Constituição, constitucionalismo e transconstitucionalismo sob uma abordagem sistêmica

12/07/2018 às 16:31
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Trazendo uma abordagem à luz da Teoria Dos Sistemas, de Niklas Luhmann, este artigo visa a compreender os princípios que permeiam a busca pela definição de Constituição, bem como a conhecer e relacionar os conceitos da Teoria Sistêmica.

A interpretação jurídica é essencialmente vinculada à concepção que o intérprete tem do Direito. Da mesma forma, entender a essência da constituição dependerá da concepção e da interpretação que se tenha da Constituição. Em sua obra “O direito da sociedade”, no capítulo sobre Argumentação Jurídica, Niklas Luhmann traz sua abordagem a respeito da interpretação, afirmando que a questão da interpretação é originada assim que o texto é escrito e, ao interpretar o texto, o leitor prepara o caminho para a construção de uma argumentação. A interpretação é usada no contexto da comunicação, compreendida como a junção entre linguagem, informação e entendimento, e, no contexto da interpretação jurídica, tem de ser capaz de propor uma decisão acerca de lícito e ilícito (direito e não-direito).

A Constituição, sob um aspecto materialista, apresenta-se como um conjunto de normas jurídico-positivas supremas detectadas em qualquer ordem jurídica, resultando na lei soberana e fundamental de um Estado, determinando sua organização político- jurídica e criada pela vontade do povo. Os elementos envolvidos na concepção liberal de Constituição estão intrinsecamente relacionados à limitação do poder coercitivo do Estado, veiculando consensos mínimos (direitos fundamentais, separação dos poderes, organização dos poderes constituídos) e garantindo o espaço próprio do pluralismo jurídico. A noção moderna de Constituição vincula-se ao constitucionalismo resultante das Revoluções Liberais do século XVIII na França e nos Estados Unidos, juntamente com a evolução jurídico-política britânica.

O surgimento da Constituição, em seu sentido moderno, teve por base a crescente exigência de direitos fundamentais e humanos por parte de uma sociedade com complexidade sistêmica e heterogeneidade cada vez mais expressivas. Sistema e complexidade são conceitos profundamente discutidos por Luhmann. Em primeiro lugar, o autor entende por sistema (aula III, a partir da p.80) a “diferença resultante da diferença entre sistema e meio”; sua Teoria dos sistemas começa, portanto, em um preceito sobre diferença. Luhmann, citando Gregory Bateson, acrescenta uma definição, a da informação, conceituando-a como “uma diferença que leva a mudar o próprio estado do sistema”; o fundamental é que a informação realize uma diferença, não importando se haverá ou não uma imediata reação por parte do receptor, seja de aceitação ou de rejeição.

A produção da informação “decorre da produção de uma diferença em direção à outra”. O sistema pode ser caracterizado como uma forma, entendida como uma “linha fronteiriça que marca uma diferença”, sendo esta forma composta por dois lados: sistema/meio. Para que uma operação produza um sistema, é necessário tempo: “uma operação sem tempo não constitui sistema, mas fica reduzida a um mero acontecimento”. Conclui-se, então, que a diferença entre sistema e meio é resultado do fato de a operação se conectar a operações do seu próprio tipo, deixando de fora as demais.

Em segundo lugar, a abordagem de Luhmann a respeito da complexidade (aula VII, a partir da p.178) estabelece que o meio é dotado de complexidade bem maior que o sistema, sendo necessário estabelecer uma diferença de complexidade entre eles. Como um sistema poderia reagir à elevada complexidade do meio? Quais efeitos produz a relação do sistema com o meio? O meio sempre oferece mais possibilidades do que é possível para o sistema processar e assimilar e, por isso mesmo, o sistema opera de maneira seletiva, no que diz respeito a estruturas e a processos, obrigando-se a “fazer uma seleção da relação entre seus elementos”. A partir da perspectiva formal, define-se complexidade como o aumento da quantidade de elementos de um sistema, o qual resulta em um crescimento geométrico do número das possíveis relações entre os elementos, gerando uma seleção obrigatória entre essas relações por parte do sistema e impossibilitando que “ cada elemento permaneça sempre vinculado”.

Luhmann explicita a definição formal de complexidade como “a necessidade de manter uma relação apenas seletiva entre os elementos”, diferenciando complexidade simples de complexidade complexa. A primeira não seria viável de se trabalhar atualmente, uma vez que permite a relação entre todos os elementos, os quais possuem uma relação bem amarrada e definida; já a segunda necessita de seleção e possui maior capacidade de variação. O que marca a transição da complexidade simples para a complexa é a temporalidade. É importante ressaltar que quando dois sistemas interagem e, por consequência, acoplam-se, nenhum dos dois tem a capacidade de reproduzir em si mesmo a complexidade do outro, pois não possuem a variedade requerida para possibilitar tal atividade. Os modelos de complexidade auxiliam os sistemas a tornarem- se mais capacitados para assimilar as irritações provenientes do meio, o que proporciona a possibilidade de aproximação da racionalidade. “Racionalidade do sistema significa expor-se à realidade, colocando-lhe à prova uma distinção: entre sistema e meio”.

Suspendendo, por enquanto, as definições e os conceitos abordados por Luhmann, voltemos à questão do constitucionalismo. Os constantes processos de complexificação e diferenciação social são inerentes à sociedade moderna, gerando uma pressão que fez emergir uma “aquisição evolutiva”: a constituição. O constitucionalismo moderno enfrenta duas crises; a primeira diz respeito à emergência de formas constitucionais que ultrapassam as fronteiras dos Estados Nacionais e a segunda trata do enfraquecimento do constitucionalismo nacional. Para Luhmann, a diferenciação segmentária entre Estados nacionais representaria, a princípio, um obstáculo para o surgimento de um direito a nível mundial, teorizando sobre o conceito de “sociedade global” (Weltgesellschaft). Ainda sob esse aspecto e considerando uma sociedade fragmentada e sedimentada em uma pluralidade de redes e sistemas, é como se a delimitação de Estados nacionais não encontrasse mais espaço nem identidade funcional.

A dinâmica dos sistemas político e jurídico, bem como dos demais subsistemas sociais (economia, ciência, meios de comunicação), é profundamente alterada pelo processo de globalização, fazendo emergir a possibilidade da formação de constituições transnacionais. Marcelo Neves afirma que tem ocorrido uma profunda transformação nas condições atuais da sociedade mundial, “no sentido da superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo transconstitucionalismo” e o Estado deixa, então, de deter a exclusividade da resolução de problemas constitucionais, passando a ser mais um “loci em cooperação e concorrência na busca do tratamento desses problemas”. Este quadro é resultado de uma integração sistêmica cada vez maior da sociedade mundial, tornando possível a conclusão de que as diversas ordens jurídicas estão entrelaçadas na resolução dos problemas. “O transconstitucionalismo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determinada ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver”.

A conexão entre esse novo constitucionalismo e a globalização traz à superfície a questão do surgimento das “organizações internacionais”, dos “regimes transnacionais” e das denominadas “redes” (networks). A esse respeito, Taubner diz que é necessário que as normas produzidas por esses regimes transnacionais passem por um “teste de qualidade” que determinará sua natureza constitucional. Este teste leva em conta quatro critérios: i) funções constitucionais: “determinar regras limitativas e constitutivas das esferas, não sendo elas meramente regulatórias ou solvedoras de conflitos; ii) arenas constitucionais: “a existência das arenas de processos políticos organizados e de processos espontâneos da opinião pública nas esferas; iii) processos constitucionais: a presença de uma efetiva conexão entre as normas legais desenvolvidas pelos regimes e o contexto social; iv) estruturas constitucionais: a possibilidade de aplicação das normas desenvolvidas pelos regimes para a revisão de leis ordinárias reflexivamente”.

Para Teubner, os fragmentos constitucionais refletem a “imagem oferecida pelo constitucionalismo societal no contexto da globalização” e é inevitável o conflito entre regimes jurídicos transnacionais. Segundo o autor, é possível identificar quatro situações de conflito: “i) conflitos entre norma de dois ou mais regimes internacionais aplicáveis ao mesmo tipo de caso; ii) conflitos decorrentes de quando uma corte, num determinado regime jurídico, depara-se com a possibilidade de usar normas de outros regimes; iii) conflitos produzidos quando a mesma questão jurídica já analisada por uma corte é submetida a outra; iv) conflitos gerados por diferentes tribunais internacionais, ao interpretarem de modos diferentes as mesmas normas jurídicas.

O conceito de constituição fundado no modelo sistêmico de Luhmann aproxima-se da noção moderna de constitucionalização, permitindo o enfrentamento à questão da relação entre texto e realidade constitucionais. A partir dessa abordagem, Marcelo Neves traz a definição de constituição simbólica, no sentido de uma débil concretização jurídico-normativa do texto constitucional, o qual, em função dessa debilidade, perde sua “capacidade de orientação generalizada das expectativas normativas”. Além disso, no que diz respeito à fundamentalização político-ideológica, a constituição simbólica encobriria ativamente os problemas sociais, “obstruindo transformações efetivas e consequentes da sociedade”. Marcelo Neves, ainda conceituando constituição simbólica, traz o termo “alopoiese” do direito – em contraposição ao conceito de autopoiese, que será tratado mais adiante neste artigo – compreendida como a “reprodução do sistema jurídico a partir de critérios, programas e códigos provenientes do seu ambiente.

Para uma melhor compreensão do constitucionalismo, do transconstitucionalismo e da evolução de ambos os processos, serão trazidas a esse artigo as teorias de alguns dos principais autores sobre o tema. Iniciando por Canotilho1, a sua ideia de Constituição passa por uma concepção de Constituição ideal, de caráter liberal, contendo os seguintes princípios: i) deve ser escrita; ii) deve conter um sistem de direitos fundamentais individuais (liberdades negativas); iii) deve conter a definição e o reconhecimento do princípio da separação dos poderes; iv) deve adotar um sistema democrático formal. Todos esses elementos citados estão intrinsecamente relacionados à limitação do poder coercitivo do Estado, condição para a existência de um Estado de direito. “Constituição é a ordenação sistemática e racional da comunidade política, através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”.


1 José Joaquim Gomes Canotilho, nascido no ano de 1941, em Portugal, foi professor Catedrático de Direito Constitucional da antiga e prestigiosa Universidade de Coimbra e autor da consagrada obra “Constituição Dirigente e Vinculação do legislador”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012- nov-12/constituicao-poder-professor-canotilho-constituicao-dirigente


A concepção jurídica, ou concepção puramente normativa da Constituição, vem atrelada à obra de Hans Kelsen, “Teoria Pura do Direito”, segundo a qual a Constituição é um puro “dever ser” e não deve basear-se na filosofia, na sociologia ou na política, mas na própria ciência jurídica. A Constituição deve ser entendida nos sentidos lógico-jurídico e jurídico-positivo: o primeiro diz respeito a uma norma fundamental hipotética; fundamental porque é o que consolida o fundamento da Constituição, hipotética porque essa norma não é posta pelo Estado, é apenas pressuposta. O segundo traz a definição de Constituição escrita como a norma que fundamenta todo o ordenamento jurídico. A partir da elaboração da “pirâmide de Kelsen”, nasce a concepção de supremacia formal da Constituição, a qual deve ser protegida através do controle de constitucionalidade e de rigidez constitucional. Para Kelsen2, não é possível entender o direito como fato social, mas sempre como normas sistematizadas e estruturadas hierarquicamente, as quais fecham o ordenamento jurídico, conferindo unidade ao direito.

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2 Hans Kelsen nasceu em 11 de outubro de 1881, na cidade de Praga, atual República Tcheca. O maior objetivo de sua obra foi analisar e propor os fundamentos e métodos da teoria jurídica, atribuindo ao direito o caráter de ciência e possibilitando, ao jurista, autonomia metodológica e científica.


Carl Schmitt3 defende a concepção política da Constituição, em seu livro “Teoria da Constituição”. Para ele, existe uma decisão política fundamental que antecede a elaboração da Constituição, ou seja, uma decisão sem a qual não é possível organizar ou fundar um Estado. Schmitt diferencia Constituição de Lei Constitucional: tudo o que não diz respeito à decisão política fundamental não é Constituição, mas Lei Constitucional, ou seja, as demais normas presentes na Constituição. A normatização é proveniente de uma decisão política do titular do poder constituinte: o povo, na Democracia, e o monarca, na Monarquia autêntica.


3 Carl Shcmitt, nascido em 11 de julho de 1888, na Alemanha, é considerado um dos maiores juristas especialistas em direito constitucional da Alemanha do século XX; teve, entretanto, sua carreira manchada pela proximidade com o regime nazista.


Lassalle defende que não é possível saber a verdadeira essência de uma Constituição através de definições jurídicas, buscando encontrar o conceito de Constituição por meio do método da comparação entre este dispositivo e uma lei comum, ordinária. A Constituição enquanto Lei Fundamental deve constituir o fundamento das demais leis, trazendo a ideia de uma força eficaz e determinante. Lassalle entende a essência da Constituição de um país como “a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”, ou seja, os poderes da monarquia, da aristocracia, da burguesia, dos banqueiros e do povo. Os problemas constitucionais, para o autor, não seriam problemas de direito, mas de poder; a verdadeira constituição de um país seria teria por base exclusivamente os valores reais e efetivos do poder vigente; as constituições escritas não teriam valor nem durabilidade senão mediante expressão fidedigna dos valores que imperam na realidade social. A interpretação sociológica de Lassalle concebe a Constituição sob a perspectiva da relação dos fatores sociais dentro do Estado, estabelecendo a existência de uma Constituição real – soma dos fatores reais de poder – e de uma Constituição escrita – que não passaria de uma folha de papel. A Constituição real poderia ou não coincidir com a escrita, entretanto, esta sucumbiria, caso fosse contrária àquela.

Em crítica e rebate à teoria de Lassalle, Konrad Hesse defende a força normativa da Constituição, a qual possui a capacidade de modificar a realidade e impor obrigações às pessoas, não cedendo frente aos “fatores reais de poder”. Define a Constituição como “ordem jurídica, fundamental e aberta de uma comunidade”. Por meio de sua pretensão de eficácia, a Constituição visa a imprimir ordem e conformação à realidade política e social, não estando dissociada da realidade histórica concreta de seu tempo, mas, também, não sendo subjugada por essa realidade. Para Hesse, é essencial que a Constituição tenha como requisito essencial de força levar em consideração não apenas os elementos sociais, políticos e econômicos vigentes, mas, principalmente, incorporar o estado espiritual de seu tempo, assegurando o apoio e a defesa da consciência geral. Hesse enfatiza que as questões constitucionais não devem transformar-se em questões de poder, enfatizando o papel decisivo que a interpretação desempenha para a consolidação e a preservação da força normativa da Constituição.

Marcelo Neves inaugura a concepção de Constituição Simbólica, segundo a qual a norma representaria um mero símbolo. Nesse sentido, não teria sido criada para ser concretizada, desempenhando uma função político-ideológica. Sob uma perspectiva sistêmica e semiótica da concretização das normas constitucionais, o autor analisará a preponderância da função simbólica em detrimento da função instrumental da norma jurídica constitucional. A compreensão da Teoria Sistêmica de Luhmann é essencial para compreender a teoria de Marcelo Neves, o qual utiliza conceitos luhmannianos como sistema, ambiente, código binário, diferenciação funcional, fechamento operativo, dentre muitos outros. Relembrando o conceito de sistema, já abordado anteriormente neste artigo, para Luhmann: seria um conjunto de elementos delimitados de acordo com o princípio da diferenciação, elementos esses que formam, entre si, um conjunto distinto dos demais; os elementos excluídos do conjunto compõem o ambiente. A sociedade contemporânea é caracterizada por um sistema diferenciado funcionalmente, o qual se divide em sistemas parciais, como os subsistemas do direito, da política, da economia, etc.

Essa diferenciação funcional de deve à sua alta complexidade e à contingência pela qual é permeada. Tendo sido o conceito de complexidade já aqui abordado, tem-se que contingência se refere à possibilidade de as relações esperadas não corresponderem à realidade, gerando frustração de expectativas. Luhmann reconhece no direito a função estabilizadora da sociedade e, para isso, é necessário que o subsistema jurídico seja autopoiético. Autopoiese, uma palavra de origem grega, significa auto- reprodução. O direito, como um sistema autopoiético, é fechado e auto-referencial, constituindo-se a partir dos elementos que ele mesmo produz; entretanto, esse fechamento não é absoluto, não existindo um completo isolamento de seu ambiente, falando-se, assim, que “o direito é normativamente fechado e cognitivamente aberto”. Neves explica, então, que o sistema do direito, embora fechado, recebe estímulos do ambiente, processando-os de acordo com os seus próprios critérios, ou seja, de acordo com o seu próprio código binário. Marcelo Neves relaciona a constitucionalidade com a reflexividade do sistema, pois representa a normatização das próprias normas jurídicas.

Entendendo constitucionalização como o advento das Constituições modernas, Marcelo Neves defende a ideia de Constituição como acoplamento estrutural entre sistema jurídico e sistema político, uma vez que ambos influenciam-se mutuamente, apesar de manterem a própria operação de acordo com o código binário que é correspondente a cada um, mantendo sua autonomia. É a Constituição quem possibilita a manutenção do caráter autopoiético desses sistemas, embora haja uma “irritação” mútua entre os dois. Do trinômio direito-constituição-política, é possível extrair algumas consequências; a primeira delas refere-se à relevância da Constituição para a autonomia do sistema jurídico, a segunda diz respeito à função social e à prestação política da Constituição. A Constituição, a partir de sua hierarquização interna, permite o desenvolvimento da condição de reprodução autopoiética do direito moderno, contribuindo para o seu fechamento normativo e operacional.

Marcelo Neves (2007) afirma, com base em seu ponto de vista jurídico- sociológico, que “o direito constitucional funciona como limite sistêmico-interno para a capacidade de aprendizado (abertura cognitiva) do direito positivo; em outras palavras: a Constituição determina como e até que ponto o sistema jurídico pode reciclar-se sem perder sua autonomia operacional”. Resumindo: para que o sistema jurídico permaneça autopoiético, deverá absorver e associar influências de outros sistemas dentro das fronteiras estabelecidas pela Constituição, as quais residem no processo legislativo. O autor sugere, ainda, que, no contexto de um Estado Democrático de Direito, é mais adequado falar em pluralidade e circularidade de procedimentos a falar em separação de poderes, posto que o “Estado Democrático de Direito legitima-se problematicamente através da conexão circular e conflituosa entre procedimentos eleitoral, legislativo- parlamentar, jurisdicional e político-administrativo”.

Neves aborda a questão da constitucionalização simbólica de maneira crítica, defendendo a ideia de que o direito, ao invés de ser um sistema autopoiético, seria um sistema alopoiético, ou seja, não possui autonomia operacional, fato causado pela sobreposição do sistema político (igualmente alopoiético) ao sistema jurídico. O autor entende, ainda, que a “constituição simbólica é uma forma de encobrimento da falta de autonomia e da ineficiência do sistema político estatal, sobretudo em relação a interesses econômicos particularistas”. A Constituição simbólica afeta a auto-referência do sistema jurídico – capacidade do sistema de falar sobre si mesmo, ter a si mesmo como objeto –, que é composta por três momentos independentes: a auto-referência elementar, a reflexividade e a reflexão, relacionadas, respectivamente à legalidade, à constitucionalidade e à teoria do direito. A hetero-referência, ou seja, a maneira como o sistema se relaciona com o ambiente e os demais sistemas, também é afetada, influenciando as prestações e funções políticas da Constituição.

Para finalizar, três hipotéticas situações podem ser extraídas como consequência da Constituição Simbólica: a primeira decorreria de uma sociedade inconformada com o estado de coisas resultante da constitucionalização simbólica, gerando uma luta pela implementação de uma Constituição concreta, capaz de guiar e condicionar as relações de poder; a segunda teria a ver com a indiferença desenvolvida pela população, enquanto os donos do poder se aproveitam de sua situação privilegiada; a terceira ocorreria em face a imposição de um regime autoritário, o qual recorreria à constituição instrumental, solução ilusoriamente apresentada à população como uma maneira de devolver-lhe o poder, mas que, na verdade, omitiria mecanismos que institucionalizam a dominação.

CONCLUSÃO

Este trabalho monográfico teve por objetivo apresentar uma evolução histórica e doutrinária das definições de constitucionalização, transconstitucionalização e de Constituição, bem como relacionar a Teoria Sistêmica de Luhmann aos vários conceitos e marcos teóricos usados ao longo das análises aqui feitas. Não é possível esgotar o estudo de todos os autores a respeito do tema, sendo necessário, para compreender a diversidade de abordagens, investigar as mais diversas doutrinas disponíveis.

Foram expostas as distintas concepções constitucionais, como a sociológica, a política, a normativa, a simbólica, dentre outras, facilitando a compreensão de que essa diversidade conceitual e doutrinária é que compõe o sistema do direito, bem como os subsistemas a ele vinculados.

BIBLIOGRAFIA

LOPES DE SOUZA JUNIOR, Luiz. A constituição e seus sentidos: sociológico, político e jurídico. Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1516539/a-constituicao-e-seus-sentidos-sociologico- politico-e-juridico. Acesso em 07/02/2017

AGUIAR VIERIA, Acyr de. A essência da constituição no pensamento de Lassale e de Konrad Hesse. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/388/r139-05.pdf . Acesso em 07/02/2017

AFONSO DA SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. Disponível em:

http://constituicao.direito.usp.br/wp-content/uploads/2005- Interpretacao_e_sincretismo.pdf . Acesso em 07/02/2017

SILVEIRA PORDEUS, Lucas. A teoria de constitucionalização simbólica de Marcelo Neves. Disponível em:

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-teoria-da-constitucionalizacao- simbolica-de-marcelo-neves,55558.html. Acesso em 07/02/2017

NEVES, Marcelo. (Não) solucionando problemas constitucionais: transconstitucionalismo além de colisões. Lua nova, São Paulo, 2014.

NEVES, Marcelo. Luhmann, Habermas e o Estado de Direito. Lua nova, no37, São Paulo, 1995.

VILAS BOAS FILHO, ORLANDO. O problema da constitucionalização simbólica. Resenha do livro: NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. Martins Fontes, São Paulo, 2007. 

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Sobre a autora
Anna Beatriz Pacheco

Estudante de Direito da Universidade de Brasília

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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