A construção social da infância no Brasil e a violação dos seus direitos no Município de Manaus

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Este trabalho tem como objetivo apresentar uma breve análise da situação de crianças e adolescentes do município de Manaus que tem seus direitos violados.

  1. Introdução

Os inúmeros estudos e pesquisas sobre a infância brasileira realizados no decorrer dos anos nos apresentam um quadro extremamente deprimente das crianças e adolescentes do Brasil, nos mostram que as crianças não eram tratadas como seres em desenvolvimento, com respeito as suas peculiaridades e as fases do seu crescimento.

Segundo Ariès (1981) na Idade Média (476-1453), considerava-se a infância como um período caracterizado pela inexperiência, dependência e incapacidade de corresponder às demandas sociais mais complexas.

A criança era vista como um adulto em miniatura e, por isso, trabalhava nos mesmos locais, usavam as mesmas roupas, eram tratadas da mesma forma que o adulto. Sem cuidados ou tratamento diferenciado do adulto restava à criança também aprender e executar as mesmas tarefas que as pessoas grandes e de maior idade aprendiam e executavam, na maioria das vezes os adultos em miniaturas eram criados e educados por outras famílias, nessas novas famílias e nesse novo ambiente, iam aprender a fazer os serviços que os adultos realizavam e aprender um ofício específico.

A criança não tinha convivência com a família biológica, todo afeto, carinho e ensinamentos eram realizados por pessoas que não faziam parte do seu ciclo familiar, como, homens, mulheres, vizinhos, amos e criados essas pessoas é que transformariam as crianças em adultos responsáveis, preparados para servir e prontos para o trabalho.

A vida das crianças sempre foi marcada, por situações de negligência, de abandono e por outras diversas formas de violência, principalmente as de famílias pobres, negras e indígenas, que no passado sofreram todo o infortúnio e toda tragédia por serem crianças. A violência praticada contra elas é um fenômeno que se estabeleceu ao longo dos séculos se perpetuou e continua nos dias atuais, as causas dessas violências são inúmeras, vários fatores, como a miséria, pobreza extrema, fatores culturais, negligencia familiar, omissão do estado com a ineficiência de politicas públicas e a própria desvalorização da infância.

Dados do Ministério dos Direitos Humanos - MDH (2017), através do DISQUE 100, nos mostram que, dos 76 mil atendimentos 40% se referem a crianças e adolescentes. São situações de negligência, violência psicológica, física e sexual.

O DISQUE é um serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), vinculado a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, lançado em 2003, que  tem como objetivo  ser um canal livre e aberto de denuncias  destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, em especial as que atingem populações com alta  vulnerabilidade, como: Crianças e Adolescentes, Pessoas Idosas, Pessoas com Deficiência, LGBT, Pessoas em Situação de Rua e outros, como quilombolas, ciganos, índios, pessoas em privação de liberdade.

Funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando teclar 100. As denúncias podem ser anônimas e o sigilo das informações é garantido quando solicitado pelo demandante.

O serviço inclui ainda a disseminação de informações sobre direitos humanos e orientações acerca de ações, programas, campanhas e de serviços de atendimento, proteção, defesa e responsabilização em Direitos Humanos disponíveis no âmbito Federal, Estadual e Municipal.

Em decorrência de todas as violações e desproteções em que crianças e adolescentes foram submetidas há anos ininterruptos, na década de 1980 diversos setores da sociedade brasileira se uniram num movimento em prol dos direitos e da melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes.

Com a redemocratização do Brasil, a partir de 1985, a luta pela promoção e garantia dos direitos humanos da população infanto juvenil começou a ganhar mais força. Em 13 de junho de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A partir dessa nova legislação, regulamentou-se no Brasil a concepção jurídica de proteção à infância e a adolescência estabelecida pela ONU.

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um novo tratamento a população infanto juvenil, deixaram de ser vistos como “menores” e passaram a ser tratados como sujeitos de direitos, exigindo em função da sua condição peculiar de desenvolvimento atenção especial do estado, da família e da sociedade.

Após 28 anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas crianças e adolescentes continuam com os seus direitos violados, continuam sofrendo no dia a dia várias formas de violência, só em Manaus em 2017 no Disque 100 foram 2.239 casos de violência, total geral dos Conselhos Tutelares foram 10.900.

Os Conselhos Tutelares do município de Manaus registram diariamente de 05 a 10 casos de violências por dia, cada área geográfica registra uma modalidade diferente.

  1. Infância no Brasil

A concepção que temos hoje de criança e infância não é a mesma que se tinha no passado, segundo Mary Del Priori (2004) o conceito de infância foi historicamente construído, a noção de infância e de criança no passado era muito mais uma questão de esperança, do que uma realidade, pois as taxas de mortalidade eram altíssimas, exatamente porque a condição de vida material no período da colonização no Brasil era precária, não existia rede hospitalar, o saneamento nas cidades coloniais eram os piores possíveis e a situação de precariedade em que o Brasil se encontrava contribuía para  que a criança não  crescesse, a maioria das crianças morriam muito cedo, não passavam dos primeiros anos de vida.

Mary Del Priori (2004) realizou inúmeros estudos para saber se nessa época a infância era um período desvalorizado ou a própria criança era desvalorizada e seus estudos mostram que apesar do mau grado e de todas as dificuldades encontradas pelas crianças, elas eram amadas nos seus primórdios. Entretanto, as que eram filhas de escravos ou de agricultores miseráveis, tão logo conseguissem diferenciar o certo do errado, eram imediatamente encaminhadas para o mundo do trabalho, executavam tarefas simples como arrancar matos das plantações, colocar ração para os animais, debulhar milho, sendo considerado também como uma forma de sobrevivência. As crianças de famílias ricas tinham brincadeiras, um lar harmônico, e apresentavam atividades diferenciadas, como aprender a ler, rezar, e montar a cavalo.

O educador italiano Franco Frabboni (1998) organiza o entendimento histórico da criança por meio de três identidades.

 Primeira identidade, criança-adulto ou infância negada, séculos XIV, XV. Nessa época as crianças eram desenhadas como adultos, com músculo e feições de adultos. É difícil imaginar a existência, na sociedade medieval, de um sentimento de infância. As crianças morriam em grande número pelas precárias condições de higiene e saúde e as que sobreviviam era confundidas rapidamente com os adultos. Essa mortalidade infantil era considerada natural. Podendo-se concluir que nesse período essa identidade da criança está definida pelo não sentimento de infância.

 Segundo identidade, criança-filho-aluno ou a criança-institucionalizada, séculos XVI, XVII. Esse período surgiu junto com revolução industrial, há uma mudança de pensamento e mudança de posição da família e da sociedade em relação à criança. Nesse período a escola passa ser o meio da educação, quer dizer que a criança deixou de aprender a vida por meio do contato com os adultos, entretanto só conquistavam esse direito as crianças que seus pais tinham poderes.

Terceira identidade, criança-sujeito social ou sujeito de direitos, século XX. Nessa terceira identidade todas as crianças pobres negras, brancas, ricas, indígenas passam a ter direitos, passam a ser sujeitos de direitos, suas vidas passam a ser vistas de forma diferente uma da outra, as que nascem em classe social alta tem mais oportunidades e as de classe social baixa que ajudam os pais nas tarefas domésticas de casa. Portanto existe criança de nível social diferentes.

Em sua obra História Social da Criança e da família, Philippe Ariès traça como a modernidade reconheceu o lugar da criança na sociedade e como surgiu um novo sentimento de infância, no qual a criança por sua ingenuidade, gentileza e graça se torna uma fonte de distração e relaxamento para o adulto, um sentimento que o autor chama de “paparicação”, o autor traça uma evolução histórica das concepções de infância a partir das formas de falar e sentir dos adultos em relação ao que fazer com as crianças. O sentimento de família, infância, sentimento de classes, dentre outros, surgem como as manifestações da intolerância diante da diversidade, existindo uma preocupação de uniformidade (Ariès,1981, p.100).

 Ariès inicia os relatos de seus estudos, nos falando sobre as idades da vida, mostrando que um homem do século XVI ou XVII ficaria surpreso com a naturalidade que lidamos com as exigências de identidade civil.

Não era dado um significado especial para cada idade da vida. A idade, da maneira cronológica como nós conhecemos hoje, não fazia parte da identidade na Idade Média e durante este período, as pessoas nem mesmo sabiam sua data de nascimento de forma exata, mesmo porque a ideia de contar o tempo, provavelmente, não tinha significado no cotidiano da época.

A vida era a continuidade inevitável, cíclica, às vezes humorística ou melancólica das idades, uma continuidade inscrita na ordem geral e abstrata das coisas, mais do que na experiência real, pois poucos homens tinham o privilégio de percorrer todas essas idades naquelas épocas de grande mortalidade. (ARIÈS, 1981, p.8-9).

Gouvêa (2003) chama a atenção também sobre o método que Ariès utilizou em seus estudos, que foi a pesquisa iconográfica, as inscrições nos túmulos, etc, utilizando fontes não habituais de pesquisa, abrindo caminho para novas modalidades de levantamento, tratamento e análise das fontes, algo totalmente novo e habitualmente não levado em consideração pela história tradicional.

E é claro que não é somente de elogios que a obra de Ariès é pautada. Existem aqueles que fizeram críticas do seu trabalho. Ferreira (2002) comenta que é preciso levar em consideração as fontes que Ariès utilizou em sua pesquisa, pois somente os que possuíam algum recurso financeiro poderiam encomendar pinturas em quadros ou fazer algum registro sobre a família, por exemplo.

Para Ferreira, fica claro que quando Ariès utiliza estas fontes, mostra somente um pensamento e uma versão da realidade. Porém, se pensarmos no período que Ariès estudou, não havia muitos registros das crianças das famílias abastadas, quanto mais das menos favorecidas. Cremos que seja por isso, que seu foco de estudo permaneceu nas classes mais altas, justamente por falta de referências e registros das outras camadas sociais.

Em 1960 na França e 1962 nos Estados Unidos, Philippe ARIÈS publica o livro sobre a “História social da infância e da família”, obra pioneira, que traz uma pesquisa a partir de muitas fontes iconográficas, de como surgiu à história da infância.

O livro história social da criança e da família trabalhava a sensibilidade adulta acerca da infância em sociedades europeias, tomando o final da Idade Média como ponto de partida e o século XIX como ponto de chegada. Progressivas modificações ocorriam nesse âmbito: a criança, à partida, é destacada apenas por seu caráter incompleto; por um não ser adulto. Pouco a pouco, reconhecida em especificidades que são suas, passaria a ser observada, paparicada, mimada e, finalmente amada. Essa longa trajetória, contudo, teria sido acompanhada por acentuadas mudanças na agremiação familiar e pelo decréscimo nas taxas de mortalidade infantil, que, por si mesmas, teriam acentuado o apego dos adultos por suas crianças. A tese de Ariès consolidava, assim, a suposição de que, desde o século XVI até o século XIX, teria sido firmada a subjetividade moderna com relação a infância. (BOTO, 2002, p.12)

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A partir dessas análises, algumas questões se colocam: Como chegamos à concepção de infância que temos hoje? Qual foi o caminho percorrido até aqui? Ariès sugere-nos que por volta do século XIII, apareceram na iconografia alguns tipos de crianças um pouco mais próximos do sentimento moderno. Por meio desses registros, é possível perceber como a ideia de infância vai se transformando.

  1. A infância nos dias atuais

De acordo com Levin (1997) somente na idade moderna que o adulto passou a preocupar-se com a criança, enquanto ser dependente e fraco. Fato este, que ligou a infância como uma etapa da vida que necessitava de proteção, a palavra infância  passou a designar a primeira idade de vida: a idade da necessidade de proteção, que perdura até os dias de hoje. Pode-se perceber, portanto, que até o século XVII, a ciência desconhecia a infância. Isto por que, não havia lugar para as crianças nesta sociedade. Fato caracterizado pela inexistência de uma expressão particular a elas. Foi, então, a partir das ideias de proteção, amparo, dependência, que surge a infância. As crianças, vistas apenas como seres biológicos, necessitavam de grandes cuidados e, também, de uma rígida disciplina, a fim de transformá-las em adultos socialmente aceitos.

Foi a partir da Idade Moderna, que as crianças passaram a ser vistas como um ser social, assumindo um papel central nas relações familiares e na sociedade, tornando-se um ser de respeito, com características e necessidades próprias. E é nesse período também que surge o processo de aquisição do conhecimento, a criança deve ser vista como um ser pleno, cabendo a ação pedagógica reconhecer suas diferenças e construir sua identidade pessoal. Para isso, é preciso pensar em formas lúdicas e criativas que possam estimular a criatividade e a imaginação da criança. Acredita-se que é através da brincadeira que a criança passará a conhecer a si mesma e o mundo do qual faz parte. O brinquedo ajudará na assimilação das regras de convivência e de comportamento.

Outra preocupação que surge na modernidade é com relação aos estágios do desenvolvimento da criança, onde Piaget, considera 04 (quatro) períodos, são eles:

  • Período sensório motor (0 a 2 anos) – caracterizado pela ausência da função semiótica em que a criança não tem a capacidade de representar mentalmente os objetos;
  • Período pré-operacional (2 a 7 anos) – a criança não adquiriu ainda a capacidade de colocar-se no lugar do outro, não possuindo o pensamento da irreversibilidade.
  • Período das operações concretas (7 a 11, 12 anos) – é um nível mental em que o indivíduo intervém nos raciocínios privados e nas trocas cognitivas. A linguagem passa a ser fundamental nesse processo.
  • Período das operações formais (12 anos em diante) – nesse estágio a criança já pensa em soluções através de hipóteses e não apenas observando a realidade. (LA TAILLE, 1992, p.47-75)

É nesse estágio que ela atinge o padrão intelectual que terá na idade adulta. O desenvolvimento e o processo de aprendizagem estão ligados ao meio social em que a criança vive e tem acesso aos materias culturais. E é na escola que ela que ela vivenciará trocas de experiências e aprendizagem ricas em afetividade e descobertas.

  1. Marcos legal na garantia dos Direitos de Criança e Adolescente

A Constituição (1988) representou um importante marco na conquista dos direitos de Crianças e Adolescentes brasileiras, garantiu a elas doutrina da proteção integral e as reconheceu como sujeitos de direitos estabelecendo a necessidade de proteção e cuidados especiais.

A doutrina da proteção integral da Organização das Nações Unidas foi inserida na legislação brasileira pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, trazendo para a nossa sociedade os avanços obtidos na ordem internacional em favor da infância e da juventude. Esse artigo constitucional, cujo texto reproduzo abaixo, de forma muito assertiva, encerra o conjunto de responsabilidades das gerações adultas para com a infância e a adolescência:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…)

A partir das discussões internacionais sobre os direitos humanos, a Organização das Nações Unidas elaborou a Declaração dos Direitos da Criança e com ela muitos direitos foram garantidos. Foi um grande avanço focar na doutrina da proteção integral e reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos estabelecendo a necessidade de proteção e cuidados especiais.

A LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 1990 estabeleceu um conjunto de normas que regulamentou detalhadamente o artigo 227 da Constituição. O detalhamento desse artigo definiu os direitos da Criança e do Adolescente, quem deve garanti-los, quem deve aplicá-los e como deve ser feito.

Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único.  Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

A Constituição Federal determina como obrigação do Estado, da Família e da Sociedade a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Infelizmente, a Lei Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não garantem que crianças e adolescentes sejam cuidadas, protegidas e tenha prioridade absoluta em todos os atendimentos e em todas as politicas publicas, pois a situação em que muitas crianças brasileira ainda se encontram é de extrema pobreza, o analfabetismo, trabalho infantil e muitas formas de violência, situações que impedem o suprimento das necessidades básicas e elementares ao público infanto-juvenil.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as violências e os acidentes, juntos, constituem a segunda causa de óbitos no quadro da mortalidade geral brasileira. Entre os 05 e 19 anos é a primeira causa entre todas as mortes ocorridas. Dessa maneira, observa-se a gravidade do fenômeno, que acaba repercutindo em todo território nacional. Além disso, compõe grande problema de saúde pública, devido, principalmente, à sensação de insegurança causada em todas as esferas sociais e ao custo financeiro que vem representando para todos.

  1. Violência domestica ou violência intrafamiliar

A família, célula mater da sociedade, é uma das principais violadoras dos direitos de crianças e adolescentes. A violência intrafamiliar corresponde a toda ação ou omissão que prejudica o bem estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao desenvolvimento da criança ou adolescente. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e de relação de poder à outra. Violência doméstica, por sua vez, inclui outros membros do grupo, sem função parental, que convivem no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados (as), pessoas que convivem esporadicamente e agregados.

Para Guerra (1998) a violência domestica é uma relação de poder abusiva exercida pelos pais ou responsáveis.

A violência física é quando a repressão é feita através de violência corporal (espancamentos, queimaduras, mordidas), ou da negligência em termos de cuidados básicos (alimentação, vestuário, segurança, etc.).

A violência física é caracterizada por qualquer ação única ou repetida, não acidental (ou intencional), perpetrada por um agente agressor adulto ou mais velho, que provoque dano físico à criança ou ao adolescente, este dano causado pelo ato abusivo pode variar de lesão leve a consequências extremas como a morte. (DESLANDES, 1990, p.20).

No município de Manaus a violência é uma rotina na vida de muitas crianças, crianças e adolescentes que continuamente são vitimas de diversas formas de violência e o que é mais grave, nas suas próprias casas. Os Conselhos Tutelares, principais portas de entradas das denúncias de crianças e adolescentes que tem seus direitos violados registram diariamente de 05 a 10 casos por dia.

Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, também tem o compromisso de fiscalizar se a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público estão assegurando com absoluta prioridade a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, cobrando de todos esses que cumpram com o que preconiza o Estatuto. Foi criado pela Lei Federal 8069/90.  

O Conselho Tutelar de cada área geográfica registra uma modalidade diferente de violência, as maiores ocorrências são de violência física, psicológica e sexual, negligencia e abandono.

Registro das modalidades de violências dos Conselhos Tutelares de Manaus por área geográfica

Conselho Tutelar Centro Sul – 1º lugar negligência, 2º lugar violência física, 3º lugar abandono.

 Conselho Tutelar Sul l – 1º violência física, 2º lugar violência sexual, 3º lugar negligencia e abandono.

 Conselho Tutelar Centro Sul ll – 1º lugar violência física, 2º lugar negligência, 3º lugar violência psicológica.

Conselho Tutelar da Zona Oeste – 1º lugar violência física, 2º lugar violência sexual, 3º lugar negligência.

Conselho Tutelar Zona Centro Oeste – 1º Violência física, 2º lugar violência sexual, 3º lugar violência psicológica. 

Conselho Tutelar da Zona Norte -  1º lugar violência física, 2º lugar negligência, 3º lugar abandono.

Conselho Tutelar da Zona Leste l – 1º violência física, 2º lugar violência   sexual, 3º lugar abandono.

Conselho Tutelar da Zona Leste ll – 1º lugar violência física 2º lugar violência sexual, 3º lugar negligencia, abandono e violência psicológica.

Conselho Tutelar da Zona Rural -  1º lugar violência física, psicológica e negligência, 2º lugar violência sexual, 3º lugar abandono.

  1. Tipificação das violências

Negligência é a falta de cuidados com a proteção e o desenvolvimento da criança ou adolescente, é deixar de cuidar da saúde, da alimentação, da higiene, da educação, da segurança da criança.

 Abandono, é a ausência da pessoa de quem a criança ou o adolescente está sob cuidados, guarda, vigilância ou autoridade, também se trata da rejeição, da manifestação de amor, de carinho e afeto.

Violência física é o uso da força física utilizada para machucar a criança ou adolescente de forma intencional, não acidental. Por vezes, a violência física pode deixar no corpo marcas como hematomas, arranhões, fraturas, queimaduras, cortes, entre outros.

Violência psicológica é um conjunto de atitudes, palavras e ações que objetivam constranger, envergonhar, censurar e pressionar a criança ou o adolescente de modo permanente, gerando situações vexatórias que podem prejudicá-lo em vários aspectos de sua saúde e desenvolvimento.

Violência sexual é a utilização da sexualidade de uma criança ou adolescente para a prática de qualquer ato de natureza sexual.

A violência sexual é geralmente praticado por uma pessoa com quem a criança ou adolescente possui uma relação de confiança, e que participa do seu convívio. Essa violência pode se manifestar dentro do ambiente doméstico (intrafamiliar) ou fora dele (extrafamiliar).

A Violência Sexual é um ato perverso, desumano, repulsivo praticado com crianças e adolescentes, expressa uma violência de gênero e geracional, em que adultos se colocam em posição superior, exigindo a prática de sexo com pessoas vulneráveis, em peculiar condição de desenvolvimento, mediante coação ou sedução. O adulto se vale da situação de vulnerabilidade da vítima para satisfazer os seus desejos compulsivos.

O Art. 213. Define o estupro como sendo o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Ocorre que, quando o citado crime é praticado contra menores de 18 (dezoito) anos e maiores de 14 (catorze) anos, incide uma qualificadora e o que seria punido com pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos passa para 8 a 12 anos.

A vulnerabilidade caracteriza-se pela completa falta de discernimento para o consentimento da prática de atos sexuais. E em que pese à semelhança com o estupro descrito no artigo 213 do Código Penal, trata-se de um tipo penal completamente novo.

  1. Conclusão

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento que contribui para a valorização da infância brasileira encerrando o capitulo de muito sofrimento, humilhação, descaso, desumanização, e abandono, encerrou também o capitulo protagonizado pelo Código de Menores, uma lei discriminatória, repressiva e segregacionista.

O Estatuto é uma legislação que se ajusta ao seu tempo e que, portanto, acompanha a evolução da sociedade. Mas, mesmo com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças brasileiras ainda têm seus direitos humanos sistematicamente ameaçados, desrespeitados e violados por aqueles que deveriam a princípio proteger, defender e respeitar.

Apesar de todas as dificuldades, avançamos e conquistamos muitos direitos que se configuram por etapas importantes para o ciclo da infância. Sabemos que é preciso continuar na luta para garantir a efetivação das políticas públicas para crianças e adolescentes, bem como garantir  que os órgãos do sistema de garantia de direitos possuam condições básicas para realizar o enfrentamento, combater as violações de direitos humanos de crianças e adolescentes nos casos de abuso e exploração, maus tratos, trabalho infantil, situação de moradias nas ruas, tráfico e muitas outras formas de violência que se praticam contra nossas crianças e adolescentes.

Para Álvaro Chrispino, doutor em educação pela UFRJ e professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro, os educadores brasileiros, por exemplo, deveriam conhecer mais profundamente, o Estatuto da Criança e do Adolescentes, Lei da  Proteção Integral, pois precisam saber que devem ser dadas, aos menores de 18 anos, “todas as oportunidades e facilidades” para que tenham a chance de desenvolvimento “físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. “Absoluta Prioridade”, significa que crianças e adolescentes devem ter prioridade na hora de receber “proteção e socorro em quaisquer circunstâncias”, no atendimento público e na hora da definição de políticas públicas, como no serviço de saúde.

Apesar da lei de proteção à criança e ao adolescente ser um marco institucional importante, não é capaz de garantir sozinha a transformação social. Fazer do Estatuto da Criança e do Adolescente uma referência quanto aos direitos de crianças e adolescentes segue sendo um desafio, a despeito da idade da legislação. Isso inclui a ampliação do conhecimento especializado entre os profissionais que trabalham na área.

Reitera-se que as crianças e adolescentes têm os mesmos direitos fundamentais assegurados pela Constituição a todos os brasileiros, como direito à vida, à saúde, ao lazer, à dignidade, à cultura e à liberdade.

Sabe-se que, por mais avançado que o Brasil esteja, se comparado há décadas atrás, quanto ao assunto referente aos direitos das crianças e adolescentes, o Estado e a sociedade, como um todo, ainda não são capazes de promover e assegurar de forma plena a proteção devida a que lhe são necessárias

Referências

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FRABBONI, Franco. A Escola Infantil entre a cultura da Infância e a ciência pedagógica e didática. In: ZABALZA, Miguel A. Qualidade em Educação Infantil. Porto Alegre. Artmed, 1998.

DEL PRIORE, M. História da infância no Brasil. 4ª edição. São Paulo: Editora

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GOUVEA, Maria Cristina Soares de. A escolarização da “meninice” nas Minas

Oitocentistas: a individualização do aluno. In: VEIGA, Cynthia Greive e FONSECA,

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LEVIN, Esteban. A infância em cena - Constituição, do sujeito e desenvolvimento

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GUERRA, Viviane N. Azevedo. Violência física e doméstica contra crianças e adolescentes e a imprensa: do silêncio à comunicação. [Tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1996

http://www.mdh.gov.br/ Disque 100/Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos

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Sobre as autoras
Karen Rosendo de Almeida Leite Rodrigues

ADVOGADA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, PESQUISADORA

Nyceza Caroline Modesto

GRADUANDA DE DIREITO DA UNINORTE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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