I – INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 5º, reza que “todos são iguais perante a lei”, em todos os direitos e deveres indiscriminadamente. Contudo, no que diz respeito ao dever e responsabilidade imposta por lei a todas as classes sociais, tem-se verificado a imposição de restrição em benefício de agentes políticos e de empresários, em detrimento das demais classes sociais, por parte da maioria dos membro do Supremo Tribunal Federal (STF).
II – PERSECUTIO CRIMINIS
A persecutio criminis é uma espécie de atribuição pertinente ao Estado para o exercício legal do seu direito de punir, em virtude da prática de infração penal, indiscriminadamente, ou seja, por qualquer pessoa da sociedade.
Para tanto, necessário se faz que a autoridade policial judiciária, seja nas esferas de competências federal ou estadual, instaure o Inquérito Policial, tido como um procedimento formal investigatório, previsto no artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal. Neste procedimento policial atos formais são praticados pelo Delegado de carreira, como na juntada de documentos probatórios e periciais, inclusive das tomadas a termos de depoimentos, declarações e do interrogatório do suspeito, com o esteio de formalizar o necessário conjunto probatório que deverá fundamentar a aplicação da lei penal, sendo esta a primeira fase da persecução criminal, para, destarte, ser desenvolvida a segunda fase com a atuação do representante do Ministério Público no oferecimento da peça denunciatória ao Juízo Criminal de competência, iniciando-se, por conseguinte, a ação penal.
Ademais, é cediço que, sem o exercício do necessário aparato dos atos procedimentais preparatórios do inquérito policial, comandados pelo Delegado de Polícia e realizados por seus agentes, tornar-se-á praticamente impossível o exercício da acusação para a consubstanciação da ação penal.
O inquérito policial caracteriza-se pelo sigilo, escrituração, caráter inquisitivo, oficiosidade e pela sua oficialidade. No que pertine ao sigilo, dispõe o artigo 20 do CPP, nos termos seguintes:
“A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Vale dizer que, embora o inciso XXXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal vigente estabeleça o direito irrestrito a todos receberem informações dos órgãos públicos, há limitação nesse sentido, uma vez que a segurança da sociedade e do Estado prevalecem, nos termos do preceito legal do CPP, salvante os conhecimentos do Parquet e da autoridade judicial competente.
No que diz respeito a atuação do advogado, este tem o direito de consultar os autos do inquérito policial. Contudo, na hipótese do sigilo ser decretado judicialmente no decorrer das investigações, o advogado estará impedido de acompanhar a realização das diligências ou dos atos procedimentais, conforme dispõe o artigo 7º, incisos XIII usque XV e § 1º, da Lei nº 8.906/94.
Por outra monta, é sabido que o sigilo do inquérito policial tem o esteio, também, de garantir a intimidade do investigado e, consequentemente, a sua presunção de inocência.
Releva dizer, ainda, que o sigilo está direcionado unicamente a defesa do investigado, uma vez que no inquérito policial não é pertinente se falar em defesa, pela inexistência de acusação.
O inquérito policial é produzido por escrito, uma vez que todas suas peças serão objeto de um só processamento e reduzias pro escrito, conforme determina o artigo 9º do CPP.
No pertinente ao caráter inquisitivo do inquérito policial, diferentemente do caráter acusatório do processo penal, naquele desenvolve através de um procedimento onde as atividades persecutórias estão concentradas tão somente nas mãos do Delegado de Polícia, impondo com discricionalidade suas atividades relevantes e necessárias ao esclarecimento da prática delituosa e de sua autoria. Portanto, o inquérito policial, em face da sua própria natureza, é inquisitivo, por não admitir ao suspeito ou indiciado a ampla defesa e nem o contraditório.
Nesse sentido, a natureza inquisitiva do inquérito policial até a presente data é intocada, como muito bem pode ser demonstrado através do preceito legal do artigo 107 do CPP, que inadmite a arguição de suspeição das autoridades policiais e, ainda, pelo artigo 14 do CPP, que concede o direito à autoridade policial de indeferir qualquer tipo de diligência requerida pela vítima ou pelo indiciado, salvante o pedido de realização do exame de corpo de delito, nos termos previstos no artigo 184 do CPP.
Quanto a oficiosidade do inquérito policial, releva dizer que as atividades de ofício das autoridades policiais são totalmente independentes, ou seja, independem de qualquer tipo de provocação. Por outro lado, a instauração do procedimento policial é obrigatória perante a presença de uma notitia criminis.
Assim sendo, a característica da oficiosidade do inquérito policial é considerada muito importante diante de sua peculialidade.
E, finalmente, a característica da oficialidade do inquérito policial, com a imposição de que somente entidades de direito público podem instaurar o inquérito policial, mesmo na presença de uma ação penal privada, onde o titular da ação penal é o próprio ofendido, sendo-lhe incabível a efetivação das diligências investigatórias.
No que diz respeito a importância do inquérito policial, é cediço que, preliminarmente, este procedimento investigativo formal é prescindível e dispensável ao ingresso de uma ação penal, ou seja, a ação pode ser intentada com a ausência do inquérito policial. Porém, para que esse fato ocorra, necessário se faz que o Parquet ou o querelante tenha a posse em abundância de material probante, para pleitear ao Juízo Criminal a ação penal respectiva. Porém, no caso da prática de crimes que deixam vestígios, necessitando, pois, de um exame minuncioso através de perícias, não há como dispensar a instauração do competente inquérito policial.
Por conseguinte, é sabido que a exclusividade da titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público, para que possa impulsionar o jus accusationis. Entretanto, para que este possa atuar e promover a peça denunciatória necessitar-se-á de sólido material probante com indícios veementes, com o escopo de promover o convencimento do Juízo Criminal, razão pela qual o inquérito policial é indispensável tanto na ação penal de iniciativa privada, quanto na ação penal pública, servindo de instrumento formal e próprio para fundamentar o pedido de abertura de um processo criminal.
Do exposto, conclui-se que a importância do inquérito policial é inquestionável, como o verdadeiro instrumento de persecução penal. Todavia, para que esta peça investigativa atinja com precisão o seu objetivo, necessário se faz que todos os atos procedimentais previstos no Código Adjetivo Penal brasileiro sejam respeitados e acatados, inclusive pelo Poder Judiciário.
III – CONDUÇÃO COERCITIVA
Nesse sentido, antes mesmo de entrar em vigor a Constituição de 1988, já era previsto no Código de Processo Penal o instituto da Condução Coercitiva, avistáveis nos artigos 201, § 1º, 218, 260 e 278 e nas regras infraconstitucionais das Leis nº 9.099/1995 e no artigo 187 da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), cujo o desiderato é conduzir “debaixo de vara” a vítima, a testemunha, o suspeito, o perito ou o adolescente, quando estes desobedecem injustificamente à intimação para comparecer perante a autoridade competente.
É cediço que o precitado instituto está amparado por raízes das Ordenações Filipinas, que por seu turno deu origem ao termo “conduzir debaixo de vara”, cuja tradução está diretamente ligada ao direito legítimo do Estado de punir em face do cometimento de infração penal por qualquer ente humano. E, para que o procedimento processual formal aconteça na busca da verdade real, impõe-se a aplicação prática do instituto da condução coercitiva, como uma sanção processual aplicada pelos descumprimento de ordem legal, em detrimento do instituto contempt of court (a prática de qualquer ato que tenha a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem).
Com efeito, o instituto da condução coercitiva objetiva a utilização do meio de condução forçada do recalcitrante, com o fito de que este possa participar da audiência, em virtude da necessidade de sua presença ser indispensável para apuração de possível prática delituosa.
Contudo, é cediço que a utilização desse instituto é de vasta amplitude, que vai além da necessidade da oitiva (interrogatório) do recalcitrante, uma vez que objetiva evitar a ocultação ou destruição de objetos e documentos, quando da busca e apreensão efetivadas em domicílios ou em escritórios. Ademais, na hipótese de associação de vários suspeitos, a execução de interrogatórios simultâneos, com o esteio de impedir que ocorram combinações de versões, na tentativa de impedir a atuação da Justiça, assim como a efetivação do reconhecimento pessoal do suspeito, a produção da identificação criminal e do possível indiciamento no inquérito policial.
A condução coercitiva deve ocorrer em um pequeno lapso temporal, não podendo exceder horas, mas com o tempo suficiente para que ocorra a colheita provas indiciárias através da Polícia Judiciária, bem diferente da prisão temporária, inserida no artigo 1º, inciso III, da º nº 7.960/19.
Vale ressaltar que, a condução coercitiva, por se tratar de uma medida de menor grau de coerção da liberdade de locomoção, se faz necessária a sua utilização, para evitar-se de imediato o maior empenho e meio muito mais gravoso, como é o caso da prisão cautelar. Ademais, o referido instituto é cabível para determinadas situações, como nos casos do pedido prisão preventiva, com o intuito de identificar criminalmente um elemento suspeito (CPP, art. 313, parágrafo único) e da prisão temporária, prevista no artigo 1º, incisos II e III da Lei nº7.960/1989, in verbis:
“Art. 133. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
“Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
“Art. 1º. Caberá prisão temporária:
“(...)”.
“II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”.
“III – quando houver fundadas razões, de acoardo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes”:
Por conseguinte, as aplicações dessas medidas gravosas dependem do poder de cautela do Magistrado (CPC, art. 798) e (NCPC, art. 297), no uso da aplicação por analogia, nos termos do artigo 3º do CPP, de conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e pela vasta manifestação doutrinária. Assim sendo, deve prevalecer o bom senso a limitação do direito no pertinente ao substitutivo menos gravoso e, destarte, a admissão restrita da liberdade de locomoção em menor tempo, com a manutenção do instituto da condução coercitiva.
A adoção do instituto da condução coercitiva pelo legislador pátrio foi inserida bem antes da relação exeplificativa do Código de Processo Penal, no momento em que a Lei nº 11.719/2008 adicionou o parágrafo único do artigo 287 do CPP, determinando que o Juiz promova sua decisão de forma fundamentada pela aplicação de prisão preventiva ou quaquer outra medida cautelar. Portanto, tais medidas não são cabíveis no sentido de obrigar o suspeito a cooperar com os atos investigatórios, esclarecendo a respeito da ocorrência fática do delito, participado da simulação deste, inclusive de fornecer todos os meios e dados necessários para a realização dos atos periciais em geral, ou seja, participar de atos que possam causar a sua autoincriminação.
Nesse sentido, o mais importante desiderato é afastar qualquer motivação que vise impedir a utilização do instituto da persecução penal, cuja aplicação da condução coercitiva com parte fundamental da investigação criminal é imprescindível.
É sabido que todas as medidas restritivas de direitos fundamentais, previstas na Carta Fundamental vigente, devem ser observadas e aplicadas com os cuidados necessários, com o objetivo de prevenir que a persecução penal seja mal interpretada pela imprensa em geral, como exemplificativo o ato da utilização de algemas em presos em seus deslocamentos físicos, cuja repercussão do ato tem sido alvo de interpretação judicial, conforme tipificada na Súmula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Nessa inteligência sumular, releva dizer que todo policial que passa por uma academia preparatória é desta forma instruído, prevalecendo sempre às cautelas preventivas sobre o uso das algemas, com o uso do ditado popular: “é melhor prevenir do que remediar”, pois, quando o preso é entregue a uma equipe de policiais, esta passa a ser a responsável pela segurança física do preso ou de sua custódia, motivo pelo qual a equipe não está obrigada a conhecer o comportamento ou atitude intrínseca do preso, inclusive sobre o seu estado psíquico, diante da prisão. Portanto, é imprescindível a utilização das algemas, independentemente do status quo do preso, seja ele de qualquer classe social, uma vez que “todos são iguais perante a lei”, conforme dispõe o tópico frasal do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Ademais, conforme dispõe à precitada Súmula Vinculante n. 11/STF, haverá sempre licitude no uso das algemas, pois não há como predizer sobre a resistência, fuga ou de perigo à integridade física do preso (na hipótese dele se automutilar ou jogar-se embaixo de um veículo em movimento) e do próprio agente da custódia (como no êxito de tomar a posse da arma do policial). Portanto, a utilização das algemas deve sempre ser considerada como uma medida preventiva bipolar, ou seja, para as seguranças do preso e do agente de custódia.
Por outra monta, é cediço e indiscutível de que a Polícia Judiciária tem a sua instituição abraçada pelo artigo 144, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal vigente, com a incumbência de promover a investigação criminal em todos seus aspectos legais, através dos meios regrados pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais devem ser disponibilizados, com o escopo de colher matéria de caráter informativo e dos indícios veementes colhidos através dos elementos probatórios, com o esteio de consubstanciar a materialidade e a autoria dos crimes.
Nesse entendimento, ressalte-se que essa prática investigativa da condução coercitiva determinada pelo Delegado de Polícia, já vem sido respaldada desde sua instituição pelos Tribunais Superiores e pelos representantes do Ministério Público Federal, entretanto, há divergência doutrinária no sentido de que o preceito legal do artigo 260 do Código de Processo Penal apenas faz referência da competência atributiva à “autoridade”, omitindo-se de especificar a quem lhe é dirigido, como sendo o Delegado de Polícia, o Parquet ou ao Juiz de Direito.
De efeito, cumpre anotar a lição de Guilherme de Souza Nucci, nos seguintes termos:
“somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração. E a Constituição é taxativa ao preceituar caber, exclusivamente, à autoridade judiciária a prisão de alguém, por ordem escrita e fundamentada (CF, art. 5º, LXI)”. (In, Código de Processo Penal Comentado, 13, Ed. São Paulo, Forense, 2014).
Em posição contrária, Norberto Avena, leciona:
“a autoridade judiciária no curso do processo e também a autoridade policial no correr do inquérito policial podem determinar a condução do acusado/investigado a sua presença. Considera-se, para tanto, que o artigo 144, § 4º, da Constituição Federal atribuiu às policias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Sendo assim, por força da doutrina americana intitulada ‘Teoria dos Poderes Implícitos’, incorporada ao nosso ordenamento, faculta-se a autoridade policial adotar todas as providências necessárias para que seja realizada tal apuração, inclusive a própria condução do suspeito para prestar informações sobre o fato investigado, desde que respeitadas, obviamente, as garantias legal e constitucionalmente estabelecidas (...)”. (In, Processo Penal Esquematizado, 6ª edição, São Paulo, Método, 2014).
No pertinente a Teoria dos Poderes Implícitos, o precitado autor, também, leciona abaixo:
“Teoria dos Poderes Explícitos é aquela pela qual se entende que, se a Constituição Federal estabelece determinados fins, deve também permitir a utilização dos meios necessários para alcançá-los, respeitadas, sempre, as garantias estabelecidas pela própria Carta Magna em prol do indivíduo. Ora, aplicada essa doutrina à hipótese em exame, infere-se que o objetivo de elucidação das práticas criminosas é consentâneo com a condução coercitiva dos investigados por ordem do delegado de polícia sempre que essa providência relevar-se efetivamente necessária”. (In, Processo Penal Esquematizado, p. 179/180).
Quanto ao entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), há consenso dessa corte no reconhecimento, pertine a legitimidade da expedição do mandado de condução coercitiva por parte do Delegado de Polícia, de acordo com a Decisum compilada infra:
HC 107644 / SP - SÃO PAULO
HABEAS CORPUS
Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 06/09/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC 18-10-2011
Parte(s)
PACTE. (S) : ALESSANDRO RODRIGUES
IMPTE. (S) : RENEÉ FERNANDO GONÇALVES MOITAS
COATOR (A/S) (ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ementa
Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADES PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. V – A custódia do paciente ocorreu por decisão judicial fundamentada, depois de ele confessar o crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não havendo, assim, qualquer ofensa a clausula constitucional da reserva de jurisdição que deve estar presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art. 5º da Constituição Federal. VI – O uso de algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que envolveram o caso, diante da possibilidade de o paciente atentar contra a própria integridade física ou de terceiros. VII – Não restou constatada a confissão mediante tortura, nem a violação do art. 5º, LXII e LXIII, da Carta Magna, nem tampouco as formalidades previstas no art. 6º, V, do Código de Processo Penal. VIII – Inexistência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da oitiva das testemunhas arroladas pelo paciente e do pedido de diligências, aliás, requeridas a destempo, haja vista a inércia da defesa e a consequente preclusão dos pleitos. IX – A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para levar à absolvição do paciente. X – É desprovido de fundamento jurídico o argumento de que houve inversão na ordem de apresentação das alegações finais, haja vista que, diante da juntada de outros documentos pela defesa nas alegações, a magistrada processante determinou nova vista dos autos ao Ministério Público e ao assistente de acusação, não havendo, nesse ato, qualquer irregularidade processual. Pelo contrário, o que se deu na espécie foi à estrita observância aos princípios do devido processo legal e do contraditório. XI – A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a garantia da instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente, verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Ademais, o paciente evadiu-se do distrito da culpa após a condenação. XII – Ordem denegada. (Grifos nossos).
Decisão
Após os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Relator, e Luiz Fux, que denegavam a ordem de habeas corpus, pediu vista do processo o Senhor Ministro Dias Toffoli. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 14.6.2011. Decisão: Por maioria de votos, a Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 6.9.2011.
Nessa mesma inteligência, a Procuradoria-Geral da República, ofereceu parecer da lavra do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, concernente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 395/2018), com pedido de liminar, em defesa do Mandado de Condução Coercitiva, na qual o PT defendeu a tese de que o referido mandado, previsto no artigo 260 do CPP é incompatível com a Constituição Federal. Essa proposta foi questionada no STF, um mês após a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para prestar esclarecimentos na Polícia Federal, durante a 24ª Fase da Operação Lava Jato. Porém, o Ministro Relator Gilmar Mendes indeferiu o pedido cautelar, para submeter o questionamento ao Plenário do STF.
Nesse sentido, vislumbra-se a manifestação da PGR, nos termos seguintes:
“A condução coercitiva precisa ser compreendida sistematicamente como medida que decorre de forma legítima do poder geral de cautela inerente ao Judiciário, com base nos princípios orientadores da atuação jurisdicional, sem malferir a legalidade estrita. A jurisprudência do STF já admitiu expressamente utilização de poder geral de cautela no processo penal, quando permitiu que magistrado, na concessão de liberdade provisória, fixasse restrições não previstas em lei”. Não parece haver dúvida de que a condução coercitiva é medida menos gravosa do que prisão preventiva. Restrição de liberdade por curtíssimo lapso temporal, com o fito de ouvir o investigado, certamente é muito menos gravosa para a liberdade de ambulatória do que a decretação de prisão temporária e menos ainda do que a preventiva. Prisão legal suficiente da medida é justamente o artigo 260 do CPP, qua autoriza condução coercitiva. Não Procede a tese defendida pelo requerente, de que mera condução coercitiva de pessoa suspeita, investigada ou acusada, no curso de investigação criminal, inquérito policial ou processo penal, por si, afrontaria a liberdade individual e o direito a não autoincriminação (CF, art. 5º, caput e inciso LXIII), garantia conhecida pela expressão latina Nemo tenetur se detegere, isto é, ninguém pode ser obrigado a prejudicar-se. A aplicação do artigo 260 do Código de Processo Penal a réus e investigados somente deverá ser declarada indevida se, diante do caso, for realizada com o fim específico de obrigar o conduzido a declarar. Embora em situações excepcionais, a depender do caso, a condução coercitiva possa se caracterizar como verdadeira prisão – quando, por exemplo, durar mais de 24 horas - na grande maioria das vezes não se equipara a encarceramento, pois restringe a liberdade por tempo reduzido”.
Entretanto, quando do julgamento das ações propostas pelo PT (ADPF 395/2018) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), junto ao Supremo Tribunal Federal, visando coibir o instituto da Condução Coercitiva, que se encontrava suspensa em face da Decisum proferida pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, determinando que o julgamento da causa fosse proferido pelo plenário do STF, o resultado da votação alcançou 6 votos dentre os 11 ministros, para resultar na declaração de que a Condução Coercitiva é medida inconstitucional.
Vale rebuscar que, Procuradora-Geral da Repúbica, Raquel Dodge, já havia ingressado com um recurso junto ao STF, em face do deferimento de liminar concedido pelo Ministro Relator Gilmar Mendes, proibindo a utilização da condução coercitiva, quando naquela oportunidade recursal a Procuradora se manifestou afirmando que, “as leis brasileiras permitem o uso da condução coercitiva e que a prática não fere o direito dos investigados de se manterem em silêncio, evitando produzir provas contra si mesmas. O termo ‘condução coercitiva’ significa a condução de pessoas por autoridades independentemente de sua vontade para que elas prestem esclarecimentos. A condução coercitiva para interrogatórios está prevista no Código de Processo Penal quando o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado”.
Nesse julgamento, o que prevaleceu foi o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, afirmando que “a condução coercitiva implica exposição e coação arbitrária, que interfere no direito de locomoção, na liberdade, dignidade da pessoa humana, defesa e a garantia de não autoincriminação”.
Assim, votaram pela proibição do instituto da condução coercitiva os Ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Melo, enquanto que votaram a favor da manutenção da condução coercitiva os Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux.
Registre-se, por oportuno, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, totalmente contrário ao instituto da Condução Coercitiva, nos termos seguintes:
“A medida traz constrangimento e intimidação ao investigado e dificulta seu direito de se calar no depoimento. Conduzir coercitivamente o acusado, com todos os gastos e constrangimentos que isso representa, não apenas com deslocamento desnecessário de forças policiais, senão também pelos inúmeros incidentes que podem decorrer deste ato de violência autorizado pelo Estado-juiz, apenas para realizar a qualificação do réu em juízo, não parece minimamente razoável”. O ministro, também, não admitiu a utilização do instrumento para substituir prisões preventivas, além de fazer críticas a juízes que atendem ao clamor público. E, finalizando disse: “A condução coercitiva sem ao menos intimação do acusado, vazamento de conversas sigilosas, prisões alongadas, entre outras violações, são inadmissíveis no estado democrático”.
A uma singela e perfunctória leitura das duas decisões prolatadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, sendo a primeira votada na data de 06/09/2011 quando, na condição de Relator do Habeas Corpus nº 107644-SP, proferiu seu voto monocrático totalmente em favor, não só do instituto da Condução Coercitiva, como também de todas as providências necessárias para a elucidação de delitos, utilizadas pelos Delegados de Polícia e de seus Agentes, conforme alhures noticiado.
A contrario senso, da precitada Decisum monocrática, o Ministro Ricardo Lewandowski proferiu seu voto no julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 395/2018, ajuizada pelo PT, ocorrido na data de 14/06/2018, totalmente contrário à utilização do mandado de Condução Coercitiva, nos termos acima citados, pelas Autoridades Policiais Judiciárias.
Impende, porém, observar que, na primeira Decisão ocorrida em 06/09/2011, prolatada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ainda não havia sido deflagrado a primeira fase da Operação Lava Jato, no pertinente a fase ostensiva da operação policial que data de 17/03/2014, enquanto que a segunda Decisão da precitada Autoridade Judiciária ocorreu em 14/06/2018, quando já havia sido deflagrada a 24ª Fase Operacional da Lava Jato denominada “Operação Aletheia”, oportunidade em que a Polícia Federal na data de 04/03/2016, procedeu com 11 (onze) Conduções Coercitivas e 33 (trinta e três) mandados de busca e apreensão. Dentre os alvos, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, seus dois filhos e Paulo Okamotto, amigo de Lula.
Insta salientar, por pertinente que, o aspecto fático posto em destaque leva a ter em vista, desde logo, que houve tratamento desigual para casos semelhantes, ferindo a não mais poder o principio da igualdade inserido no artigo 5º da Constituição Federal vigente, uma vez que os jurisdicionados receberam tratamento desigual, quando as relações jurídicas postas em julgamentos eram semelhantes, ocasionando grande impacto negativo social. Portanto, casos iguais decididos de modo diferente, mesmo através de um Ministro da mais alta corte, configura a prática de arbitrariedade e falta de imparcialidade, uma vez que, in casu, o ente jurisdicionado recebeu decisão favorável, quando em caso idêntico, outro recebeu decisão desfavorável.
É de bom alvitre afirmar que, para a solução desse impasse, necessário se faz que, haja observância de pretérito precedente para aquele caso, devendo o Juízo da causa segui-lo de forma obrigatória, mantendo a garantia da interpretação uniforme do Direito Pátrio.