Breve análise sobre a proteção do consumidor no contrato de adesão

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O presente artigo tem início estudando a formação dos contratos, dando importância a questão da relativização do cumprimento do Pacta Sunt Servanda e caracterizando o Contrato de Adesão. Em sequência falará sobre a necessidade da criação de uma legislação

               

RESUMO:

O presente artigo tem início estudando a formação dos contratos, dando importância a questão da relativização do cumprimento do Pacta Sunt Servanda e caracterizando o Contrato de Adesão. Em sequência falará sobre a necessidade da criação de uma legislação que busque equilibrar a relação contratual e o surgimento do Código de Defesa do Consumidor como meio protetivo para a parte mais vulnerável. Após, ressaltará as formas que a lei consumerista em concórdia com o princípio da vulnerabilidade trouxe para proteger o consumidor aderente ao Contrato de Adesão.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos de Adesão. Pacta Sunt Servanda. Código de Defesa do Consumidor. Princípio da Vulnerabilidade. Defesa do Consumidor.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Formação Histórica dos Contratos. 3. Contrato de Adesão. 4. Pacta Sunt Servanda. 5. Diálogo das Fontes. 6. Código de Defesa do Consumidor. 6.1. Surgimento do Código de Defesa do Consumidor. 7. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. 8.Proteção Específica do CDC para o consumidor no Contrato de Adesão.

1. INTRODUÇÃO

O contrato é a maneira mais comum que a sociedade utiliza para negociar produtos e serviços, sabe-se que para contratar há a necessidade da exposição de vontade das partes em consonância com a liberdade de contratar. Entretanto com a evolução da industrialização e dos meios tecnológicos, houve um grande aumento na demanda de compra e venda e em consequência disso gerou a necessidade dos fornecedores de criarem meios que fossem tão rápidos e práticos e que atingissem uma quantidade indeterminada de pessoas tanto quanto sua produção.

A partir dessa necessidade é que surgiu o Contrato de Adesão, que trouxe rapidez e eficiência para essa relação de consumo, entretanto esse contrato para possuir a agilidade necessária deveria ser elaborado em larga escala, e para que isso fosse possível a discussão comum na contratação seria inviável e esta deixou de existir, portanto deixou de se falar com isso em Pacta Sunt Servanda e a parte contratante, passaria a ser aderente, ou seja, deveria apenas aderir ao contrato que seria feito somente com a vontade do fornecedor.

O presente estudo versa sobre a importância da Lei n. 8. 078 de 11 de Setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor para proteger a parte aderente ao Contrato de Adesão no momento de formação desse contrato, com ênfase no contratante que possui vulnerabilidade.

2. FORMAÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS

A formação histórica dos contratos vem desde as escolas Canonistas e na escola do Direito Natural.

O Direito Canônico falava da importância do consenso e da boa fé na formação do contrato. Esse consenso seria a manifestação de vontade como fonte das obrigações, dando início ao princípio da autonomia da vontade, onde a declaração de vontade é o instrumento capaz de criar obrigações, já que o dever de cumpri-la nasce do respeito ao que é combinado verbalmente entre os agentes.

No Direito Natural, o elemento fundamental da formação dos contratos, é a vontade livre de contratar. Nesta escola o consenso é o elemento necessário para criar a obrigação. Nesse caso, o acordo de vontades é fonte do vínculo jurídico, aceitando a força de lei que o contrato tem entre as partes.

Essa autonomia de contratar (Manifestação de Vontade) do particular lhe dá o direito de contratar, tendo a opção de fazê-lo de acordo com seu arbítrio e com a pessoa que lhe interessar, além de contratar sobre o que quiser, isto é, o direito de contratar ou não, podendo assim, decidir  com quem irá estabelecer o conteúdo do contrato, desde que não seja contrário ao ordenamento jurídico.

Conforme nos ensina GONÇALVES (2009, p.2), a liberdade de contratar existe desde o direito romano:

[...] tradicionalmente, desde o direito romano, as pessoas são livres para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem, ou seja, o direito de contratar e não contratar e de não contratar, de escolher a pessoa com quem fazê-lo e de estabelecer o conteúdo do contrato.

Entretanto, com o passar do tempo o papel do arbítrio no direito romano diminuiu e deu seu lugar as formas de contratos. O princípio da prevalência das formas aplicado com rigidez absoluta no primeiro momento, começou perder as forças, passando a prevalecer de maneira progressiva o papel do conteúdo e da vontade, isto é, a intenção das partes contratantes, no sentido de que a ação deveria ser precedida pelo pacto.

No magistério do induvidoso jurisconsulto CAIO MARIO SILVA PEREIRA (1997, p.2):

"Contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos", ou sinteticamente, é o "acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos". (Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. III. p. 2).

3.CONTRATO DE ADESÃO

O contrato de adesão é uma espécie de negócio em que existem duas partes, todavia cabe a uma delas apenas aceitar uma série de cláusulas que são formuladas de forma antecipada, abstrata e generalizada pela outra parte. Essas cláusulas em geral vem em conjunto e tem o objetivo de normatizar a futura relação jurídica estabelecendo obrigações e deveres entre as partes sendo que somente uma delas irá estabelecer essas regras e à outra parte caberá somente a aceitação das condições, ou seja, o contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja elaborado anteriormente por apenas um dos agentes, o contratante, e assim toda a questão da discussão que em regra acontece entre as partes antes da formação dos contratos será eliminada.

Observando a contradição dos contratos de adesão, MOREIRA (2011) ensina que:

Como fica, destarte, evidente, estes contratos se opõe aos contratos paritários, que são aqueles que são contratos onde há, verdadeiramente, discussões com o escopo de se chegar a uma transigência. Como se bem depreende, neste tipo de contrato (paritário) as partes são colocadas em pé de igualdade, manifestando, deste modo, a autonomia de suas vontades que deveria ser peculiar a todos contratos. Ainda importante se dizer que, neste contrato as partes possuem uma ampla liberdade, pois cada parte poderá fazer suas considerações e objeções (fase da pontuação) para enfim se chegar a um acordo.

Ficando assim bem claro, a falta de participação bilateral na formulação do contrato, se sobrepondo a vontade do fornecedor, cabendo ao comprador ou contratante, só aceitar, não podendo recusar. O que causa uma demanda muito grande no poder judiciário, devido a não participação das duas partes durante a formulação desses contratos, o que por muitas das vezes são formulados em divergência a Lei Consumerista e contendo cláusulas abusivas.

Esse modelo contratual está normatizado através do CDC- Lei nº 8078 de 11 de Setembro de 1990 em seu Art. 54.

Em tese, todos os contratos podem ser celebrados por adesão, mas alguns são considerados por excelência. São eles:

Os contratos de Seguro.

Os contratos de planos de saúde.

Os contratos de operações bancárias.

4. PACTA SUNT SERVANDA

Teoricamente os contratos são feitos com o objetivo de seu cumprimento, isso é na realidade um brocardo que vem do latim conhecido como pacta sunt servanda. O que é muito mais do que um dito jurídico, já que é o princípio da força normativa, segundo o qual o contrato faz leis entre as partes.

Diz Orlando Gomes (GOMES, 1998, p.36) a respeito da força obrigatória do contrato que: "celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos."

Segundo Maria Helena Diniz (DINIZ, 1993, p.63), tal princípio se justifica porque “O contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira norma de direito".

Para a mestre gaúcha Cláudia Lima Marques (MARQUES,1999), a vontade das partes é o fundamento absoluta da força obrigatória. De acordo com a jurista: 

"Uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente." (apud. Nelson Zunino Neto, in Pacta Sunt Servanda x Rebus Sic Standibus: uma breve abordagem. Santa Catarina. 10.08.1999)

Restando dizer, que segundo essas teorias, as cláusulas contratuais devem ser cumpridas como regras incondicionais, vinculando as partes do mesmo modo das normas legais. Todavia, essa obrigatoriedade, não é absoluta, pois deve respeitar a lei e, alguns princípios que mantém correlação com os contratos, como o princípio da boa fé, o da legalidade e o da igualdade, entre outros, já que os princípios gerais do direito, relacionam-se num sistema harmônico.

Neste caso fica bem claro, que o pacta sunt servanda é o princípio que diz que o contrato obriga as partes nos limites da lei.

Todavia, nos Contratos de Adesão, diferentemente dos demais Contratos não há que se falar em cumprimento do Princípio do Pacta Sunt Servanda já que como observado, apenas uma das partes contratantes irá formular o instrumento do contrato e somente ele ditará as situações contratuais neste caso e à outra parte, em regra o contratante, caberá apenas aceitar os termos sem opção alguma de diálogo ou consenso em caso de divergência. Surgirá aqui uma grande disparidade entre contratante e contratado já que apenas um deles, conforme esclarecido, ditará as regras do contrato e trará insegurança jurídica e a falha na proteção do indivíduo.

 Em função do Código Civil de 2002 não possuir previsões legais para este tipo de contrato, fez-se necessário uma nova legislação que tratasse desse agente que estaria numa situação de inferioridade nessa relação jurídica. O Código de Defesa do Consumidor veio como lei para tutelar esse agente desfavorecido e servir de complemento para eventuais lacunas no Código Civil de 2002.

5. DIÁLOGO DAS FONTES

O Diálogo das Fontes veio afastar essa ideia de que as leis devem ser aplicadas isoladamente, fomentando a ideia de que o Direito deve ser interpretado de maneira sistemática e coordenada, onde uma norma jurídica não excluiria outra norma jurídica, como acontece no caso dos conflitos de normas (Antinomias Jurídicas).

Essa tese trouxe uma maneira mais fácil de interpretar, já que se for utilizado da ferramenta hermenêutica, afastar-se-á o conflito de normas jurídicas (Antinomias), pois sua interpretação será feita de maneira sistemática e coordenada, não ferindo as normas constitucionais.

Claudia Lima Marques (MARQUES, 2009, p.89/90) nos ensina os fundamentos dessa teoria:

 É o chamado ‘diálogo das fontes’ (di + a = dois ou mais; logos = lógica ou modo de pensar), expressão criada por Erik Jayme, em seu curso de Haia (Jayme, Recueil des Cours, 251, p. 259), significando a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro-saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais.

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Erik Jayme, em seu Curso Geral de Haia de 1995, ensinava que, em face do atual ‘pluralismo pós-moderno’ de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo (Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours, II, p. 60 e 251 e ss.).

O uso da expressão do mestre, ‘diálogo das fontes’, é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. É a denominada ‘coerência derivada ou restaurada’ (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a ‘incompatibilidade’ ou a ‘não coerência’.

‘Diálogo’ porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato – solução flexível e aberta, de interpenetração, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes).

Sendo que o diálogo entre as fontes se dará através da utilização simultânea de duas normas ao mesmo tempo, ou quando ela se complementarem, ou por meio da aplicação subsidiária de uma norma a outra.

Conforme ensina o professor Flávio Tartuce (TARTUCE,2012), “a primeira justificativa da aplicação da teoria do diálogo das fontes estaria na sua funcionalidade, pois atualmente o operador do Direito se depara com uma enorme quantidade de leis que leva o intérprete a um verdadeiro desnorteio.”

 O renomado professor ainda coloca em sua obra interessante passagem tirada da obra de Claudia Lima Marques, onde ele fundamenta as razões para à aplicação dessa teoria:

Para [Erik] Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (‘Zersplieterung’), manifesta-se no pluralismo de sujeito a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’(JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss.).

Um outro fundamento para utilização da teoria do Diálogos das Fontes, é que as leis são criadas para serem aplicadas e não com o objetivo de eliminar outras, principalmente quando atuam em áreas convergentes, não precisando que as normas de cunho consumeristas estejam contidas só no Código de Defesa do Consumidor, podendo ser aplicada também pelo Código do Civil, por exemplo, ou outros Códigos ou leis. 

Como ensinam Daniel Amorim e Flávio Tartuce, (AMORIM, TARTUCE, 2014, p.32) na tese do diálogo das fontes:

Simbologicamente, pode-se dizer que, pela teoria do diálogo das fontes, supera-se a interpretação insular do Direito, segundo a qual cada ramo do conhecimento jurídico representaria uma ilha (símbolo criado por José Fernando Simão). O Direito passa a ser visualizado, assim, como um sistema solar (interpretação sistemática e planetária), em que os planetas são os Códigos, os satélites são os estatutos próprios (caso do CDC) e o Sol é a Constituição Federal, irradiando seus raios solares – seus princípios – por todo o sistema [...]

6.  CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A lei consumerista de 11 de Setembro de 1990 tutelou uma personagem já protegida constitucionalmente. Na Constituição da República Federativa do Brasil em seus Art.5º, XXXII e Art.170,V. pode-se perceber a importância desse agente para a sociedade.

Possuem os Art. 5º, inciso XXXII e Art.170,V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a seguinte redação:

Art.5. (...) XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...) V – a defesa do consumidor.

Entretanto, existiram alguns fatores para que essa legislação finalmente surgisse, apesar de a relação de consumo já existir em casos diversos, a urgência do meio protetivo para esta teve início através de toda uma gama de situações como o crescimento dos meios de produção e a globalização.

6.1. SURGIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O modelo de produção globalizado e capitalista que encontramos hodiernamente foi instaurado no começo do século XX, atingindo níveis cada vez maiores após a Segunda Guerra Mundial com a evolução tecnológica trazendo sistemas automatizados, telefonia, informática e etc.

Consequentemente ao desenvolvimento da tecnológia, os fornecedores conseguiram produzir um número maior de produtos e serviços com o intuito de atingir uma quantidade maior de pessoas interessadas em fazer uso desses.

Todo esse modelo de produção massificada, com o interesse de atingir um número maior de pessoas fez surgir um novo modelo de sociedade, a sociedade de massa.

Conforme ensina Rizzatto Nunes (NUNES,2009 p.68):

Nessa mesma época, ou seja, no começo do século XX, instaura-se definitivamente um modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da massificação: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, no intuito de diminuição do custo da produção, atingimento de maiores parcelas de população com o aumento da oferta etc.

Para acompanhar todo esse veloz processo de produção e consumo fez-se necessário a criação de um modelo de contrato tão prático e econômico quanto esse sistema massificado para que as relações de consumo também possuíssem essa agilidade, nasceu com isso o contrato de adesão.

Ainda mencionando Rizzatto Nunes (NUNES, 2009 p. 4):

Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Na verdade quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes.

           Com o aumento dessa demanda de oferta e procura e com o nascimento desse contrato padronizado que deveria atingir um número cada vez maior de pessoas numa situação em que essas não teriam qualquer autonomia para discutir o teor das cláusulas contratuais observou-se também uma elevação da vulnerabilidade dessa outra parte da relação contratual, já que o produtor estipularia situações a seu bel prazer e caberia ao aderente apenas aceitar.

Apesar de o Código Civil de 2002, regular as situações contratuais, não havia nenhum tipo de medida para tornar esse tipo de negócio equilibrado já que o caso do contrato de adesão, a parte vulnerável (aderente), não pode discutir as cláusulas contratuais. Portanto não é observado o cumprimento do princípio contratual Pacta Sunt Servanda, gerando por isso uma abertura para que os fornecedores pudessem se aproveitar economicamente do vulnerável. Contudo, foi de extrema necessidade a criação de um meio protetivo para essa relação claramente desvantajosa para o lado do aderente, surgiu então o Código de Defesa do Consumidor.

A Lei 8.078 chamada de Código de Defesa do Consumidor veio regular toda e qualquer relação de consumo trazendo uma proteção para um número ilimitado de pessoas; assim como a produção é em massa, esse sistema protetivo passou a ser em massa também. Baseada em princípios constitucionais, a lei consumerista, é um subsistema no ordenamento jurídico criado com o objetivo de tutelar na relação de consumo a parte mais vulnerável que é o consumidor.

7. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

Conforme exposto anteriormente, foi da necessidade de um meio protetivo para o homem que é bombardeado por ofertas de produtos e serviços diariamente que surgiu o Código de Defesa do Consumidor, para que este agente possua meios para defender-se de uma indústria que produz cada vez mais e para um número cada vez maior de pessoas.

E para que essa proteção seja efetiva, o legislador trouxe para o consumidor a vulnerabilidade como principal aspecto. Como é possível perceber no CDC em seu art. 4º, inciso I:

Art.4. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Assim todo e qualquer consumidor numa relação de consumo será considerado vulnerável e esta condição não deverá ser afastada já que o consumidor nunca estará em situação de igualdade com seu fornecedor.

Segundo a doutrina de Flávio Tartuce e Daniel Amorim (TARTUCE e AMORIM, 2014, p.43)

Com a mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a massificação dos contratos, percebe-se uma discrepância na discussão e aplicação das regras comerciais, o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida como uma condição jurídica, pelo tratamento legal de proteção. Tal presunção é absoluta ou iureet de iure, não aceitando declinação ou prova em contrário, em hipótese alguma.

E, ainda seguindo o pensamento exposto na mencionada obra de Tartuce e Amorim (TARTUCE E AMORIM,2014, p.44), “esta vulnerabilidade dependerá apenas da condição de consumidor do agente, devendo ser ignorada sua situação política, social ou financeira”.

8. PROTEÇÃO ESPECÍFICA DO CDC PARA O CONSUMIDOR NO CONTRATO DE ADESÃO.

Como já se sabe a relação de consumo mais encontrada na sociedade capitalista é a concretizada através dos contratos de adesão, situação em que o fornecedor estipula um modelo de contrato padrão para que por fim caiba ao consumidor aceitar sem nenhuma espécie de negociação os termos impostos pelo primeiro.

Portanto em função dessa uniformização de um único modelo de contrato para uma generalidade de aderentes e pela sempre superioridade do fornecedor em contrapartida com a situação de vulnerabilidade do consumidor o código consumerista estipulou condições de proteção específicas para essa espécie contratual.

Em seu Art. 54, o CDC trouxe meios protetivos especiais para o contrato de adesão.

No caput do referido artigo o legislador traz a questão principal caracterizando especificamente o contrato a ser tutelado nesse caso. Como se vê:

Art.54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Destarte faz-se necessário observar que o consumidor claramente está em desvantagem junto ao fornecedor seja ele público ou privado nesse modelo de relação de consumo, já que para ele cabe apenas aceitar o que a outra parte (fornecedor) oferece.

Nesse sentido TARTUCE e AMORIM (2014, p.252) complementam:

Como se pode perceber, o contrato de adesão é aquele imposto pelo estipulante, seja ele um órgão público ou privado, geralmente o detentor do domínio ou poderio contratual. Resta ao aderente duas opções, quais sejam aceitar ou não o conteúdo do negócio (take-it-or-leave-it). A situação oposta ao contrato de adesão se dá no chamado contrato paritário, em que há plena negociação do conteúdo pelas partes.

E por esse fornecedor ser detentor de total poder foi que no Art.54 e seus respectivos parágrafos foram impostas certas limitações com o objetivo de trazer equilíbrio entre os agentes (fornecedor e consumidor).  Vejamos a redação destes:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

§ 5° (Vetado)

Percebe-se que o CDC deu especial importância ao processo de elaboração do Contrato de Adesão. Já em seu primeiro parágrafo salientou que mesmo que o consumidor venha a adicionar uma cláusula ou mesmo negocia-la, o contrato, por essa questão, não deixará de conter as determinantes da espécie contratual em estudo então não deixará de se enquadrar como tal.

Continuando com o segundo parágrafo, a limitação trazida diz respeito a cláusula resolutiva que somente será considerada válida se for alternativa e a critério do consumidor, em função de protege-lo contra possíveis atos de abuso por parte do fornecedor. Como ensinado por NUNES (2009, p. 621) “[...] chamamos atenção para o fato de que, se não fosse bem interpretada aquela regra, o fornecedor poderia utiliza-la como desculpa para pôr fim ao pacto.”

Em se tratando de como os contratos de adesão deverão ser redigidos é de extrema importância que a linguagem contida nestes seja de fácil entendimento para o consumidor. É notória a importância que o parágrafo 3 faz ao vulnerável intelectual, que se fosse submetido a termos técnicos provavelmente não teria acesso ao que ali teria contido, portanto o contrato deverá possuir, em sua redação, termos claros e informações precisas.

No caso de cláusulas que limitarem direitos ao aderente, estas deverão ser escritas de maneira diferenciada das demais e com o intuito de terem uma maior visualização e destaque. Ainda sobre o assunto o doutrinador Rizzatto Nunes ensina que (NUNES, 2009, p.625):

[...] é o contexto que dirá do destaque. Se todo o texto estiver impresso num tipo gráfico corpo 8 e nele surgir uma palavra no tipo gráfico corpo 20 em negrito, então o vocábulo estará destacado. Mas, se todo o texto estiver escrito no corpo 20 negrito, não haverá destaque algum, pois tudo se mistura.

Com efeito, se os contratos de adesão forem elaborados de maneira diversa ao que a norma estipula como regra, estes serão passíveis de nulidade ou terão suas cláusulas em desconformidade anuladas já que para que haja a efetiva proteção do consumidor esse instrumento deverá ter transparência e ser de fácil interpretação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2009.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro no novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 30ª ed., p.174.

PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Cláusulas abusivas nos contratos de adesão. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n.47, nov. 2000.

MOREIRA ,Luiz Fernando. Teoria geral dos contratos de adesão. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=202>.

MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 89/90.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 60. Sem destaques no original.

PEREIRA, Caio Mario Silva (Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. III. p. 2).

DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Saraiva, SP, 1993, vol.1, p.63.)

BRASIL. Constituição federal, Código de Defesa do Consumidor.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. Saraiva, São Paulo,4 Edição, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção; TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014.

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