AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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O presente artigo tem como intuito analisar a Audiência de Custódia, cujo sua implementação se deu por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), medida que irá apreciar medidas cautelares, mormente as prisões processuais penais.

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

CAMILA CHAUL AIDAR PEREIRA

KAISER GUILHERME BARRETO DE MELO

RENÊ PHILIPE SANT’ANA DE MATOS

RESUMO

A presente monografia tem como intuito analisar a Audiência de Custódia, cujo sua implementação se deu por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), medida que irá apreciar medidas cautelares, mormente as prisões processuais penais, como forma de dar efetividade aos tratados internacionais sobre direitos humanos que o Brasil é signatário. Visa ainda, solucionar a questão do uso indiscriminado das prisões cautelares, que é uma das causas da superlotação carcerária e a consequente violação dos direitos humanos das pessoas encarceradas, sendo assim, serão analisados os benefícios desta proposta do CNJ, ante a banalização do uso das prisões cautelares. Nesse sentido, no presente trabalho foram utilizadas diversas obras literárias que tratam da Audiência de Custódia e prisões processuais penais, além de ter sido utilizado dados oficiais quanto à sua implementação na Comarca de Porto Velho/RO.

Palavras-Chave: Direitos Humanos – Superlotação carcerária – Audiência de custódia - Tortura.

ABSTRACT

                                                                                              

This thesis has the intention to analyze the Custody Hearing, whose implementation took place at the initiative of the Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as they will enjoy precautionary measures, including criminal procedural prisons, in order to give effect to those international treaties on human rights which Brazil is a signatory. It also intends to address the issue of the indiscriminate use of preventive arrests, which is one of the causes of prison overcrowding and the consequent violation of human rights of prisoners, therefore, the benefits of this proposal will be analyzed by the CNJ, before the trivialization of the use of Pre-trial detention. In this sense, the present study, we used lots of literary works that deal with the Custody Hearing and criminal procedure prisons, and has been used as official data the custody hearing in Porto Velho / RO.

Keywords: Human rights – prison overcrowding – custody hearing - torture.

INTRODUÇÃO

É indiscutível que há flagrante despeito ao princípio da dignidade da pessoa, especialmente quanto à pessoa encarcerada. Em nosso ordenamento jurídico vemos que as prisões processuais penais são utilizadas como se não houvesse outras medidas eficazes senão a privação da liberdade.

A regra é que prisão é a ultima ratio, devendo ser efetivada apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou então, quando medidas diversas da prisão forem ineficazes para coibir a reiteração da conduta criminosa, ante o princípio constitucional da presunção de inocência.

É certo que há necessidade de que as decisões, que determinam a privação de liberdade, sejam motivadas pormenorizadamente a fim de que seja evitada a segregação cautelar desnecessária. No entanto a realidade é outra, haja vista que as prisões cautelares estão sendo banalizadas. O que era para ser uma exceção, agora virou uma regra, ou seja, se prende sem analisar as várias medidas cautelares diversas da prisão.

Outrossim, é cediço que os presídios estão superlotados, e o número de pessoas encarceradas, não param de crescer. Os presídios são considerados como depósitos de humanos, haja vista que ali as pessoas são amontoadas. Nestes locais há constante violação dos direitos fundamentais do preso.

A pessoa que comete um crime deve ser sancionada por tal ato, no entanto, não quer dizer que dizer que seus direitos fundamentais possam ser violados, pelo contrário, devem ser assegurados a fim de possibilitar sua reinserção no meio social, evitando, portanto, a reincidência.

Nesse sentido, com o intuito de evitar e diminuir o encarceramento em massa, bem como adequar nosso processo penal aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, houve a implementação da denominada audiência de custódia que esta prevista nos Tratados de Direitos Humanos em que o Brasil é signatário. Portanto, não se trata de uma novidade, e sim, de dar efetividade a norma que há muitos anos está vigente.

Para tanto, o tema será dividido em quatro capítulos. No primeiro capitulo, iniciaremos abordando acerca dos princípios da presunção de inocência e da proporcionalidade, este no que tange há aplicação das medidas cautelares. Além disso, falaremos ainda sobre a prisão em flagrante, dispondo sobre suas espécies e de forma sucinta, o seu procedimento.

Já no segundo capítulo, abordaremos acerca da prisão preventiva, tratando sobre o seu conceito, quais são os pressupostos e requisitos necessários para a sua decretação, bem como acerca das hipóteses de decretação, e por fim, as situações em que não é possível a decretação da prisão preventiva.

No que tange ao terceiro capitulo, este será destinado a tratar acerca da prisão temporária, dispondo sobre seu conceito, hipóteses em ela é cabível, além de dispor sobre seus prazos e de forma breve, o seu procedimento.

Em relação ao quarto capítulo, trataremos inicialmente acerca do atual sistema carcerário brasileiro, e então abordaremos de forma detalhada sobre a Audiência de Custódia, discorreremos sobre seu conceito, a sua fonte normativa, suas finalidades, sobre as definições de seus termos, além de tratar de como está sendo sua implementação no Brasil, bem como na Comarca de Porto Velho.

Por fim, apresentar-se-ão as considerações deste trabalho, indicando também as referências bibliográficas utilizadas.

1 PRISÕES CAUTELARES

1.1 PRINCÍPIOS BASILARES DAS PRISÕES CAUTELARES

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 possui como princípio central, a dignidade da pessoa humana, alicerce para a consagração para o nosso Estado Democrático de Direito.

Assim sendo, aquela pessoa que cometer um ato mesmo que condenável, é necessário que o Estado assegure sua dignidade, ou seja, não pode de forma automática restringir sua dignidade. Dessa forma, verifica-se que deste princípio origina-se outros, como, por exemplo, o contraditório e a ampla defesa, a legalidade, a presunção de inocência, a individualização da pena, entre outros.

Destaca-se, dentre os demais, o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 5º, LVII, da Constituição da República (BRASIL, Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, 1988) o qual assevera que é vedada a aplicação de pena antes da sentença penal condenatória transitado em julgado. Assim, havendo dúvida quanto a sua culpabilidade, não resta outra medida senão a absolvição o indivíduo. Conserva-se a ideia de que o acusado é inocente até que se prove o contrário, ou seja, perfaz a ausência de culpabilidade, prevalecendo até que advenha o trânsito em julgado.

Nesse sentido, ensina Alencar e Távora (2013, p. 54):

O reconhecimento da autoria de uma infração criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado (art. 5º, inc. LVII da CF). Antes deste marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo à acusação o ônus probatório desta demonstração, além do que o cerceamento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais e de estrita necessidade. Neste contexto, a regra é a liberdade e o encarceramento, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção.

A Constituição Federal de 1988 determina que a segregação da liberdade, anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, somente se dará com decisão fundamentada e escrita proferida pelo juízo competente.

A prisão é o cerceamento de liberdade, ou seja, trata-se do encarceramento que advém de sentença penal condenatória transitada em julgado, cujo é regulamentada pelo Código Penal.

            Conquanto a prisão penal, após o trânsito em julgado ser a regra, pode acontecer que no deslinde da ação penal, seja necessário que ocorra a prisão do acusado. É que há situação em que a permanência do indivíduo em liberdade traz riscos para o regular trâmite da ação penal. Podendo ocorrer, portanto, as prisões cautelares (prisão em flagrante, a preventiva e a temporária).

Já o Princípio da Proporcionalidade trata-se de um princípio basilar para a aplicação das medidas cautelares.

Assim, nota-se que as medidas cautelares estão em um ponto muito delicado em relação ao processo penal, cujo é o respeito à liberdade individual, e a eficácia da punição dos ilícitos penais. Este princípio irá conduzir o juiz que deverá avaliar a medida imposta e a gravidade do caso em concreto. O juiz deverá ter cautela ao aplicar uma medida cautelar para não desvirtuar a sua finalidade e acabar convertendo-a em uma pena antecipada, logo, violando o princípio da presunção de inocência.

Oliveira (2011, p. 504) esclarece que a princípio da proporcionalidade consiste na:

Proibição do excesso, mas, também, na máxima efetividade dos direitos fundamentais, serve efetivo controle da validade e do alcance das normas, autorizando o intérprete a recusar a aplicação daquela (norma) que contiver sanções ou proibições excessivas e desbordantes da necessidade de regulação [...] presta-se a permitir um juízo de ponderação na escolha da norma mais adequada em caso de eventual tensão entre elas, ou seja, quando mais de uma norma, legal ou constitucional, se apresentar como aplicável a um mesmo fato.

Lima (2015, p. 815) explica que há dois requisitos que são intrínsecos ao princípio da proporcionalidade:

O primeiro requisito intrínseco ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo é o da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou da conformidade. Por força da adequação, a medida restritiva será considerada adequada quando for apta a atingir o fim proposto. Não se deve permitir, portanto, o ataque a um direito fundamental se o meio adotado não se mostrar apropriado à consecução do resultado pretendido.

O segundo requisito (ou subprincípio) da proporcionalidade é o da necessidade. Por força dele, entende-se que, dentre várias medidas restritivas de direitos fundamentais idôneas a atingir o fim proposto, deve o Poder Público escolher a menos gravosa, ou seja, aquela que menos interfira no direito de liberdade e que ainda seja capaz de proteger o interesse público para o qual foi instituída.

Deste modo, o juiz ao aplicar qualquer ato que restrinja a liberdade individual antes da sentença penal condenatória transitada em julgado, deve atentar à imprescindibilidade desta, e à proporcionalidade das medidas, de maneira que aplique a alternativa menos gravosa ao acusado.

1.2.1 Conceito

A prisão em flagrante está disposta no artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal de 1988, bem como possui previsão infraconstitucional, nos artigos 301 ao 310 do Código de Processo Penal.

Este tipo de prisão difere das demais, mormente pelo fato de não necessitar de ordem expedida por autoridade judiciária. Isso porque, perderia o sentido da prisão em flagrante caso fosse necessário a expedição de mandado de prisão, já que não há possibilidade de o magistrado ter conhecimento de onde e por quem está cometendo ou acabou de cometer o delito.

Para melhor esclarecer, Nucci (2015, p. 533) explica que:

Flagrante significa tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que ocorre. Neste sentido, pois, prisão em flagrante é a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal (crime ou contravenção penal).

Alencar e Távora (2013, p. 561) ensinam:

Flagrante é o delito que ainda ‘queima’, ou seja, é aquele que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. [...] é a que resulta no momento e no local do crime. É uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5º, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos.

No que se refere a sua natureza jurídica, há discordância na doutrina. Alguns afirmam que a natureza do flagrante é de medida cautelar, outros afirmam que se trata de ato administrativo.

Nucci (2015, p. 534) afirma:

A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime. É a tipicidade o fumus boni juris (fumaça do bom direito).

Já Tourinho Filho (2008, p. 456-457 apud ALENCAR e TÁVORA, 2013, p. 561-562) assevera que se trata de um ato complexo:

[...] duas fases bem distintas: a primeira, que diz respeito à prisão-captura, de ordem administrativa, e a segunda, que se estabelece no momento em que se faz a comunicação ao juiz, de natureza processual, quando a homologação ou manutenção ou transformação da prisão somente deve ocorrer se presente um dos fundamentos para a decretação da prisão preventiva.

Lopes Júnior (2015, p. 607) conclui que o flagrante é medida pré-cautelar:

 [...] de natureza pessoal, cuja precariedade bem marcada pela possibilidade de ser adotada por particularidades ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão [...].

Não obstante, haver divergência doutrinária acerca do assunto, o entendimento majoritário é que natureza jurídica da prisão em flagrante é a de prisão cautelar.

1.2.2 Espécies de flagrante

A doutrina classifica os flagrantes em diversas modalidades as quais passaremos a descrever.

a) Flagrante próprio

Esta modalidade é também denominada de propriamente dito, real ou verdadeiro, a qual está disciplinada nos incisos I e II do artigo 302 do Código de Processo Penal.

Alencar e Távora (2013, p. 562) explicam que:

Dá-se o flagrante próprio quando o agente é surpreendido cometendo a infração penal ou quando acaba de cometê-la. É a modalidade que mais se aproxima da origem da palavra flagrante, pois há um vínculo de imediatidade entre a ocorrência da infração e a realização da prisão.

b) Flagrante impróprio

Denomina-se, também, de flagrante imperfeito ou quase flagrante, nesta espécie o agente conclui o ilícito penal, entretanto não é preso no local do fato, haja vista que obtém êxito em fugir, sendo perseguido pela polícia, vitimas ou até mesmo pela população.

Outrossim, Lopes Júnior (2015, p. 611-612) explica que é necessário a soma de três fatores para que ocorra o flagrante:

(1) a perseguição, (2) ser logo após, (3) situação que o presuma ser autor do fato. Sendo que a perseguição deve ser contínua, mesmo que em alguns momentos o perseguidor não tenha contato visual com o agente. O termo logo após, é um requisito temporal, em que pese não haver previsão legal de seu significado, deve-se interpretá-lo de forma restritiva. Deve haver um lapso mínimo entre o crime e a perseguição. Errônea a ideia de que está em flagrante se não decorreu mais que 24h. Presume-se que para existir o flagrante, a perseguição deve iniciar minutos após o cometimento do fato. Por fim, o fator ‘situação que faça presumir ser autor da infração’, acreditamos ser uma disposição inconstitucional, visto que vai de encontro com a presunção de inocência. Ora, não se deve presumir, e sim provar ser o agente autor do fato.

c) Flagrante presumido

No flagrante presumido ou ficto não existe o fator perseguição. É necessário que o agente seja encontrado logo depois da prática da infração penal, somado a isso, deve estar em posse de coisas que façam presumir ser o autor do fato.

Capez (2013, p. 315) explica que “não é necessário que haja perseguição, bastando que a pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito em situação suspeita”.

d) Flagrante provocado

Aqui, o agente que pratica o crime fora induzido, ou seja, há a participação de um agente provocador. Assim, ao mesmo tempo em que o agente provocador induz a prática do ilícito penal, ele impede que o ato se consuma.

Segundo Lopes Júnior (2015, p. 617):

O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução, um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador. BITENCOURT explica que isso não passa de uma cilada, uma encenação teatral, em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador, normalmente um policial ou alguém a seu serviço.[ grifo do autor].

Alencar e Távora (2013, p. 565) complementam:

Questão delicada é a existência do flagrante provocado na hipótese de crime permanente. Se o delito já vinha se consumando quando incidentalmente ocorreu a provocação, esta não será decisiva para caracterização da infração, sendo apenas fator de constatação do crime que preexistia, de sorte que não só a prisão será válida, como também a responsabilidade penal pela conduta é de todo cabível.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n. 145 que dispõe: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

e) Flagrante esperado

Neste flagrante, há uma atividade policial que antecede o início do ilícito penal, a policia tem ciência de que ocorrer determinado crime, portanto, ela então se antecipa ao cometimento do crime.

Nucci (2015, p. 541) esclarece:

Essa é uma hipótese viável para autorizar a prisão em flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente provocador, mas simplesmente chega à polícia a notícia de que um crime será, em breve, cometido. [...] aguarda-se a sua ocorrência, que pode ou não se dar da forma como a notícia foi transmitida.

Lopes Júnior (2015, p. 618) complementa:

Não há ineficácia absoluta do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto para falar-se em crime impossível. Existe o crime (inclusive, dependendo do caso, a atuação policial poderá impedir a consumação, havendo apenas tentativa) e a prisão em flagrante é perfeitamente válida.

f) Flagrante forjado

Neste caso Nucci (2015, p. 540) explica que “a situação é criada, o agente não cometeu o fato, é fato atípico, tendo em vista que a pessoa presa jamais pensou ou agiu para compor qualquer trecho da infração penal”.

g) Flagrante prorrogado

Também denominado de flagrante protelado, diferido ou retardado. Espécie disposta nos artigos. 8º e 9º Lei n. 12.850/2013 (BRASIL, Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013, 2013).

Lopes Júnior (2015 p. 618) ressalta:

Tal dispositivo somente pode ser aplicado aos casos de organização criminosa e autoriza a polícia a retardar sua intervenção (prisão em flagrante) para realizar-se em momento posterior (por isso, diferido), mais adequado sob o ponto de vista da persecução penal.

Alencar e Távora (2013, p. 566) complementam:

É um flagrante de feição estratégica, pois a autoridade policial tem a faculdade de aguardar, do ponto de vista da investigação criminal, o momento mais adequado para realizar a prisão, ainda que sua atitude implique na postergação da intervenção. Mesmo diante da ocorrência da infração, pode-se deixar de atuar, no intuito da captura do maior número de infratores, ou da captação de um maior manancial probatório.

h) Flagrante em crimes permanentes e habituais

Crime permanente é aquele que delito que sua consumação se protrai no tempo, sendo que o agente possui o poder de interromper esse ato ilícito (cárcere privado, sequestro).

Nucci (2015, p. 541) nos ensina que “crimes permanentes são aqueles que se consumam com uma única ação [...] continuando o processo de consumação da infração penal”. Assim, crime permanente é aquele em que o agente em flagrante delito, enquanto não cessar a permanência.

Já o crime habitual, é aquele praticado de forma reiterada, como, por exemplo, o curandeirismo (art. 284, CP). O mesmo autor (2015, p. 542) explica que “[...] são aqueles cuja consumação se dá através da prática de várias condutas, em sequência, de modo a evidenciar um comportamento, um estilo de vida do agente, que é indesejável pela sociedade, motivo pelo qual foi objeto de previsão legal”.

Capez (2014, p. 249) entende que é incabível prisão em flagrante em que nos crimes habituais:

Em tese, não cabe prisão em flagrante, pois o crime só se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, o que não é possível verificar em um ato ou momento isolado. Assim, no instante em que um dos atos componentes da cadeia da habitualidade estiver sendo praticado, não se saberá ao certo se aquele ato era de preparação, execução ou consumação. Daí a impossibilidade do flagrante.

Por outro lado, Mirabete (2000, p. 374) afirma:

Apesar de tudo, não é incabível a prisão em flagrante em ilícitos habituais se for possível, no ato, comprovar-se a habitualidade. Não se negaria a situação de flagrância no caso da prisão de responsável por bordel onde se encontram inúmeros casais para fim libidinoso, de pessoa que exerce ilegalmente a medicina quando se encontra atendendo vários pacientes etc.

Em relação aos crimes habituais, nota-se que não há consenso na possibilidade ou não de caber prisão em flagrante, já que há divergências doutrinárias.

1.2.3 Síntese do procedimento da prisão em flagrante

Após a realização da prisão em flagrante, deve o preso ser apresentado à autoridade policial (art. 304, CPP). Neste momento, deverá a autoridade policial ouvir o condutar (aquele que efetuou a prisão e conduzido o detido).

Em seguida, deverá ouvir as testemunhas (mais de uma testemunha) que presenciaram o fato e, por fim, interrogará o detido.  Este procedimento deve ser formalizado e assinado pela autoridade competente, bem como pelas pessoas que participaram do ato.

Nucci (2015, p. 542) destaca que:

Há possibilidade legal de ser o auto lavrado pela autoridade judiciária ou mesmo por um parlamentar, como demonstra a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal ‘(O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito)’.

Outrossim, no que tange as testemunhas Lopes Júnior (2015, p. 621) explica:

Não havendo testemunhas da infração, é claro que a manutenção da prisão em flagrante é muito mais problemática, mas isso não impede que, em tese, seja realizada. Determina o art. 304, § 2º, que, nesse caso, deverão assinar, pelo menos, duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade. São, por assim dizer, meras testemunhas de apresentação, pois nada sabem do fato criminoso ou do ato da prisão.

Vale salientar que é indispensável a presença de defensor no interrogatório, devendo ser assegurando, o direito de conversar em sala reservada com o preso, além de ser direito do ao interrogado permanecer em silêncio, conforme dispõe o art. 185, do CPP. No entanto, caso o detido queira prestar declarações, estas devem ser colhidas.

Efetuada a prisão, serão comunicados ao juiz competente, ao parquet e à família do detido ou a pessoa que ele indicar. No período de 24 horas (a contar da prisão), o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado ao juiz, sendo o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas. Caso o acusado não informe algum advogado, a cópia integral será encaminhada para a Defensoria Pública. A nota de culpa será integre ao preso no mesmo prazo, assinada pela autoridade, contendo o motivo pelo qual foi preso, o nome de seu condutor, bem como os nomes das testemunhas (art. 306, CPP).

Vale destacar que o art. 322 do CPP, determina que a autoridade policial poderá arbitrar fiança nos crimes cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Sendo que isto deve acontecer de forma imediata, ou seja, antes mesmo de ser enviado o auto de prisão em flagrante para o juiz.

1.2.4 A decisão judicial acerca da prisão em flagrante

Após o recebimento do auto de prisão em flagrante, o juiz deve proceder conforme determina o artigo 310, do CPP, o qual relaxará a prisão ilegal, converterá a prisão em flagrante em preventiva ou concederá liberdade provisória.

Sendo assim, podemos dividir essa análise em dois momentos. O primeiro se refere à formalidade do auto de prisão em flagrante, devendo ser analisada a sua legalidade ou ilegalidade, observando as espécies de flagrantes contidas nos art. 302 e 303, ambos do CPP. Portanto, caso seja legal, o juiz a homologará; sendo ilegal, cabe ao juiz relaxá-la.

Já o segundo momento, se dá quando o juiz homologa o flagrante. Após a sua homologação da prisão em flagrante, o juiz deverá analisar a se deve ou não impor a prisão preventiva, a concessão de liberdade provisória (com ou sem fiança), e ainda a possibilidade de imposição de medida cautelar diversa da segregação cautelar.

Em relação ao último ponto – a prisão preventiva e medida cautelar diversa – Lopes Júnior (2015, p. 625) esclarece que:

A ‘conversão’ da prisão em flagrante em preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação. E mais, a fundamentação deverá apontar – além do fumus commissi delicti e o periculum libertatis – os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes às medidas cautelares diversas do art. 319, cuja aplicação poderá ser isolada ou cumulativa.

Outro ponto a destacar, é que a conversão da prisão em flagrante em preventiva, não pode ser decretada de ofício, visto que o art. 311 do CPP é claro ao afirmar que a prisão preventiva só poderá ser decretada pelo juiz, de ofício, no deslinde da ação penal.

Outrossim, determina o parágrafo único, do art. 310 “Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação”.

Indiscutível, portanto, que a prisão cautelar não poderá ser decretada, caso o juiz verifique o acusado praticou o delito acobertado por alguma das causas de exclusão de ilicitude.

Vale ainda destacar que, ante a implementação da denominada audiência de custódia em nosso ordenamento jurídico, parte do referido procedimento foi alterado, conforme veremos adiante em um capítulo específico para tratar do assunto.

2 PRISÃO PREVENTIVA

2.1 CONCEITO

Trata-se de uma forma de segregação cautelar mais abrangente que as demais, podendo ser aplicada tanto no âmbito do inquérito policial, quanto no deslinde da ação penal.

Lima (2011, p. 1308) explica que:

Cuida-se de espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal (nesta hipótese, também pode ser decretada de oficio pelo magistrado), sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais. (CPP, art. 313) e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 3Í2 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319).

Assim, conclui-se que a prisão preventiva somente será decretada se preenchido seus requisitos legais necessários, ocorrerem os motivos que a autorize e caso as medidas cautelares diversas da prisão se mostrem insuficientes.

2.2 PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

É cediço que a prisão preventiva somente será decretada em casos extremamente necessários. Assim, é necessário haver provas robustas da que comprovem o cometimento de crime (comprovação da materialidade) e indícios que indiquem a sua autoria (indícios de autoria). Tais pressupostos também se denominam de fumus comissi delicti.

Alencar e Távora (2013, p. 580) lecionam que:

Os pressupostos da preventiva materializam o fumus comissi delicti para decretação da medida, dando um mínimo de segurança na decretação da cautelar, com a constatação probatória da infração e do infrator (justa causa). Assim, insistimos: a)prova da existência do crime: a materialidade delitiva deve estar devidamente comprovada para que o cerceamento cautelar seja autorizado, b) Indícios suficientes da autoria: basta que existam indícios fazendo crer que o agente é o autor da infração penal. Não é necessário haver prova robusta, somente indícios.

Complementa Lima (2011, p. 1317):

O fumus comissi delicti, indispensável para a decretação da prisão preventiva, vem previsto na parte final do art. 312 do CPP: prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. E indispensável, portanto, que o juiz verifique que a, conduta supostamente praticada pelo agente é típica, ilícita e culpável, apontando as provas em que se apoia sua convicção. [Grifo do autor].

Para arrematar Lopes Júnior (2015, p. 636) esclarece que:

Concluindo, a prisão preventiva possui como requisito o fumus commissi delicti, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um delito. Na sistemática do Código de Processo Penal (art. 312), é a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. [Grifo do autor].

Vale destacar o que dispõe o artigo 312,caput, do CPP:

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. [Grifo nosso].

Deste modo, indispensável a demonstração de provas concretas, de modo que não restem dúvidas acerca da materialidade do crime, bem como indícios de autoria, não necessitando, neste caso, haver a certeza da autoria do delito.

2.3 REQUISITOS PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Para ocorrer a segregação cautelar, não é suficiente que haja prova da existência do crime e indício de autoria. Além destes dois elementos, é indispensável que fique caracterizado o periculum libertatis, ou seja, deve haver provas suficientes que o agente em liberdade causará óbice para o desenvolvimento do inquérito policial ou ação penal. Portanto, deve satisfazer alguns fundamentos (art. 312, caput, CPP). Senão vejamos.

  1. Garantia da ordem pública:

Primeiramente, vale destacar que se trata de um conceito de cunho subjetivo, não havendo um significado real para a palavra ordem pública.

Para decretar a prisão preventiva com base neste elemento, o juiz deve fundamentar a decisão, portanto, caberia a decretação na situação em que o acusado em liberdade continue a cometer atos ilícitos, assim, ocasionará perturbação à ordem pública. Argumentos genéricos, aqueles que são inerentes ao crime, ou em razão de clamor midiático, social, são fundamentos inidôneos.

Para melhor esclarecer o assunto, vale destacar um trecho da obra de Lima (2011, p. 1322):

Compreendendo-se garantia da ordem pública como expressão sinônima de periculosidade, do agente, não é possível a decretação da prisão preventiva em virtude da gravidade em abstrato do delito, porquanto a gravidade da infração pela sua natureza, de per si, é uma circunstância inerente ao delito. Assim, a simples: assertiva de que se trata de autor de crime de homicídio cometido mediante1 disparo de arma de fogo não é suficiente, por si só, para justificar a custódia cautelar. Todavia, demonstrada a gravidade em concreto do delito, seja pelo modo de agir, seja pela condição subjetiva do agente, afigura-se possível a decretação da prisão preventiva, já que demonstrada sua periculosidade, pondo em risco a ordem pública.

Rangel (2011, p. 697-698) complementa:

O clamor público, no sentido da comunidade local revoltar-se contra o acusado e querer linchá-lo, não pode autorizar sua prisão preventiva. O Estado tem o dever de garantir a integridade física e mental do autor do fato-crime. Segregar, cautelarmente, o indivíduo, a fim de assegurar sua integridade física, é transferir para o cerceamento de sua liberdade de locomoção a responsabilidade do Estado de manter a ordem e a paz no seio da sociedade, reconhecendo a incompetência dos poderes constituídos de atingir os fins sociais a que se destinam.

  1. Garantia da ordem econômica:

Este elemento foi acrescentado no Código de Processo Penal, pelo artigo 86 da Lei Antitruste (Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, 2011). Trata-se de crime praticado contra a ordem econômica, como, por exemplos, os crimes de colarinho branco, contra o sistema financeiro.

Para melhor esclarecer o que se trata esse pressuposto, colaciono um trecho da obra de LIMA (2011, p. 1326):

O conceito de garantia da ordem econômica assemelha-se ao de garantia dá ordem pública, porém relacionado a crimes contra a ordem econômica, ou seja; possibilita a prisão do agente caso haja risco de reiteração delituosa em relação a infrações penais que perturbem o livre-exercício de qualquer atividade econômica; com abuso do poder econômico, objetivando a dominação dos mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (CF, art. 173, § 4).

Assim, a necessidade desse pressuposto para decretação de segregação cautelar, se dá somente nos crimes contra a ordem econômica, além do mais, ele deve ser somado aos requisitos que autorizam sua decretação (art. 312, CPP).

  1. Conveniência da instrução criminal:

Por este elemento, entende-se que visa garantir a produção e coleta de provas, bem como fazer com que cesse tumulto em relação ao deslinde do processo criminal, em observância ao princípio do devido processo legal.

Lopes Júnior (2015, p. 638) ensina que para conveniência da instrução criminal:

[...] a prisão preventiva para tutela da prova é uma medida tipicamente cautelar, instrumental em relação ao (instrumento) processo. Aqui o estado de liberdade do imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo, seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime, seja porque está ameaçando, constrangendo ou subornando testemunhas, vítimas ou peritos.

Nucci (2015, p. 555) arremata:

[...] é o motivo resultante da garantia de existência do devido processo legal, no seu aspecto procedimental. A conveniência de todo processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira escorreita, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas, sobretudo, do réu.

Portanto, a partir do momento que o réu criar embaraços para o regular andamento do processo criminal, ameaçando a testemunha, o juiz, o membro do parquet, a vítima, a tentativa de destruição de provas concretas, dentre outros, são condutas capazes de fundamentar a decretação de prisão cautelar.

  1. Garantia de aplicação da lei penal:

Nas palavras Lopes Júnior (2015, p. 639), para assegurar a aplicação da lei penal:

Em última análise, é a prisão para evitar que o imputado fuja, tornando inócua a sentença penal por impossibilidade de aplicação da pena cominada. O risco de fuga representa uma tutela tipicamente cautelar, pois busca resguardar a eficácia da sentença (e, portanto, do próprio processo).

Conclui-se que esta espécie de segregação cautelar, evita com que o acusado se livre de possível aplicação da lei penal, desde que haja elementos suficientes que o acusado irá fugir. No entanto, vale destacar que a evasão não pode ser presumida, evita-se, portanto, exercer um ato de futurologia.

Assim, Lopes Júnior (2015, p. 639) explica que:

O risco de fuga não pode ser presumido; tem de estar fundado em circunstâncias concretas. Não basta invocar a gravidade do delito ou a situação social favorável do réu. É importante o julgador controlar a ‘projeção’ (mecanismo de defesa do ego) para evitar decisões descoladas da realidade fática e atentar para o que realmente está demonstrado nos autos.

Ora, a possibilidade de fuga deve ser crível, não há espaço para suposições. A prisão cautelar deve ser usada somente se não houver outras medidas menos gravosas. Deve haver fundada suspeita que o acusado pretende escapar da aplicação da lei penal, sob pena de violar o devido processo legal.

  1. O descumprimento de alguma das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares:

Este fundamento fora acrescentado no Código de Processo Penal, para situações em que aplicando ao acusado, medidas cautelares diversa da prisão cautelar, este insiste em descumpri-las.

Pode-se optar pela medida cautelar mais gravosa (prisão preventiva), desde que, o crime praticado autorize que a liberdade do acusado seja suprimida.

Assim, para melhor explicar, colaciono um trecho da obra de Alencar e Távora (2013, p. 582):

O legislador reformador previu várias medidas cautelares, menos gravosas ao direito de liberdade do acusado (art. 319, CPP), que devem preferir à prisão preventiva (medida residual, subsidiária) e que são impostas se atendidos os pressupostos gerais do art. 282 do Código. Uma vez descumprida, percebe-se que a medida cautelar em tela pode não se revelar adequada ou suficiente ao caso, admitindo-se a sua substituição ou cumulação com outra, ou em último caso, a decretação da preventiva, desde que o delito praticado comporte a medida, já que, de regra, a preventiva, só é admitida para os crimes dolosos com pena superior a quatro anos (art. 313, I, CPP).

Portanto, independentemente do fundamento utilizado, é indispensável a presença de provas robustas que sejam capazes de demonstrar o periculum libertatis, assim, hipóteses remotas não são suficientes para decretar a segregação cautelar, visto que esta é a ultima ratio. Em suma, o perigo apresentado pelo acusado deve ser crível, ao ponto de ser legítima esta medida tão severa (LOPES Júnior, 2015, p. 640).

2.4 CASOS EM QUE A PRISÃO PREVENTIVA PODE SER OU NÃO DECRETADA

A presença apenas do periculum libertais e do fumus commissi delicti, não é suficiente para a decretação da prisão preventiva, visto que, somado àqueles, o crime praticado deve ser doloso.

Portanto, ante a importância do artigo 313, do CPP, vale colacioná-lo.

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

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IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. 

Extraímos do referido artigo que a segregação cautelar será cabível nas seguintes situações a seguir expostas.

No que tange o inciso I, o crime necessariamente deve ser doloso e a pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos:

Lopes Júnior (2015, p. 640-641) esclarece que:

Não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo, ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art. 312. Isso porque, para além do princípio da proporcionalidade, o art. 313 inicia por uma limitação estabelecida no inciso I: crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade, além do caráter excepcional da medida, a imposição de prisão preventiva em crime culposo.

Em relação ao inciso II, é necessário que o réu seja reincidente em crime doloso.

Assim, só cabe a prisão cautelar se o réu for reincidente em crime doloso, com a sentença penal transitada em julgado.

Nucci (2015, p. 557-558) explica que:

[...] é preciso que o crime anterior seja doloso e já exista condenação definitiva; sob outro aspecto, o novo crime também precisa ser doloso. Dentre a anterior condenação e a atual não pode ter decorrido o período de cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal. Se assim ocorrer, a possiblidade de gerar reincidência esvai-se.

Não obstante o disposto no art. 313, II, Lopes Júnior (2015, p. 642) entende equivocada a sua intenção:

Infelizmente, optou o legislador em seguir na linha de máxima estigmatização do reincidente, em flagrante bis in idem. Autorizar uma prisão preventiva com base, exclusivamente, no fato de ser o réu ou indiciado reincidente é uma interpretação equivocada, até porque viola presunção de inocência (estabelece uma ‘presunção de culpabilidade’ por ser reincidente), a proporcionalidade e a própria dignidade da pessoa humana.

Rangel (2011, p. 702) enfatiza:

O reincidente poderá ter sua prisão preventiva decretada para se proteger a sociedade. Absurdo. Reincidência é a instituição do bis in idem. Quer-se dizer: punição duas vezes pelo mesmo fato em afronta a regra proibitiva clara da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): art. 8º, item 4. [Grifo do autor].

Portanto, nesta situação, não importa se a pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos, basta que seja reincidente e esteja presente o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.

Já o inciso III, os crimes que dizem respeito à violência doméstica e familiar contra a mulher, criança e adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência.

Neste caso, a intenção do legislador foi dar garantia a execução das medidas protetivas, assim, cabe prisão preventiva para dar efetividade nas medidas da Lei n. 11.340/06 (BRASIL, Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006, 2006).

Não obstante, Lopes Júnior (2015, p. 644) ressalta:

[...] quando muito, estando presentes o fumus commissi delicti e alguma das situações de periculum libertatis do art. 312, e sendo o crime doloso, o inciso em questão somente serviria para reforçar o pedido e a decisão. Mas, para tanto, deve-se analisar ainda qual foi a medida protetiva decretada, para verificar-se a adequação da prisão em relação a esse fim, bem como a proporcionalidade. [Grifo do autor].

Por fim, caso exista dúvida acerca da identidade civil da pessoa, bem como se não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, conforme determinar o artigo 313, parágrafo único do CPP.

2.5 IMPOSSIBILIDADES PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

O art. 314, do Código de Processo Penal, determina que a segregação preventiva, em hipótese alguma, não será decretada se o juiz verificar se o acusado, pelas provas existentes, praticou o fato sob alguma exclusão de ilicitude. Assim, não caberá prisão preventiva, se a pratica do delito se deu, em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal, bem como no exercício regular de direito, nos termos do art. 23, do Código Penal.

Nesse sentido, Lopes Júnior (2015, p. 646) ensina que:

Se houver prova razoável de que o agente tenha praticado o fato ao brigo de uma causa de exclusão da ilicitude, tais como estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, não caberá a prisão preventiva, por ausência de fumaça de ilicitude na conduta. [...] não se exige uma prova plena da excludente, mas uma fumaça. Inclusive diante da gravidade de uma prisão preventiva, pensamos que a dúvida deve beneficiar o réu também neste momento, incidindo sem problemas o in dubio pro reo.

Outrossim, Nucci (2015, p. 558) vai ainda mais além, ao entender que também não caberia prisão preventiva apenas em excludentes de ilicitude, mas também em excludentes de culpabilidade:

Cremos, ainda, que podem ser incluídas as excludentes de culpabilidade, por analogia, uma vez que também são causas de exclusão do crime, não se justificando a decretação da prisão preventiva contra quem agiu, por exemplo, sob coação moral irresistível ou em erro de proibição.

Nota-se, portanto, que há divergências doutrinárias no que tange o cabimento da prisão preventiva não só em excludentes de ilicitude, mas também em excludentes de culpabilidade.                           

3 PRISÃO TEMPORÁRIA

3.1 CONCEITO

A prisão temporária é regulada pela Lei n. 7.960/89 (BRASIL, Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989,1989), possui natureza processual, e tem como objetivo dar efetividade em investigações referentes a determinados crimes graves.

Nucci (2015, p. 530) explica que a prisão temporária “é uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave”.

Nesse sentido, Mirabete (2000, p. 392) ao tratar do assunto, complementa “trata-se de medida acauteladora, de restrição da liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial”.

A regulamentação da prisão temporária teve como principal objetivo, acabar com a denominada prisão para averiguações, a qual autorizava as polícias deterem as pessoas em público, sob o fundamento de “averiguá-las”. Tudo isso sem prévia autorização judiciária ou em situação de flagrante delito.

Nesse sentido, de Lima (2015, p. 973):

Como se vê, o principal objetivo da criação da prisão temporária foi o de pôr fim à famigerada prisão para averiguações, que consiste no arrebatamento de pessoas pelos órgãos de investigação para aferir a vinculação das mesmas a uma infração, ou para investigar a sua vida pregressa, independentemente de situação de flagrância ou de prévia autorização judicial. Essa prisão para averiguação é de todo ilegal, caracterizando manifesto abuso de autoridade.

Assim, para melhor esclarecer sobre a prisão para averiguação, colaciono um trecho da obra de Nucci (2015, p. 532-533):

Trata-se de um procedimento policial desgastado pelo tempo, pelo incremento dos direitos e garantias individuais e, sobretudo, pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5.º, LXI, preceitua dever ocorrer a prisão somente em decorrência de flagrante e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária. [...] não tem mais cabimento admitir-se que a polícia civil ou militar detenha pessoas na via pública, para ‘averiguá-las’, levando-as presas ao distrito policial, onde, como regra, verifica-se se são procuradas ou não. Trata-se de instrumento de arbítrio, que, uma vez fosse admitido, ampliaria os poderes da polícia em demasia, a ponto de cidadão algum ter a garantia de evitar a humilhação do recolhimento ao cárcere.

Assim, conclui-se que a prisão por averiguação viola de forma insanável os direitos e garantias constitucionais, não se admitindo após a promulgação da Constituição da República, esta modalidade de prisão arbitrária.

3.2 CABIMENTO

Para o cabimento desta modalidade de prisão, o delito deve ser grave, somado a isso, deve se adequar no disposto do art. 1º, da Lei n. 7.960/89:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único/o);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

p) crimes previstos na Lei de Terrorismo. (Incluído pela Lei nº 13.260, de 2016)

Deste modo, observando o inciso I e II, somente será cabível quando for imprescindível para as investigações criminais e ainda quando o detido não tiver residência fixa, bem como não fornecer elementos para esclarecimento de sua identidade. No entanto, com base apenas nesses dois incisos, a prisão ainda não será cabível, visto que deve ser somado ao inciso III que relaciona os crimes que a lei considera de natureza grave. Assim ensina Nucci (2015, p. 531-532):

[...] não se pode decretar a temporária somente porque o inciso I foi preenchido, pois isso implicaria viabilizar a prisão para qualquer delito, inclusive os de menor potencial ofensivo, dede que fosse imprescindível para a investigação policial [...] Não parece lógico, ainda, decretar a temporária unicamente porque o agente não tem residência fixa ou não é corretamente identificado, em qualquer delito. Logo, o mais acertado é combinar essas duas situações com os crimes enumerados no inciso III, e outras leis especiais, de natureza grave, o que justifica a segregação cautelar do indiciado.

Nesse sentido, Lopes Júnior (2015, p. 683) assevera que:

Os incisos devem ser interpretados em conjunto, de modo que só pode haver prisão de alguém suspeito de ser autor ou partícipe de algum daqueles crimes (cujo rol é taxativo), e quando imprescindível para a investigação.

O mesmo autor (2015, p. 683) explica:

A prisão temporária somente poderá ser decretada quando estiverem presentes as situações previstas nos incisos III e I. A situação descrita no inciso II apenas reforça o fundamento da prisão, logo, pode haver prisão temporária pela conjugação dos três incisos.

3.3 PRAZOS E PROCEDIMENTO

A prisão temporária é a única segregação cautelar que tem prazo determinado. Portanto findo o prazo, o indiciado deve ser posto imediatamente em liberdade.

Assim, como regra o prazo será de 5 (cinco) dias, prorrogando-se por mais cinco dias, desde que comprovada a sua necessidade de prorrogação (art. 2º, caput, da Lei n 7.960/89). No entanto, em se tratando de crimes hediondos e equiparados, o prazo será de 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogando por outros 30 (trinta) dias (art. 2º, § 4º, da Lei n. 8.072/90).

Não há possibilidade de ser decretada de ofício pelo juiz (ao contrário da prisão preventiva), sendo assim, deve haver requerimento do Ministério Público ou representação de autoridade policial. Após o recebimento da representação ou requerimento, o juiz terá o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para decidir, expondo suas razões de forma fundamentada, se decreta ou não a prisão temporária (art. 2º, § 2º).

Vale ressaltar que após o término do prazo estabelecido pelo juiz, o indiciado deve ser imediatamente posto em liberdade, pela autoridade policial, independentemente da expedição de alvará de soltura. Entretanto, há possibilidade de o acusado permanecer preso, conforme o art. 2º § 7º, da Lei n. 7.960/89, que dispõe “decorrido o prazo de cindo dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva”.

O correto seria que o indivíduo fosse preso somente após a sentença penal transitada em julgado, no entanto, existem prisões que são admitidas antes de uma eventual condenação, sendo prisão preventiva a mais utilizada atualmente.

Já fora destacado que em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, a segregação cautelar deve ser aplicada de forma excepcionada. Para que ela seja decretada é necessário que esteja presente o fumus commissi delicti (quando há indícios de autoria e materialidade) e o periculum libertatis, que se traduz no artigo 312 do CPP (ordem pública, ordem econômica, instrução criminal e aplicação da lei penal).

4 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

4.1 DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Não há como discorrer sobre a audiência de custódia, sem antes falar do sistema prisional brasileiro.

É cediço que as penitenciárias de todo Brasil estão superlotadas. A falência do sistema carcerário é indiscutível, é notória a precariedade e as condições deploráveis que os reclusos vivem atualmente. As celas são insalubres e imundas, há proliferação de doenças venéreas, comida indigestível, temperaturas insuportáveis, ausência de produtos higiênicos, falta de água potável. Há inúmeros homicídios, tortura, espancamentos, violência sexual contra os presos é comum. A assistência judiciária é limitada, bem como o acesso à saúde, à educação e trabalho. Nesse cenário calamitoso, não é de se espantar a ocorrência de rebeliões cada vez mais assustadoras.

Hulsman (1993, p. 61-63), assim já descrevia o que seria aprisionar alguém:

Esforce-se por imaginar, tente interiorizar o que é a prisão, o que é o encarceramento. Aprendemos a pensar sobre a prisão de um ponto de vista puramente abstrato. Coloca-se em primeiro lugar a ‘ordem’, o ‘interesse geral’, a ‘segurança pública’, a ‘defesa dos valores sociais’... Fazem com que acreditemos – e esta é uma ilusão sinistra – que, para nos resguardar das ‘empreitadas criminosas’, é necessário – e suficiente! – colocar atrás das grades dezenas de milhares de pessoas. E nos falam muito pouco dos homens enclausurados em nosso nome...

Privar alguém de sua liberdade não é uma coisa à toa. O simples fato de estar enclausurado, de não poder mais ir e vir ao ar livre ou onde bem lhe aprouver, de não poder mais encontrar quem deseja ver – isto já não é um mal bastante significativo? O encarceramento é isso.

Mas, também é um castigo corporal. Fala-se que os castigos corporais foram abolidos, mas não é verdade: existe a prisão, que degrada os corpos. A privação de ar, de sol, de luz, de espaço; o confinamento entre quatro parede; o passeio entre grades; a promiscuidade com companheiros não desejados em condições sanitárias humilhantes; o odor, a cor da prisão, as refeições sempre frias onde predominam as féculas – não é por acaso que as cáries dentárias e os problemas digestivos se sucedem entre os presos! Estas são provações que agridem o corpo, que o deterioram lentamente.

Este primeiro mal arrasta outros, que atingem o preso em todos os níveis de sua vida pessoal. [...] Bruscamente cortado do mundo, experimenta um total distanciamento de tudo que conheceu e amou.

Por outro lado, o condenado à prisão penetra num universo alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão representa muito mais do que a privação de liberdade com todas as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento estéril.

[...] O encarceramento, porém, é um sofrimento não criativo, desprovido de sentido. Tal sofrimento é um nonsense.

As ciências humanas nos dão uma idéia da extensão deste mal. A partir delas, se constata que ninguém extrai qualquer benefício do encarceramento: nem o preso, nem sua família, nem a sociedade. [...] O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, faz desaprender a comunicação autêntica com o outro, impede a construção de atitudes e comportamentos socialmente aceitáveis para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os homens são despersonalizados e dessocializados.

Em suma, os presídios nada mais são que depósitos onde os humanos são amontoados.

Outrossim, uma das causas da superlotação carcerária, é o uso indiscriminado de prisões processuais. Em nosso ordenamento jurídico, a prisão antes da sentença penal condenatória transitada em julgado deve ser excepcional, ante o princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CRFB), impedindo que as prisões processuais sejam uma forma de antecipar a pena.

Não obstante, haver a necessidade de as prisões serem devidamente motivadas, realizando um verdadeiro juízo de proporcionalidade acerca da necessidade da constrição da liberdade individual, as utilização das prisões antes do trânsito em julgado vem sendo banalizada.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2015), a população carcerária do Brasil é de 711.463 presos, tendo o Brasil a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China.

Outrossim, 41% da população carcerária brasileira são presos provisórios. Não bastasse isso, uma pesquisa realizada pelo IPEA e do Ministério de Justiça (2014), em torno de 37% dos réus presos provisoriamente, não são condenados à pena privativa de liberdade, o que comprova a banalização dessas prisões.

Sendo assim, para tentar atenuar esse problema que é o uso irrestrito das prisões cautelares, e assegurar os direitos fundamentais dos presos, se faz necessário a tomada de diversas medidas, dentre essas, a implementação da audiência de custódia, que está prevista em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, cujo nosso País é signatário.

4.2 CONCEITO

Audiência de custódia (ou de apresentação) constitui-se na condução do detido à presença de uma autoridade judicial, rapidamente, a qual deverá analisar a legalidade da ou ilegalidade da prisão, bem como a necessidade de sua manutenção, além de verificar eventual ocorrência de tortura sofrida pelo preso.

Nesse sentido, vale destacar um trecho da obra do Defensor Público Federal, Caio Paiva (2015, p. 31):

O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões de maus tratos ou tortura.

O Conselho Nacional de Justiça (2015), por sua vez, explica que se trata de:

[...] um projeto para garantir que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz num prazo máximo de 24 horas. O ‘Projeto Audiência de Custódia’ consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere. 

Portanto, deve ser assegurada a apresentação do preso à presença de uma autoridade judiciária competente, onde estará presente o membro do Ministério Público, da Defensoria Pública ou Advogado do detido. Sendo que neste momento, será analisado a legalidade da prisão, a sua necessidade e adequação, além de ser verificada a possiblidade de concessão de liberdade, com ou sem medidas cautelares diversas da segregação cautelar.

Por fim, importante ressaltar que o termo “audiência de custódia” é utilizado no Brasil, não porque está previsto em algum Tratado Internacional de Direitos Humanos, haja vista que este termo fora criado pela doutrina. Aliás, durante o julgamento da ADI n. 5240, o Ministro Luiz Fux entendeu ser correto a nomenclatura “audiência de apresentação”. Portanto, as duas expressões podem ser utilizadas.

4.3 FONTE NORMATIVA

Encontramos o referido instituto em vários Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Senão vejamos.

Na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) consagra em seu artigo 7.5:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Já o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, dispõe em seu art. 9.3:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Outrossim, a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950), determina o artigo 5.3:

Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.

Paiva (2015, p. 32) destaca que:

Desde 1965, o Código Eleitoral brasileiro já prevê uma espécie de audiência de custódia para os cidadãos que forem presos (nas hipóteses permitidas[3]) no período entre cinco dias antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição: “Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator” (art. 236, § 2º). Veja-se, pois, que a consideração de tal ato como sendo uma audiência de custódia justifica-se pela sua vinculação expressa à apreciação pelo juiz da legalidade da prisão, o que não parece excluir que por ocasião da audiência o juiz verifique, também, a necessidade da prisão, assim como exerça um controle de custódia/proteção do direito à integridade física do cidadão conduzido. [ Grifo do autor].

O mesmo autor (2015, p. 33) ressalta ainda que há outra hipótese que se assemelha ao referido instituto:

[...] no art. 287 do CPP, que dispõe: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado”. Aqui, porém, não há uma audiência de custódia propriamente dita, mas apenas uma “audiência de apresentação”, cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis que se limita à provar para o conduzido que contra ele havia sido expedido um mandado de prisão. [ Grifo do autor].

Nota-se, portanto, que há diversas previsões normativas, internacionais e também previsões em nosso ordenamento jurídico brasileiro que se assemelham à audiência de custódia.

De mais a mais, o Conselho Nacional de Justiça tem por base a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7.5), conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”, que segundo o Supremo Tribunal Federal, estes tratados internacionais sobre direitos humanos, ao incorpora-se em nosso ordenamento, possuem status de norma supralegal, ou seja, está acima das leis ordinárias, no entanto abaixo da Constituição da República.

Portanto, em que pese a existência de um Projeto de Lei do Senado em trâmite, o PLS n. 554/2011 (o qual discutiremos mais adiante), a audiência de custódia ainda não possui regulamentação por lei brasileira, assim sendo, o CADH serve como meio para implementação, pelo CNJ, da denominada audiência de custódia.

4.4 FINALIDADES

A principal finalidade de sua implementação em nosso ordenamento jurídico, é adequar o Código de Processo Penal em relação aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, devendo observar tanto a Constituição, bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Lopes Júnior e Paiva (2015), afirmam que:

Incumbe aos juízes e tribunais hoje, ao aplicar o Código de Processo Penal, mais do que buscar a conformidade constitucional, observar também a convencionalidade da lei aplicada, ou seja, se ela está em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos. A Constituição não é mais o único referencial de controle das leis ordinárias.

Nesse sentido, Paiva (2015, p. 34) explica que:

Pouca ou nenhuma importância teria o Direito Internacional dos Direitos Humanos se cada país dispusesse de uma ‘margem de apreciação’ a respeito da utilidade dos direitos e garantias veiculados nos Tratados a que – voluntariamente – aderiram.

Em suma, visa restituir um caráter humanitário para o processo penal brasileiro, o alinhando à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Outro propósito da audiência de custódia é fazer cessar eventual ocorrência de maus tratos ou tortura policial, garantindo assim, a integridade pessoal do indivíduo detido. Dessa forma determina o art. 5.2 da CADH:

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Paiva (2015, p. 38) destaca que:

Garantindo-se a apresentação imediata, ou, ainda, ‘sem demora’, a audiência de custódia pode eliminar – pelo menos – a violência policial praticada no momento da abordagem no flagrante e nas horas seguintes, pois os responsáveis pela apreensão / condução do preso terão prévia ciência de que qualquer alegação de tortura poderá ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade judicial, da Defesa (pública ou privada) e do Ministério Público, na realização da audiência de custódia.

Portanto, além de sua intenção é fazer cessar possível ocorrência de maus tratos ou tortura, é também prevenir que isto ocorra, já que a autoridade policial sabendo que o conduzido deverá ser apresentado à autoridade judicial em até 24 horas, a contar de sua prisão, garante a sua integridade física e moral.

Paiva (2015, p. 35) cita a Corte Interamericana de Direitos Humanas, a qual já decidiu que a apresentação do detido é essencial “para a proteção a outros direitos, como a vida e a integridade pessoal”, o mesmo autor (2015, p. 35) ressalta ainda que “o simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e apresentar sua declaração ante o juiz ou autoridade competente”.

É cediço que esta medida não vai acabar com as torturas policiais, entretanto, deve reduzir, haja vista que esta prevenção de agressões ao preso diz respeito às primeiras horas em que a liberdade da pessoa é restringida, ficando assim vulnerável àqueles agentes que efetuaram sua prisão.

Vale anotar que o tratado internacional de direitos humanos, denominado de Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989), prevê em seu artigo 2.1 que “Cada Estado Parte tomará medidas legislativas, administrativas, judiciais ou de outra natureza, com o intuito de impedir atos de tortura no território sob a sua jurisdição”. Sendo assim, no momento em que o Brasil ratificou o referido tratado, assumiu o dever de providenciar medidas que previnam a ocorrência de tortura.

Por fim, Paiva (2015, p. 39) ressalta que a implementação da audiência de custódia:

Não se trata de uma crítica generalizada ao trabalho desempenhado pela Polícia. Os bons policiais, que respeitam a integridade física e psíquica dos cidadãos presos, não têm porque temer a apresentação do preso à autoridade judicial. Os maus, porém, que, espera-se sejam a minoria, se autodenunciarão ao se manifestarem contra a medida.

A terceira finalidade da audiência de custódia é evitar prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias. Bardaró (2014, p. 14) em seu parecer “prisão em flagrante delito e direito à audiência de custódia”, afirma que o juízo realizado na audiência de custódia é “complexo ou bifronte”, visto que:

Não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado, mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão cautelar, para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada para o passado, com vista a analisar a legalidade da prisão em flagrante, e outra, prospectiva, projetada para o futuro, com o escopo de apreciar a necessidade e adequação da manutenção da prisão, ou de sua substituição por medida alternativa à prisão ou, até mesmo, a simples revogação sem imposição de medida cautelar.

Deste modo, já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso “Acosta Calderón vs. Equador”, conforme cita Paiva (2015, p. 39) em sua obra:

O controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das detenções, tomando em conta que num Estado de Direito corresponde ao julgador garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, que se trate o investigado de maneira coerente com a presunção de inocência.

Outrossim, durante a realização da audiência de custódia, será possível o juiz constatar situações mais graves que possibilitam a decretação de prisão domiciliar, como, por exemplo, o acusado debilitado por estar acometido por doença grave (art. 318, II, CPP), gestante (318, IV, CPP).

O mesmo autor (2015, p. 40) assevera que esta medida contribui:

Diretamente para a prevenção de desaparecimentos forçados e execuções sumárias [...] De tão importante que é a apresentação do preso ao juiz, a Corte Interamericana já decidiu, inclusive, que tal direito não pode ser anulado nem nas hipóteses de estar vigorando no país algum expediente normativo de suspensão de garantias, considerando que, ao agir desta maneira, o Estado estará violando a CADH.

Dessa forma, ao assegurar a realização da audiência de custódia, o Estado previne que aconteçam eventuais desaparecimentos de presos e suas execuções. Além disso, trata-se de direito inafastável, mesmo que o país esteja, por exemplo, em Estado de Defesa.

A Constituição da República prevê restrições ao direito à liberdade pessoal na hipótese de Estado de Defesa (art. 136), entretanto, qualquer prisão que seja, esta deve ser comunicada imediatamente comunicada ao juiz competente (art. 136, § 3º, I). Portanto, mesmo em situações emergenciais, o juiz deve ter conhecimento da prisão efetuada.

Conclui-se, portanto, que há três principais finalidades da audiência de custódia: (1) o alinhamento do processo penal aos tratados de direitos humanos, (2) a prevenção de maus tratos e tortura, (3) evitar a ocorrência de prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias. Em relação à esta última finalidade, visa também contribuir para a redução do encarceramento em massa que ocorre no Brasil, visto que é uma das maior populações carcerárias.

4.5 DEFINIÇÕES E SEUS TERMOS

4.5.1 O termo “sem demora”

A Convenção Americana de Direitos Humanos prevê em seu art. 7.5 que a pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à autoridade judicial. No entanto, vale ressaltar que, não há um consenso do que seria “sem demora”.

Bardaró (2014, p. 08), esclarece que “embora a versão em espanhol utilize a expressão ‘sin demora’, na versão em inglês, é utilizado o advérbio de tempo promptly (‘prontamente’)”. Apesar de não se tratar de termos idênticos, são semelhantes.

O mesmo autor (2014, p. 08) esclarece ainda que essa discussão:

Surgiu em relação à Convenção Europeia de Direitos Humanos, ante a diferença da terminologia utilizada na versão inglesa promptly – e francesa – aussitôt –. Embora a primeira tenha o significado literal de prontamente, enquanto que a segunda, tem a conotação de imediatidade, a Corte Europeia reconheceu que há muito pouco grau de flexibilidade para interpretar a expressão prontamente.

Outro ponto a destacar, é que o prazo observado no ordenamento jurídico interno, por si só, não se pode concluir que foi assegurado o cumprimento da garantia (apresentação sem demora), visto que a legislação interna deve ser elaborada de acordo com o que estabelece a CADH.

 Portanto, Paiva (2015, p. 44) esclarece que:

Se o prazo fixado na legislação nacional for razoável e compatível com a CADH, o seu desrespeito poderá ensejar a violação tanto do art. 7.2 (‘Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições Políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas’) como do art. 7.5, mas se o prazo da legislação interna for incompatível com a melhor interpretação que se espera da expressão ‘sem demora’, o seu desrespeito ensejará a violação apenas do art. 7.5, não havendo que se falar em violação do art. 7.2, pois a prisão terá observado o ordenamento jurídico do país.

Assim sendo, não há na jurisprudência internacional o um consenso do que exatamente seria “sem demora”, não há um lapso temporal determinado, tendo os países, certa margem para estabelecer o prazo de apresentação do detido, não podendo ultrapassar alguns dias.

No entanto, em que pese haver certa discricionariedade para a fixação do prazo de apresentação, é certo que a jurisprudência internacional entende que o art. 7.5 da CADH não é violado quando o detido é apresentado para autoridade judicial no lapso temporal de 1 (um) dia após a efetivação da prisão.

Em nossa legislação interna, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a resolução n. 213 de 15 de dezembro de 2015, a qual prevê em seu artigo 1º o prazo de 24 horas para apresentação do preso.

Assim dispõe o referido artigo:

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Dessa forma, podemos concluir que o art. 1º, da Resolução n. 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, está de acordo com a expressão “sem demora” do art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Sendo que o desrespeito deste prazo (24 horas) poderá acarretar violação tanto do art. 7.2, como do art. 7.5, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos.

4.5.2 A autoridade autorizada por lei

O preso deve ser apresentado à autoridade judicial, ou seja, à presença de um “juiz”. No entanto os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, preveem que a audiência de custódia pode ser presidida por autoridade que não seja o juiz, desde que autorizada por lei.

A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais” (art. 7.5). Já o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê que “outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais” (art. 5.3).

Assim, surge o questionamento, se denominada audiência de custódia poderá ser conduzida por outra autoridade que não seja o juiz.

Em que pese existir nos Tratados a expressão que autoriza autoridade diversa do juiz conduzir a audiência de custódia, esta possibilidade não se aplica no Brasil. Isso porque não seria possível cumprir as finalidades em relação à prevenção de tortura, prisões arbitrárias ou ilegais.

Paiva (2015, p. 47) anota que:

A autoridade responsável pela audiência de custódia deve ter independência, imparcialidade e, sobretudo, poder para fazer cessar imediatamente qualquer tipo de ilegalidade. [...] a Corte Interamericana interpreta o art. 7.5 da CADH em conjunto com o art. 8.1 da mesma Convenção, que assegura o direito de toda pessoa de ‘ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial (...)’. [Grifo do autor].

Assim sendo, a condução do preso deve ser realizada somente à presença do magistrado, o qual é o único autorizado à exercer o controle jurisdicional da prisão, o qual velará pelo cumprimento das finalidades (descritas no item 5.3) da audiência de custódia, de maneira que, caso fosse realizada por outra autoridade, não haveria efetividade o que consagra o art. 7.5 do CADH.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos recusou a considerar como juiz ou pessoa autorizada por lei, diversas autoridades. Lopes Júnior e Paiva (2015) anotam que a Corte IDH já recusou “(a) a jurisdição militar,  (b) o Agente Fiscal do Ministério Público, e (c) o Fiscal Naval”.

No Brasil, o principal questionamento que surgiu, é se o Delegado da Polícia Civil ou Federal se adequa à “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais” (art. 7.5, CADH), se estão autorizados ou não à conduzir a audiência de custódia. Nesse sentido, vale colacionar o pensamento dos delegados Eduardo Luiz Santos Cabette e Francisco Sannini Neto (2015):

Como se percebe através de uma análise perfunctória do dispositivo, o Brasil, de forma alguma, está descumprimento o referido tratado, uma vez que o texto é claro ao estabelecer que o preso deva ser encaminhado ao juiz ou outra autoridade prevista em lei que lhe faça as vezes. Ora, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, o Delegado de Polícia é esta autoridade, sendo responsável pela análise da legalidade da prisão e pela observância de todos os direitos fundamentais do preso, devendo coibir qualquer espécie de tortura ou abuso. Posteriormente, o Juiz realizará um novo filtro sobre esses aspectos e ainda verificará a necessidade da manutenção da prisão ou sua conversão em outra medida cautelar.

O problema é que existe um ranço no meio jurídico em relação à figura do Delegado de Polícia, como se esta autoridade não fosse bacharel em Direito, como Juízes, Promotores, Defensores Públicos etc. O Delegado de Polícia, na verdade, é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça. Concordamos que as nossas polícias ainda não estão livres da odiosa e inadmissível prática de tortura, mas é preciso que se acabe com essa pecha que recai sobre a polícia judiciária no sentido de que as investigações são pautadas por abusos contra os investigados. Pelo contrário! Hoje são adotados procedimentos investigativos e técnicas de inteligência policial que têm se mostrado extremamente eficazes no combate à criminalidade organizada, o que não ocorria na época da ditadura, onde a realidade e a própria filosofia do Estado eram completamente diferentes. E, diga-se de passagem, eram diferentes não somente com relação à Polícia, mas em relação a todo aparato estatal, englobando as Forças Armadas, o Judiciário e o Ministério Público, fato este invariavelmente olvidado com relação aos dois órgãos por último citados.  Por tudo isso, frise-se, cabe à Autoridade de Polícia Judiciária zelar pelos direitos e garantias fundamentais das pessoas presas em flagrante, sendo que o Juiz deve atuar no mesmo sentido, mas num segundo momento, tudo com o objetivo de conter eventuais abusos praticados pelo Estado no exercício do seu direito de punir.

Nesse sentido, entendemos que a figura do Juiz na audiência de custódia seria desnecessária, uma vez que a Autoridade Policial poderia executar o seu papel, o que é permitido, inclusive, pelo Pacto de São José da Costa Rica, como vimos alhures.

Assim argumenta o delegado de policia civil Thiago Costa (2015):

Analisando o conceito sob a ótica do ordenamento jurídico interno, depreende-se que o delegado de polícia é a autoridade autorizada e habilitada pela Constituição Federal e por diversas leis federais a exercer funções tipicamente judiciais, por exemplo, quando arbitra fiança como condição para concessão da liberdade do preso em flagrante, quando apreende um bem relacionado ao crime, quando homologa a prisão em flagrante e determina o recolhimento do conduzido à prisão ou quando promove o indiciamento, ato que se reveste das mesmas características de decisão judicial, nos termos do § 6º, do art. , da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013 [...].

Nesse sentido, o cargo de delegado de polícia está previsto no § 4ºdo art. 144 da Constituição Federal, ao qual incumbe a direção das Polícias Civis, sendo, portanto, o titular das funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais [...].

Por tudo isso, o delegado de polícia está inserido no conceito amplo de autoridade previsto nos tratados de direitos humanos, razão pela qual se conclui que o sistema processual brasileiro não só está de acordo com os tratados internacionais como vai além é estabelece um duplo controle de legalidade da prisão em flagrante, realizado, a priori, pelo delegado de polícia, e a posteriori, pelo juiz de direito.

Em que pese toda argumentação exposta, entendemos que o delegado de polícia civil ou federal não pode presidir a audiência de custódia, até porque que ele não possui poderes para exercer o controle jurisdicional acerca da prisão.  Assim, entende Choukr (2014, p. 601) ao afirmar que “[...] não se pode dizer que a autoridade policial exerça ‘funções judiciais’ e possa suprimir a omissão desse contato”.

Do mesmo modo, argumenta Paiva (2015, p. 51-52):

Confiar a tutela do direito à integridade física e psíquica dos presos à autoridade policial quando, conforme, já vimos, uma das principais finalidades da audiência de custódia é atuar na prevenção da tortura policial, despreza por completo a “essência” da apresentação em juízo. Não se pode estabelecer uma presunção de abuso policial, mas sim de compreender que a audiência de custódia surge num contexto de controle judicial da prisão, que deve – necessariamente – ser exercido por uma autoridade com poderes para (a) relaxar uma prisão ilegal ou arbitrária, (b) conceder liberdade provisória em se tratando de prisão desnecessária, (c) converter a prisão preventiva em domiciliar se presentes os seus requisitos e, principalmente, (d) para fazer cessar eventual maus tratos ou tortura praticados contra o preso conduzido.

Lopes Júnior e Morais Rosa (2015) também afastam esta possibilidade:

A intervenção da autoridade policial, do delegado, daria conta dessa exigência? Entendemos que não. Primeiro porque o delegado de polícia, no modelo brasileiro, não tem propriamente ‘funções judiciais’. É uma autoridade administrativa despida de poder jurisdicional ou função judicial. Em segundo lugar a própria CIDH já decidiu, em vários casos, que tal expressão deve ser interpretada em conjunto com o disposto no artigo 8.1 da CADH, que determina que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial”. Com isso, descarta-se, de vez, a suficiência convencional da atuação do Delegado de Polícia no Brasil.

Para arrematar, colaciono um trecho do artigo do delegado de polícia Cleopas Isaías Santos (2015):

Esta outra autoridade à qual se refere a Convenção jamais poderia ser o Delegado de Polícia. E assim pensamos por diversas razões.

A uma, porque o Delegado de Polícia não está autorizado por lei a exercer funções judiciais. Ao menos desde a CF de 1988 a autoridade policial não pode praticar nenhum ato acobertado pela reserva de jurisdição. A concessão de fiança contracautela e a formalização da prisão em flagrante, hipóteses mencionadas para justificar a tese que aqui estamos tentando refutar, são as únicas medidas previstas no nosso sistema, mas que não tornam o Delegado de Polícia uma autoridade que exerce funções judiciais. Do contrário, teríamos que admitir que o militar responsável pela prisão administrativa de outro militar ou a autoridade (diversa do juiz) que determinar a prisão ou detenção de outrem, durante o estado de sítio, também seriam autoridades autorizadas a exercerem funções judiciais. E isso é incogitável!

A duas, porque carece de qualquer razoabilidade, inclusive lógica, considerar-se que a autoridade responsável pela prisão de alguém seria a mesma a exercer o controle de sua legalidade. Isso não significa que o Delegado não exerça esse controle quando a detenção é realizada por outros agentes. Claro que sim! Mais que isso: é seu dever fazê-lo, sob pena de responsabilidade. E quando a prisão em flagrante for executada pelo próprio Delegado de Polícia? Ou ainda, quando não se tratar de prisão em flagrante, mas de preventiva ou temporária? Evidentemente que o controle deverá ser feito por autoridade diversa.

A três, o objetivo maior da audiência de garantia, como já ficou dito acima, é garantir os direitos fundamentais do preso, o que se dá através do exercício do contraditório prévio, a fim de que sejam avaliadas todas aquelas possibilidades acima referidas, a exemplo do relaxamento da prisão ilegal, da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aplicação de outras medidas cautelares alternativas ao cárcere, conversão da prisão em flagrante em preventiva e até a substituição desta por prisão domiciliar. E nenhuma dessas medidas pode ser aplicada pelo Delegado de Polícia. Até entendemos que algumas poderiam ser, como expusemos em outro trabalho.[8] Mas ainda não há previsão legal.

Portanto, por todas essas argumentações doutrinárias acima mencionadas, entendesse que não há possibilidade de o Delegado de Polícia presidir a audiência de custódia.

4.6 IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL

Conforme visto anteriormente, o Brasil é signatário de diversos Tratados de Direitos Humanos que asseguram o direito à realização da audiência de custódia, ante o seu status de norma supralegal.

No entanto, a legislação interna possui extrema importância, mormente em relação à audiência de custódia, haja vista que os Tratados são vagos ao dispor de certas expressões, como, por exemplo, a expressão “sem demora” e se o ato poderia ser realizado por outra autoridade diversa do juiz. Por isso a importância da edição do Projeto de Lei do Senado 554/2011, que será analisado mais a frente.

Vale destacar, que a Defensoria Pública da União já obteve alguns precedentes favoráveis, mesmo antes da implementação da audiência de custódia, em especial, a ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União em Manaus (AM) na Justiça Federal, tendo como um dos autores o Defensor Público Federal Caio Paiva. A ação que cobra do Poder Judiciário, a implementação da audiência de custódia.

4.6.1 O Projeto de Lei do Senado n. 554/2011

Como já vimos anteriormente o Brasil é signatário de diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, cujo consagram a necessidade de realização da audiência de custódia, ou seja, para sua implementação, não seria necessário a sua regulamentação interna.

No entanto, é de extrema importância a edição de uma lei para regulamentar a audiência de custódia, isso porque, naqueles Tratados há definições vagas, conforme vimos anteriormente.

Nesse sentido, foi apresentado No Senado Federal o Projeto de Lei do Senado n. 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, sendo o seu conteúdo alterado pela emenda do Senador João Capiberibe, cujo atual conteúdo foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, tendo o artigo 306, o seguinte conteúdo:

Art. 306 (...)

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310.

§ 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.

 O PLS n. 554/2011 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos na data de 26 de novembro de 2013, sendo que atualmente está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi designado o Senador Humberto Costa como Relator.

Em 25 de junho de 2014, foi proposta uma Emenda Substitutiva pelo Senador Francisco Dornelles, com o objetivo de que a audiência de custódia pudesse se realizar também por meio de sistema de videoconferência, justificando que “a diminuição da circulação de presos pelas ruas da cidade e nas dependências do Poder Judiciário representa uma vitória das autoridades responsáveis pela segurança pública”, aduzindo ainda que “o deslocamento de presos coloca em risco à segurança pública à segurança institucional e, inclusive, à segurança do preso”.

Paiva (2015, p. 55) critica a realização da audiência de custódia por videoconferência, de modo que “[...] além de violar o art. 7.5 da CADH, ou pelo menos a melhor interpretação que dele se espera a partir dos critérios supracitados, [...] manteria o Brasil distante das finalidades a que se atribui a esse expediente”.

O mesmo autor (2015, p. 55) aduz que:

É inconcebível crer, por exemplo, que o preso teria alguma condição, sem colocar ainda mais em risco a sua integridade física e psíquica, de narrar a ocorrência de tortura ou maus tratos praticados por policiais estando dentro de um estabelecimento prisional, que em muitos lugares é administrado por força policiais ou por empresas de alguma forma ligadas ao setor de segurança pública.

Insta salientar que, em 5 de agosto de 2015, a proposta de emenda substitutiva do Senador Francisco Dornelles, foi rejeitada, tendo a seguinte justificativa:

[...] entendemos que a possibilidade de realizar a audiência de custódia pelo sistema de videoconferência, mesmo que a presença virtual do acusado seja considerada real, não trará as garantias necessárias para a realização de um julgamento eficaz pela autoridade judiciária, além de não assegurar de forma plena a preservação dos direitos fundamentais da pessoa humana, objeto principal dessa proposição.

Importante destacar que, a CCJ aprovou de forma definitiva, o texto substitutivo ao PLS n. 554/2011 do Senador Antônio Carlos Valadares, tendo o artigo 306, a seguinte redação:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente pela autoridade policial responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante ao juiz competente, ao Ministério Público e à Defensoria Pública quando não houver advogado habilitado nos autos, bem como à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

§ 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado pela autoridade policial ao juiz competente e ao Ministério Público o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública respectiva.

§ 2º O descumprimento do prazo previsto para a apresentação do preso perante o juiz competente, por si só, não enseja o relaxamento da prisão.

§ 3º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, capitulação jurídica, o nome do condutor e os das testemunhas.

§ 4º Imediatamente após a lavratura do auto de prisão em flagrante, diante da alegação de violação aos direitos fundamentais da pessoa presa, a autoridade policial em despacho fundamentado determinará a adoção das medidas cabíveis para a preservação da integridade do preso, além de determinar a apuração das violações apontadas, instaurando de imediato inquérito policial para apuração dos fatos, requisitando a realização de perícias, exames complementares, também determinando a busca de outros meios de prova cabíveis.

§ 5º No prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judiciária tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

[...]

Importante ainda destacar que, o PLS n. 554/2011, adotou o prazo de 24 (vinte e quatro) horas, com o intuito de se adequar à expressão “sem demora” do artigo 7.5, da CADH. Tanto é que o preâmbulo da PLS 554/2011 possui a seguinte redação:

Altera o Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo máximo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante pela autoridade policial competente e dá outras providências.

Já os §§ 1º e 5º do art. 306, da PLS n. 554/2011, dispõe que:

§ 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado pela autoridade policial ao juiz competente e ao Ministério Público o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública respectiva.

[...]

§ 5º No prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judiciária tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

Assim, em uma breve leitura dos parágrafos supracitados, é possível que se faça uma interpretação que duplica o prazo de apresentação, vejamos.

 Em análise aos parágrafos supramencionados, a autoridade policial terá 24 horas para encaminhar o auto de prisão em flagrante, e o prazo de 24 horas após a lavratura do auto de prisão em flagrante para conduzir o detido, à presença do juiz, perfazendo o prazo de 48 (quarenta e oito) horas.  Sendo que o preâmbulo da PLS 554/2011, é claro ao afirmar que, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz, no prazo de 24 horas, a contar da realização da prisão.

Por fim, vale ainda destacar que, tendo em vista a aprovação do texto final do substitutivo pela CCJ, este já pode ser levado ao Plenário do Senado Federal para votação, e não havendo recursos para votação, a PLS 554/2011 poderá ser encaminhada direto para a Câmara dos Deputados.

4.6.2 Iniciativa do Conselho Nacional de Justiça

Somente após o incentivo do Conselho Nacional de Justiça com o Projeto Audiência de Custódia, que o Poder Judiciário começou a implementar a audiência de custódia.

O Conselho Nacional de Justiça (2015) em seu histórico relata que o projeto foi:

Lançado em 6 de fevereiro, o CNJ lançou o projeto Audiência de Custódia, em São Paulo. No discurso, Lewandowski anunciou a intenção de levar o projeto a outras capitais. O DMF já discutiu a proposta em AM, MT, TO, PI, CE, DF, PB, PE, MG, ES, PR, SC, RJ e MA. No dia 9 de abril, o CNJ, o Ministério da Justiça e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) assinaram três acordos que têm por objetivo incentivar a difusão do projeto Audiências de Custódia em todo o País, o uso de medidas alternativas à prisão e a monitoração eletrônica. O primeiro acordo de cooperação técnica estabelece a ‘conjugação de esforços’ para a implantação da audiência de custódia nos estados. O projeto busca garantir a rápida apresentação do preso em flagrante a um juiz para que seja feita uma primeira análise sobre a necessidade e o cabimento da prisão ou a adoção de medidas alternativas [...] O segundo acordo firmado pretende ampliar o uso de medidas alternativas à prisão, como a aplicação de penas restritivas de direitos, o uso de medidas protetivas de urgência, o uso de medidas cautelares diversas da prisão, a conciliação e mediação [...] O terceiro acordo tem por objetivo elaborar diretrizes e promover a política de monitoração eletrônica. Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, o monitoramento eletrônico é usado hoje em 18 estados da federação, principalmente na fase de execução da pena ou como medida protetiva de urgência [...].

Apesar da iniciativa do CNJ, o Estado do Maranhão foi o primeiro a regulamentar a audiência de custódia, até mesmo antes do Projeto Audiência de Custódia do CNJ.

4.6.3 Tribunal de Justiça do Maranhão e de São Paulo

Em 24 de abril de 2014, a Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão, editou o Provimento n. 14/2014, implementou a audiência de custódia, ante a situação caótica do sistema carcerário, tendo em vista a superlotação carcerária, bem como a falta de local adequado para manter os presos provisórios daquele Estado. Sendo que, apesar de sua implementação, a audiência somente passou a ser regulamentada com o Provimento 24/2014.

Em um balanço realizado pela Corregedoria da Justiça do Maranhão (TJMA, 2014), constatou que nos primeiros seis meses quase 300 prisões em flagrante analisadas, foi decretada a manutenção da prisão preventiva em mais de 40% dos casos. Em outros 33%, a liberdade provisória foi concedida com medida cautelar e a tornozeleira para monitoramento eletrônico foi aplicada em 13,8% das situações. Em 35 casos houve revogação da prisão preventiva e em uma pessoa presa foi encaminhada para internação provisória.

Em seguida, foi a vez do Poder Judiciário de São Paulo. Em 22 de janeiro de 2015, a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo com a sua Corregedoria-Geral, regulamentou a audiência de custódia com o Provimento Conjunto n. 03/2015.

Importante destacar que, o Ministério Público do Estado de São Paulo, bem como os delegados de polícia, não apoiaram a implementação da audiência de custódia. Tanto é que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5240 em face do Provimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, aduzindo que este seria inconstitucional, sob o argumento de que (1) há vicio formal, haja vista que somente a União, por meio do Congresso Nacional, pode legislar acerca de direito processual, e que (2) houve desrespeito à separação dos poderes, visto que os delegados se submetem ao Poder Executivo, logo, o Poder Judiciário não poderia intervir em suas atribuições e competências.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em 22 de setembro de 2015, julgou improcedente a ADI proposta. O STF afirmou que o art. 7.5 da CADH, tem caráter supralegal, e por isso, sustou os efeitos de qualquer legislação infraconstitucional que fosse contrária a essa convenção.

Além disso, afirmou que a apresentação do detido ao juiz, está ligado ao habeas corpus, já que o artigo 656, do CPP determina que “recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este Ihe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar”.

Dessa forma, o STF entendeu que o Provimento do TJ/SP não extrapolou daquilo que já constava na CADH, a qual é de ordem supralegal, e ainda do próprio CPP. (STF. Plenário. ADI n. 5240/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/08/2015. Info 795).

4.6.4 Estados de coisa inconstitucional e a ADPF n. 347

Para tratar sobre o Estado de Coisas Inconstitucional, nos basearemos nas lições de Carlos Alexandre de Azevedo Campos.

Primeiramente, vale destacar que, o Estado de Coisas Inconstitucional teve origem na Corte Constitucional da Colômbia, em 1997, naquele momento, a expressão utilizada foi a Sentencia de Unificación.

Campos (2015) esclarece que para que ocorra o Estado de Coisas Inconstitucional, é necessário:

[...] existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidades.

Assim, é necessário que haja [1] violação generalizada e massiva de direitos fundamentais, [2] as autoridades sejam omissas em relação as suas obrigações no que diz respeito à garantia dos direitos, [3], o pressuposto de que somente com mudanças estruturais em uma pluralidade de órgãos, que dependam de alocações de recursos públicos, o aperfeiçoamento na política pública vigente, bem como a criação de novas políticas, dentre outras medidas, sejam capazes de por fim às violações de direitos fundamentais, e [4] a possibilidade de congestionamento do Poder Judiciário, em razão de todas as pessoas que tiverem seus direitos fundamentais violados recorrerem individualmente à justiça.

Deste modo, Campos (2015) explica que:

Após a Corte do país que constatar a presença do Estado de Coisas Inconstitucional, irá gerar um ‘litígio estrutural’, isso porque, são incontáveis o número de pessoas que têm seus direitos violados. Portanto, para for fim a este litígio, é imprescindível que a Corte adote “remédios estruturais”, que dizem respeito à formulação e execução de políticas públicas, de maneira que não seria possível por meio de decisões ortodoxas. Sendo assim, a Corte adota uma espécie de ativismo judicial estrutural, em razão da incapacidade, ou pela falta de vontade dos Poderes Legislativo e Executivo em tomarem medidas que solucionem o problema.

Trazendo para nossa realidade, o Partido Socialista e Liberdade ajuizou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 347, em maio de 2015, pleiteando no STF que este declare o Estado de Coisas Inconstitucional, visto que a atual situação do sistema carcerário brasileiro viola preceitos fundamentais da nossa Carta Magna, mormente, os direitos fundamentais dos presidiários. Deste modo, requer que o STF determine que a União, bem como os Estados adotem medidas com o intuito de por fim às violações aos direitos dos presidiários.

Na petição inicial, o PSOL requereu que o STF tomasse algumas medidas para superar aquele cenário, ou seja, o STF deve determinar que os juízes e tribunais:

  1. Motivem de forma expressa as razões que impossibilitem a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão;
  2. Implementem a audiência de custódia no prazo de 90 dias, além da adoção do prazo de 24 horas para apresentação do preso à autoridade judiciária a contar do momento da prisão;
  3. Apliquem a pena ou quando forem decidir algo no curso da execução penal, levem em consideração a dramática situação do sistema prisional brasileiro;
  4. Apliquem penas diversas da prisão;
  5. Quanto à concessão de direitos e benefícios, como a progressão de regime, o livramento condiciona e a suspensão condicional da pena, se for verificado que as condições do cumprimento de pena estão mais severas do que as admitidas em lei, os requisitos temporais fossem abrandados;

Outrossim, o STF deveria determinar que:

  1. O CNJ coordene mutirões carcerários, com o intuito de revisar os processos de execução em curso, referente àqueles que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade.

Por fim, requereu que o STF determinasse que:

  1. A União liberasse as verbas do FUNPEN, sem limitações, devendo ser utilizado para finalidade cujo foi criado.

Acontece que, o STF decidiu conceder, de forma parcial, a medida liminar, deferindo os pedidos do item “b” (implementação da audiência de custódia) e o item “g” (a liberação das verbas do FUNPEN), sendo assim, a ADPF ainda não foi julgada definitivamente.

O Plenário do STF reconheceu a situação vexaminosa do sistema prisional brasileiro, concluiu ainda, que ocorre violação de forma generalizada de direitos fundamentais dos presos.

Dessa forma, declarou que diversos dispositivos de direitos fundamentais da Constituição Federal foram ofendidos, além de as normas de tratados internacionais (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) foram igualmente afrontados.

Importante ainda destacar que, a responsabilidade por esta situação calamitosa, não deve ser atribuída a um único poder, mas sim, aos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como os da União, Estados-Membros e Distrito Federal.

A violação contínua dos direitos, e o agravamento da situação, é resultado não só da falta de medidas legislativas, mas também de administrativas e orçamentárias eficazes. Há na verdade uma verdadeira omissão e desinteresse do Estado como um todo, e não só de um único Poder.

O Ministro Marco Aurélio (2015) em seu voto proferido na ADPF n. 347, afirmou que “cabe ao Supremo, de forma excepcional, exercer função atípica, ou seja, interferir nas ações públicas, bem como nas escolhas orçamentárias”.

Ressaltou ainda que:

[...] apenas o Supremo revela-se capaz, ante a situação descrita, de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. Isso é o que se aguarda deste Tribunal e não se pode exigir que se abstenha de intervir, em nome do princípio democrático, quando os canais políticos se apresentem obstruídos, sob pena de chegar-se a um somatório de inércias injustificadas. Bloqueios da espécie traduzem-se em barreiras à efetividade da própria Constituição e dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos.

Entretanto, o STF entendeu que não cabe à ele substituir o Poder Legislativo e Executivo na realização de suas tarefas. Cabe ao Supremo superar bloqueios políticos institucionais existentes, sem, no entanto, afastar os deveres daqueles Poderes em realizar e implementar soluções necessárias.

Conclui-se, portanto, que o papel do Supremo Tribunal Federal é dialogar com os outros Poderes e a sociedade, ou seja, catalisar ações públicas, além de coordenar as atuações dos órgãos na adoção de medidas, bem como monitorar se estas estão sendo efetivas.

4.6.5 A Resolução n. 213 do Conselho Nacional de Justiça

A audiência de custódia foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 213, aprovada em 15 de dezembro de 2015, a qual entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2016.

A referida Resolução trata do procedimento de apresentação dos presos em flagrantes, e aqueles que forem presos em razão de mandado de prisão, à autoridade judiciária competente. A Resolução detalha ainda o procedimento no que diz respeito à aplicação de penas diversas da prisão, bem como em relação ao procedimento para apuração de denúncia de maus tratos e tortura.

A audiência de custódia já era realizada em diversos tribunais, no entanto, por meio de acordos de cooperação entre eles e o CNJ. A importância dessa Resolução, é que agora as audiências de custódias serão realizadas de modo uniforme, haja vista que em muitos tribunais, a presença de Defensor e membro do Ministério Público era dispensável, além de que o prazo de apresentação do custodiado à presença do juiz variar entre os tribunais.

Importante destacar que a Resolução n. 213 do CNJ, possui respaldo de duas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, o qual confirmou a constitucionalidade da audiência de custódia em razão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.420 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347.

O Ministro Ricardo Lewandowski (2015), afirmou a redação da resolução é um conjunto de experiências dos tribunais que implementaram a audiência de custódia, esclareceu ainda “o que temos neste primeiro momento é uma síntese da experiência dos 27 tribunais estaduais e de algumas varas federais no que diz respeito à audiência de custódia”.

Em relação ao seu funcionamento, a resolução prevê, essencialmente, que o preso em flagrante e aquele preso em razão de mandado de prisão, deve ser conduzido à presença da autoridade judicial competente no prazo de 24 horas, a contar da sua prisão, inclusive nos finais de semana. A redação da Resolução, determina ainda, a necessidade da presença de Defensor e do Ministério Pública durante a audiência, já que em muitos tribunais a sua presença era dispensável. Além do mais, é indispensável o contato prévio do preso com o advogado ou defensor público.

O texto da Resolução prevê ainda que, as tornozeleiras eletrônicas serão utilizadas apenas quando for impossível a concessão de liberdade provisória, ou outra medida cautelar menos gravosa e, em caso de utilização da monitoração eletrônica, será necessária uma avaliação periódica para verificar sua real necessidade ou adequação em mantê-la.

Não obstante o artigo 1º, § 1º, da Resolução n. 213/2015 do CNJ determinar que o preso deve ser apresentado à autoridade judicial em 24 horas, um equívoco na redação do referido dispositivo referente ao prazo de apresentação, vejamos.

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

§ 1º A comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial, que se dará por meio do encaminhamento do auto de prisão em flagrante, de acordo com as rotinas previstas em cada Estado da Federação, não supre a apresentação pessoal determinada no caput.

Caio Paiva, em uma breve análise do dispositivo, afirma que há uma duplicação no prazo de condução do preso.

Paiva (2016) destaca que:

A Res. do CNJ estabelece que o preso deverá ser apresentado ao juiz em até 24 horas ‘da comunicação do flagrante’ (caput), esclarecendo em seguida que a comunicação consistirá no "encaminhamento do auto de prisão em flagrante" (§ 1º). A Res. coloca a comunicação da prisão e o encaminhamento do auto, portanto, como atos simultâneos. Ocorre que o CPP prevê tais atos como distintos: a comunicação da prisão ao juiz será imediata (art. 306, caput), mas o encaminhamento do auto será em até 24 horas da prisão (art. 306, § 1º). Resultado disso: se a autoridade policial observar o CPP, encaminhará o auto da prisão em flagrante (APF) ao juiz em até 24 horas, iniciando-se somente agora o - outro - prazo de 24 horas para realizar a audiência de custódia.

Paiva (2016) sugere que “O ideal, ainda, seria uma terceira via para definir o termo inicial da contagem do prazo: nem a comunicação da prisão / encaminhamento do APF nem a lavratura do APF, mas sim a realização da prisão”.

Por fim, importa ainda destacar, que igual equívoco consta na redação final do Projeto de Lei do Senado n. 554/11, conforme demonstrado no tópico 5.5.1.

4.6.6 Audiência de custódia em Porto Velho

O Provimento Conjunto nº 011/2015/PR-CG, regulamentou o Projeto Audiência de Custódia do Conselho Nacional de Justiça, no âmbito da justiça comum do Estado de Rondônia. Foi criado o Núcleo de Audiência de Custódia, o qual funciona de segunda à sexta-feira, das 08 às 13 horas e das 15 às 18 horas, sendo presidido por um Juiz de Garantia.

A primeira audiência de custódia realizada em Porto Velho foi em 14 de setembro de 2015, na sede do Tribunal de Justiça de Rondônia, a qual contou com a presença do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.

Não obstante o Estado de Rondônia possuir a menor taxa de presos provisórios do país, com somente 16%, um dos objetivos do CNJ é diminuir a população carcerária em todo o país.

Conforme se depreende do anexo - A, desde a realização da primeira audiência de custódia, que o ocorreu em 14 de setembro de 2015 até o mês de abril de 2016, foram realizadas 1.551 (mil quinhentos e cinquenta e um) audiências de custódia, sendo que 51,01% resultaram em conversão da prisão em preventiva, 43,45% em liberdade provisória com medida cautelar, 4,10% em liberdade provisória plena e 1,43% em relaxamento de prisão.

Importante ainda destacar que, 172 presos alegaram que houve violência no ato da prisão, o que demonstra ainda mais a imprescindibilidade da realização da audiência de custódia.

CONCLUSÃO

Atualmente, há flagrante violação dos direitos e garantias fundamentais consagrados por nosso Texto Maior, bem como nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, cujo nosso País é signatário. Prova disso é o atual sistema carcerário brasileiro.

A sensação é de que as pessoas encarceradas não possuem direitos ou garantias fundamentais, mormente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, haja vista a situação deplorável dos presídios. As celas são minúsculas, fétidas, insalubres e repletas de infiltrações, não bastasse isso, os presos mais fracos são humilhados e violentados pelos presos mais fortes. Não há a presença do Estado nesses locais, mas sim, das facções criminosas que comandam as penitenciárias brasileiras.

Em que pese a prisão ser decretada após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, as prisões processuais invés de serem ultima ratio, estão sendo utilizadas como primeira ratio. É como se as nove medidas cautelares diversas da prisão, elencadas no artigo 319 do Código de Processo Penal, não existissem, tanto é que foi abordado neste trabalho que o Brasil ocupa a terceira colocação como maior população carcerária do mundo. Há em nosso País, verdadeira antecipação de pena.

Importante destacar, que abordamos apenas as três prisões mais importantes e utilizadas em nosso ordenamento jurídico, qual seja, a prisão em flagrante, a preventiva e a temporária.

Vimos que a prisão em flagrante somente é permitida quando a pessoa acabou de cometer ou está cometendo um delito, bem como quando este é encontrado, logo após, com instrumentos ou objetos que o façam presumir ser o autor do ato. Quanto a prisão preventiva, esta deve ser decretada somente quando for imprescindível para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, garantir a conveniência da instrução criminal e ainda a aplicação da lei penal, esta pode ser decretada ou revogada a qualquer momento. Em relação a prisão temporária, possui lei específica, a qual deve ser decretada com o intuito de possibilitar a investigação de crimes graves. Vale destacar ainda, que ao contrário da prisão preventiva, a prisão temporária possui prazo.

Outrossim, visando garantir o respeito aos direitos e garantias fundamentais, previstos em nossa Carta Maior e em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, surge a Audiência de Custódia, a qual consiste na imediata apresentação do detido em flagrante à presença de juiz competente, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, onde estará presente o membro do Ministério Público e da Defensoria Pública, para que seja analisado a necessidade da manutenção da prisão, ou aplicação de alguma medida cautelar diversa da prisão. Cabe ainda neste momento, analisar se houve eventual prática de maus tratos ou tortura.

É certo que ainda há muito que ser feito para dar efetividade aos direitos humanos, no entanto, a implementação da Audiência de Custódia aparece como uma importante medida para tanto.

Em que pese haver juristas entenderem ser desnecessária a da audiência de custódia, dentre seus argumentos, o de que não há infraestrutura para sua realização, além de aduzir que o delegado de polícia é competente para presidir a audiência de custódia, esta é imprescindível ante o atual contexto brasileiro.

Portanto, a audiência de custódia é uma forma de ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Trará civilidade para o nosso processo penal, e como já anunciou Lopes Júnior e Paiva (2015)    “[...] através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a ‘fronteira do papel’ estabelecida no artigo 306, §1º, do CPP, que satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado”.

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30ªed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Sobre os autores
Camila Chaul Aidar Pereira

Sou advogada em Porto Velho, Rondônia.

KAISER GUILHERME BARRETO DE MELO

Formado em Direito pela Faculdade São Lucas, inscrito na Ordem dos Advogados do Estado de Rondônia, Servidor Público Estadual na Procuradoria do Estado de Rondônia.

RENÊ PHILIPE SANT’ANA DE MATOS

Formado pela Faculdade São Lucas de Porto Velho-RO, advogado inscrito na Ordem dos Advogados de Rondônia, atuando na Defensoria Estadual de Rondônia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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