Artigo Destaque dos editores

Perfil constitucional da função social da propriedade

Exibindo página 2 de 2
01/10/1999 às 00:00
Leia nesta página:

4. Conclusão

"Sem uma mudança estrutural do conceito e das bases da propriedade, jamais haverá desenvolvimento e justiça social", leciona Paulo Lopo Saraiva (1993: 44). A eficácia e a concretização da função social da propriedade passa pela reformulação material das estruturas do instituto da propriedade. É preciso a edificação de uma nova concepção da propriedade, de uma nova tutela processual para esse direito, de mecanismos que possam representar a material, além da formal, democratização do acesso à propriedade.

Esses são os elementos indispensáveis, ao nosso ver, na busca de melhores parâmetros para a normatização e aplicação do direito de propriedade e de sua indissociável função social. Trata-se de um esforço lento e gradual, no qual deve se comprometer o operador jurídico, de desbravar os caminhos traçados pela Lei Fundamental para a propriedade, para reconciliá-la com sua destinação social.

A função social da propriedade representa um dos pontos fundamentais da estabilidade da ordem econômica, pois sua ausência enseja no abuso e no comprometimento da própria legitimidade jurídica da propriedade.

Na ordem econômica atual, a propriedade privada encontra um sentido cada vez mais relativizado, exigindo do operador do direito sua inserção no ordenamento jurídico positivo como um fato disciplinado não só pelo direito privado, e cada vez mais relativizado pelo direito público.

A propriedade privada dissociativa representa um foco de instabilidade nas relações entre os sujeitos econômicos, ao retirar a legitimidade jurídica da disposição do bem economicamente apreciável (ver França, 1997b: 481/482).

A sociedade confere ao Estado, através da concessão de vários mecanismos legais, prescritos na lei constitucional e infraconstitucional, poderes de intervenção na propriedade privada que tem inobservado sua função social, para retificar o curso social de sua disposição.

O princípio da função social da propriedade legitima juridicamente a intervenção do Estado na propriedade em todos de seus diversos graus: da limitação do exercício do direito de propriedade até a própria expropriação.

Reiteramos aqui nossa advertência, já exposta anteriormente (França, 1995: 13):

"Nós defendemos a existência da propriedade privada pois acreditamos na livre iniciativa. Mas o direito de propriedade não pode servir como um instrumento de marginalização da esmagadora maioria da povo brasileiro. A atual sistemática da propriedade, embora a função social esteja prevista expressamente na Carta Magna como elemento fundamental da propriedade e da ordem econômica, induz necessariamente a instabilidade institucional e social brasileira, ameaçando não só a subsistência dos trabalhadores excluídos da sociedade, mas também, da própria propriedade privada. Não é preciso suprimi-la, pois ainda constitui o melhor instrumento para a produção de riqueza: faz-se indispensável à sociedade brasileira reconhecer a função social da propriedade como um princípio essencial à própria existência da propriedade, bem como da Ordem Econômica, em outras palavras, concretizar o bem-estar social exigido pela Constituição Federal para preservar sua própria estabilidade.

A função social da propriedade não constitui sacrifício à propriedade privada, mas sim a garantia mais sólida de sua manutenção pacífica".


NOTAS

1. Em notas tomadas durante as aulas da disciplina "Direito Econômico", do curso de mestrado em direito da Universidade Federal de Pernambuco, ministrada pelo supra citado jurista.

2. "Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou eqüidade, substituir-se ao legislador para formular ele próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com eqüidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério" (STF - RBDP 50/159, apud Theotônio Negrão, 1995: 161).


BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1989.

CANOTILHO, J. J. Gomes & MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. A Nova Proteção Possessória. In: Sílvio Donizete Chagas (org.). Lições de Direito Civil Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1994.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Função Social da Propriedade na Constituição Federal. In: Revista Jurídica In Verbis - 1/1, Natal, UFRN/CCSA/Curso de Direito, maio/junho de 1995. pp. 7/13.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Questões sobre a Hierarquia entre as Normas Constitucionais na Constituição de 1988. In: Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Pernambuco. Vol. 2. Nº 4. Recife: ESMAPE, abril/junho de 1997(a). pp. 467/495.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Instituição da Propriedade e sua Função Social. In: Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Pernambuco. Vol. 2. Nº 6. Recife: ESMAPE, outubro/dezembro de 1997(b). pp. 457/488.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Discricionariedade e Estado Intervencionista - Aspectos Constitucionais e Administrativos. Natal: mimeo, 1997c.

GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). São Paulo: RT, 1990.

MIRANDA. Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda N° 1 de 1969. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo V.

NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Saraiva, 1995.

_____. Código Civil e Legislação Civil em Vigor. São Paulo: Malheiros, 1992.

NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994.

OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da República Federativa do Brasil - Promulgada em 5 de Outubro de 1988. 14 ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1996.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

SARAIVA, Paulo Lopo A Constituição deles não é a nossa. Natal, Cooperativa Cultural, 1993.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

SERRANO, Nicolás Pérez. Tratado de Derecho Político. 2 ed. Madrid: Civitas, 1984

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed. rev. amp., São Paulo: RT, 1991.

SOUTO, Cláudio. Ciência e Ética no Direito - Uma Alternativa de Modernidade. Porto Alegre: saFE, 1992.

VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993.

VEIGA, José Gláucio. A Constituição Econômica. Recife: mimeo, s/d.

VEIGA, José Gláucio. Direito Econômico. Recife: mimeo, s/d.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vladimir da Rocha França

advogado em Natal (RN), professor da UFRN e da Universidade Potiguar, mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), doutor em Direito do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Vladimir Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/676. Acesso em: 15 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos