As medidas de segurança como tratamento ao doente mental

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O presente artigo tem como objetivo identificar quem são considerados doentes mentais para o ordenamento jurídico, bem como fazer uma análise às medidas de segurança impostas ao doente mental que comete crime.

INTRODUÇÃO

 

                O presente estudo aborda o tratamento penal dispensado à pessoa portadora de doença mental, tendo como objetivo geral fazer uma análise às medidas de segurança impostas a esse indivíduo que comete crime e, por sua condição psíquica, não pode ter o mesmo tratamento que os criminosos saudáveis mentalmente, entretanto, por sua periculosidade, devem ser afastados do convívio social.

                Tendo como objetivos específicos diferenciar Punibilidade e Inimputabilidade, bem como identificar quem são os doentes mentais para o ordenamento jurídico, analisar as medidas de segurança impostas aos inimputáveis e verificar o tipo de tratamento utilizado nos Hospitais de Custódia e Tratamento, dando ênfase ao Hospital do Estado do Amazonas.

                   A matéria é de suma relevância social, pois observa-se o prejuízo sofrido por essas pessoas e seus familiares quando o Estado falha na sua responsabilidade ao não disponibilizar o número necessário de vagas para o cumprimento das medidas de segurança de internação e mantém os executados recolhidos como inimputáveis em cadeias públicas e penitenciárias, aguardando vaga para a transferência ao hospital, ou, ainda, quando falta o devido suporte no momento de sua desinternação e retorno ao convívio em sociedade, necessitando de acompanhamento e medicação.

                  A pesquisa aborda a eficácia de tais medidas, visto que essas pessoas são submetidas a tratamento e/ou situações degradantes, muitas vezes sendo esquecidas pela família e sociedade.

                 A análise tem como base o Código Penal e a Lei de Execução Penal, que divide os disturbios psíquicos em quatro categorias: a doença mental, perturbação da saúde mental, desenvolvimento mental retardado e desenvolvimento mental incompleto, e em razão destes e do delito cometido, pode o indivíduo vir a cumprir medida de segurança ou ser submetido a tratamento ambulatorial.

                   Desta forma, a presente pesquisa apresenta a seguinte estruturação: além desta introdução, apresenta na seguinte seção a metodologia utilizada na pesquisa, bem como os objetivos desta, tanto o geral quanto os específicos. Na seção referencial teórico, faz uma demonstração sucinta dos principais autores que possuem trabalhos nesta temática. Por fim, nos resultados e discussões faz-se uma exposição das principais implicações da seara ora estudadaO trabalho está estruturado em capítulos e no primeiro, será apresentada a diferenciação da imputabilidade, requisitos e critérios de aferição de inimputabilidade, bem como o conceito de algumas doenças mentais em espécie.

                   No segundo capítulo, trabalharemos as Medidas de Segurança em espécie, de acordo com o Código Penal e a Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84, juntamente com os requisitos para sua imposição e prazo de duração das medidas.

                   No terceiro capítulo, será abordado o conceito de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, analisando a situação do Hospital do Estado do Amazonas, observando que o mesmo foi indicado para ser desativado, de acordo com a Reforma Psiquiátrica, Lei Federal 10.216/2001.

                 Como metodologia foi usada o levantamento bibliográfico, através de doutrinas, Código Penal, legislação infraconstitucional, artigos e sites.  

 

1. DA IMPUTABILIDADE PENAL

A imputabilidade penal é a atribuição da responsabilidade àquele que possui sanidade mental e maturidade para entender o caráter ilícito do fato e de agir conforme esse entendimento.

Segundo NUCCI, (2010, p.250):

‘’É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade. ’’

 

 Logo, para ser imputável, deve-se observar dois elementos sobre o agente: o primeiro é que tenha condições de perceber a ilicitude do fato, e o segundo é que tenha total controle sobre sua própria vontade. Observa-se que, na falta de qualquer desses elementos, o autor não será responsabilizado por seus atos.

Exemplo: um dependente de drogas que comete um furto em virtude do impulso incontrolável de consumir substância entorpecente, uma vez que não possui recursos financeiros para adquirir tal substancia, está sendo capaz de entender o caráter ilícito do ato, porém não consegue controlar e comandar a sua própria vontade, ou seja, sua autodeterminação está comprometida (CAPEZ, 2012).

 

1.1 Causas de exclusão de imputabilidade

 A imputabilidade pode ser excluída por causas determinadas, sendo elas:

·         Doença mental: perturbação mental ou psíquica, que elimine ou afete a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

·         Desenvolvimento mental incompleto: é de ordem cronológica, ou seja, um desenvolvimento que ainda não se concluiu devido sua idade ou convívio social insuficiente ou indevido, no caso de menores de 18 anos e indígenas inadaptados à sociedade.

·         Desenvolvimento mental retardado: é incompatível com a idade de vida em que se encontra, ou seja, quando possui idade cronológica, porém o desenvolvimento está abaixo do considerado normal para tal idade.

·         Embriaguez completa: provenientes de caso fortuito ou força maior.

As três primeiras causas se encontram no artigo 26 do Código Penal; E a quarta causa no artigo 28, § 1.

 

1.2 Inimputáveis

São penalmente inimputáveis, o agente que for considerado doente metal, ou que tenha o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bem como os menores de 18 anos. Levando em consideração o estado mental que se encontrava ao tempo da ação ou omissão delituosa, sendo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se em virtude desse entendimento.

 

1.2.1 Critérios de aferição de inimputabilidade

Sistema Biológico: somente se interessa em saber se o agente é portador de alguma doença mental para ser considerado inimputável, presumindo-se assim, que em virtude de deficiência mental, ao tempo da ação ou omissão, o mesmo estava impedido de compreender o crime, não necessitando de comprovação de incapacidade de autodeterminação.

Sistema Psicológico: este sistema preocupa-se em saber se ao tempo da ação ou omissão do fato definido como crime, o agente tinha ou não condições de avaliar o caráter criminoso e orientar-se em virtude desse entendimento, sem se preocupar com a existência da perturbação mental, atentando-se somente para o momento da prática do crime.

Sistema Biopsicológico: adotado como regra pelo nosso ordenamento jurídico, o qual combina os dois sistemas anteriores, dessa forma, será inimputável aquele que em razão de causa prevista em lei (doença mental), tenha completa incapacidade de entendimento do caráter ilícito, bem como de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

1.2.2 Requisitos da inimputabilidade

Segundo CAPEZ (2012) São requisitos da inimputabilidade de acordo com o sistema biopsicológico:

a) Causal: São as causas previstas em lei, que consideram a existência da doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

b) Cronológico: Refere-se à condição do agente ao tempo da ação ou omissão delituosa.

c) Conseqüencial: É a perda total do entendimento ou da capacidade de querer.

Não será considerado inimputável o agente que não tiver os requisitos presentes, salvo os menores de 18 anos que se enquadram no sistema biológico.

 

1.3 Semi-inimputáveis

De acordo com o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro:

‘’A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.’’

O que diferencia o parágrafo único do caput é o fato do agente não ser inteiramente capaz de entender o caráter ilícito das suas ações, ficando em um meio termo, portanto, o mesmo deverá ser condenado e não absolvido como no caso do inimputável, entretanto sua pena será reduzida de um a dois terços, podendo ser considerada nessa redução de pena a amplitude da doença mental.

 

1.4 Inimputabilidade por doença mental

A doença mental pode ser transitória (quando se trata de delírio febril) ou permanente (esquizofrenia, psicose, neurose). É toda perturbação mental ou psíquica que afete de alguma maneira o modo de agir do agente.

Segundo MASSON (2008, p.496), a doença mental:

‘’Deve ser interpretada em sentido amplo, englobando os problemas patológicos e também os de origem toxicológica. Ingressam nesse rol todas as alterações mentais ou psíquicas que suprimem do ser humano de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. ’’

 

1.4.1 Doença mental em espécie

Exemplo de algumas doenças que podem gerar inimputabilidade:

Esquizofrenia: Doença mental crônica, manifestada através de delírios, alucinações, diminuição da motivação, alterações de pensamentos e afetividade. Não conseguindo diferenciar realidade e fantasia.

·         Tipos de Esquizofrenia

Esquizofrenia Paranóide: Tem como sintomas ansiedade, ataques de fúria e a sensação de que as pessoas querem lhe fazer mal.

Esquizofrenia Catatónica: Tem como sintomas expressões faciais anormais, bem como imobilidade.

Esquizofrenia Desorganizada: Tem como sintomas comportamentos desorganizados, infantis, apatia e ausência de emoção.

Esquizofrenia Simples: Tem como sintomas isolamento social, mudança significativa de personalidade, bem como depressão.

Paranoia: O indivíduo desconfia de forma exagerada e injustificada que está sendo perseguido, acreditando que a pessoa que o persegue deseja lhe causar algum mal, podendo matar achando que está agindo em legítima defesa.

Doença Bipolar: Também conhecida como doença maníaca-depressiva, caracterizada pelas constantes mudanças de humor, com crises de depressão e mania, podendo ser graves ou moderadas.  O sintoma da mania é um estado de humor eufórico, expansivo ou irritável, podendo ter perda da realidade. O sintoma da depressão é um estado de tristeza e desespero.

Epilepsia: É um transtorno neurológico de longa duração, que tem como característica ataques epiléticos ou apresenta crises do tipo ausência, quando o indivíduo perde o contato com a realidade em que esta vivendo, também chamado de desligamento.

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Borderline: É um transtorno de personalidade limítrofe, uma doença psicológica grave que provoca alterações de humor, comportamento impulsivos ou descontrolado. Não é uma doença fácil de ser diagnosticada, em virtude de seus sintomas se confundirem com transtorno bipolar, esquizofrenia ou depressão. A pessoa portadora de tal transtorno tem momentos estáveis que alteram com surtos psicóticos, bem como sentimentos de raiva, desespero ou pânico. Seus surtos podem variar de acordo com o transtorno, muitas vezes não conseguem matar, pois quando vão se portar de armas ou objetos perfurantes voltam a si e pedem desculpa. Porém, o mesmo é perigoso no trânsito, quando recebendo uma fechada, pode realizar a colisão com outro carro, ocasionando acidentes.

1.5 Prova da inimputabilidade

Como abordado anteriormente, sabemos que o doente mental é isento de pena, porém, depois de comprovada a anomalia psíquica e, uma vez reconhecida a infração penal, o mesmo deverá ser submetido a medidas de segurança, por meio de sentença absolutória imprópria (quando não acolhe a pretensão punitiva, mas reconhece a infração penal).

Para que tal doença seja comprovada, é necessário um laudo médico, não podendo o magistrado decidir sobre a inimputabilidade do acusado sem a colaboração técnica dos peritos, portanto, este laudo é imprescindível como meio de prova. Entretanto, o magistrado não fica vinculado aos peritos, de acordo com o artigo 182 do Código de Processo Penal, o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte´. Embora seja uma faculdade do juiz aceitar ou não o laudo, quando o rejeitar, deverá fazer a substituição dos peritos, ordenando em seguida a realização de novo exame pericial.

2. MEDIDAS DE SEGURANÇA

É uma modalidade de sanção penal, imposta ao agente inimputável e semi-inimputável, portador de periculosidade, com finalidade preventiva e curativa, destinando-se a tratar os mesmos e, evitando assim, futuras infrações penais.

Segundo Jesus (2014, p. 344), distinção entre pena e medida de segurança:

‘’Constituem as duas formas de sanção penal. Enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinqüente, a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.’’

 

Portanto, ao passo que a pena é uma sanção com a finalidade de prevenir, retribuir e ressocializar o indivíduo junto à sociedade, a medida de segurança destina-se a prevenir e curar os inimputáveis, em um determinado período estabelecido previamente quanto ao limite mínimo, através de internação ou tratamento ambulatorial. É impossível a aplicação da medida de segurança a agentes imputáveis.

 

2.1 Espécies de medidas de segurança

São espécies de medidas de segurança:

1.    Detentiva: É aquela destinada em relação aos crimes punidos com pena de reclusão (iniciados em regime fechado), o inimputável é submetido portando a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, de acordo com o inciso I, do artigo 96, Código Penal.

Uma vez que essa espécie de medida apenas verifica a gravidade da infração penal, e não a periculosidade do agente, NUCCI (2010) critica tal medida afirmando que ‘’não resolve o drama de muitos doentes mentais, que poderiam ter suas internações evitadas, caso não houvesse a padronização da aplicação da sanção penal’’

Será obrigatória a realização dos exames psiquiátricos, criminológico e de personalidade.

2.    Restritiva: É aquela destinada em relação aos crimes punidos com pena de detenção (são as penas restritivas de direito, iniciadas em regime aberto ou semi-aberto) o inimputável fica sujeito a tratamento ambulatorial, comparecendo a visitas periódicas ao médico para acompanhamento.

É facultativo, aos sentenciados, o exame criminológico, observada a natureza do fato e das condições do agente. Se, em qualquer fase do tratamento ambulatorial for constatada conduta indicando que sua periculosidade persiste (não precisa ser necessariamente um ilícito penal), o mesmo será submetido à internação para tratamento.

2.2 Requisitos para imposição das medidas de segurança

São requisitos que devem estar presentes para que as medidas de segurança sejam impostas:

1.    Prática de um fato típico e ilícito: Quando há materialidade e indícios de autoria suficientes para não restar dúvidas sobre a infração penal cometida, bem como seu autor.

2.    Periculosidade do agente: Aqui é questionada a probabilidade de o agente praticar novas infrações penais.

3.    Não tenha ocorrido a extinção da punibilidade: É o poder do Estado de punir, de acordo com o artigo 96, parágrafo único, Código Penal, ‘’Extinta a punibilidade não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta’’

 

2.3 Prazo para duração das medidas de segurança

Embora estipulado na legislação vigente que a internação ou tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, há doutrinadores que discordam, pois acreditam se tratar de inconstitucionalidade, uma vez que a Constituição Federal veda a pena de prisão perpétua, sendo o tempo máximo de cumprimento de medidas de segurança por 30 anos, que é o teto previsto em nossa legislação.

Entretanto, NUCCI (2010, p.482), afirma que ao chegar o tempo máximo estabelecido em lei, vários ainda continuam internados civilmente, uma vez que possuem periculosidade. ‘’Muitos condenados a vários anos de cadeia estão sendo interditados civilmente, para que não deixem a prisão, por serem perigosos, padecendo de enfermidades mentais, justamente porque atingiram o teto fixado pela lei (30 anos).’’

Na aplicação das medidas de segurança ou tratamento ambulatorial, o juiz da sentença deverá estabelecer o prazo mínimo de seu cumprimento que poderá ser de um, dois, ou três anos. (artigo 97, §1º, CP), ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. Esse prazo mínimo refere-se à data do primeiro exame obrigatório para a verificação de cessação da periculosidade, essa perícia irá constatar a necessidade de continuidade do tratamento ou da internação, ou se já cessou a periculosidade, assim não justificando a continuação da medida de segurança.

Comprovada a cura da pessoa submetida à medida de segurança, será ordenada mediante sentença, transitada em julgado, expedida pelo juiz, ordem para desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial, e, após a desinternação, o agente ficará em observação por um ano (artigo 96 LEP). De acordo com o (artigo 178 da LEP), para a desinternação ou liberação, aplica-se às condições do livramento condicional com fulcro no artigo 132 da referida lei.

‘’a) obrigatórias: obter ocupação lícita; comunicar ao juiz sua ocupação, periodicamente; não mudar do território da comarca, sem autorização judicial; b) facultativas: não mudar de residência, sem prévia comunicação; recolher-se à habitação no horário fixado; não freqüentar determinados lugares.’’

 

2.4 Aspecto social das medidas de segurança

Segundo o STJ Habeas Corpus: HC 113016 MS 2008/0174630-2:

‘’A medida de segurança deve atender a dois interesses: a segurança social e principalmente ao interesse do da obtenção da cura daquele a quem é imposta, ou a possibilidade de um tratamento que minimize os efeitos da doença mental, não implicando necessariamente em internação. Não se tratando de delito grave, mas necessitando o paciente de tratamento que o possibilite viver socialmente, sem oferecer risco para a sociedade e a si próprio, a melhor medida de segurança é o tratamento ambulatorial, em meio livre’’

 

3. HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO

Conceito: O Hospital de Custódia e Tratamento destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis, é o local onde são acolhidos os indivíduos inimputáveis submetidos a medidas de segurança de espécie detentiva (internação).

Será necessário ter no HCT aparelhos médicos, observando também o artigo 88, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, isto é, condições de salubridade do ambiente (areação, isolação e condicionamento térmico), bem como ter área mínima de 6 metros. Entretanto, de acordo com o item 99 da Exposição de Motivos da LEP: ‘’Não existe a previsão de cela individual, já que a estrutura e as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação especializada, dirigida segundo os padrões da medicina psiquiátrica.’’

MARCÃO (2012, p. 205), critica o Estado, uma vez que a realidade brasileira está distante do texto previsto em lei, e afirma que:

 ‘’Constituindo-se muitos desses hospitais em depósitos de vidas humanas banidas de sanidade e de esperança, porquanto desestruturados para o tratamento determinado pela lei e reclamado pelo paciente, desprovidos que são de recursos pessoais e materiais apropriados à finalidade a que se destinam”

 

A finalidade do Hospital de Custódia e Tratamento é a obtenção da cessação de periculosidade, como visto anteriormente, através de acompanhamento psiquiátrico, psicológico e de serviço social.

 

3.1 Ausência de vagas para internação

O que se observa é o descaso do Estado quando não disponibiliza o número necessário de vagas, destinado a internação e tratamento ambulatorial do acometido por moléstia mental, impossibilitando sua cura.

Em regra, tal tratamento é falho, e a internação é irregular, em virtude da ausência de vagas, acabando por ser substituída por longo período em cárcere comum, onde os submetidos a medidas de segurança aguardam a liberação de vaga em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico.

Porém, prevendo a falta de hospitais específicos, o legislador previu a internação em outro estabelecimento adequado, a superlotação do referido hospital é uma das justificativas da transferência do internado, bem como quando ausentes os aparelhos para prover a assistência médica necessária, esta pode ser prestada em outro local, mediante autorização do diretor do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

MARCAO (2012, p. 95), afirma que:

‘’O Estado só poderá exigir o cumprimento da medida de segurança de internação (detentiva, portanto), se estiver aparelhado para tanto. A falta de vaga, pela desorganização, omissão ou imprevidência do Estado-Administração, não justifica o desrespeito ao direito individual, pois, além de ilegal, não legitima a finalidade de tal instituto. Não é admissível o cumprimento de medida de segurança em cadeia pública, mesmo diante da ausência de vaga em hospital adequado’’

 

3.1 Análise ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado do Amazonas

Criado em 29 de novembro de 1988, pela Lei estadual n. 1.874, é considerado estabelecimento da assistência à saúde do sistema penitenciário da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania com o objetivo de tratar sob regime de internação os internos inimputáveis e os semi-imputáveis. Situado a Av. 7 de Setembro, n° 2130 – Centro, anexo à Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoal, o referido hospital possui uma equipe técnica composta por um diretor, um diretor adjunto, uma psicóloga, uma psiquiatra, uma enfermeira, um farmacêutico, uma assistente social, e a administração. Cada profissional possui um estagiário devidamente qualificado em sua área de estudo, para auxiliá-los.

O hospital disponibiliza vagas para aproximadamente 30 internos, atualmente comportando 20, possui celas compostas por 4 a 5 internos cada, com banheiros e somente uma cela individual, onde reside o interno que prefere ficar sozinho.

A maioria das infrações cometidas pelos internos são: homicídios (art. 121 CP), estupro de vulneráveis (art. 217 CP), e estelionato (art. 171 CP).

 Ao da entrada no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, o interno tem ampla assistência psiquiátrica, psicológica e da assistente social, juntamente com a sua família, o serviço social do referido hospital realiza uma consulta primeiramente com a família, para formar o perfil do interno, e principalmente, dá todo o suporte que os mesmos precisam, pois se preocupam com os cuidados oferecidos ao interno pelo Hospital e sua equipe.

  Ao constatar que serão bem cuidados, a família só poderá realizar visitas, depois de decorridos 15 dias da internação, que é quando o interno se acalma e aceita o tratamento.

  A maioria deles chegam desnorteados, e sem se lembrar do que o fizeram para estarem internados, vários são usuários de droga que, por abstinência, ficam agressivos e agitados, porém com uma equipe totalmente preparada para essas situações, é possível estabilizá-los.

Suas CID’s (Classificação Internacional de Doenças) são: esquizofrenia, transtorno bipolar, e psicopatia.

3.2 Dia-a-dia dos Internos

           No decorrer do dia, os internos saem de suas celas às 9h da manhã, para o banho de sol, retornando às 11h:30 para refeição e posteriormente saem as 15h:00, novamente para o banho de sol, retornando para o jantar.

As visitas são realizadas nos dias de sábado e domingo, iniciando a partir das 10h:00, e terminando às 16h:00. É permitida a entrada de alimentos, porém deverão ser consumidos no mesmo dia, pois trata-se de um hospital, onde não é permitido o armazenamento de alimentos por vários dias, em virtude das bactérias que ali circulam.

São realizadas atividades como arte terapia, aulas fornecidas pela SEDUC através do EJA, atividades festivas buscando a ressocialização dos internos, bem como atividades de educação física, nas terças e quintas. Nem todos os internos participam, uma vez que os mesmos não são obrigados, porém a maioria pratica tais atividades, embora a fórmula de alguns remédios os deixe dopados durante o dia, a assistente social, percebendo tal ausência das atividades, busca informar a psiquiatra, que analisa a possibilidade de troca na medicação.

Os internos são monitorados eletronicamente, através de câmeras de segurança, bem como de agentes penitenciários que fazem o segurança do local.

3.3 Cessação de periculosidade

À medida que o interno se adapta às condições de tratamento fornecido no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, sua melhora é constante e perceptível, são feitas avaliações internas individuais a cada 6 (seis) meses, quem avalia são os profissionais que compõe a equipe médica (psiquiatra, psicóloga e assistente social).

No prazo de 3 anos, o juiz envia pedido de avaliação ao Psiquiatra do referido Hospital, onde o mesmo oferece um laudo de cessação de periculosidade, juntamente com a avaliação da psicóloga e da assistente social. Quando fica constatado que o mesmo está apto a desinternação e ressocialização junto à sociedade, cabe ao juiz analisar todas as avaliações e determinar sua efetiva desinternação, para acompanhamento no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial Sul) da cidade de Manaus.

No ponto de vista da assistente social e da psicóloga, a medida de segurança é válida e eficaz, uma vez que os internos possuem total assistência médica dentro do Hospital e, ambas concordam que ao ser desinternado, o Estado não dá o devido suporte para os mesmos, em virtude da demora no atendimento para consultas e entrega de medicamentos, ocasionando a reincidência do interno. Não necessariamente o ele volta imediatamente à internação, ou seja, passará por todos os trâmites legais novamente.

 

3.4 Reforma psiquiátrica

De acordo com a Lei 10.216/2011, a reforma psiquiátrica visa modificar o sistema de tratamento clínico mental, eliminando a internação como forma de exclusão social, ou seja, a desativação dos hospitais de custódia, chamados antigamente de manicômios judiciais.

Ao ser eliminado, o modelo de internação seria substituído por uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, buscando a integração do doente que sofre de transtorno à comunidade, logo, para que aqueles que sofrem de transtornos mentais possam conviver livremente em sociedade.

Esses serviços propostos pela Reforma Psiquiátrica devem ser fornecidos através de CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial), centro de convivência e cultura assistidos, residências terapêuticas, bem como através do Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com a Portaria do Ministério da Saúde N° 142, de 28 de fevereiro de 2014, a mesma estabelece normas para cadastramento no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (SCNES), as equipes realização serviços de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei.

O artigo 2°, §2º da referida Portaria estabelece que: ‘’ A equipe descrita no caput deste artigo deverá estar vinculada apenas aos estabelecimentos do tipo: 01 Posto de Saúde, 02 Unidade Básica/Centro de Saúde, 04 Policlínica, 32 Unidade Móvel Fluvial, 36 Clínica/Centro Especializado, 40 Unidade Móvel Terrestre, 62 Hospital Dia/Isolado, 68 Secretaria de Saúde ou 70 Centro de Atenção Psicossocial.§3º O serviço referido neste caput não deve ser instalado em Unidades Prisionais.’’

 

Portanto, as equipes deverão ser compostas por profissionais da área da saúde, vinculados a estabelecimentos de saúde através do SUS, porém a referida equipe não poderá ser instada em unidades prisionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que cada indivíduo é imputável, ou seja, ele é responsável por seus atos quando possui sanidade mental para entender o caráter ilícito de suas atitudes, e é considerado inimputável quando for doente metal, ou que tenha o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bem como os menores de 18 anos, importante observar que os inimputáveis por doença mental devem, ao tempo da ação ou omissão delituosa, ser inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

Quando um inimputável comete uma infração penal, o mesmo é submetido a medidas de segurança, uma espécie de sanção penal, através de sentença absolutória imprópria. Essa espécie tem como finalidade prevenir e curar, destinando a tratar o inimputável para evitar futuras infrações penais.

Alguns requisitos devem estar presentes para que a medida de segurança seja imposta, tais como, prática de um fato típico e ilícito, periculosidade do agente, e que não tenha ocorrido à extinção da punibilidade.

Possui prazo indeterminado, entretanto, o STF já entende que não pode ultrapassar o teto máximo permito em nossa legislação, ou seja, 30 anos. O aspecto social de tal medida é a obtenção da cura ou a possibilidade de um tratamento que amenize os efeitos da doença.

O tratamento é realizado nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, onde devem estar aparelhados para atendimento médico, psicológico e social, em alguns casos, isso não acontece.

Observando o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado do Amazonas, conclui-se que o mesmo possui uma equipe técnica composta por excelentes profissionais, capacitados para exercer cada função, porém necessita de mais apoio por parte do Estado.

O problema não está no tratamento fornecido dentro do Hospital, pois o mesmo está capacitado para as atividades, porém, o Estado falha, quando o inimputável recebe a desinternação, e não possui o apoio para continuação do tratamento aqui fora.

Em virtude da Reforma Psiquiátrica, o Hospital será desativado, e o atendimento a pessoas doentes mentais em conflito com a lei, deverá ser fornecido através de CAPS, Residências Terapêutica, ou mesmo do SUS (Sistema Único de Saúde), ou seja, poderão conviver livremente em sociedade.

Importante destacar que o SUS, não tem estrutura para atender nem as pessoas saudáveis mentalmente, que são capazes de lutar pelos seus direitos, imagina uma pessoa que não possui tanto entendimento. 

O Estado irá falhar mais uma vez desativando o Hospital, pois os inimputáveis ficarão esquecidos e mal tratados aqui fora. A solução seria que o Estado fornecesse mais investimento e estrutura para o tratamento dessas pessoas dentro do Hospital e não por parte do SUS.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Execução Penal. Legislação Federal. sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

BRASIL Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Legislação Federal. sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

BRASIL Lei n° 10.216, de 06 de abril de 2001. Execução Penal. Legislação Federal. sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal. Volume I, Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

CUNHA, Rogério Sanches; Manual de Direito Penal. Parte Geral. Bahia: JusPODIVM, 2013.

CUNHA, Rogério Sanches; Leituras Complementares de Execução Penal. Bahia: JusPODIVM, 2006.

MARCÃO, Renato; Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme Souza; Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro. Forense. 2014.

NUNES, Adeildo; DA EXECUÇÃO PENAL. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

 

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Sobre as autoras
Karen Rosendo de Almeida Leite Rodrigues

ADVOGADA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, PESQUISADORA

Mara Danielle de Almeida Lima

ALUNA DE GRADUAÇÃO DO CURSO DE DIREITO DA UNINORTE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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