o termo “Ninguém poderá ser preso...”, ou ao menos ter mencionado sobre o cumprimento de pena, o que não ocorreu. (grifo nosso).

Fundamentam ainda que historicamente a tradição do sistema penal era a prisão após a condenação em segunda instância, e caso fosse necessário, o Tribunal Superior justificadamente suspendia essa decretação.

A polêmica sobre a mudança da jurisprudência se deu pelo motivo de que a Suprema Corte em 2009, interpretando o texto constitucional, entendeu que a expressão culpa poderia ser tida como proibição de prisão, e em 2016, voltando ao que entendia antes, em uma nova interpretação, decidiu que poderá haver a prisão após condenação em segunda instância, sem, contudo, transgredir a Norma Maior.

Arrematando o entendimento dessa corrente, a prisão é legal e necessária, pois as questões de fatos e de direitos já foram esgotadas, inclusive com julgamento em fase de recurso e, a possibilidade da prisão de um inocente seria muito pequena. Aduzem os defensores da decisão do Supremo, que se a aplicação do princípio da inocência for usada de forma irrestrita, processos levariam décadas para chegarem ao seu final e não existiriam presos por sentenças definitivas, pois, ou suas penas restariam prescritas ou não alcançariam a função pela qual foram impostas. E esse foi o entendimento dos Ministros que votaram a favor da prisão, pois entenderam que, nessa fase, como o mérito da condenação já foi julgado duas vezes, o princípio da presunção de inocência não foi ferido.

Esse também é posicionamento do atual Ministro  Alexandre de Moraes que substituiu Teori Zavascki. O ministro defendeu que a prisão em segunda instância não fere o princípio da inocência, tanto que na sabatina do Senado que aprovou seu nome ao cargo, disse:

“Não é inconstitucional a prisão em segunda instância. Como vossa excelência disse, não há uma determinação legal, mas também não há um impeditivo. Quem deve decidir sobre isso é o tribunal de segunda instância, exatamente porque, e esse é o fundamento jurídico que coloco, são primeira e segunda instâncias que podem analisar os fatos, o mérito da questão. Ou seja, primeira e segunda instâncias que podem analisar provas”             

E em fevereiro, já como Ministro, concretizou seu entendimento ao votar favorável à execução provisória da pena em julgamento sobre o caso do deputado federal João Rodrigues (PSD-SC - RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 696.533 - SANTA CATARINA), na Primeira Turma[14]. Em seu voto, disse o Ministro:

“Exigir o trânsito em julgado ou decisão final do Superior Tribunal de Justiça ou do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para iniciar a execução da pena aplicada após o esgotamento da análise de mérito da dupla instância judicial constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em favor da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo 5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva”.

E concluiu seu voto:

“(...) Entendendo que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, voto pela DECRETAÇÃO DA IMEDIATA EXECUÇÃO DA PENA IMPOSTA PELO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL”.

Na outra vertente estão os contrários à decisão. Defendem que o cumprimento de pena só poderá ser iniciado após o trânsito em julgado da decisão condenatória, não podendo ser restrita a liberdade após o julgamento em segunda instância, a não ser que haja, no caso, motivos que ensejam a decretação da prisão preventiva.

Rebatem ainda o argumento de que o princípio da presunção da inocência gera impunidades, e advertem que passar por cima desse princípio poderá gerar injustiças irreparáveis; e que, caso seja necessário manter a segurança da sociedade e resguardar o devido cumprimento da lei penal ou assegurar seu cumprimento, o caminho legal é a prisão preventiva, que não viola a Norma Constitucional.

Nessa esteira, ainda que se admitisse uma interpretação do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que não é expresso sobre a proibição da prisão, fato é que o artigo 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.403/11, não deixa margem à interpretações, na medida que determina que somente poderá haver a restrição da liberdade do acusado em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Portanto, nesse entendimento, verifica-se que o Congresso Nacional, que possui competência exclusiva para aprovações de leis, já decidiu sobre a questão; e ao judiciário, a competência é apenas de se fazer cumprir essas leis e não usurpar a competência do Legislativo editando “normas” através de suas jurisprudências que tornam precedentes em todo o ordenamento jurídico nacional.

Segundo a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), que publicou nota em 02 de abril de 2018, sobre o tema, a prisão deve ser uma exceção no ordenamento jurídico nacional, e para os casos necessários o Código de Processo Penal prevê três institutos, quais sejam: a prisão em flagrante delito, as cautelares (prisões temporárias e preventiva) e em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado, e nesse último caso, a associação foi enfática em dizer:

“(...) Nesta última hipótese, a privação da liberdade só pode ser imposta a alguém após o Poder Judiciário julgá-lo culpado de forma definitiva, aplicando-lhe pena privativa de liberdade. Isso ocorre depois de analisados todos os recursos previstos no ordenamento jurídico, que podem, até o último momento, rever ou anular a decisão condenatória, ou corrigir as penas e o regime de cumprimento impostos”.

Para finalizar, a entidade ressaltou a importância e urgência dos julgamentos das ADCs que estão em trâmite no Supremo, sobre o caso, pois há uma insegurança jurídica e violações a direitos constitucionais. Assim arrematou sua nota:

“(...) Por tudo isto, é de suma importância que o Supremo Tribunal Federal julgue favoravelmente as ADCs 43 e 44[15], ponderando esses e outros argumentos e proferindo decisão final, definitiva e vinculante. Assim agindo, se colocará fim à insegurança jurídica atual e, principalmente, à violação, já em curso, de garantias constitucionais –  presunção de inocência e devido processo legal- de milhares de pessoas – em sua grande maioria, jovens pobres e negros –, bem como ao risco iminente de novas violações”.

Ainda contra o entendimento do Supremo, reuniram-se várias entidades dentre associações de advogados e juristas num manifesto que denominou-se “NOTA EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO”, no documento as entidades questionam a fragilidade e insegurança jurídica trazidas com a recente decisão da Suprema Corte, que anteriormente já decidiu que a prisão cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, jamais pode converter-se em forma antecipada de punição penal. Dentre os argumentos suscitados no documento a nota foi enfática na defesa do principio constitucional, dizendo:

“(...) à luz do princípio constitucional, é inconcebível qualquer formas de encarceramento decretado como antecipação da tutela penal, como ocorre na hipótese de decretação da prisão em decorrência da condenação em segunda instância – hipótese odiosa de execução provisória da pena – em que a prisão é imposta independente da verificação concreta do periculum libertatis. É importante salientar que, em nosso sistema processual, o status libertatis (estado de liberdade) é a regra, e a prisão provisória a exceção”.

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Invocou ainda o principio da dignidade humana e as garantias fundamentais, mencionando:

“(...) Na concepção do processo penal democrático e constitucional, a liberdade do acusado, o respeito à sua dignidade, aos direitos e garantias fundamentais são valores que se colocam acima de qualquer interesse ou pretensão punitiva estatal. Em hipótese alguma pode o acusado ser tratado como “coisa”, “instrumento” ou “meio”, de tal modo que não se pode perder de vista a formulação kantiana de que o homem é um fim em si mesmo”.

O documento foi finalizado requerendo ao Supremo Tribunal que cumpra o dever constitucional de proteção aos direitos e garantias fundamentais, a fim que o estado democrático de direito pelo vivemos não seja desconstituído.

Em enfática crítica ao entendimento atual do Supremo Tribunal também foi o parecer do Jurista José Afonso da Silva[16] ao apontar que eventual prisão após decisão em segunda instância, antes de julgados todos os recursos em tribunais superiores, "viola gravemente a Constituição".

Em um dos trechos do parecer, argumenta sobre o entendimento pelo Supremo quanto à presunção de inocência tratar-se de princípio e assim está sujeito a ponderações. Assim menciona o professor:

“(...) Argumenta o acórdão (fls. 29s) que a presunção da inocência é um princípio e, por isso, sujeito a ponderação “com outros bens jurídicos constitucionais (...)”.

“(...) a norma contida no artigo 5º, LVII, não é um principio, mas uma regra. E, como regra, é uma norma que é sempre satisfeita ou não satisfeita. Se ela vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige, nem mais ou menos (...). Considerar essa norma como princípio simplesmente a anula, nada sobra dela. Não é possível otimizar algo que é binário: ou a presunção vale até o transito em julgado, ou não vale. Não há meio termo possível (...)”

Ainda o professor refuta os argumentos de que a demora dos julgamentos dos recursos levam à impunidades, pois acarretam prescrições e falta da efetiva justiça. Nesse ponto argumenta:

(...) Se isso é inegável, o certo é que a ineficiência do sistema não é culpa do cidadão recorrente, e, assim, o ônus não podem ser a ele imputado. Demais, os recursos integram os meios de exercício da ampla defesa e o recorrente que usa de seu direito não pode ser punido por isso. Reforme-se o sistema de recursos”.

Assim, o parecer está baseado na única interpretação possível do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que veda a antecipação da pena sem a existência de decisão condenatória contra a qual não caiba mais recurso (transitada em julgado). 

Após emitir seu parecer, o renomado jurista ainda mencionou que “é incompreensível como o Grande Tribunal, que a Constituição erigiu em guardião da Constituição, dando-lhe a feição de Corte Constitucional, pôde emitir tal decisão em franco confronto com aquele dispositivo constitucional” 

Sobre o autor
Geraldo Ribeiro

Graduando da 8ª Etapa do Curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Funcionário do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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